Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 238/2017-T
Data da decisão: 2018-02-14  IRS  
Valor do pedido: € 14.165,37
Tema: IRS - Contrato de exploração turística - Natureza dos rendimentos
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 4.04.2017, os  Requerentes, A…, contribuinte fiscal nº … e B…, contribuinte fiscal nº …, casados, residentes em…, …, …, London …, Reino Unido, requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  do ato de liquidação adicional de IRS nº  2016… relativa ao ano de 2012, assim com o do ato de liquidação adicional de IRS nº  2016…; do ato de liquidação de juros compensatórios nº 2016…, e demonstração de acerto de contas nº 2016…, todos referentes ao ano de 2013, e, ainda, do Liquidação adicional de IRS nº 2016…; do ato de liquidação de juros compensatórios nº 2016… e da demonstração de acerto de contas nº 2016…, referentes ao ano de 2014.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designada árbitro a Senhora Dra. Andrea Firmino, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em  22-06-2017.

Em 29.12.2017, foi o signatário designado árbitro em substituição da Senhora Dra. Andrea Firmino, tendo comunicado  ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

  1. A fundamentação do relatório final de inspeção tributária, que consubstancia a motivação do atos tributários que constituem o objeto do presente  pedido arbitral, não é congruente, nem tão-pouco clara sendo que, sobre a AT impende o dever legal de, não só indicar todos os factos, de forma clara e coerente, mas também de indicar e sustentar as suas conclusões com as correspondentes disposições legais.
  2. Só com a indicação de todas as razões, de facto e de direito, podem os impugnantes, em consciência, aferir da legalidade dos atos praticados pela Administração Tributária e, assim, optar pela sua contestação ou acatamento.
  3. No caso em apreço, a AT entendeu que a atuação dos Requerentes é passiva e por essa razão os rendimentos que declarou como sendo rendimentos da categoria B deverão ser tributados como rendimentos da categoria F, nos termos da Circular nº 5/2013 de 2 de Julho de 2013.
  4. Sendo o   Requerente titular da exploração turística do apartamento e tendo cedido a exploração do mesmo à C… SA, NIPC … (doravante apenas referida por “C…”), mantendo, no entanto, na sua esfera o risco de exploração, não se compreende em que medida o Requerente exerce de forma passiva a exploração turística.
  5. Verifica-se da leitura do Relatório de Inspeção Tributária que o entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária não passa de um juízo conclusivo que não tem qualquer suporte nos factos nem na lei, mas apenas numa circular, que não está acima da lei devendo concluir-se que a AT não deu cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos tributários contestados.
  6. Por outro lado, salvo melhor entendimento, é manifesto que os rendimentos auferidos pelos Requerentes são rendimentos da categoria B do Código de IRS e não rendimentos da categoria F.
  7. Em 18 de Fevereiro de 2008, os Requerentes assinaram com a D…, S.A. um contrato de cessão de exploração turística da … acima identificada, nomeando esta entidade, a sociedade C…, para as funções de gestora.
  8. Deste contrato resulta que a gestora atuou sempre por conta e no interesse dos Requerentes enquanto exercia as operações necessárias à concretização da exploração turística do apartamento acima identificado.
  9. É jurisprudência firmada que “desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade  económica (mesmo que expressa num só ato) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se as necessidades económicas deste, saia aumentado o património  (mediação entre a oferta e a procura) haverá uma actividade comercial” (Ac. do STA, de 24.02.2016, proc. Nº 580/15).
  10. É manifesto que são tributadas na categoria B todos os rendimentos apurados no âmbito das atividades geradoras de rendimentos de atividades comerciais, designadamente as resultantes das atividades hoteleiras e similares.
  11. Embora a AT pugne, em sede de inspeção tributária, por uma interpretação restritiva do  conceito de “atividade”, considerando que para efeitos de tributação em sede de categoria B só são admissíveis os lucros decorrentes da exploração direta da Unidade, os Requerentes entendem que esta interpretação não encontra qualquer suporte no teor literal da alínea a) do nº 1 do art. 3º do Código de IRS, razão pela qual  devem ser considerados  todos os resultados obtidos ao longo do exercício imputáveis à atividade de exploração de empreendimento turístico, quer sejam resultados decorrentes da exploração direta, quer sejam através da contratação de serviços de uma entidade para explorar a unidade.
  12. Se o legislador pretendia excluir do âmbito da alínea a) do nº 1 do artigo 3º do Código do IRS os rendimentos resultantes da exploração decorrente da contratação de serviços, como entende a Administração tributária, impunha-se que este determinasse expressamente que só os resultados decorrentes da exploração direta estavam sujeitos a tributação no âmbito da categoria B do Código do IRS, o que não acontece, pelo que, os rendimentos em causa devem ser tributados no âmbito da al. a) do nº 1 do art. 3º do Código de IRS.
  13. A Circular nº 5/2013 de 2 de Junho de 2013, invocada pela Requerida, como qualquer outra orientação administrativa apenas vincula os órgãos da Administração Tributária e não são considerados fonte de direito fiscal, pelo que não têm qualquer eficácia externa vinculativa própria, não sendo sequer objeto de publicação, pelo que os sujeitos passivos não estão de modo algum obrigado a cumprir o disposto nas mesmas, nem os Tribunais.
  14. Assim, porque os atos tributários contestados vêm fundamentados numa circular contra legem, deverão os mesmos ser anulados por manifestamente ilegais.
  15. Ainda  que se admitisse – o que se faz por mera cautela e dever de patrocínio -, que os rendimentos obtidos pela Requerente são efetivamente rendimentos da categoria F do Código do IRS, a realidade é que a matéria coletável do Requerente  jamais seria no valor apurado  pelos Serviços de Inspeção Tributária  em sede de inspeção tributária, pois ao contrário da posição da AT, nos termos e para efeitos  do art. 41º do Código do IRS, deverão  ser  entendidas como despesas dedutíveis aos rendimentos da categoria F do IRS as despesas de manutenção e conservação referentes a mulher de limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, água e gás, gastos com o aluguer de casa com equipamentos, reparação e pinturas, prémios de seguro e custos de administração do prédio, na medida em que são essenciais para a obtenção dos rendimentos em causa.

 

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão dos Requerentes, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

  1. Quanto à alegada falta de fundamentação das correções ora sindicadas, tem que se discordar de tal entendimento, desde logo, porque da leitura do relatório inspetivo resulta que um homem médio, colocado na posição de destinatário, consegue apreender o seu sentido e conclusão.
  2. No caso vertente, a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que os Requerentes por via do presente pedido de pronúncia arbitral, não só demonstram, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tentam rebater, ponto por ponto, toda a sua atuação,
  3. Como na realidade, também, já haviam cabalmente compreendido o mesmo quadro fáctico e legal em sede de audição prévia pelo que se tem por não verificado o vício de falta de fundamentação.
  4. Entre os ora Requerentes e a sociedade vendedora foi assinado um contrato de cessão de exploração turística da unidade …, nos termos do qual a sociedade D… SA ficou com o direito de constituir uma sociedade comercial para a gestão do “…”, situação que veio a concretizar com a constituição da empresa C… SA, NIPC… .
  5. Deste modo, os Requerentes asseguram a exploração turística do imóvel em questão, através dos serviços da empresa C…, concedendo à mesma autorização exclusiva, para explorar turisticamente e por sua conta o apartamento de que são proprietários.
  6. Assim sendo, os Requerentes mandataram a sociedade C… para em nome próprio e por sua conta receber a remuneração relativa à exploração do seu imóvel, ficando a mesma com o direito a reter 25% da receita bruta da respetiva exploração.
  7. Os rendimentos auferidos pelos Requerentes derivam pois da disponibilização a terceiros dos imóveis, os quais são geridos e mantidos pela empresa C…, que também gere os arrendamentos de curta duração, cobrando os montantes devidos e prestando todos os outros serviços associados, como por exemplo limpeza.
  8. Por fim, esta empresa disponibiliza aos proprietários os montantes contratualmente acordados.
  9. De salientar que os proprietários não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento.
  10. Desta forma os rendimentos que os Requerentes auferem advêm de forma meramente passiva, em resultado da prossecução de uma atividade comercial por parte da sociedade C…  .
  11. Os Requerentes não demonstraram ter qualquer organização de carácter empresarial para a obtenção do mesmo.
  12. A lei refere expressamente que são entendidos como rendimentos empresariais os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial.
  13. E, atentando-se quer no significado do conceito utilizado nas normas legais em causa, quer na interpretação que do mesmo tem feito a jurisprudência dos tribunais superiores, não se pode senão concluir que não assiste qualquer razão aos Requerentes.
  14. Efetivamente, pesquisando no dicionário de português o significado da palavra “exercício”, verifica-se que este corresponde ao ato de exercer ou de exercitar, à prática e ao uso de algo, logo, para o que aqui nos importa, ao desempenho de uma atividade profissional.
  15. Ou seja, o uso da palavra “exercício” na redação dada à norma, por contraposição às palavras usadas, no artigo 8º do CIRS, para definir quais são os rendimentos de categoria F, tem subjacente a prática de atos com um determinado propósito que, no caso, será o da obtenção de lucro.
  16. Assim, pretender, como fazem os Requerentes no pedido de pronuncia arbitral, que o facto de se ter declarado início de atividade, afirmando a intenção de exercer uma atividade de exploração turística (quando, efetivamente, nada mais se fez para além de adquirir um imóvel), deva ser valorado como suficiente para a qualificação dos rendimentos como imputáveis à categoria B, quando depois efetivamente não se exercem a atividade declarada, seria dar primazia à forma sobre a substância, contrariando os mais elementares princípios do direito fiscal.
  17. Da leitura do contrato de cessão de exploração, resulta claramente que os Requerentes nunca assumem as funções de responsáveis pela exploração do alojamento, sendo essas assumidas pela Gestora nas suas diferentes vertentes.
  18. Por isso mesmo, consideraram os Serviços de Inspeção Tributária (doravante “SIT”) que os rendimentos em apreço correspondem a rendimentos prediais enquadráveis na categoria F do IRS (artigo 8.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares).
  19. Pois que, estando em causa rendimentos relativos à cedência do uso do prédio ou de parte dele, as importâncias recebidas pelos proprietários, como contrapartida da cedência do uso dos apartamentos, são consideradas rendimentos prediais, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 8. º do Código do IRS independentemente do facto da importância recebida não ser fixa.
  20. Quanto à pretensão, por parte dos Requerentes, de que sejam aceites a totalidade das despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, nos termos do art.41º nº1 do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.(Redação dada pela lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro).”
  21. Pelo que, tem que se avaliar se aquelas despesas referidas em abstrato pelos Requerentes, revestem o carácter de despesas de conservação e/ou manutenção que incumbam ao sujeito passivo.
  22. Assim, mediante estes conceitos, verifica-se, desde logo, que as despesas mencionadas pelos Requerentes não consubstanciam despesas de conservação nem, tão pouco, de manutenção.
  23. Por outro lado, e no que concerne às despesas com salários e com a limpeza, resulta do contrato de cessão que esses encargos estão a cargo da Gestora o que significa que nem são da responsabilidade dos  Requerentes.
  24. Pelo que, também neste ponto, falece razão aos Requerentes no peticionado.

 

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar  as seguintes questões:

a) Ilegalidade dos atos tributários objeto do processo por falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação.

b) Ilegalidade dos atos tributários objeto do processo, por vício de violação de lei.

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1. Pelas Ordens de Serviço números O12016…/…/… de 2016-08-18, determinadas por despacho do Diretor de Finanças de Faro, foi aberta ação de inspeção interna de âmbito parcial em IRS com vista ao controlo de arrendamento de imóveis, sendo inspecionados os  Requerentes, com extensão aos anos de 2012, 2013 e 2014 tendo os  atos inspetivos sido iniciados em 2016-09-20 e concluídos em 2016-09-23.

 

2. Em resultado do procedimento inspetivo, a Requerida determinou correções ao rendimento tributável de IRS, de natureza meramente aritmética, nos montantes de €

53.053,51, € 17,323,25 e €26.722,48 aos anos de 2012, 2013 e 2014, respetivamente, decorrente de rendas recebidas relacionadas com prédio localizado em território nacional, as quais deram origem aos seguintes atos tributários, tendo como sujeitos passivos os Requerentes:

a)Respeitante ao ano de 2012:

Ato de liquidação adicional de IRS nº 2016…,  da qual resultou uma coleta total e líquida de € 7.244,73, constando da mesma o valor de 11.567,58 € de retenções  na fonte efetuadas aos sujeitos passivos.

b)Respeitante ao ano de 2013:

Ato de liquidação adicional de IRS de IRS nº 2016…, da qual resultou  uma coleta, total e líquida, de 1.038,33; ato de liquidação de juros compensatórios nº 2016…, e demonstração de acerto de contas nº 2016…, da qual tendo em conta as liquidações adicional e de juros compensatórios, retenções na fonte efetuadas e o reembolso feito aos sujeitos passivos em consequência da primitiva liquidação,  resulta  um    valor a pagar de € 1.129,66.

c)Respeitante ao ano de 2014:

Liquidação adicional de IRS nº 2016…, da qual resultou  uma coleta, total e líquida de € 5532,60; ato de liquidação de juros compensatórios nº 2016… e da demonstração de acerto de contas nº 2016…, da qual tendo em conta as liquidações adicional e de juros compensatórios, retenções na fonte efetuadas e o reembolso feito aos sujeitos passivos em consequência da primitiva liquidação,  resulta  um    valor a pagar de  € 5.790,98.

3.Do relatório de inspeção tributária que antecedeu e serve de fundamento aos atos tributário de liquidação objeto do presente processo consta, designadamente, o seguinte:

 

“III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável

 

Os SPs são proprietários de um imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo … …, sito no "…" - …- …- …- …, que adquiriram a D… SA, NIPC… .

Entre os SPs e a sociedade vendedora foi assinado um contrato de cessão de exploração turística da unidade, nos termos do qual a … sociedade D… SA ficou com o direito de constituir uma sociedade comercial para a gestão do "…", situação que veio a concretizar com a constituição da empresa C… SA NIPC … (adiante apenas referida por C…).

Deste modo, os novos proprietários asseguraram a exploração turística dos imóveis em questão através dos serviços da empresa C…, concedendo à mesma autorização exclusiva para esta explorar turisticamente, por sua conta, os apartamentos de que são proprietários.

Assim sendo, os sujeitos passivos em apreço mandataram a sociedade C… para em nome próprio e por sua conta receber a remuneração relativa à exploração dos seus imóveis, ficando a mesma com o direito a reter 25% da receita bruta da respetiva exploração.

Os rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos em questão derivam da disponibilização a terceiros do imóvel.

lmóveis estes que são geridos e mantidos pela empresa C…, que também gere os arrendamentos de curta duração, cobrando os montantes devidos, e prestando todos os outros serviços associados, como por exemplo limpeza, etc.

Por fim esta empresa disponibiliza ao proprietário os montantes contratualmente acordados.

De salientar que os proprietários não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento.

Desta forma os rendimentos que os sujeitos passivos auferem advêm de forma meramente passiva, em resultado de uma prossecução de uma atividade comercial por parte da sociedade C… . Os sujeitos passivos de IRS não aparentam, nem alegam, ter qualquer organização de caráter empresarial para a obtenção do mesmo.

Logo os rendimentos em apreço correspondem a rendimentos prediais enquadráveis da categoria F do IRS (artigo 80 do CIRS).

A circular no 5 12013 de 02-07-2013 refere:

"1 - A atividade de exploração de um empreendimento turístico quando exercida diretamente pelo proprietário, pessoa singular, é considerada uma atividade comercial desde que o sujeito passivo tenha requerido o registo do empreendimento no Registo Nacional de Empreendimentos Turísticos"'

3 - Quando, por contrato de cessão de exploração turística, o proprietário de um imóvel apto para essa exploração abdica de proceder à mesma exploração turística, transferindo, mediante remuneração, para outrem tal atividade e sendo a transferência anterior ao registo do empreendimento turístico no Registo Nacional de Empreendimentos Turísticos, os rendimentos auferidos serão havidos como rendimentos prediais, nos termos do artigo 8º, nº 2 alínea a) do Código do lmposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).”

(…)

“16. Em IRS, são considerados rendimentos empresariais e profissionais (categoria B), os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária, isto é, todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo os respeitantes a prestações de serviços, exercidas, por conta própria, ainda que conexas com qualquer das

actividades mencionadas anteriormente (art. 3.º, nº 1, alíneas a) e b) do CIRS).

17. Por outro lado, constituem rendimentos sujeitos a IRS pela categoria F (rendimentos prediais), nomeadamente, as rendas provenientes da cedência do uso de prédio ou parte de prédio e dos serviços relacionados com aquela cedência, bem como as importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no imóvel locado (art. 8º, nº 2, alíneas a) e b), do CIRS).

18. No caso em análise, os proprietários apenas se limitam a ceder o uso dos apartamentos para exploração dos mesmos a uma entidade, recebendo, como retribuição, uma quota proporcional, correspondente ao número de unidades participantes no programa de exploração turística e ao no de dias em que a unidade esteve disponível para utilização no âmbito do programa, subtraído do valor correspondente aos custos e despesas suportados pela gestora, por conta dos proprietários.

19. Neste aspecto, parece-nos que o facto dos proprietários receberem uma retribuição não fixa, que depende do no de dias em que a unidade esteve disponível para utilização no âmbito do programa, não constitui motivo para se considerar que os proprietários estão directamente a explorar os apartamentos, nem afasta aquela retribuição do conceito de renda.

20. De facto, analisadas a natureza e as especificidades das operações subjacentes, os proprietários apenas cedem o uso e fruição dos apartamentos turísticos, equipando-os e mobilando-os com o pacote standard de mobília, entregando a gestão e exploração dos mesmos a uma entidade exploradora, a D…, que presta todos os serviços necessários para o funcionamento do empreendimento, designadamente, os esforços comerciais necessários para a promoção dos apartamentos, a contabilidade, as vendas, o marketing, contactos com as agências de viagens e operadores turísticos, serviços de manutenção, serviços de limpeza e de arrumação, manutenção do jardim e paisagem, etc.

21. Neste sentido, parece-nos que as importâncias recebidas pelos proprietários, como contrapartida da cedência do uso dos apartamentos, não consubstanciam rendimentos decorrentes do exercício de uma actividade empresarial, tal como esta foi anteriormente descrita, antes deverão ser considerados rendimentos Prediais.”

(…)

“Em sede de lmposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de acordo com o no 1 do artigo 13º do CIRS, são sujeitos passivos de IRS "(...) as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos".

lncidindo o imposto sobre “(...) o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos".

- nº 1 artigo 1º do CIRS.

As despesas suscetíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais encontram-se previstas no artigo 41º do CIRS “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8º, deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontram documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto de selo que incide sobre o valor dos prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal” (Redação em vigor nos anos em apreciação).”

 

(…)

 

O SP A emitiu faturas pelo alojamento a C… SA que foram registadas na conta SNC 7816401 - Outros Rendimentos Suplementares - Alojamento - M.Nacional que totalizam € 60.882,05 (faturas nos 2012t1 e 201212) em 2012 € 6.979,20 (fatura nº 2013/01) em 2013 e €28.226,99 (faturas nºs 201412 e201414) em2014.

De acordo com um mail remetido pela C… no âmbito do despacho no D12013…: "No que concerne a receita de alojamento gerada pelos apartamentos … esta é distribuída diariamente por todos os apartamentos que esteiam disponíveis para alugar com base na permilagem de cada apartamento, sendo que a base pode alterar diariamente consoante o somatório das permilagens de unidades disponíveis para alugar no … . "

Na conta SNC 62211 - Trabalhos especializados - M.Nac., encontram-se registadas as faturas emitidas por  C… SA com a descrição "Custos da operação de alojamento efetuado em n/ nome porv/ conta 51301", que totalizam € 46.046,46 (faturas no Ft20120046 e no FI2O12O19B) em 2012,e7.777,27 em 2013 (fatura no F120130125) e € 22.155,96 em 2014 (faturas no F120140084 e no F120140235) "...ao abrigo do contrato os respetivos custos são distribuídos por fodas as unidades que compõem o … com base na permilagem de cada unidade no universo dos 154 apartamentos que compõem o …, com a salva exceção para o valor de condomínio que é calculado com base na permilagem de cada apartamento face a permilagem de todas as unidades que compõem o resort … ." - Conforme consta de mail remetido pela C… no âmbito do despacho no Dt2013… .

Analisando o ponto 3.11 do Contrato de Cessão de Exploração Turística, verificou-se que as despesas de operação do programa de exploração turística incluem os seguintes encargos:

A – Serviço de Administração da Propriedade (4.4) os quais incluem serviços de administração geral (Seção 4.1) que correspondem "...sem se limitarem a isso, a contabilidade, vendas e marketing, custos das agências de viagens e/ou comissões dos operadores turísticos e respetivas despesas incorridas, despesas com os serviços centrais relacionadas com o programa de exploração turística e despesas de serviços de recepção e outras despesas com ela relacionadas." E Despesas Diretas da Unidade (Seção 4.4), incluindo "...encargos de condomínio, custos de gestão e de reservas, todos os prémios de seguro aplicáveis, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos (eletricidade, óleo, gás, água)."

B - Serviços de Manutenção de Propriedade (Seção 5). descritos no documento C onde se incluem manutenções de rotina ao imóvel e ao seu equipamento e mobiliário de modo a manter a unidade adequada à ocupação pelos hóspedes, pintura interior e exterior da unidade, manutenção do jardim e da paisagem.

D - Serviços de Limpeza e Arrumação (Seção 6), descritos no anexo D "...incluindo, mas não se limitando a, uma limpeza a vapor de tapetes e estofos, enceramento do chão, limpeza externa das janelas e outros serviços de limpeza necessários a manter a unidade adequada a receber hospedes. "

E - Despesas com Equipamento

F - Prémios de Seguros.

 

A secção 7 prevê ainda a retribuição da gestora, "Pela administração do programa de exploração turística relativa à unidade, a gestora terá direito a receber e reterá 25% (vinte e cinco por cento) da receita Bruta de Exploração Turística, que integra os Custos da operação de alojamento”

Verificando-se que alguns encargos que se encontram englobados nos "custos da operação" podem constituir despesas suscetíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais previstas no artigo 41º do CIRS e não se encontrando o valor discriminado nas faturas emitidas pela C… ao SP, foi solicitado à entidade emitente das faturas a discriminação dos custos da operação de alojamento, tendo sido fornecido o quadro que compõem o anexo 1, de onde se conclui que as rubricas suscetíveis de integrar o previsto no artigo 41º e a informação vinculativa no 1369 são:

- Despesas com o condomínio (condo charges), que no caso do SP se cifraram em € 1 .022,60 em 2012, € 1.033,29 em 2013 e € 930,1 1 em 2014.

- Retribuição da gestora (Operator Commission 25%)

- Segurança

- Seguros

As restantes rubricas, onde se incluem salários do pessoal, limpeza, eletricidade, gás e água e pelas suas características correntes não reúnem as condições para serem consideradas despesas de manutenção ou de conservação”

(…)

A retribuição da gestora corresponde a 25% das rendas (conforme faturas emitidas pelo sujeito passivo à C…).

 

Também não são consideradas as despesas com o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI)

dado que os SPs beneficiaram de isenção nos exercícios de 2012 e 2013 e que as notas de

liquidação do IMI de2014 foram pagas em 2015.

As remanescentes despesas que se encontram registadas na contabilidade, nomeadamente depreciações, contabilidade, custos financeiros, também não são subsumíveis no conceito de dedução especifica da categoria F.

Conforme se encontra previsto no contrato celebrado (cláusula 3.10), os proprietários podem reservar a unidade para a sua utilização pessoal (…).”

 

“Para efeitos de cálculo das deduções específicas da categoria F, serão aceites 92% no ano de 2012, 91% no ano de 2013 e 90% no ano de2014, das despesas de condomínio, segurança e seguros, descritas no quadro 3, excluindo-se o período de utilização pessoal, bem como o valor correspondente à retribuição da gestora.”

 

(…)

“Pelo facto de se tratar de sujeitos passivos não residentes, o rendimento predial é tributado à taxa de 16,5 % no ano de 2012 nos termos do nº 1 do artigo 72º do CIRS e de 28% nos anos de 2013 e 2014 conforme previsto no nº 7 do artigo 72º do CIRS, legislação em vigor à data dos factos:

 

Foram efetuadas retenções na fonte pela entidade C… SA NIPC…, nos montantes de € 13.089,65, € 1.744,80 e de € 7.056,75 relativamente aos rendimentos de 2012, 2013 e 2014, que serão tidas em consideração na liquidação.

Logo, da presente ação inspetiva resultam correções ao rendimento tributável que correspondem à diferença entre o rendimento tributável declarado e o agora apurado(…)”

 

4. O Requerente marido A… encontra-se registado para o exercício da atividade "Apartamentos turísticos sem restaurante" desde 2008-01-01, encontrando-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime da contabilidade organizada, por opção em IRS sendo o sujeito passivo B, a Requerente mulher, B… .

5. Entre o Requerente marido e a sociedade D…, S.A. foi celebrado o contrato de cessão de exploração turística constante do processo e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

 

9. Factos não provados.

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, inexistindo discordância das partes relativamente à matéria de facto considerada provada.

 

-III- O Direito aplicável

 

11. Tendo os impugnantes imputado diversos vícios aos atos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. a) do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2017, Almedina, pag. 205).

A procedência de qualquer dos vícios invocados pelos requerentes conduzirá à anulação dos atos tributários. No entanto, o vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação dos atos, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o Tribunal irá apreciar em primeiro lugar do vício de violação de lei.

 

12.O problema jurídico a solucionar, em primeiro lugar, prende-se com a questão de saber se a atividade comercial de hotelaria em causa, exercida com referência ao apartamento de que os Requerentes eram proprietários à data dos factos,  é exercida pela empresa C… SA, como sustenta a AT ou, diferentemente, pelos proprietários da fração, como sustentam os Requerentes.

A Requerida sustenta que os rendimentos obtidos pelos proprietários o eram de forma meramente passiva e que o exercício direto da atividade era efetuado pela empresa C…, não suportando aqueles o risco do negócio, nem dispondo de organização empresarial.

Os Requerentes, pelo contrário, entendem que a atividade era por si exercida através da contratação da empresa C…, cujos serviços pagavam, suportando os proprietários o risco do negócio.

Por outro lado, entendem que a al. a), do nº 1, do artigo 3º, do Código do IRS prevê o exercício de atividade comercial mas não exige que tal exercício seja direto, podendo, portanto, tal exercício ser feito através da contratação duma outra entidade para o efeito.

Alegam ainda que a  Circular nº 5/2013 de 2 de Junho de 2013, ao exigir que a atividade seja exercida diretamente, excluindo o exercício de modo indireto através da contratação de uma outra entidade para o efeito, procede a uma interpretação restritiva da mencionada norma, tendo carácter inovador e, como qualquer outra orientação administrativa, apenas vincula os órgãos da Administração Tributária e não é considerada fonte de direito fiscal, pelo que não tem qualquer eficácia externa vinculativa própria, não sendo sequer objeto de publicação, pelos que os sujeitos passivos não estão de modo algum obrigado a cumprir o disposto nas mesmas, nem os Tribunais.

Assim, porque os atos tributários contestados vêm fundamentados numa circular contra legem, deverão os mesmos ser anulados, por manifestamente ilegais.

 

Vejamos.

 

No art. 3º do CIRS determina-se o seguinte:

“1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:

a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; […];”

 

 

Por sua vez, nos termos do art. 4º do CIRS:

“1 – Consideram -se atividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:

(…)

h) Atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como a venda ou exploração do direito real de habitação periódica;”

 

 

Por outro lado, era a seguinte a redação do  art.º 8º do mesmo Código, à data dos factos, na parte relevante para o caso dos autos:

“1 - Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares.

2 - São havidas como rendas:

a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;

b) As importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no imóvel locado; […]”

 

O art. 8º, nº 1, do CIRS, na redação à data dos factos, enquadrava na categoria F, com carácter obrigatório, a retribuição (renda) emergente para o locador de prédios rústicos, urbanos e mistos.

 

Diz-nos José Guilherme Xavier de Basto que “A lei, no nº 2 do art. 8º, define renda, melhor dito, redefine renda, para efeitos do IRS. A redefinição é necessária, tanto mais que hoje, a Lei Geral Tributária, no seu artigo 11º, nº 2, contém o princípio segundo o qual, sempre que nas leis fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito (…) tais termos valerão com o sentido que têm nesse ramo do direito, salvo se da lei decorrer coisa diferente. O princípio conduz, pois, a que o legislador fiscal tenha de ser cauteloso quando usa palavras que possam ter um sentido técnico em outro ramo do direito, no caso presente em direito civil e proceda frequentemente a redefinições para efeitos fiscais.

Não vamos obviamente discutir aqui o conceito de renda no direito civil, no direito do arrendamento. O conceito fiscal de renda, o único que aqui nos interessa, é mais amplo do que o conceito civilístico.

As seis alíneas do nº 2 do artigo 8º delimitam o conceito fiscal de renda.”[1]

           

Em abstrato, a situação em causa só poderá ser enquadrada nas alíneas     a) e b) do nº 2 do art. 8º do CIRS, parecendo ser essa a posição da Requerida.

 

Sob estas alíneas diz-nos, ainda, Xavier de Basto[2]:

 

“ A al. a) contém o conceito básico: renda é a importância  relativa à cedência do uso de prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência. Repare-se que a lei se refere à cedência do uso de prédio, sem curar de distinguir entre as diferentes causas da cedência. Na maioria dos casos, a causa será o contrato de arrendamento, mas a norma cobre, sem dúvida outras situações jurídicas.

(…)

A al. b) equipara a renda “as importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliário instalados no imóvel locado”.Trata-se de  elementar cautela do legislador, destinada a evitar tentações de fraude, separando da renda, tributável na categoria F, o preço da locação de maquinismos e mobiliário.(…)”

 

No caso que nos ocupa, é manifesto que não estamos em presença dum contrato de arrendamento (nem tal é, sequer, alegado pela Requerida).

 

Vejamos, então, se os rendimentos  em causa resultam de  cedência do uso do prédio,   aos serviços relacionados com aquela cedência  e/ou a importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no imóvel locado.

 

A resposta não pode deixar de ser negativa.

 

Na verdade, está ínsito nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 8º que a cedência do uso do prédio ou o aluguer de maquinismo é feito a terceiro que paga ao cedente ou ao locador, em troca daquele uso.

 

Ora, a UCR, de acordo com o  Relatório de Inspeção Tributária, em substância,  nada paga aos proprietários, antes recebe destes uma remuneração pelos serviços que lhes  presta.

As importâncias que a C… disponibiliza aos proprietários não são de valores de que seja titular, mas sim que estão à sua guarda como mandatária daqueles.

 

O grau de sucesso do negócio reflete-se fundamentalmente na esfera jurídica dos proprietários e não da gestora, embora esta também seja interessada nos resultados do negócio na medida em que a sua retribuição pelos serviços que presta,  ascende a 25% da receita bruta de exploração.

Por outro lado, os custos com a atividade desenvolvida correm, também, essencialmente, por conta dos proprietários, têm componentes especificas, notoriamente muito distintas dos normais encargos com uma fração destinada a mera cedência de uso   e  são em valor significativamente superior.

As receitas são, também, em linha com o que acontece nas despesas, em valor significativamente superior ao que é comum na  retribuição pela simples cedência de uso.

 

Na verdade, segundo o RIT:

 

“Assim sendo, os sujeitos passivos em apreço mandataram a sociedade C… para em nome próprio e por sua conta receber a remuneração relativa à exploração dos seus imóveis, ficando a mesma com o direito a reter 25% da receita bruta da respetiva exploração.

Os rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos em questão derivam da disponibilização a terceiros do imóvel.

Imóveis estes que são geridos e mantidos pela empresa C…, que também gere os arrendamentos de curta duração, cobrando os montantes devidos, e prestando todos os outros serviços associados, como por exemplo limpeza, etc.

Por fim esta empresa disponibiliza ao proprietário os montantes contratualmente acordados.

 (…)

 

O SP A emitiu faturas pelo alojamento a C… SA, que foram registadas na conta SNC 7816401 - Outros Rendimentos Suplementares - Alojamento - M.Nacional que totalizam € 60.882,05 (faturas nos 2012t1 e 201212) em 2012 € 6.979,20 (fatura nº 2013/01) em 2013 e €28.226,99 (faturas nºs 201412 e201414) em2014.

(…)

Na conta SNC 62211 - Trabalhos especializados - M.Nac., encontram-se registadas as faturas emitidas por C… SA com a descrição "Custos da operação de alojamento efetuado em n/ nome porv/ conta 51301", que totalizam € 46.046,46 (faturas nº Ft20120046 e nº FI2O12O19B) em 2012,e € 7.777,27 em 2013 (fatura nº F120130125) e € 22.155,96 em 2014 (faturas nº F120140084 e nº F120140235) "(…).

Analisando o ponto 3.11 do Contrato de Cessão de Exploração Turística, verificou-se que as despesas de operação do programa de exploração turística incluem os seguintes encargos:

A – Serviço de  Administração da Propriedade (4.4) os quais incluem serviços de

administração geral (Seção 4.1) que correspondem "...sem se limitarem a isso, a contabilidade, vendas e marketing, custos das agências de viagens e/ou comissões dos operadores turísticos e respetivas despesas incorridas, despesas com os serviços centrais relacionadas com o programa de exploração turística e despesas de serviços de recepção e outras despesas com ela relacionadas." E Despesas Diretas da Unidade (Seção 4.4), incluindo "...encargos de condomínio, custos de gestão e de reservas, todos os prémios de seguro aplicáveis, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos (eletricidade, óleo, gás, água)."

B - Serviços de Manutenção de Propriedade (Secão 5). descritos no documento C onde se incluem manutenções de rotina ao imóvel e ao seu equipamento e mobiliário de modo a manter a unidade adequada à ocupação pelos hóspedes, pintura interior e exterior da unidade, manutenção do jardim e da paisagem.

D - Serviços de Limpeza e Arrumação (Seção 6), descritos no anexo D "...incluindo, mas não se limitando a, uma limpeza a vapor de tapetes e estofos, enceramento do chão, limpeza externa das janelas e outros serviços de limpeza necessários a manter a unidade adequada a receber hospedes. "

E - Despesas com Equipamento

F - Prémios de Seguros.

 

A secção 7 prevê ainda a retribuição da gestora, "Pela administração do programa de exploração turística relativa à unidade, a gestora terá direito a receber e reterá 25% (vinte e cinco por cento) da receita Bruta de Exploração Turística, que integra os Custos da operação de alojamento”.

 

Por outro lado, também não se pode considerar que ocorra “cedência do uso do prédio ou  aluguer de maquinismos” aos clientes utilizadores do imóvel uma vez que  as quantias pagas pelos clientes respeitam  ao serviço de alojamento que lhes é prestado, estando os proprietários da fração vinculados a um conjunto alargado e oneroso de despesas com vista  à prestação de tais serviços, que suportam na sua esfera jurídica, nada impedindo, aliás, que qualquer atividade comercial seja exercida, mesmo integralmente, através da contratação de serviços externos à entidade o que,  aliás, decorre do princípio da liberdade de gestão, constitucionalmente consagrado.[3] [4]

 

Acrescente-se, aliás, que, contrariamente ao sustentado pela Requerida, do clausulado contratual do contrato de exploração turística, emerge que os proprietários mantêm na sua esfera o risco do negócio, como  o demonstram  as clausulas contratuais invocadas pela Requerida no relatório de inspeção tributária, supra mencionadas.

 

Como escreve Pedro Pais de Vasconcelos “O contrato de exploração turística, como tipo social não legal, tal como reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina, tem tipicamente por objeto alojamentos. (…)

Os contratos de exploração turística afastam-se francamente da locação e aproximam-se da prestação de serviços, e têm um aspecto parciário, característico da associação em participação, que pode ser mais ou menos acentuado conforme os casos” [5]

 

É, pois, manifesto, que a situação em causa não se subsume nas alíneas a) e b), do nº 2, do art. 8º do CIRS, não podendo, em consequência deixar de ser enquadrados  nos arts. 4º, nº 1, al. h) e  3º, nº 1, al. a) do CIRS, uma vez  que, como se pode ler no acórdão ac. do STA, de 24.02.2016, proc. Nº 580/15, citado pela Requerente:

 

 “Desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade económica (mesmo que expressa num só ato) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se as necessidades económicas deste, saia aumentado o património  (mediação entre a oferta e a procura) haverá uma actividade comercial”

 

Assim, conclui-se que  os acréscimos patrimoniais em questão constituem rendimentos da categoria B de IRS.

 

E tal  conclusão  não é impedida, como é bom de ver e incontroverso,  pela Circular nº 5/2013 de 2 de Junho de 2013, pois como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-06-2017, proferido no processo 0364/14, em linha com jurisprudência e doutrina pacificas:

 

“Com efeito as orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária não constituem disposições de valor legislativo (…).

Como esclarece CASALTA NABAIS (Direito Fiscal, 6.ª ed., Almedina, pág. 197), «as chamadas orientações administrativas, tradicionalmente apresentadas nas mais diversas formas como instruções, circulares, ofícios-circulares, ofícios-circulados, despachos normativos, regulamentos, pareceres, etc.”, que são muito frequentes no direito fiscal constituem “regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.
Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.[6]
 

Assim sendo, não podem as liquidações objeto do presente processo deixar de ser anuladas por vício de violação de lei, ficando, assim, prejudicado o conhecimento dos demais  vícios invocados pelos Requerentes.

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular os atos tributários objeto do presente processo.

 

Valor da ação: € 14.165,37  (catorze mil cento e sessenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos)nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de € 918 (novecentos e dezoito euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 14 de Fevereiro de 2018

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 

 



[1] IRS INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS, Coimbra Editora, 2007, pags 343-344.

[2] Ob. cit. p. 344.

[3] Cfr. arts- 61º, nº 1, 80º, al. c) e 86º da Constituição da República Portuguesa.

[4] Explicam J.J. Gomes Canotilho-Vital Moreira que “A liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e actividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade do empresário, liberdade empresarial). No primeiro sentido, trata-se de um direito pessoal (a exercer individual ou coletivamente); no segundo sentido  é um direito institucional, um direito da empresa em si mesma).” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, Coimbra Editora, 4ª Ed., 2007, I vol., pag. 790)

[5] CONTRATOS ATÍPICOS, Almedina, 2ª Ed., 2009, pags. 201-202.

[6] http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c8eb7132b6a9c68f8025814c003198fb?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,orienta*,interpreta%C3%A7%C3%A3o,circula*#_Section1