Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 236/2017-T
Data da decisão: 2018-02-21  IRS  
Valor do pedido: € 25.703,13
Tema: IRS – Qualificação de rendimentos- Contrato de cessão de exploração turística
Versão em PDF

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

 

  1.  A… e B…, contribuintes fiscais números … e …, ambos residentes em …, …, Irlanda (doravante designados por requerentes) apresentaram, em 04/04/2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por requerida ou AT). O pedido arbitral tem por objeto a impugnação dos atos de liquidação adicional de IRS, referentes aos anos 2012, 2013 e 2014, emitidos como resultado de procedimento inspetivo prévio que determinou correções à matéria coletável dos anos em referência. O valor total correspondente às liquidações impugnadas é de €25.703,13.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 05/04/2017 e, na mesma data, foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, em 5/06/2017, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente previsto, e notificou as partes dessa designação. Estas aceitaram a designação do árbitro indicado, pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 22 – 06 - 2017.

 

  1. Em 23-06-2017 foi proferido despacho arbitral, nos termos do artigo 17º do RJAT, e, em conformidade, foi a AT notificada para apresentar a sua Reposta. Em 02-08-2017 veio a Requerente juntar aos autos os documentos nºs 10 a 11, referenciados na PI e em 02/10/2017 veio requerer a junção do Contrato de Cessão de Exploração Turística.

 

  1. Em 13-09-2017 veio a AT apresentar a sua Resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e juntou o respetivo Processo Administrativo (PA).

 

  1.  Em 30-10-2017 foi proferido despacho arbitral, considerando o requerido pela AT na sua resposta, notificando a Requerente para se pronunciar sobre a requerida dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, sobre a oportunidade de produção da prova testemunhal e, em caso afirmativo, indicar a matéria de facto a inquirir as testemunhas. No prazo fixado, veio a Requerente manifestar o seu interesse em produzir a prova testemunhal indicada e indicou a matéria de facto para inquirição.

 

Por despacho arbitral de 16/10 foi fixada a data de 06/11/2017 para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, destinada à produção da prova testemunhal, alegações e tramitação subsequente. Em 19/10/2017 a Requerente apresentou requerimento, com a concordância da requerida, no sentido de ser adiada a data agendada para a reunião, passando para o dia 21/11/2017, alegando que as testemunhas, todas residentes no Algarve, foram indicadas em outros processos em curso no CAAD, cuja inquirição já estava agendada para 21-11-2017, pelo que, desta forma seriam ouvidas em todos os processos, na mesma data, evitando futuras deslocações. Nesta conformidade, o tribunal arbitral proferiu despacho em 24-10-2017, dando sem efeito a primeira data fixada para a diligência, a qual foi marcada para 21-11-2017, conforme requerido.

No dia 21-11-2017, pelas 14 horas, realizou-se no CAAD a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, foram ouvidas as testemunhas indicadas pela Requerente, a saber: C… e D…, que prestaram o seu depoimento. A requerente apresentou e requereu a sua junção aso autos de um conjunto de documentação relevante para o conhecimento da matéria em discussão nos autos, como bem consta da respetiva ata, que se dá por integralmente reproduzida. A AT não se opôs à junção e prescindiu do prazo de vista. Terminada a inquirição, pelas partes foi dito que preferiam apresentar alegações escritas, pelo que, o tribunal fixou para o efeito, o prazo de igual e sucessivo de 15 dias. Nos termos do artigo 21º, nº2 do RJAT, o tribunal determinou a prorrogação do prazo referido no nº1 do artigo citado por dois meses, a contar do término daquele, tendo em consideração que o processo foi abrangido por dois períodos de férias judiciais e a dificuldade de agendamento da reunião.  Fixou a data de 22 de fevereiro como data para a prolação da decisão arbitral.

Notificou, ainda, a Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente e solicitou às partes o envio das peças processuais em word.

 

  1. A Requerente veio juntar aos autos as suas alegações em 07-12-2017 e a requerida, em 15-12-2017.

 

***

 

  1. A Posição da Requerente:

 

 

  1. Os Requerentes apresentaram a presente ação tendo como objeto a anulação dos seguintes atos de liquidação adicional de IRS:
  2. Liquidação adicional n.º 2016… e respetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2012, no qual se apurou o montante de € 6.857,45 a pagar;
  3. Liquidação adicional de IRS n.º 2016… e respetivos juros compensatórios, relativo ao ano 2013, no qual se apurou o montante de €8.643,28 a pagar;
  4.  Liquidação adicional de IRS n.º 2016… e respetivos juros compensatórios, emitido por referência ao ano de 2014, no qual se apurou o montante de €10.202,40 a pagar, tudo no montante global de €25.703,13.

 

  1. Os Requerentes não se conformam com os atos tributários acima identificados, nem com as conclusões do procedimento de inspeção tributária subjacente aos mesmos, razão pela qual invocaram, em síntese, no âmbito do presente pedido arbitral e demonstraram plenamente - como se evidenciará - os seguintes argumentos:
  2. A falta de fundamentação das liquidações adicionais efetuadas aos Requerentes, em virtude da falta de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária, no que concerne às correções à matéria tributável efetuadas aos Requerentes;
  3. A ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IRS, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014 e respetivos juros compensatórios, em virtude de a atividade exercida pelos Requerentes corresponder ao exercício de uma atividade comercial (Categoria B), nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 3.º e da alínea h), do n.º 1, do artigo 4.º do Código do IRS;

E, subsidiariamente,

  1. A ilegalidade parcial dos atos de liquidação adicional de IRS, em virtude de a Administração Tributária não ter atendido a todas as despesas dedutíveis em sede de Categoria F.
  2. Alega, em síntese, no que ao presente caso tange, importa, pois, que o sujeito passivo destinatário de decisão, fique minimamente ciente do iter volitivo da decisão da Administração Tributária pelo que a violação destes requisitos na decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação. Alega que, a Administração Tributário entendeu, sem mais, que a atuação dos Requerentes, especialmente do Requerente marido é passiva e, por essa razão os rendimentos que ele declarou como sendo rendimentos da categoria B deveriam ser antes tributados como rendimentos da categoria F.

Os Serviços de Inspeção Tributária, ao não sustentarem nas Conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos em que se basearam para concluírem que os rendimentos auferidos pelos Requerentes eram rendimento da Categoria F do IRS, não deram cumprimento, ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara a cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos tributários contestados.

Por entender que a atividade exploratória turística por si exercida e os rendimentos gerados nesse âmbito eram auferidos no âmbito de uma atividade empresarial (resultantes da exploração de um imóvel), os Requerentes trataram os mesmos no âmbito da Categoria B do IRS, por força do princípio da preponderância desta Categoria em relação aos rendimentos que se enquadram nas outras categorias de rendimento, mas que são obtidos em conexão com uma atividade empresaria (no caso, uma atividade comercial de exploração turística.

Assim, segundo os Requerentes, os Serviços de Inspeção Tributária entenderam que os rendimentos declarados pelos Requerentes com referência aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, não eram rendimentos da categoria B, mas sim da categoria F, porque “(…) os proprietários não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento. Desta forma os rendimentos que o sujeito passivo aufere advêm de uma forma meramente passiva, em resultado de uma prossecução de uma actividade comercial por parte da sociedade C…”, fundamentação que se afigura insuficiente.

Alegam, ainda, os requerentes que mesmo a admitir que os rendimentos obtidos pelos Requerentes são efetivamente rendimentos da categoria F do Código do IRS, a realidade é que a matéria coletável do Requerente jamais seria no valor apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária. Ao contrário da posição assumida pelos Serviços de Inspeção Tributária no Relatório de Inspeção notificado aos Requerentes e subjacente aos atos tributários aqui contestados deverão ser entendidas como despesas dedutíveis aos rendimentos da Categoria F do IRS as despesas de manutenção e conservação referentes a mulher de limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, água e gás, gastos com o aluguer de casa com equipamentos, reparações e pinturas, prémios de seguro e custos de administração do prédio.

 

 

  1. A posição da Requerida:

 

  1. Na resposta apresentada, que se dá por integralmente reproduzida, a Requerida contesta os fundamentos invocados pela Requerente, defende que os atos de liquidação se encontram suficientemente fundamentados e desenvolve um conjunto de argumentos em defesa da legalidade das liquidações impugnadas e Onde fundamentalmente, replica a posição por si já expressa em sede de conclusões do Relatório de Inspeção Tributária, pugnando pela não verificação da alegada falta de fundamentação das correções de IRS, e pela inexistência de violação dos pressupostos em que a liquidação adicional assentou, concluindo, consequentemente, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes.

 Alega, ainda, em brevíssima síntese, em defesa da sua posição, que o uso da palavra “exercício” na redação dada à norma, por contraposição às palavras usadas, no artigo 8º do CIRS, para definir quais são os rendimentos de categoria F, tem subjacente a prática de atos com um determinado propósito que, no caso, será a da obtenção de lucro. Que o Requerente adquiriu um imóvel, pelo prazo de cinco anos, nunca tendo praticado qualquer ato que indicasse uma vontade de exercer algum tipo de exploração do mesmo, pois tão pouco estava na sua disponibilidade a possibilidade de não ceder essa exploração. Acrescenta que, o mero ato de compra de um imóvel e a sua consequente e imediata cessão de exploração a um terceiro, têm de ser subsumidos a simples atos de gestão de património particular, não constituindo, em si mesmos, sinais de exercício de atividade de exploração de um imóvel por parte de quem cedeu a exploração.  Além do que, da leitura do contrato de cessão de exploração, resulta claramente que o Requerente nunca assume as funções de responsável pela exploração do alojamento, sendo essas funções assumidas pela Gestora nas suas diferentes vertentes.

Quanto à pretensão, por parte do Requerente, de que sejam, aceites a totalidade das despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, gás e água, pois estas não foram aceites na análise efetuada no procedimento inspetivo, refere a Requerida que, nos termos do art. 41º nº 1 do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, tem que se avaliar se aquelas despesas referidas em abstrato pelo Requerente (não demonstradas) revestem carácter de despesas de conservação e/ou manutenção que incumbam ao sujeito passivo. A AT entende que as despesas mencionadas pelo Requerente não consubstanciam despesas de conservação nem, tão pouco, de manutenção. E, no que concerne às despesas com salários e com a limpeza, ressalta do teor do contrato de cessão que esses encargos estão a cargo da Gestora o que significa que nem são da responsabilidade dos Requerentes.

 

Estes são, em síntese os argumentos das partes.

 

Cumpre decidir.

***

 

  1. O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O processo, não enferma de nulidades.

 

II. Matéria de facto

 

  1.  Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
  2. Em 28 de agosto de 2007, os Requerentes celebraram contrato de compra e venda com a sociedade E…, S.A. (NIPC…), tendo por objeto um imóvel designado “Apartamento…”, inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo…, sob a letra C, sito no empreendimento “Apartamentos …”, passando desde então a ser possuidores do mesmo, para todos os efeitos legais (cfr. Doc. 4 junto com a PI);
  3. Na mesma data, os Requerentes assinaram com a E… um contrato de cessão de exploração turística da unidade …  … acima identificada, reservando o direito de nomear uma entidade gestora, que veio mais tarde a concretizar (cfr. Cláusula 2.1. do Documento 4 junto com a PI);
  4. Em 8 de fevereiro de 2008 foi depositado, junto da então Direção Geral do Turismo, o título constitutivo dos “Apartamentos …” (cfr. Doc. 5 junto com a PI);
  5. Em 7 de julho de 2008 foi atribuída, pela Câmara Municipal de …, licença de utilização turística ao empreendimento “Apartamentos …” (cfr. Doc. 6 junto com a PI);
  6. Nos termos dos contratos de cessão de exploração turística, junto aos autos, ficou estabelecido que a exploração turística da unidade seria concretizada através dos serviços de uma entidade Gestora (cfr. Cláusula 2.1. do Doc. 4 junto com a PI);
  7. A entidade gestora explora os apartamentos turísticos da unidade F… (F…), como consta do contrato junto aos autos, a qual tem a seu cargo a prestação de todos os serviços necessários à efetivação dessa exploração (cfr. Cláusula 2.1. do Documento 4 junto com a PI);
  8. A entidade gestora (F…) presta todos os serviços compreendidos no âmbito do contrato, em regime de exclusividade (cfr. Cláusula 2.1. do Documento 4 junto com a PI);
  9. Consta dos termos do Contrato que os Requerentes, durante toda a vigência do Contrato, não explorariam, arrendariam ou por qualquer outro modo disponibilizariam a unidade a terceiro a troco de pagamento, renda, remuneração ou quaisquer outros meios de pagamento (inclusivamente de caráter não pecuniário ou gratuito), nem divulgariam, por si ou por terceiro, a unidade como estando, entre outras, disponível para ocupação (cfr. Cláusula 3.8. do Documento 4 junto com a PI);
  10. Constam como deveres da entidade gestora (F…) dos apartamentos turísticos, os seguintes:
    1. Administrar o Programa de Exploração Turística;
    2. Prestar os Serviços de Administração da Propriedade;
    3. Prestar os Serviços de Manutenção da Propriedade;
    4. Prestar os Serviços de Limpeza e de Arrumação da Unidade;

 (cfr. Cláusula 2.2. do Documento 4 junto com a PI)

  1. A entidade gestora (F…) ficou obrigada a gerir os aspetos operacionais (gestão corrente) inerentes à exploração turística dos apartamentos, designadamente a cobrança dos pagamentos devidos, de despesas, da gestão das reservas e determinação de tarifas (cfr. Cláusulas 3.1 a 3.13. do Documento 4 junto com a PI);
  2. A gestora (F…) é responsável pelos serviços de administração geral das unidades, cabendo-lhe definir a natureza e o objeto dos serviços a serem prestados, incluindo a contabilidade, vendas e marketing, custos das agências de viagens e/ou comissões dos operadores turísticos e respetivas despesas incorridas, despesas com os serviços centrais relacionados com o Programa de Exploração Turística e despesas de serviços de receção e outras despesas com ela relacionada, realizar os serviços de manutenção de rotina que sejam por ela livremente considerados necessários para manter as unidades apropriadas à ocupação de hóspedes, designadamente, manutenção de rotina, como trocar lâmpadas, desentupir sanitas, restabelecer/ligar circuitos, e manutenção de jardins e paisagem (cfr. Cláusulas 4.1. e 5.1 do Documento 4 juntos com a PI);
  3.  Resulta, ainda do contrato junto aos autos que, no âmbito dos serviços de administração geral das unidades, a gestora (F…) teria a seu cargo os serviços de limpeza e arrumação das unidades, designadamente, providenciar roupa de casa e limpeza das unidades, esvaziar o lixo, trocar toalhas, panos de cozinha e roupa de cama, arrumação diária da cozinha, salas de jantar e de estar, casa de banho e quartos, limpeza após a partida dos hóspedes e uma limpeza anual profunda do interior das Unidades (cfr. Cláusula 6.1 e Documento D do Documento 4 junto com a PI);
  4. Como contrapartida de todos estes serviços prestados pela entidade gestora (F…), esta recebe uma remuneração correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) da Receita Bruta da Exploração Turística, ou qualquer outra percentagem que venha a ser acordada periodicamente entre a gestora e o Requerente marido e a Requerente mulher (dependendo do ano em análise) (cfr. Cláusulas 2.3. e 7. do Documento 4 junto com a PI);
  5. À entidade gestora (F…) competia a realização dos atos de gestão corrente;
  6.  Ainda nos termos do Contrato junto aos autos os Requerentes são responsáveis pelos encargos e despesas, pendentes ou devidos, relacionadas com a Unidade, incluindo quaisquer impostos e encargos cobrados por credores ou fornecedores, nomeadamente, encargos de condomínio, custos de gestão e de reservas, prémios de seguro, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos (eletricidade, óleo, gás, água) - (cfr. Cláusula 4.4. do Documento 4 junto com a PI);
  7. Os Requerentes pagaram os equipamentos e mobílias para a Unidade, equipando-a com o pacote standard de mobília, que representou um gasto de € 67.760,00 (cfr. Cláusula 3.12. do Documento 4 junto com a PI);
  8. A gestora (F…) estava obrigada a facultar um relatório mensal das contas aos Requerentes, num prazo de 15 (quinze) dias a contar do fim do mês em questão, para além de um relatório anual auditado (relatório) da conta dos Requerentes; (cfr. Cláusulas 11.1. e 11.2. do Documento 4 junto com a  PI);
  9. Desde 26 de janeiro de 2012, que a Requerente mulher exerce a atividade exploração de apartamentos turísticos, estando para o efeito registrado com o CAE 55123 “apartamentos turísticos sem restaurante” e enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime de contabilidade organizada, por opção, em sede de IRS (Categoria B) (cfr. Documento 3 junto na reunião arbitral);
  10. O Requerente marido esteve registrado para o exercício da atividade com o CAE 55123 “apartamentos turísticos sem restaurante” e enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime de contabilidade organizada, por opção, em sede de IRS (Categoria B), entre 30 de junho de 2008 a 31 de agosto de 2012, data em que cessou a sua atividade (cfr. Documentos 1 e 2 juntos na reunião arbitral);
  11. O imóvel em causa está afeto a “Serviços” (cfr. Documento 4 junto na reunião arbitral);
  12. Com referência aos anos de 2012, 2013 e 2014, os Requerentes entregaram, em conjunto, a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, donde resultaram as liquidações de imposto respetivas. (cfr. teor do Relatório de Inspeção – Doc. 9 junto à PI);
  13. Os Requerentes foram, posteriormente, objeto de um procedimento de inspeção tributária, dirigido à análise do declarados em sede de IRS com referência aos anos de 2012, 2013 e 2014, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016…/ OI2016…/ OI2016…, de 10 de agosto de 2016, tendo sido notificados do Projeto de Relatório de Inspeção, através do Ofício n.º…, datado de 4 de outubro de 2016 (cfr. Doc. 7 junto com a PI);
  14.   Provados os factos seguintes, por documentos, apresentados na reunião realizada em 21-11-2017:
    1. início de atividade do Requerente marido, em 30.06.2008 como estando enquadrado com o CAE 55123 “apartamentos turísticos sem restaurante” e enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em IVA, bem assim como a sua declaração de cessação de atividade; (cfr. Documentos 1 e 2 juntos na reunião arbitral);
    2.  início de atividade da Requerente mulher, em 26.01.2012 como estando enquadrada com o CAE 55123 “apartamentos turísticos sem restaurante” e enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em IVA (cfr. Documento 3 junto na reunião arbitral);
    3. Descrição e inscrição do na matriz predial urbana, conforme caderneta predial do imóvel, que comprova que o mesmo é afeto a “serviços” (cfr. Documento 4 junto na reunião arbitral);
    4. Em caso idêntico, referente a três proprietários do mesmo empreendimento turístico (G…, H… e I…), do respetivo projeto de relatório de inspeção efetuado, e, bem assim, do relatório final de inspeção tributária, a AT entendeu que o enquadramento dos proprietários em causa em sede de Categoria B, encontrava-se correto (cfr. Documentos 5, 6, 7,8, 9 e 10 juntos na reunião arbitral);
    5. O enquadramento dos Requerentes - no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e, em sede de IRS, na Categoria B no regime de contabilidade organizada -  conforme instruções que o representante fiscal dos Requerentes, ouvido como testemunha, obteve, junto da Administração bem assim como junto da empresa que explora o empreendimento, conforme posição assumida pela Direção de Serviços do IVA no processo de informação vinculativa n.º…, de 09.10.2012 (cfr. Documento 11 junto na reunião arbitral);
    6. O mesmo sentido resulta, ainda, da informação vinculativa, da Direção de Serviços do IVA na qual se refere que o tipo de negócio em apreço configura uma “concessão de exploração de uma unidade de alojamento que integra um empreendimento turístico, enquadrada na alínea c) do mesmo normativo e, como tal, abrangida pelo conceito de prestação de serviços, de harmonia com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, conjugada com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, encontrando-se a "Remuneração da Cedente pela cedência da unidade de alojamento" sujeita a liquidação de imposto à taxa definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Código” (cfr. Documento 12 junto na reunião arbitral);
    7. Após a emanação da Circular n.º 5/2013, de 2 de julho de 2013 e já no decurso do ano de 2014, os Requerentes tiveram acesso a uma informação vinculativa, na qual a Direção de Serviços do IVA referente que o tipo de negócio em apreço configura uma “concessão de exploração de uma unidade de alojamento que integra um empreendimento turístico, enquadrada na alínea c) do mesmo normativo e, como tal, abrangida pelo conceito de prestação de serviços, de harmonia com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, conjugada com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, encontrando-se a "Remuneração da Cedente pela cedência da unidade de alojamento" sujeita a liquidação de imposto à taxa definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Código” (cfr. Documento 11 junto na reunião arbitral);

 

  1. No Projeto de Relatório de Inspeção foram propostas correções à matéria coletável dos Requerentes, de € 75.889,13 quanto ao ano de 2012, de € 19.189,66 quanto ao ano de 2013 e, ainda, de € 37.811,16 quanto ao ano de 2014, em virtude da requalificação do rendimento obtido pelos Requerentes de Categoria B para Categoria F, com base na orientação administrativa constante da Circular n.º 5/2013, de 2 de julho de 2013 (cfr. página 22 do Doc. 7 junto com a PI);
  2. Os Requerentes apresentaram, em 19 de outubro de 2016, o seu requerimento de audição prévia (cfr. Doc. 8 junto com a PI);
  3. Os Requerentes foram, posteriormente, notificados do Relatório Final de Inspeção, no qual os Serviços de Inspeção Tributária mantiveram as correções à matéria coletável nos termos inicialmente propostos (cfr. Doc. 9 junto com a petição inicial);
  4. Em conformidade com as conclusões plasmadas no Relatório de Inspeção, os Requerentes foram notificados das liquidações adicionais de IRS, relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, a saber:
    1. liquidação adicional de IRS n.º 2016… e respetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2012, no qual se apurou o montante de € 6.857,45 a pagar;
    2. liquidação adicional de IRS n.º 2016… e respetivos juros compensatórios, relativo ao ano 2013, no qual se apurou o montante de € 8.643,28 a pagar;
    3. liquidação adicional de IRS n.º 2016… e respetivos juros compensatórios, emitido por referência ao ano de 2014, no qual se apurou o montante de € 10.202,40 a pagar, tudo no montante global de € 25.703,13.

(cfr. Documentos 1, 2 e 3 juntos com a PI).

  1.  Em 04-04-2017 os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral, no qual impugnam as liquidações acima identificadas, e requerem a sua anulação.

 

13. Factos não provados

Não há outros factos não provados a considerar, com relevância para a decisão final.

 

14. Fundamentação da matéria de facto provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada - (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Os factos provados assentam na prova documental junta aos autos pela Requerente, confirmada pelo processo administrativo junto pela AT, conforme indicação especificada em cada um dos pontos da matéria de facto considerada provada.  A sua autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

 Os factos assentes nas alíneas g) a p) foram, ainda, confirmados pelo teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas na reunião realizada em 21-11-2017.

 

III. Matéria de direito

 

15.  As questões em apreciação no presente pedido de pronúncia arbitral, são as seguintes:

A) Do vício de falta de fundamentação das liquidações impugnadas;

B) Do enquadramento e qualificação da categoria de rendimentos em causa (categoria B ou Categoria F de IRS);

C) Subsidiariamente, saber se, caso se considerem os rendimentos descritos nos autos como enquadráveis na Categoria F, devem ser consideradas dedutíveis as despesas alegadas pela Requerente, como dedutíveis na respetiva categoria.

 

             Fixada a matéria de facto, nos termos sobreditos, importa conhecer das questões de direito suscitadas pelas partes, começando, obrigatoriamente, pelo vício de forma invocado pelo Requerente.

16. Dispõe o artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui o seguinte:

 

“1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2.Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

      a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

       b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”

 

Este preceito legal estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios do ato impugnado. Assim, devem ser conhecidos, em primeiro lugar, os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, o que nos leva a questionar o entendimento a dar a este critério. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), este princípio conduzirá a dar prioridade ao conhecimento dos vícios substanciais do ato sobre os vícios formais, porquanto estes últimos não impedem a renovação do ato, sendo certo que este parece ser o entendimento que privilegia a tutela mais eficaz dos interesses ofendidos.

 

17. Citando expressamente alguma jurisprudência do STA, que sintetiza o entendimento deste Tribunal superior, resulta, entre outros, do acórdão proferido em 17.11.2010,  o seguinte: “(…) a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação). “

 

18. Resulta ainda desta jurisprudência do STA, reafirmada em muitos outros Acórdãos, que esta regra não é absoluta, porquanto pode acontecer que, por exemplo, só a fundamentação do ato possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o ato impugnado. O que vale por dizer que, invocado o vício de falta de fundamentação, no caso deste se verificar efetivamente, pode o Tribunal não estar em condições de prosseguir com o conhecimento dos vícios de fundo, por não ter todos os elementos disponíveis e essenciais para o fazer. Pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do ato se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de fundo (substanciais) do ato.

Conclui-se, pois, que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do ato possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o ato e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo.

 

19. É pacífico que a fundamentação é uma exigência legal, que se impõe para qualquer ato administrativo ou tributário, sendo a liquidação de imposto um tipo de ato tributário em relação ao qual esta exigência se impõe com máximo rigor, atendendo aos efeitos que produz na esfera jurídica do sujeito passivo. Acresce recordar que é uma imposição constitucional por força do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), reafirmada no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).  Deste último normativo decorre, aliás, que embora o dever de fundamentação não se restrinja apenas aos atos desfavoráveis ao contribuinte, em relação a estes é exigida uma maior densidade. É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais, incluindo a arbitral, que a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:

a.         Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;

b.         Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido;

c.         Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;

d.         Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).

 

20. O dever de fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa ou tributária a agir ou a decidir, de modo a convencer o seu destinatário da legalidade que lhe está subjacente, permitindo-lhe entender a sua razão de ser. Visa, assim, permitir que o destinatário possa, conscientemente, aferir sobre a sua a aceitação ou a sua impugnação. Isso mesmo tem sido afirmado incessantemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, reiterando que a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que praticou o ato, de forma a revelar claramente as razões que a conduziram àquela decisão concreta.

 

21. Posto isto, no plano do procedimento de fiscalização interna ou de inspeção, desencadeado pela AT, o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os atos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório. A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspeção tributária, é de fundamental importância, dado que esse percurso vai influenciar, posteriormente, a decisão tributária. Essa é a razão de ser da exigência do procedimento inspetivo e as garantias nele previstas, entre as quais sobressai o exercício do direito de audição, que deve anteceder a tomada de decisão final do procedimento.

 

22. Retornado ao caso concreto, o núcleo essencial da fundamentação, com a referência aos normativos legais de referência e sua interpretação pela AT, por remissão para o Relatório de Inspeção tributária que serviu de base ás liquidações impugnadas está reproduzido com suficiente clareza.  Pode não se concordar com a fundamentação em si mesma, mas a factualidade ocorrida está espelhada no Relatório da Inspeção e bem assim a leitura que a AT retira da aplicação da lei a esses factos. Ou seja, é claramente percetível que o entendimento da AT quanto ao correto enquadramento dos rendimentos em causa levou a que os qualificasse como categoria F e não B, como constava da declaração apresentada pelos Requerentes.

Do teor da audição prévia, bem assim como da impugnação vertida no presente pedido arbitral, também se conclui que os fundamentos que conduziram às liquidações (mal ou bem) foram compreendidas com suficiente clareza pelos Requerentes.

Não se vê, pois, que tenha sido incumprido o dever de fundamentação, previsto no nº 3, do artigo 268º da CRP e o artigo 77º da LGT, quanto ao dever de fundamentação do relatório de inspeção e dos atos de liquidação. O mesmo se diga quanto à alegada incongruência que possa querer imputar-se à leitura da lei aí levada a efeito, que terá a ver com a verificação de eventual desconformidade face à lei, nos termos da alínea a) do artigo 99º do CPPT.

 

23. Passando, agora, à análise do vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, face à matéria de facto provada, entende este tribunal que, a correta qualificação da categoria de rendimentos em presença, deve atender à forma como os rendimentos são produzidos e distribuídos, para saber se estamos perante rendimentos que devam ser qualificados como da categoria B ou da categoria F, ambas do IRS.

 

24. A este propósito, as partes apelaram para decisões arbitrais, e proferidas por Tribunais superiores, sobre situações idênticas, decididas em sentido divergente. Isso demonstra que o fio condutor para a decisão passa essencialmente pela configuração de cada caso concreto, à luz da matéria de facto assente. Fundamental, pois, será atender aos termos subjacentes à obtenção dos rendimentos, às condições concretas em que os mesmos são gerados, às responsabilidades, controlo e risco do negócio, assumido pelos Requerentes.

A este propósito, face à matéria de facto assente, não há dúvida que os Requerentes controlavam e acompanhavam a atividade, assumiram o risco do mesmo e, no âmbito de um contrato de exploração turística tinham expectativas claras de lucro com a exploração turística da unidade em causa. Assumiram, igualmente, responsabilidades pelos custos (pelo menos em parte) dessa exploração. Correram, pois, riscos com o negócio que não são típicos de um contrato de arrendamento ou equivalente, como pretende a AT, ao enquadrar os rendimentos auferidos na categoria F.

 

25. Conclui-se, pois, face à matéria de facto assente nos autos, em tudo muito semelhante à que foi apreciada no âmbito do processo arbitral n.º 271/2017-T, de 21 de novembro de 2017, que “tendo em conta que a forma de organização da gestão da exploração turística adotada pelos Requerentes, se configura como sendo a necessária (seja por imposição da lei ou por vontade das partes), por potenciar um maior nível de rendimento, mesmo que fosse de aplicar o teor da Circular 5/2013, de 02.07.2013, às liquidações aqui em causa, face à matéria de fato provada (…), não é líquido que se deva concluir que, neste caso, a exploração da unidade de alojamento não é feita diretamente pelos Requerentes (de uma forma que pode considerar-se como equivalente), uma vez que há um controle muito imediato (quinzenal) dos titulares das unidades de alojamento sobre a evolução das receitas e das despesas” e que “(…) do contrato de cessão de exploração não parece líquido que resulte que toda a actividade da exploração turística da unidade de alojamento esteja entregue à entidade gestora”

 

26. Acresce ao que vem exposto, que ao nível do Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes, o que ressalta da matéria de facto provada é que se configura existir divergências entre o Serviços de Administração do IVA e os Serviços de Administração do IR. De facto, ficou provado nos autos, quer por documento quer pelo depoimento das testemunhas inquiridas, que a AT aceitou como correto o registo de atividade dos Requerentes, e a consideraram como relevante e adequada em sede de IVA, de acordo, aliás, com instruções e informações vinculativas emanadas da própria administração.  Esta é uma questão relevante e fulcral, pois, aparentemente parece existir divergência na aplicação da alínea a) do nº 29) do artigo 9º do Código do IVA, por um lado, e da alínea a) do nº 2 do artigo 8º do Código do IRS, por outro.

 

27.Ora, não resta dúvida que a AT perfilhou, pelo menos durante um certo período de tempo, um entendimento que a conduziu a aceitar o enquadramento do Serviço de Finanças onde é apresentada a declaração, considerou em sede de IVA esse enquadramento como adequado. A expectativa dos Requerentes foi, naturalmente, a de terem um determinado enquadramento fiscal, aceite pela AT, e nesse pressuposto confiaram na lei e na interpretação então perfilhada pela AT. E, diga-se, que está em causa, não só, a confiança dos Requerentes como, também, de todo os agentes económicos nacionais que desenvolvem a sua atividade na área do investimento turístico.

Pelo Documento nº9 junto aos autos na reunião de 21-11-2017 conclui-se, que a inspeção foi ordenada como consequência do pedido de reembolso de IVA deduzido pelos Requerentes. O que nos leva a intuir que a posição da AT face à situação concreta dos Requerentes se pautou por critérios de oportunidade ou conveniência e não de legalidade. É que, como bem alegam os Requerentes, não se percebe como pode a mesma Administração ter um entendimento diferente, sobre a mesma questão fundamental (tipo de atividade e rendimento em presença) para efeitos de incidência de IVA, por um lado, e de IR por outro. Não é aceitável que determinada situação de facto seja enquadrada na categoria B ou F, em função de meros critérios de conveniência.

 

28. Como bem alegam os Requerentes, “a posição dos Requerentes, no que concerne ao IVA, uma vez que a Direção de Serviços do IRS nunca se tinha pronunciado sobre o tema antes da publicação da Circular n.º 5/2013 -, foi já apoiada pela Direção de Serviços do IVA no processo de informação vinculativa n.º 3626, de 09.10.2012, no qual se refere que um contrato de arrendamento com inclusão de serviços configura “assim, uma operação sujeita a liquidação de IVA à taxa definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Código” (…)

Após a emanação da Circular n.º 5/2013, de 2 de julho de 2013 e já no decurso do ano de 2014, o representante fiscal dos Requerentes teve acesso a uma informação vinculativa, no qual a Direção de Serviços do IVA referente que o tipo de negócio em apreço configura uma “concessão de exploração de uma unidade de alojamento que integra um empreendimento turístico, enquadrada na alínea c) do mesmo normativo e, como tal, abrangida pelo conceito de prestação de serviços, de harmonia com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, conjugada com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, encontrando-se a "Remuneração da Cedente pela cedência da unidade de alojamento" sujeita a liquidação de imposto à taxa definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Código” (…)

Por uma questão de coerência do sistema e de atuação de boa fé por parte da AT, terá de se concluir que (i) ou o rendimento dos Requerentes é enquadrado como sendo um rendimento empresarial (Categoria B) e, como tal, está sujeito a IVA, (ii) ou o rendimento dos Requerentes é enquadrado como sendo um rendimento predial e, por esse motivo, não está sujeito a IVA, pelo que sendo a AT una, sendo os mesmos alheios à sua (des)organização interna, o tratamento fiscal a dar aos seus rendimentos - em concreto aos factos tributários que a estes subjazem - também terá de ser uno e coerente, não podendo ser utilizado um critério para o IRS e outro critério para o IVA; (…)”

 

29. Acresce que, da matéria de facto assente nos presentes autos, resulta inequivocamente que o imóvel em questão foi entregue pelos Requerentes à entidade gestora (F…), com a finalidade de esta assegurar a sua gestão e exploração, no intuito de lucrar com essa exploração. Trata-se de uma fração inserida num empreendimento concebido, com um modelo de negócio pensado e estruturado para potenciar a exploração do empreendimento, captanto investimento estrangeiro, na mira de obtenção de lucro e não de rendas. Na verdade, uma análise simples e linear do contrato de cessão de exploração turística junto aos autos permite concluir que não há uma renda garantida aos requerentes. Há, isso sim, uma vontade declarada e expressa nas cláusulas contratuais destes lucrarem com a exploração turística daquela fração, enquanto unidade de alojamento integrada num empreendimento turístico, sendo a ocupação efetuada por terceiros em regime de alojamento, no âmbito de uma atividade hoteleira.

Por sua vez, os Requerentes não recebem qualquer renda da entidade gestora (F…) como contrapartida (o que resulta evidenciado no contrato), a qual se limita a prestar um conjunto de serviços necessários à exploração dos imóveis enquanto unidades de alojamento de uma unidade turística. Por esta prestação de serviços cobra um valor contratualizado, que os Requerentes suportam, assumindo o risco de poder ganhar ou perder com o negócio.

De notar, ainda que o prédio gerador dos rendimentos foi inscrito na matriz, nos termos do artigo 13º do Código do IMI, considerando-o afeto a “serviços” e não a habitação perante as diversas hipóteses de afetação que constam do artigo 6º do Código do IMI.

 

30. Face ao que vem exposto, e sem necessidade de mais considerandos, conclui este tribunal que a categoria de rendimentos em presença, não cumpre os pressupostos de rendimentos prediais, mas sim de rendimentos empresariais, pelo que não se enquadram na categoria F mas sim na categoria B de IRS. Têm razão os Requerentes quando alegam que “no âmbito da alínea da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, tendo o legislador utilizado a expressão “atividade” sem delimitar (restritivamente) a sua extensão, é evidente que pretendeu incluir todos os rendimentos obtidos, por qualquer forma, da exploração direta ou através da contratação de serviços para realizar os rendimentos em causa. (…) O termo “atividade” compreende também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos e a escolha da forma adequada de gestão, que no caso concreto se torna ainda mais pertinente, considerando que os Requerentes são sujeitos passivos não residentes.”

Também ao nível do enquadramento do imóvel gerador dos rendimentos se verifica que foi inscrito na matriz nos termos do artigo 13º do Código do IMI, considerando-o afeto a “serviços” e não a habitação. Este é o entendimento adequado à necessária compatibilização entre o regime do IVA e do IR.

 

31. Acresce que, como foi  referido na decisão arbitral proferida no processo 271/2017 –T, a AT, através da Direção dos Serviços de Administração do IVA, parece continuar a manter o mesmo enquadramento dos rendimentos aqui em causa: “a concessão de exploração de uma unidade de alojamento que integra um empreendimento turístico, enquadrada na alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIVA e, como tal, abrangida pelo conceito de prestação de serviços, de harmonia com a alínea a) do nº 1 do artigo 1º, conjugada com o nº 1 do artigo 4º do CIVA, encontrando-se a “remuneração da cedente pela cedência da unidade de alojamento” sujeita a liquidação de imposto à taxa definida na alínea c) do nº 1 do artigo 18º do referido Código”.

 

Ora, como bem se decidiu nesta decisão arbitral, a cujo entendimento se adere, “esta posição só se configura, na análise deste TAS, consentânea com a consideração de que se trata de rendimentos enquadráveis no nº 1 do artigo 3º do Código do IRS e na alínea h) do nº 1 do artigo 4º do Código do IRS (e alínea a) do nº 29) do artigo 9º do Código do IVA), ou seja, rendimentos resultantes de uma actividade comercial, similar à hoteleira, susceptível de integrar a categoria B de rendimentos em IRS, dado serem auferidos por pessoas singulares.

De facto, é notório que os Requerentes, face à matéria de facto provada, não só agiram de boa-fé e com base numa interpretação plausível da lei fiscal, como agiram em conformidade com indicações expressas da AT que a vinculam (inscrição vigente no Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes e em consonância com o resultado de uma inspecção anterior).

Uma palavra relativamente à forma como a gestão corrente da unidade de alojamento dos Requerentes (e demais proprietários de unidades de alojamento do empreendimento) está agilizada: através de uma entidade gestora, por mandato (conforme o classificou, inclusive, a AT).

Naturalmente, num empreendimento turístico com grande quantidade de unidades de alojamento, com dezenas ou centenas de proprietários de fracções autónomas, a melhor forma de potenciar o aumento das receitas e a diminuição das despesas, terá que passar pela actuação em conjunto na exploração. Um proprietário de uma fracção, isoladamente, nunca poderia obter um tão elevado grau de ocupação, com padrões de qualidade e uniformidade, competitivos.

Independentemente de resultar de fonte legal ou contratual, o tipo de organização do empreendimento turístico adoptada (gestão corrente das unidades, em conjunto, por uma única entidade mandatada para o efeito) será a que melhor poderá potenciar as receitas e permitirá a optimização das despesas, podendo contribuir até para um aumento das receitas fiscais, sejam elas consideradas como rendimentos da categoria F ou da categoria B do IRS.

A forma de organização ao nível da gestão corrente, por si só, não se nos afigura que deva ter-se por determinante, para efeitos da qualificação de um rendimento, numa ou noutra categoria (regras de sujeição ao imposto) face o referido no nº 3 do artigo 11º da LGT, que manda atender à substância económica e não à forma.

Tendo em conta que a forma de organização da gestão da exploração turística adoptada pelos Requerentes, se configura como sendo a necessária (seja por imposição da lei ou por vontade das partes), por potenciar um maior nível de rendimento, mesmo que fosse de aplicar o teor da Circular 5/2013, de 02.07.2013, às liquidações aqui em causa, face à matéria de facto provada (ponto 3 - f) da matéria assente), não é líquido que se deva concluir que, neste caso, a exploração da unidade de alojamento não é feita directamente pelos Requerentes (de uma forma que pode considerar-se como equivalente), uma vez que há um controle muito imediato (quinzenal) dos titulares das unidades de alojamento, sobre a evolução das receitas e das despesas.

Por outro lado, do contrato de cessão de exploração, não parece líquido que resulte que toda a actividade da exploração turística da unidade de alojamento, esteja entregue à entidade gestora.”

 

32. Por tudo o que vem exposto, e sem necessidade de mais desenvolvimentos, conclui-se que a decisão da AT, ao enquadrar os rendimentos em presença como rendimentos de categoria F de IR e ao promover as correções que conduziram ás liquidações de imposto impugnadas, padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

Deste modo, e face ao exposto, enfermando as liquidações objeto da presente ação arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, deverão as mesmas ser anuladas, procedendo o pedido arbitral e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.

 

*

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente:

 

33. Dispõe o n.º 1, do artigo 43.º da LGT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, os erros que afetam as liquidações agora anulados são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que os praticou por sua iniciativa, contrariamente ao previsto na lei.

Tem, pois, a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular todas as liquidações de IRS impugnadas e objeto do pedido arbitral, no valor total de €25.703,13.
  2. Condenar a Requerida na restituição de todos valores indevidamente pagos pela Requerente em cumprimento dos atos ora anulados, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados, até à data de emissão da respetiva nota de crédito.
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

Valor do processo: nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €25.703,13, correspondente ao valor da liquidação impugnada.

 

Custas: nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da parte vencida.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 21-02-2018

                                                           O Tribunal Arbitral,

 

 

(Maria do Rosário Anjos – Árbitro singular)