Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 390/2017-T
Data da decisão: 2018-03-01   
Valor do pedido: € 44.258,37
Tema: IRS – rendimentos empresariais e profissionais - enquadramento oficioso no regime simplificado ou de contabilidade organizada.
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Decisão Arbitral

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral coletivo constituído em 29 de agosto de 2017, decide nos termos que se seguem:

  1. RELATÓRIO

 

No dia 27.06.2017, A… e B…, casados, residentes na Rua …, n.º…, …-…, Caxias, titulares dos números de contribuinte … e …, respetivamente, apresentaram, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º e n.º 1 do artigo 6.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (adiante “RJAT”), um pedido de constituição de tribunal arbitral singular e de pronúncia arbitral sobre o ato de liquidação n.º 2016…, de 01.07.2016, bem como da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada no âmbito do procedimento n.º …2017…, que manteve aquela liquidação.

 

Seguidos os pertinentes trâmites legais, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, comunicou às Partes a constituição do tribunal arbitral singular no dia 29.08.2017. Nessa mesma data, o Tribunal notificou a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT) para apresentar a sua resposta, bem como o processo administrativo, o que veio a acontecer em 02.10.2017 e 04.10.2017, respetivamente.

 

Em 05.10.2017, o Tribunal notificou as Partes da decisão de dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, do prazo para apresentação de alegações e do prazo para prolação da decisão arbitral.

 

As Partes apresentaram as suas alegações a 23.10.2017 e 03.11.2017, respetivamente Requerentes e Requerida.

 

  1. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

 

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Posições das Partes

 

No pedido de pronúncia arbitral por si formulado, os Requerentes sustentam a ilegalidade do (i) ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016…, de 01.07.2016, referente a 2012, no montante de EUR 44.258,37 (quarenta e quatro mil duzentos e cinquenta e oito euros e trinta e sete cêntimos), montante no qual se inclui o valor de EUR 4.861,47 (quatro mil oitocentos e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos) a título de juros compensatórios, sustentado nas liquidações 2016 … e 2016…, e (ii) da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada no âmbito do procedimento n.º …2017… nos seguintes vícios:

a)         Vício de violação dos números 2 e 10 do artigo 28.º do CIRS por errado enquadramento no regime simplificado e, consequentemente,

b)         Vício de violação da alínea b) do número 1 do artigo 28.º e do artigo 32.º do CIRS por erro na determinação do rendimento tributável.

 

Os vícios arguidos têm fundamento, de acordo com os Requerentes, nos seguintes argumentos:

  1. O Requerente deveria ter sido obrigatoriamente enquadrado no regime de contabilidade organizada, e não no regime simplificado, por não se verificarem as condições de que a lei então em vigor fazia depender a inclusão no regime simplificado;
  2. No ano que foi imputado o rendimento ao Requerente marido pela alienação do referido inventário (os 10 lotes adquiridos por permuta em 2007), deveriam os SIT ter reconhecido o gasto correspondente ao valor de aquisição inicial (400.000 EUR), acrescido dos demais investimentos realizados no mesmo e que, no mínimo, seria no valor de € 398.526,56;
  3. Deveriam ainda concorrer para a formação do lucro tributável outros custos incorridos no mesmo ano e que fossem indispensáveis, como é o caso do IMI que incidiu sobre os referidos lotes, no valor de € 4.123,51.

 

Em Resposta, a Requerida pronunciou-se no seguinte sentido:

 

Decorre de todos os elementos que constituem o Processo Administrativo que o Requerente marido, após solicitar esclarecimentos à AT sobre qual o procedimento que fiscalmente deveria adotar em sede de IRS relativamente à alienação de lotes de terreno no ano de 2012, precedida de uma operação de loteamento, ficando o comprador com a responsabilidade de concluir as infraestruturas e após ter sido devidamente esclarecido, optou por não seguir o entendimento que lhe foi comunicado.

 

Em consequência, o Requerente marido foi alvo de uma ação de inspeção, tendo sido inscrito na atividade de “Compra e Venda de Bens Imobiliários” – CAE 68100, para o ano de 2012, enquadrado na categoria B – rendimentos empresariais/profissionais no regime simplificado.

 

Considera a AT que os acréscimos patrimoniais só são enquadráveis na categoria G, nos termos do artigo 10.º do CIRS, se preencherem um primeiro e essencial requisito legal negativo – “não serem considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais”, pelo que o enquadramento legal da situação deve iniciar-se pela verificação da possibilidade de enquadramento do “acréscimo patrimonial” numa das demais categorias de tributação de rendimentos.

 

Ora, da conjugação da alínea a) do n.º 1 do art. 3.º e alínea h) do art. 2.º do CIRS resulta que os rendimentos provenientes da prática de atos isolados referentes a atividades comerciais ou industriais são considerados rendimentos empresariais e obtêm enquadramento em rendimentos da categoria B.

 

Ou seja, qualifica como atividades comerciais e industriais, designadamente as urbanísticas e de exploração de loteamentos, e como rendimentos empresariais e profissionais, de acordo com a alínea a), n.º 1 do art. 3.º do CIRS, os decorrentes do respetivo exercício.

 

Na presente situação, a venda de lotes de terreno precedida de uma operação de loteamento, na medida em que pressupõe uma atividade exercida de atos de valorização dos mesmos, (atividade esta, que retira aos ganhos obtidos com a posterior venda dos lotes, a natureza fortuita caracterizadora dos ganhos de mais-valias), configurando-os assim, em atos de natureza comercial e industrial, suscetíveis de gerar rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS no âmbito da categoria B, de acordo com o disposto na alínea g) do n.º 1 do art. 4.º CIRS.

 

Por outro lado, para efeitos de apuramento da base tributável, apenas serão consideradas as importâncias recebidas pelas vendas dos lotes de terreno, conforme disposições conjugadas das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 115.º e alínea a) do n.º 1 do art. 116.º do CIRS (isto é, € 509.100,00 x 0,20 = 101.820,00), atendendo a que o rendimento a englobar para efeitos de tributação, em virtude de não terem ainda sido aprovados indicadores de base técnico-científica para os diversos sectores de atividade, é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 sobre o valor das vendas de mercadorias e produtos (n.ºs 1 e 2 do art. 31.º do CIRS).  

 

Deste modo, atendendo a que se trata da alienação de lotes de terreno resultantes da realização de operações de loteamento promovida pelos Requerentes, essa operação integra-se no conceito de atividade comercial para efeitos de IRS, de “exploração de loteamentos” (al. g) do n.º 1 do art. 4.º CIRS), ainda que o exercício dessa atividade por parte dos Requerentes possa ter sido ocasional, ou seja abrangendo aquele único terreno dividido em 29 lotes.

 

Assim, não tendo o Requerente marido efetuado a entrega de declaração modelo 3 de IRS, retificada, a AT procedeu à inscrição dos rendimentos no anexo B e procedeu, nos termos do.º 4 do art. 65.º CIRS ao apuramento do rendimento coletável.

 

Deste apuramento da matéria coletável verifica-se que o valor ilíquido imputado à categoria B foi de € 101.820,00, pelo que o seu enquadramento em sede de categoria B, relativamente ao IRS do ano de 2012, encontra-se correto.

 

Igualmente se verifica a inexistência de violação da alínea b) do n.º 1 do do art. 28.º e art. 32.º do CIRS – erro de determinação do rendimento – pela razão de que o Requerente marido não se encontra, no ano de 2012, enquadrado no regime de contabilidade organizada.

 

O que se verifica é que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais prevista no art. 28.º do CIRS do Requerente marido foi efetuada com base na alínea a) n.º 1 dessa disposição legal e a liquidação do imposto foi efetuada nos termos do art. 76.º do CIRS.

 

Por tudo isto, entenda a AT ter procedido a uma correta aplicação da lei, não sendo devidos quaisquer juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

  1. Em 07.08.2007, por escritura pública de permuta celebrada com a Sociedade C…, Lda., os Requerentes adquiriram, pelo montante de € 400.000,00, o prédio denominado “…”, com a área de 34.930 m2, situado na freguesia da …, concelho de …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, secção … e na respetiva matriz urbana sob os artigos … e …;
  2. Em momento anterior ao da escritura de permuta referida em A), a Câmara Municipal de … tinha aprovado um estudo prévio de loteamento do referido prédio para 29 lotes.
  3. Desses 29 lotes, o Requerente marido cedeu 10, designados pelos n.º (s) 11, 12, 13, 14, 22, 23, 24, 25, 26 e 27, pelo montante € 400.000,00 à Sociedade C…, Lda. no âmbito da permuta referida em A).
  4. O Requerente marido solicitou esclarecimento, junto da DSIRS, quanto ao lucro que ia ser considerado no seu IRS pela alienação que pretendia efetuar de 19 lotes de terreno, no ano de 2012, ficando o comprador com a responsabilidade de concluir as infra-estruturas.
  5. O Requerente marido apresentou o modelo 1 do IMI para inscrição dos lotes de terreno, com o respetivo alvará de loteamento, bem como à atividade exercida pelo mesmo no ramo imobiliário, na qualidade de administrador/gerente de várias sociedades daquele ramo;
  6.  A AT considerou então que os ganhos possuíam natureza empresarial, sendo resultantes de uma atuação intencionalmente lucrativa, produzindo rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria B, nos termos do disposto no artigo 3.º e alínea a) do n.º 1 do art. 4.º do CIRS
  7. O Requerente marido suportou o valor de € 344.850,00 referente aos projetos de arquitetura e especialidades relativos ao loteamento;
  8. O Requerente marido suportou ainda os valores de € 23.452,30 e de € 30.224,26 a título de trabalhos executados na empreitada de loteamento;
  9. Com referência ao ano de 2011, o Requerente marido pagou o valor de € 4.123,51 a título de IMI pela propriedade dos referidos lotes;
  10. Em 08.02.2012, os Requerentes procederam à venda dos 19 lotes à sociedade D…, Lda., pelo montante de € 509.100,00;
  11. Em 2013, os Requerentes reportaram a alienação dos imóveis acima identificados na Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS referente ao ano de 2012, Anexo G, referente a mais-valias e outros incrementos patrimoniais;
  12. Em 2016, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa (adiante SIT) iniciaram uma inspeção ao exercício de 2012, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2014…, e cujo projeto de relatório foi notificado ao Requerente marido por ofício de 15.04.2016;
  13. No relatório, os SIT concluíram qua a alienação de lotes de terreno para construção-loteamento, deveria ser tributada no âmbito da categoria B do IRS.
  14. Os SIT procederam à inscrição do Requerente marido na atividade de “Compra e Venda de Bens Imobiliários” – CAE 68100, para o ano de 2012, e efetuaram o seu enquadramento no regime simplificado de tributação;
  15. Os SIT procederam ao apuramento do rendimento tributável mediante a aplicação do coeficiente de 0,20, aplicável no caso de venda de mercadoria e produtos, ao valor de venda dos referidos lotes, do qual resultou uma correção aritmética no valor de € 101.820,00, correspondente à alteração do rendimento coletável de € 64.492,90 para € 166.312,90.
  16. Os Requerentes foram notificados, por ofício n.º…, de 03.06.2016, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que manteve a correção e reiterou a argumentação vertida anteriormente;
  17. Em 14.07.2016, os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS, da qual resultou a pagar o montante de € 44.258,37;
  18. Em 14.07.2016, os Requerentes foram notificados das liquidações de juros compensatórios, através das liquidações 2016 … e 2016 …;
  19. Em 14.07.2016, os Requerentes foram notificados da demonstração de acerto de contas, com o número de compensação 2016 …, de 5.07.2016, através do qual, era exigido o pagamento da liquidação adicional que se impugna, acrescido ainda do pagamento do reembolso inicial que a AT tinha feito, no montante de € 1.205,77 a título de estorno da liquidação de 2012;
  20. Em 28.07.2016, os Requerentes procederam ao pagamento dos montantes exigidos.

 

  1. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e em factos enunciados pelas Partes nas respetivas peças processuais relativamente aos quais não existe controvérsia.

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que for alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).

 

Os factos são selecionados de acordo com a respetiva pertinência jurídica, a qual é determinada em função das várias soluções possíveis para a causa (cf. o anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, atual 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima enunciados.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

A questão que importa decidir no presente processo prende-se com a aplicação, na situação dos Requerentes no exercício de 2012, do regime simplificado de tributação de rendimentos da categoria B de IRS ou do regime de contabilidade organizada.

 

Resulta da posição assumida pelas Partes que não está em causa o enquadramento dos rendimentos em sede de categoria B, mas sim a sua tributação nos termos do regime simplificado e não do regime de contabilidade organizada.

 

Ora, quanto a esta questão, a Requerente argumenta que não poderia ter sido tributada de acordo com o regime simplificado porque, nos termos do n.º 2 do art. 28.º do CIRS na redação em vigor à data dos factos, os sujeitos passivos com rendimentos empresariais e profissionais só podiam optar pelo regime simplificado caso não tivessem auferido um montante anual líquido de rendimentos superior a € 150.000,00; que, no caso, o rendimento a considerar é o resultante da alienação dos imóveis, ou seja, € 509.100,00, o qual é manifestamente superior aos € 150.000,00 previstos para a adesão ao regime simplificado, pelo que o sujeito passivo deveria ter sido enquadrado no regime de contabilidade organizada, por força dos acima citados números 2 e 10 do artigo 28.º do CIRS.

 

Quanto à AT, entende que o rendimento a ter em conta não é o resultante da alienação dos imóveis, ou seja, o rendimento total obtido no âmbito da categoria B, mas sim o rendimento a englobar, o qual resulta da aplicação ao rendimento total do coeficiente de 0,20 sobre o valor das vendas de mercadorias e produtos (de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 31.º do CIRS então em vigor), sendo o resultado dessa operação, no caso concreto, o valor de € 101.820,00. Em suma, o valor é inferior ao patamar de € 150.000, pelo que a tributação deve ocorrer nos termos do regime simplificado e não no de contabilidade organizada.

 

A decisão desta questão passa, portanto, pela interpretação do disposto nos n.ºs 2 e 10 do artigo 28.º do CIRS em vigor à data dos factos:

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 150 000.

10 - No exercício de início de actividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor anual de rendimentos estimado, constante da declaração de início de actividade, caso não seja exercida a opção a que se refere o n.º 3. 

(sublinhados nossos)

 

Da conjugação destas normas decorre, salvo melhor opinião, que, independentemente de o enquadramento do regime se fazer com base em períodos de tributação anteriores ou em conformidade com os rendimentos estimados (ou já realizados) para o próprio ano, o rendimento a ter em conta é, inequivocamente, atendendo à letra do n.º 2 do artigo 28.º, o rendimento ilíquido (a norma refere “montante anual ilíquido de rendimentos”.

 

Ora, o que defende a AT é que o rendimento a ter em conta já é o resultante dos coeficientes previstos então no artigo 31.º do CIRS. Contudo, esta disposição legal refere-se já ao apuramento do rendimento tributável no âmbito do regime simplificado, ou seja, prevê a forma de obtenção do rendimento que irá ser sujeito a tributação, já descontado do valor que, conforme o setor de atividade em questão, o legislador considera adequado considerar como custo da atividade que permitiu o apuramento do rendimento total/ilíquido. Não podemos, salvo melhor opinião, considerar que é esse o valor a que o legislador se refere quando fala em “rendimento ilíquido” no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS.

 

Quanto a este ponto, entende, portanto, este tribunal que assiste razão aos Requerentes e que a tributação dos rendimentos obtidos no âmbito da categoria B deveria ter ocorrido no âmbito do regime de contabilidade organizada e não no âmbito do regime simplificado de tributação.

 

Posto isto, alegam os Requerentes que:

(i) No ano que foi imputado o rendimento ao Requerente marido pela alienação do referido inventário (os 10 lotes adquiridos por permuta em 2007), deveriam os SIT ter reconhecido o gasto correspondente ao valor de aquisição inicial (€ 400.000), acrescido dos demais investimentos realizados no mesmo e que, no mínimo, seria no valor de € 398.526,56;

(ii) Deveriam ainda concorrer para a formação do lucro tributável outros custos incorridos no mesmo ano e que fossem indispensáveis, como é o caso do IMI que incidiu sobre os referidos lotes, no valor de € 4.123,51.

 

Ora, se é verdade que, não tendo a AT efetuado o correto enquadramento jurídico do facto tributário, a liquidação objeto de impugnação não pode manter-se por se verificar um vício de errónea quantificação de rendimentos, nos termos do disposto no artigo 99.º, alínea a) do CPPT, e que, portanto, a liquidação deve ser anulada, já não pode este tribunal substituir-se à AT e proceder a uma nova liquidação de imposto com base no regime de contabilidade organizada. Com efeito, as competências deste Tribunal enquadram-se num regime de contencioso de anulação em que cabe apenas averiguar se o ato é legal ou ilegal e, no segundo caso, proceder à sua anulação.

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, resulta do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Considera-se haver erro imputável à administração quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

 

No caso concreto, considera-se ter havido erro imputável à AT no apuramento do imposto devido, uma vez que a tributação procede do errado enquadramento no regime simplificado em vez do regime de contabilidade organizada. Nestes casos, uma vez que se verifica a anulação da liquidação, o legislador presume que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, o contribuinte tem direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

 

No caso presente, como os Requerentes pagaram os montantes fixados na liquidação impugnada e anulada pela presente decisão arbitral, encontra-se preenchida a previsão do n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Em consequência, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento da liquidação de imposto anulada até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão, nos termos do n.º 4 do artigo 61.º CPPT, à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43.º da LGT.

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2016…, de 01.07.2016, referente a 2012, no montante de € 44.258,37 (quarenta e quatro mil duzentos e cinquenta e oito euros e trinta e sete cêntimos), montante no qual se inclui o valor de € 4.861,47 (quatro mil oitocentos e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos) a título de juros compensatórios, sustentado nas liquidações 2016… e 2016…, e da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º …2017…;

b) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, calculados desde a data de pagamento da liquidação agora anulada até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 44.258,37, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

 

Custas

O montante das custas é fixado em € 2 142.00, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 1 de março de 2018.

A Árbitro

 

(Raquel Franco)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.