Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 313/2017-T
Data da decisão: 2018-03-12  IRC  
Valor do pedido: € 167.444,33
Tema: IRC - Dedutibilidade de encargos suportados com empréstimos contraídos junto de uma empresa do mesmo grupo económico.
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Decisão arbitral

 

 

  1. Relatório

 

A.., LDA., pessoa coletiva nº…, com sede em … (adiante designada por A… ou Requerente),  veio, em 04/05/2017, ao abrigo dos artigos 2º nº 1, alínea a) e 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado RJAT) e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nºs 2016…, 2016… (juros compensatórios) e 2016… (acerto de contas), referentes ao exercício do ano de 2012, num total de € 167.444,33.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04/05/2017.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, tendo eles comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados dos artigos 11º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico, pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 14/07/2017.

Devidamente notificada, a AT apresentou, no prazo legal, resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se unicamente por impugnação e juntando cópia do processo administrativo.

Dispensada que foi a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, por se entender, no caso, inútil, o tribunal convidou as partes a produzir alegações por escrito, o que fizeram, reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

Prorrogado por dois meses o prazo para a decisão, nos termos do artigo 21º nº2 do RJAT, foi fixado o dia 12/03/2018 para a sua prolação.

Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade das liquidações acima identificadas, que incluem juros compensatórios, tudo no montante de € 167.444,33, com a sua consequente anulação e restituição do montante já por si pago, acrescido de juros indemnizatórios.

As liquidações enfermam de vícios de violação dos artigos 104º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 75º nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 15º, 17º e 23º do Código do IRC (CIRC), sendo que não está fundamentada a liquidação de juros compensatórios, com o que violado foi, ainda, o artigo 35º nº 9 da LGT.

 

 

  1. Saneamento

 

O tribunal arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não enferma de nulidades nem há exceções ou questões prévias a decidir.

Assim, não existe qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

  1. Matéria de facto

 

Com relevo para a decisão da causa, mostram-se provados, resultantes do exame crítico da prova documental junta ao processo, maxime, os relatórios das inspeções levadas a cabo pela AT, os factos seguintes:

a) A Requerente tem como atividade principal a gestão de resíduos, sendo o código de Classificação das Atividades Económicas (CAE) principal 38220 – Tratamento e eliminação de resíduos perigosos, CAE secundário 1: 010920 – Fabricação de alimentos para animais de companhia, CAE secundário 2: 032996 – Outras indústrias transformadoras diversas, NE; CAE secundário 3: 082990 – Out. atividades serviços de apoio prestados às empresas, NE.

b) Está enquadrada, desde 01.01.2006, para efeitos de IRC, no regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS).

c) Em 2012, este regime foi aplicado à A…, Lda, e às sociedades B…, Lda. e C.., Lda..

d) Nos termos da ordem de serviço n.º OI2015… de 19.06.2015, os serviços de inspeção da AT realizaram uma inspeção interna à Requerente, de âmbito parcial, ao período de tributação de 2012, centrada no IRC.

e) Em 19.10.2016 foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária no qual a AT propunha efetuar um acréscimo ao lucro tributável de € 554.188,00.

f) A Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia, pelo que foi notificada a 17.11.2016, por ofício n.º … de 16.11.2016, do Relatório de Inspeção Tributária, no qual foi mantida a correção proposta nos termos constantes do Projeto de Relatório.

g) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2016…, de 24.10.2016, foi realizada uma segunda inspeção tributária interna à Requerente, de âmbito parcial, em sede de IRC e referente ao período de tributação de 2012, aqui no contexto do RETGS, tendo sido notificada em 15.11.2016 do Projeto de Relatório de Inspeção no âmbito do qual a AT propunha efetuar um acréscimo à matéria coletável do RETGS de € 554.188,00, passando a mesma a ser de € 3.217.285,20.

h) A Requerente também optou por não exercer o seu direito de audição, tendo sido notificada através do ofício n.º … de 30.11.2016, do Relatório de Inspeção Tributária, no qual foi confirmada a correção inicialmente proposta.

i) Subsequentemente, a Requerente foi notificada das liquidações de IRC n.º 2016…, de juros compensatórios n.º 2016… e de acerto de contas n.º 2016…, as quais incorporaram as correções efetuadas em sede de inspeção, das quais resultou o montante total de imposto a pagar de € 167.444,33.

j) A Requerente pagou estas liquidações de imposto e juros (cf. Doc. 16 junto com o Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral).

k) A Requerente adquiriu, em momentos temporais diversos, sociedades que atuam no seu setor de atividade, nomeadamente, a B… e a D…, Unipessoal, Lda. (entidade que veio a ser fundida com a B…, em 16.05.2012.

l)- A Requerente acordou, em 2010 e 2011, com a sua acionista maioritária, a sociedade de capitais luxemburgueses E… S.A.R.L., a concessão de suprimentos que totalizaram o montante de € 18.205.000,00.

m) Consta dos respetivos contratos que é seu propósito o reembolso de empréstimos existentes, o financiamento de aquisições e de despesas operacionais gerais.

n) De acordo com os mesmos contratos, os financiamentos concedidos pela E… à ora Requerente sob a forma de suprimentos venciam juros à taxa Libor acrescida de um spread de 2 ½ % sobre o montante em dívida (cfr. documento n.º 2).

o) Relativamente ao período de tributação de 2012, a Requerente contabilizou e deduziu fiscalmente como juros devidos à E…, por força dos suprimentos contratados, o montante de € 554.188,24.

p) Ao longo dos períodos de tributação de 2011 e 2012 a Requerente concedeu à B… empréstimos, sob a forma de suprimentos, no montante de € 2.724.000, dos quais € 459.023,23 foram reembolsados.

q)- Em 2011 a Requerente concedeu empréstimos à D…, sob a forma de suprimentos, os quais totalizaram a importância de € 1.231.000,00 tendo também entretanto ocorrido o reembolso à Requerente do montante de € 270.000,00.

r) Ficou também estabelecido nesses contratos que os financiamentos concedidos pela Requerente à B… e à D… sob a forma de suprimentos venciam juros à taxa Euribor acrescida de um spread de 1,5% sobre o montante em dívida.

s) No período de tributação de 2012 a Requerente contabilizou como juros recebidos das suas subsidiárias, relacionados com os suprimentos contratados, € 64.452,24.

t) Dos relatórios das inspeções supra referidas, aqui dados por integralmente reproduzidos, consta que:

Face ao facto de o sujeito passivo estar a suportar encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes de empréstimos que o mesmo contraiu e de simultaneamente estar a conceder empréstimos, importa avaliar se estes encargos são ou não aceites fiscalmente, face ao disposto no artigo 23.º do CIRC” “No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contraiu empréstimos, suportando encargos com os mesmos, e, simultaneamente, concede financiamento à empresa B…

Daqui resulta que a totalidade dos referidos encargos não estão diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo” pelo que “não [sendo a Requerente] uma sociedade gestora de participações de capital (…) não se mostra cumprido o requisito da indispensabilidade dos encargos financeiros contabilizados pelo sujeito passivo, conforme estabelecido no artigo 23.º do CIRC”.

Concluindo-se por “não aceitar fiscalmente a totalidade dos juros de empréstimos obtidos contabilizados pelo sujeito passivo”.

 

Não ficaram por provar factos relevantes para a apreciação do mérito da causa.

 

  1. Matéria de direito

 

Vejamos, então, as razões que levaram a AT a efetuar as correções à matéria tributável do sujeito passivo, e bem assim do grupo, e a emitir um ato de liquidação adicional de IRC, respeitante ao período de tributação de 2012.

 

  1. POSIÇÃO DA AT

É de referir, desde já, que na Resposta ao pedido de constituição de tribunal arbitral apresentada pela AT esta se limita a remeter para as Conclusões dos Relatórios de Inspeção supra referidos.

4.1.1. Encargos suportados com empréstimos contraídos

Na análise efetuada aos elementos contabilísticos do exercício de 2012, a AT verificou que o sujeito passivo tinha recorrido a financiamento junto do grupo económico a que pertence, os quais foram contabilizados nas subcontas da conta SNC 25 (Financiamentos Obtidos) e 26 (Acionistas/Sócios) no total de € 18.205.000,00.

Estes empréstimos, obtidos a 28.12.2010 e 03.04.2011, conforme contratos remetidos pelo sujeito passivo (Doc. 2 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral – “Pedido”) tiveram como finalidade “repay existing loans, fund aquisitions by F…, Lda [atual A…, Lda] and for general operating cash purposes”, ou seja, pagamento de empréstimos existentes, aquisições de fundos e apoio à tesouraria em geral.

Por outro lado, o sujeito passivo indicou como custos dos empréstimos obtidos o valor de € 554.208,24, no saldo da conta “691-Juros suportados”.

Em conformidade com os extratos das contas 272239 (Juros a Liquidar A…) e 69119 (Intercompanhias), a totalidade de gastos registados a título de encargos financeiros referentes a empréstimos obtidos, a saber juros de financiamento obtido, a qual ascende a € 554.188,00, encontra-se registada por contrapartida da conta 272239 (Juros a Liquidar A…).

A AT salienta, por um lado, que em resposta ao pedido adicional de elementos efetuados via email de 16.05.2016, em sede do qual foi solicitado a remessa de “cópia de todos os documentos suporte emitidos por entidades externas relativos aos movimentos registados na conta 69119 – “Intercompanhias” saldo devedor de             € 554.188,00”, o sujeito passivo enviou o extrato desta conta, cópia de emails onde são refletidos os apuramentos dos gastos registados, e documentos contabilísticos – sendo todos documentos internos.

Foi efetuado um 2.º pedido adicional de elementos via email de 01.08.2016, novamente relativamente aos juros registados na conta 69119 – “Intercompanhias”, saldo devedor € 554.188,00, solicitando (a) o envio de cópias de todos os documentos suporte emitidos por entidades externas relativos aos movimentos registados na conta Extrato; (b) caso os documentos a enviar fossem os mesmos já enviados anteriormente, a indicação de se tinham sido emitidas faturas, e em caso afirmativo, o envio de cópias das mesmas; e ainda (c) a indicação da data de pagamento dos juros em apreço.

O sujeito passivo não respondeu a este pedido.

 

4.1.2. Empréstimos concedidos a terceiros

Por outro lado, a AT salienta que o sujeito passivo apresenta no exercício de 2012 saldo devedor na conta 266015 -“B… Lda”-, relativamente a empréstimos concedidos nos anos de 2010 e 2011 à entidade B…, Lda e à entidade D…, Unipessoal, Lda a qual foi fundida com a primeira a 16.05.2012.

 

  1. Enquadramento legal dos gastos financeiros

Aqui chegados, tendo em conta o facto de o sujeito passivo estar a suportar encargos financeiros, nomeadamente juros, resultantes de empréstimos que contraiu e simultaneamente estar a conceder empréstimos a entidades do grupo, a AT considerou relevante avaliar se estes encargos eram ou não aceites fiscalmente, face ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

Socorrendo-se do n.º 1 do artigo 23.º e da alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC, com a redação vigente no período de tributação de 2012, a AT elencou três requisitos essenciais para que os encargos financeiros suportados fossem valorados e aceites como gasto fiscal:

A comprovação (justificação) – efetividade da realização dos custos, a qual consiste em “várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, ou seja, à sua prova documental”;

A indispensabilidade – relação justificada do custo com a atividade produtiva da empresa, este requisito verifica-se “desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro”; e

A ligação aos ganhos sujeitos a imposto – compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, decorre do princípio geral do artigo 23.º do Código do IRC “que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas à obtenção dos ganhos sujeitos a imposto, ou à manutenção da fonte produtora.

Ora, in casu, a AT – partindo do pressuposto de que o sujeito passivo contraiu empréstimos, suportando encargos com os mesmos e, simultaneamente, concedeu financiamentos à empresa B… Lda. – considerou que a totalidade dos encargos não estava diretamente relacionada com a atividade do sujeito passivo, que não é uma sociedade gestora de participações de capital (SGPS). Por esta razão, considerou que não se mostrava cumprido o requisito da indispensabilidade dos encargos financeiros contabilizados pelo sujeito passivo.

Por outro lado, a AT entendeu que o sujeito passivo não apresentava a documentação suporte inerente aos encargos financeiros (remetendo para o ponto III.1.1 do Relatório), sendo que a falta de apresentação destes documentos impediu a Administração Tributária de aferir “quer a correta contabilização dos encargos financeiros, quer a sua justificação, quer ainda a sua ligação aos ganhos sujeitos a impostos”, pelo que entendeu que não se mostrava cumprido “o requisito de gasto”, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 2 do 123.º do Código do IRC.

Não se encontrando preenchidos os requisitos da dedutibilidade dos gastos, a AT concluiu que não seria de aceitar fiscalmente a totalidade dos juros de empréstimos obtidos contabilizados pelo sujeito passivo, resultando um montante total de encargos financeiros não aceites no valor de € 554.188,00.

 

  1. POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Segundo a Requerente, os atos tributários, decorrentes das ações de inspeção, padecem de vício de violação de lei, baseando-se a AT numa interpretação incorreta das normas legais concretamente aplicáveis.

Em primeiro lugar, a Requerente alega que a AT cometeu “vários e grandíssimos erros lógicos” aquando da fundamentação da correção ao lucro tributável daquela.

  • O primeiro terá sido o facto de ter considerado que a totalidade dos encargos do sujeito passivo não estava diretamente relacionada com a sua atividade. Neste sentido, a Requerente salienta a existência de uma impossibilidade matemática de se considerar que todos os suprimentos obtidos junto da E… (alegadamente no valor de € 18.205.000,00) tenham sido utilizados para conceder suprimentos às entidades suas relacionadas (alegadamente no valor de € 3.225.976,77).

Com efeito, a Requerente salienta que o financiamento concedido à entidade terceira é muitíssimo inferior ao financiamento que obteve (cerca de 82,3%).

Assim, defende que a correção ao lucro tributável no montante de € 456.096, 72 (€ 554. 188,00 * 82,3%) deve ser considerada excessiva e ilegal, por decorrer de regras da lógica e matemática que uma parte significativa dos empréstimos que foram concedidos pela E… à Requerente não apresenta uma ligação com os empréstimos por esta concedidos à B… .

Consequentemente, requer subsidiariamente que as liquidações de IRC e juros compensatórios impugnadas sejam anuladas na parte correspondente - € 137.806,68 (€ 167.444,33 * 82,3%), concluindo que o entendimento da AT é ilegal e inconstitucional por violação do princípio da tributação pelo lucro real.

  • O segundo vício lógico da AT decorre, segundo a Requerente, do facto de a mesma se ter “declarado ‘impedida’ de estabelecer uma ‘ligação’ entre: (i) os gastos financeiros (que a AT confirma terem sido contabilizados) com os financiamentos passivos contraídos pela Requerente junto da E…, e (ii) Os juros (que a AT confirma terem sido auferidos e dados a tributar) que aquela obteve por via dos financiamentos concedidos à B…”.

Para promover e fundamentar este impedimento, a Requerente entendeu que a AT se socorreu de dois argumentos: por um lado, o facto de aquela não se tratar de uma SGPS, logo os suprimentos concedidos extravasam o âmbito da sua atividade e, por outro, do facto de a Requerente não ter efetuado o pagamento dos encargos financeiros aqui em causa ou do facto de não ter apresentado documentação comprovativa desse pagamento.

A Requerente defende neste ponto a indispensabilidade dos encargos financeiros deduzidos. Assim, afirma que, de acordo com a formulação do artigo 23.º do Código do IRC vigente à data dos factos, a regra era a de que, para os encargos financeiros serem considerados como gastos fiscais, bastava que fossem, em abstrato, idóneos ou indispensáveis para a realização de rendimentos ou um meio para assegurar a manutenção da sua fonte produtora, estabelecendo aliás a alínea c) do n.º 1 deste artigo que eram dedutíveis os “encargos financeiros, tais como juros”.

Por esta razão, a Requerente defende que cabia à AT um ónus acrescido de demonstrar por que razão considerou que os juros incorridos não respeitavam o critério da indispensabilidade.

Ademais, a Requerente salienta o entendimento – confirmado pela doutrina e pela jurisprudência invocada – de que “num ordenamento jurídico que reconhece a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade privada, a bondade das opções empresariais não pode ser sindicada pela AT, a menos que sobre as mesmas recaia a suspeita de que são ilegais ou que visam a prossecução de interesses alheios (e.g dos sócios, de membros de órgãos estatutários ou de terceiros).

Deste modo, a Requerente alega que a AT se limitou a constatar que aquela concedeu um pequeno montante de suprimentos às suas participadas e (com base no entendimento jurisprudencial de que as prestações efetuadas, de forma gratuita, por sociedades que não configuram uma SGPS, e que não se encontram abrangidas pelo RETGS, a empresas associadas, não podem ser consideradas como gastos fiscais) resolveu desconsiderar fiscalmente a totalidade dos juros incorridos pela Requerente.

Contudo, a Requerente salienta que, in casu, não estão em causa suprimentos gratuitos, a Requerente e a B… estão abrangidas pelo RETGS e os encargos financeiros suportados pela Requerente não podem ser considerados como decorrentes dos suprimentos efetuados às suas participadas.

Mesmo que os encargos financeiros fossem suportados para conceder estes suprimentos, estes seriam, em sua opinião, dedutíveis. Neste sentido, a Requerente recorre a doutrina e jurisprudência para defender uma interpretação ampla do artigo 23.º do Código do IRC, “para nele se incluírem todas as operações resultantes do uso do património dos sujeitos passivos com um fito empresarial, em particular dos seus ativos e gestão dos seus passivos, que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).”.

No fundo, a Requerente defende que a atividade produtiva não deve ser entendida num sentido restritivo, diretamente relacionado com o objeto social da sociedade, mas sim de um modo amplo, abrangendo qualquer atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta gastos.

Assim, considera evidente que, no caso em apreço, a detenção de participações e a respetiva gestão de outras entidades, bem como a contratação de empréstimos para financiamento dessa mesma atividade através de suprimentos, ainda que gratuitos, não devem deixar de considerar-se incluídas no interesse e atividade económica da Requerente. Consequentemente, não podiam os juros incorridos deixar de ser considerados como dedutíveis e aceites como gastos fiscais.

  • O último vício lógico da AT diz respeito à falta de comprovação dos encargos financeiros incorridos, em especial, o facto de ter invocado que a Requerente apenas lhe havia apresentado documentos internos e que “não lhe havia disponibilizado, nem comprovado documentalmente, uma série de elementos e informações necessárias para a correta aferição da contabilização de tais gastos, da respetiva justificação e ligação a ganhos sujeitos a imposto”.

Aqui a Requerente entende que disponibilizou todos os documentos e informações associados aos contratos de empréstimo obtidos e concedidos junto de partes relacionadas e que, contrariamente ao alegado pela AT, apresentou informações e documentos que permitiram à AT e qualquer pessoa de boa-fé compreender (i) o racional subjacente à contratualização de empréstimos junto de partes relacionadas, (ii) os termos e condições negociados, (iii) os montantes de encargos financeiros suportados pela Requerente, os moldes como os encargos foram registados na contabilidade e divulgados nas declarações fiscais, (iv) a conexão que esses encargos apresentavam, tendo em conta a atividade económica desempenhada pela Requerente e (v) o enquadramento fiscal que a Requerente atribuiu aos ditos encargos financeiros.

Por outro lado, partindo do pressuposto de que a AT parece entender que os juros de suprimentos devidamente contabilizados só são dedutíveis se o pagador tiver uma fatura emitida pelo acionista, a Requerente defende a inexistência de qualquer exigência legal de um documento deste tipo para o caso dos juros referindo-se à nova redação do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC e alegando que “se em 2017 o Código do IRC não exige qualquer ‘fatura’ para comprovar os encargos com juros...muito menos era tal exigido em 2012!”.

Assim, considera que também por esta via não assiste razão à AT, na medida em que a Requerente fez prova de todos os factos por si alegados e apresentou todos os documentos necessários à comprovação dos encargos financeiros incorridos.

 

Violação do princípio do inquisitório

A Requerente alega ainda que a AT não apresentou um único elemento, indício, documento ou prova do facto que suportasse a correção da matéria coletável daquela, ou seja, que o financiamento obtido junto da E… serviu para financiar a B… e originou o passivo remunerado que consta das suas demonstrações financeiras.

Pelo contrário, o que as evidências “ditam de forma indelével é que, pelo menos uma parte significativa (mais de 80%) dos suprimentos prestados pela E… à Requerente não serviram para financiar a B…”, salientando a Requerente os propósitos elencados expressamente nos contratos de suprimentos celebrados com a E… .

Por outro lado, a Requerente refere que o Relatório de Inspeção não faz referência a qualquer diligência que tenha sido efetuada pela AT com o intuito de obter informações sobre a hipotética afetação ou não dos fundos provenientes dos empréstimos concedidos à Requerente à realização de empréstimos remunerados à B…, nem na mesma consta qualquer explicação sobre os motivos pelos quais, em face dos elementos de escrita da Requerente, a AT chegou a esta conclusão.

Destarte, a Requerente defende que a AT não respeitou satisfatoriamente os princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material e não cumpriu com o ónus da prova necessário para afetar ou destruir a presunção de veracidade de que a informação fiscal e contabilística da Requerente goza.

Consequentemente, havendo a obrigatoriedade constitucional das empresas serem fundamentalmente tributadas de acordo com o seu rendimento real (e não presumido), entende que as liquidações de IRC e de juros compensatórios aqui em causa são inconstitucionais e ilegais, devendo, por isso, ser anuladas.

 

 Falta de notificação da fundamentação da liquidação de juros compensatórios

A Requerente alega que nunca foi notificada da fundamentação da liquidação de juros compensatórios, fazendo referência ao entendimento jurisprudencial de que a mínima fundamentação exigível em matéria destes atos de liquidação, terá de incluir a indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, bem como as normas legais em que assenta a liquidação.

A Requerente considera, portanto, que não foi notificada da fundamentação desta liquidação pelo que a mesma é ilegal, por violação do n.º 9 do artigo 35.º da LGT, requerendo, aliás, a sua anulação.

Por fim, a Requerente requer o pagamento de juros indemnizatórios calculados à taxa de 4% desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da nota de crédito, por erro imputável aos serviços.

 

  1. FUNDAMENTOS DA DECISÃO

 

 

  • Relativamente à violação do princípio do inquisitório, entendemos que a AT respeitou satisfatoriamente os princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo cumprido o ónus da prova necessário para afetar ou destruir a presunção de veracidade de que a informação fiscal e contabilística da Requerente goza.

Com efeito, a AT analisou a documentação contabilística da Requerente, tendo solicitado que esta remetesse balancetes analíticos respeitantes a 31-12-2012, antes e depois do apuramento dos resultados; uma relação dos detentores do capital do referido exercício e à data dos financiamentos; uma relação das partes de capital no exercício em análise; apresentação da relação de todos os créditos obtidos e concedidos constantes do balanço; entre outros documentos.

Com base nestes elementos, a AT afastou a presunção de veracidade das declarações contabilísticas e fiscais da Requerente prevista no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, ao abrigo do n.º 2 desta norma, na medida em que existiam indícios fundados que aquelas não refletiam ou impediam o conhecimento da matéria tributável do sujeito passivo. No caso em apreço, a AT destacou a falta de cumprimento dos requisitos da dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos pelo sujeito passivo.

Ademais, efetuou dois pedidos adicionais de elementos referentes aos movimentos registados na conta 69119 – Intercompanhias – com saldo devedor de € 554.188,00, valor este que foi objeto de correção e acrescentado ao lucro tributável da Requerente.

Nos casos em que se afasta a presunção de veracidade das declarações contabilísticas e fiscais da Requerente, prevista no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, aplicar-se-ão as regras do ónus da prova, previstas no artigo 74.º da LGT, cabendo à AT fazer prova dos factos constitutivos do seu direito a tributar e à Requerente dos factos relevantes para efeitos de apuramento da matéria coletável.

Contudo, este ónus da prova não se confunde com o respeito pelo princípio do inquisitório pela AT, consagrado no artigo 58.º da LGT. Com efeito, entendemos, independentemente da presunção, que a Administração realizou todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, visto que analisou a documentação contabilística da Requerente e efetuou inclusivamente pedidos adicionais de elementos relativos à conta 69119.

Por outro lado, ao alegar que os encargos financeiros, deduzidos pela Requerente da sua matéria tributável enquanto gastos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, não preenchiam os requisitos desta norma de indispensabilidade e comprovação, afastou a presunção de veracidade prevista no n.º 1 do artigo 75.º da LGT. Com efeito, a alínea a) do n.º 2 deste artigo apenas exige a verificação de indícios fundados de que as declarações do sujeito passivo não refletem a sua matéria tributável real e não a prova cabal de que, de facto, as declarações não refletem o lucro tributável real.

Destarte, contrariamente ao alegado pela Requerente, não consideramos que a AT violou o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, nem tampouco o disposto nos artigos 15.º, 17.º e 23.º do Código do IRC. Consequentemente, entendemos também que o princípio constitucional da tributação do rendimento real, consagrado no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa não foi posto aqui em causa pela AT.

Acrescentamos ainda que, de acordo com as regras do ónus da prova previstas no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, cabia então à Requerente demonstrar os factos relevantes para efeitos de apuramento da matéria coletável, e impeditivos do direito de tributação da AT o que, como se verá, esta fez, apresentando prova documental da verificação dos requisitos exigidos pelo artigo 23.º do Código do IRC para a dedução dos encargos financeiros do seu lucro tributável.

  • No que diz respeito à aceitação dos encargos financeiros incorridos pelo sujeito passivo como gastos fiscais, dedutíveis para efeitos de determinação da matéria coletável, estes devem ser aceites na medida em que considera-se que se encontram preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos, previstos no artigo 23.º do Código do IRC.

Com efeito, relativamente ao critério da indispensabilidade, concordamos com a interpretação ampla do artigo 23.º do Código do IRC, defendida pela Requerente e que tem sido adotada pela jurisprudência do CAAD e dos tribunais judiciais.

Seguimos, portanto, o entendimento vertido, por exemplo, no acórdão do STA de 24-09-2014, proferido no âmbito do processo n.º 0779/12, em sede do qual se entendeu que:

No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

Não se exige a existência de um nexo causal absoluto entre os custos incorridos e o desenvolvimento da atividade do sujeito passivo entendida como a prossecução do seu objeto social. Basta que o custo seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e que não se destine à prossecução de objetivos alheios (isto é, dos sócios ou de terceiros).

No que diz respeito, em especial, aos custos decorrentes da obtenção de empréstimos (juros) por uma sociedade que visa a concessão de empréstimos a sociedades participadas, integrantes do mesmo grupo fiscal (sujeitas ao RETGS), veja-se o acórdão do tribunal arbitral proferido no processo n.º 587/2014-T, no âmbito do qual se defendeu que:

Assim, na questão que neste ponto se discute, a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expectativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (activo financeiro) de ALFA (que concede os suprimentos à sociedade participada).

Quer isto dizer que os gastos resultantes do financiamento obtido por ALFA e que depois foi aplicado no financiamento de BETA devem satisfazer uma (ou ambas) das seguintes condições:

a) Estarem associados à expectativa de incremento dos benefícios da participante;

b) Permitirem a manutenção da fonte produtora dos rendimentos (ou seja, contribuírem para a continuidade da actividade das participadas e do consequente reconhecimento continuado do activo financeiro na esfera da participante).

Mais reforçarmos que a aceitação deve ser global e não apenas parcelar pois há que separar os fluxos de tesouraria dos fluxos económicos. De facto, os fluxos de tesouraria de uma empresa são relativos a contas relacionadas quer com o ativo e com o passivo (Balanço) quer com a demonstração de resultados. Apenas para efeitos de análise se dividem usualmente em fluxos de tesouraria relativos a atividades operacionais, de investimento e de financiamento. Neste caso particular, estamos perante fluxos de tesouraria de entradas de uma atividade de financiamentos (os empréstimos concedidos à Requerente pelo grupo económico a que pertence no valor de € 18.205.000) e fluxos de tesouraria de saídas de atividades de investimento (os suprimentos concedidos pela Requerente de € 3.225.967,77). Em qualquer um dos casos, esses fluxos ocorreram mormente em anos anteriores a 2012 (2010 e 2011). E até para se poder afirmar (o que consideramos ser fiscalmente irrelevante atentos os motivos anteriormente expostos) que os suprimentos de € 18.205.000 efetuados à Requerente tinham servido para esta financiar os suprimentos de € 3.225.967,77 a entidade com esta em relação de grupo, ter-se-ia que se fazer uma análise exaustiva de todos os fluxos de tesouraria efetivos (repartidos pelos três tipos de fluxos referidos anteriormente) em cada um desses dois anos, sendo que não é garantido que tal análise fosse conclusiva. Mas mesmo que pudesse provar em termos aritméticos inquestionáveis que essas entradas (€ 18.205.000) tinham sido parcialmente aplicadas na concessão dos suprimentos efetuados pela Requerente no valor de € 3.225.967,77, não compete à AT verificar se esta parcela (e nunca o valor total) foi integralmente aplicada no “pagamento de empréstimos existentes, aquisições de fundos e apoio à tesouraria em geral” - esta seria eventualmente uma questão entre duas empresas do grupo económico atento o contrato assinados entre essas duas partes. A AT tem, sim, que verificar rendimentos, gastos e variações patrimoniais de acordo com as regras relativas ao cálculo da matéria coletável de IRC, sendo, consequentemente, lícito averiguar sobre a indispensabilidade dos gastos (ótica económica e não de tesouraria), entre outros aspetos fiscalmente relevantes, mas numa apreciação global da Requerente, que envolve todas as atividades: as que têm a ver com o seu objeto mas também com atividades não operacionais relacionadas com ativos extra-exploração, como é o caso de um suprimento concedido a uma participada.

Não se pode dissociar o ativo como um todo do seu financiamento como um todo (por capital próprio ou por passivo, e dentro deste por passivo remunerado ou não remunerado). E os encargos financeiros relacionam-se assim indiretamente com a totalidade dos ativos e não apenas com um tipo de ativos. Logo, a questão central será de saber se os custos financeiros apresentados são ou não adequados ao financiamento da atividade desenvolvida pela Requerente, aí incluindo a concessão de empréstimos (neste particular até remunerados) para apoiar participadas.

Pelo que consideramos que este requisito, in casu, encontra-se preenchido.

Já no que concerne ao requisito da comprovação do gasto, é de referir, em primeiro lugar, que a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC dispunha à data dos factos que “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...) c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;” (negrito nosso). A alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º deste diploma, por sua vez, determinava que não eram “dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (...)g) Os encargos não devidamente documentados”.

Contudo, foi apenas com a redação do artigo 23.º resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que o seu n.º 3 passou a determinar que “os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.

Isto significa que esta norma, à data dos factos, apenas exigia – como requisito para a aceitação de custos como gastos fiscais – que estes estivessem comprovados, sem restringir, todavia, a forma de comprovação nem tampouco o tipo de documento exigido.

No entanto, a jurisprudência dos tribunais superiores, bem como a doutrina, começou a defender que esta redação do artigo 23.º do Código do IRC exigia que os gastos fiscais estivessem comprovados por documento externo, ou seja, que provenha ou se destine ao exterior, tais como faturas, recibos e notas de crédito, com menção das características fundamentais da operação (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-04-2016, proferido no processo n.º 01541/14 e de 05-07-2012, proferido no processo n.º 0658/11, bem como Freitas Pereira in Parecer do Centro de Estudos Fiscais do Ministério das Finanças com o n.º 3/92, de 6 de Janeiro de 1992, publicado na Ciência e Técnica Fiscal n.º 365, págs. 343 a 352, citado no primeiro acórdão)

Consequentemente, os custos dos sujeitos passivos sem suporte documental externo eram entendidos como custos indocumentados. Todavia, a jurisprudência entendia que o facto de não estarem suportados por documento justificativo externo não determinava, por si só, a sua não dedutibilidade como custo fiscal nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.

Pelo contrário, quando os custos fossem indocumentados, para que pudessem ser considerados como custos fiscais dedutíveis, caberia ao sujeito passivo fazer prova da existência dos mesmos, por qualquer meio (incluindo por prova testemunhal), desde que adequado a demonstrar as principais características da transação.

Neste sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 27-04-2016, proferido no âmbito do processo n.º 0154/14, cujo entendimento adotamos na íntegra:

No caso em apreço o que a fazenda questiona é a ausência de documentos externos comprovativos das deslocações e distâncias percorridas.

A exigência de documentos externos assenta no princípio de que dessa forma há uma garantia de autenticidade.

(…)

Tratando-se de custo insuficientemente documentado tal não significa que o mesmo não possa ser dedutível em sede de IRC já que a prova dessa existência pode ser feita por qualquer meio inclusive prova testemunhal cabendo tal ónus ao impugnante dada a inversão do ónus da prova como anteriormente referimos.

Cabe-lhe então demonstrar de forma cabal e clara a existência das operações relativas ao custo inscrito e a sua indispensabilidade para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora.“

Seguimos ainda o entendimento de Tomás Castro Tavares (“Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, 396, pp. 123 ss”), citado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-07-2012 de que, nestes casos, em que determinada transação ou custo não é suportado por um documento externo, ou caso este documento seja incompleto, “não basta que [o sujeito passivo] evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transacção. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto”(sublinhado e negrito nossos).

Ora, no caso em apreço, a AT considerou que o sujeito passivo não apresentou documentação suporte inerente aos encargos financeiros deduzidos como gastos fiscais, sendo que a falta de apresentação dos mesmos terá impedido a AT de aferir “quer a correta contabilização dos encargos financeiros, quer a sua justificação, quer ainda a sua ligação aos ganhos sujeitos a impostos”.

Conforme resulta da análise do Relatório Final de Inspeção Tributária (Ofício n.º…), em resposta ao pedido adicional de elementos efetuados pela AT, relativos aos movimentos registados na conta 69119 – “Intercompanhias” – com saldo devedor de € 554.118,00, o sujeito passivo enviou apenas documentos internos: o extrato desta conta, cópia de emails onde são refletidos os apuramentos dos gastos registados e documentos contabilísticos. Ademais, a AT fez um segundo pedido adicional de elementos, novamente respeitante aos juros registados na conta 69119 solicitando o envio de cópias de todos os documentos suporte emitidos por entidades externas, relativos aos movimentos registados nesta conta, não tendo o sujeito passivo respondido a este pedido.

Se é verdade que o sujeito passivo, em resposta ao pedido de elementos efetuado pela AT, apenas apresentou documentos internos, já não podemos concordar com o entendimento da Administração de que a falta de apresentação de documentos externos a terá impedido de aferir a correta contabilização dos encargos financeiros. Com efeito, a contabilização destes encargos é possível com base no email junto com o Pedido de Constituição de Tribunal como Doc.10 e disponibilizado à Administração.

Ademais, sempre se diga que os emails, enquanto documentos eletrónicos, integram-se no conceito de prova documental (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-11-2017, proferido no processo n.º 2840/12.9TBFIG.C2).

Por outro lado, tratando-se de custos indocumentados, apenas comprovados por documentos internos, não é, como se viu, de excluir tout court a dedutibilidade dos mesmos em sede de IRC. Pelo contrário, cabia ao sujeito passivo fazer prova, por quaisquer meios ao seu dispor, da efetividade da operação e do montante do gasto, o que fez.

Assim entendemos na medida em que, para além dos documentos internos supra referidos, a AT teve acesso (e o sujeito passivo juntou ao seu Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral como Doc. 2) aos dois contratos de suprimento celebrados entre a Requerente e a E…, no âmbito dos quais estava indicada a taxa de juro aplicável[1].

Consideramos, portanto, que os documentos internos comprovativos dos encargos financeiros e os contratos de suprimento celebrados entre a Requerente e a E… configuram prova suficiente da existência e das principais características dos custos, encontrando-se preenchido o requisito da comprovação dos gastos fiscais, previsto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Deste modo, preenchidos que estão os requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC para a dedutibilidade dos encargos financeiros – comprovação e indispensabilidade -, devem os mesmos ser aceites como gastos fiscais, em sede de IRC. Em consequência, os atos de liquidação de IRC e dos respetivos juros compensatórios, resultantes da correção de € 554.188,00 à matéria coletável da Requerente, devem ser anulados.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de IRC impugnadas, anulando-as, com as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis.
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios contados sobre o montante da quantia liquidada, desde o seu pagamento até ao reembolso.

 

6. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 167.444,33, nos termos do artigo 305º, nº 2 do CPC e 97º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

7. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem, a suportar pela Requerida, em € 3.672,00, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e 4º, nº 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de março de 2018

 

Os Árbitros

 

 

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

(Diogo Feio)

 

 

 

(Luís Janeiro)

 



[1] Destes contratos resulta também a justificação dos gastos e a sua ligação aos ganhos sujeitos a imposto.