Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 223/2017-T
Data da decisão: 2018-02-15  IRC  
Valor do pedido: € 1.388.786,07
Tema: IRC - benefícios fiscais para efeitos do artigo 92.º do CIRC - acréscimos de reintegrações e amortizações resultantes de reavaliação fiscal efetuada ao abrigo de legislação fiscal.
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Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Drª. Carla Castelo Trindade e o Prof. Doutor António Carlos dos Santos (árbitros vogais), reunidos no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, acordam na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

 

  1. Relatório

                                                                                                            

1. A…, SGPS, S.A. pessoa coletiva n.º  …, com sede na Av. …, n.º …, Lisboa, com o capital social de € 534.000.000,00, doravante designada por “A… SGPS” ou “Requerente”, sociedade dominante de grupo (o Grupo B… ou Grupo Fiscal) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto, desde 2010 até hoje, nos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 (Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – RJAT), de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março (Portaria de Vinculação),  apresentar pedido de pronúncia arbitral .

 

O pedido de pronúncia arbitral tem como objeto o indeferimento da reclamação graciosa, proferida por despacho proferido em 27 de dezembro de 2016 pela Exma. Senhora Diretora da Divisão de Gestão e Assistência Tributária (DGAT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) e, consequentemente, o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, relativo ao exercício de 2012, na parte correspondente ao montante de imposto de € 1.244.500,04 adicionado a título de “Resultado da Liquidação” (resultante de alegada aplicação do artigo 92.º do Código do IRC), acrescido dos correspondentes juros compensatórios, conforme cálculo infra, no montante de € 144.286,03, tudo no total de € 1.388.786,07 (€ 1.244.500,04 + € 144.286,03).

 

2.1. No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, todos do RJAT, a Requerente designou como Árbitro a Dr.ª Carla Castelo Trindade.

2.2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 31-03-2017.

2.3. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Exmo Senhor Prof. Doutor António Carlos dos Santos.

2.4. Por acordo, os árbitros nomeados pelas partes indicaram para presidir a este Tribunal Arbitral a Conselheira Dr.ª Maria Fernanda dos Santos Maçãs que, no prazo aplicável, aceitou o encargo.

2.5. Em 05-06-2017, as partes foram notificadas dessa designação, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, nada tendo objetado ou requerido.

2.6.Em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 21-06-2017.

2.7. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

3.1. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente, que junta um Parecer do Professor Doutor C…, alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. A questão essencial consiste em dilucidar se “os acréscimos de reintegrações e amortizações resultantes de reavaliações efectuadas ao abrigo de legislação fiscal” são ou não benefícios fiscais, o que por seu turno redunda em saber se as reavaliações previstas na legislação fiscal que lhes está na origem constituem, ou não, um benefício fiscal, isto é, (i) medidas de carácter excepcional, (ii) instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da própria tributação que impedem (cfr. o artigo 2.º, n.º 1, do EBF; sublinhados nossos).
  2. Com vista a rebater os argumentos da Requerida, a Requerente começa por assinalar que os acréscimos de amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal estavam indicados no artigo 92.º do CIRC, na redação que vigorou até 2010, como realidades sujeitas e que tal indicação desapareceu, com a previsão normativa que passou a vigorar a partir de 2011.
  3. Até 2010 todas as realidades indicadas na previsão normativa constante do n.º 2 artigo 92.º do Código do IRC ‑ entre as quais os acréscimos de amortização aqui em causa ‑ eram precedidas de um qualificativo (benefício fiscal) cujo alcance a própria norma se encarregava de restringir à prescrição normativa concretamente aí em causa: “Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se benefícios fiscais os previstos (...)”.
  4. Pelo contrário, na nova prescrição entrada em vigor em 2011 o texto normativo abdica de criar o seu próprio universo de realidades a considerar como benefícios fiscais para efeitos da sua específica prescrição, e passa a apoiar-se numa realidade normativa prévia e exterior, abstendo-se de a conformar pela positiva. Limitando-se, pois, a acolher “o benefício fiscal”, como realidade normativa que lhe é prévia e normativamente conformada exteriormente, noutro diploma.
  5. A intervenção normativa sobre a realidade “benefício fiscal” é, a partir de 2011, exclusivamente negativa: para excluir as realidades que especificamente indica, da aplicação da sua prescrição: “Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais (...).
  6. Donde, para a Requerente, do novo texto normativo entrado em vigor em 2011 resulta inequivocamente o seguinte: só se aplica a prescrição do artigo 92.º a realidades que se qualifiquem como benefícios fiscais à luz do conceito comum ou geral de benefício fiscal (por oposição a conceito especial, da lavra do próprio artigo 92.º, como sucedia até 2010).
  7. A partir do momento em que a norma passou a abranger os benefícios fiscais em geral (actuais ou futuros, sem necessidade de os nomear), em vez de abranger apenas (como até 2010) as realidades especificamente identificadas em quatro alíneas, é inequívoco que o desiderato do alargamento das realidades sujeitas ao artigo 92.º foi concretizado no texto legal.
  8. Para a Requerente não existe qualquer antinomia entre a intenção e a formulação do texto legal, sendo inequívoco que o desiderato do alargamento das realidades sujeitas ao artigo 92.º foi concretizado no texto legal. E acrescenta, socorrendo-se do afirmado no Parecer junto aos autos, que o facto de uma realidade especificamente prevista em 2010 ter deixado de estar prevista a partir de 2011 (na medida em que não preencha os requisitos para se qualificar como benefício fiscal nos termos do conceito geral), não anula, e por conseguinte não desmente, a concretização da intenção legislativa de alargar a base de aplicação do artigo 92.º do Código do IRC.
  9. Entrando na análise do conceito de benefício fiscal, a Requerente começa por afastar que as actualizações de valor onde assentam os acréscimos de amortização aqui em causa representem uma medida de carácter exepcional, antes fazem parte da tessitura normativa ordinária (e regular) dos sistemas de tributação do rendimento das empresas, e do nosso em particular.
  10. Para a Requerente, as medidas legais em causa (reavaliações fiscais) não têm carácter extraordinário, antes são medidas ordinárias, normais, que se inserem na medição da capacidade contributiva, instituídas com maior ou menor regularidade ou periodicidade consoante se esteja ou não em épocas de inflação, e cuja não instituição, havendo inflação relevante, corresponde a uma opção política motivada por razões extrafiscais.
  11. De seguida a Requerente tenta demonstrar que não se está perante um benefício fiscal por ausência também do requisito, integrante do seu conceito, de que se esteja perante medida que visa a “tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da própria tributação que impedem”.
  12. Socorrendo-se de doutrina, defende a Requerente que o interesse tutelado pelas medidas de reavaliação fiscal não é, pois, extrafiscal, exterior ao imposto e seus fins. Pelo contrário, é um interesse fiscal, interno e inerente ao imposto e aos seus fins: no caso concreto, o fim da correcta mensuração do lucro, o fim da correcta mensuração do real acréscimo de património entre o início e o fim dos sucessivos períodos de tributação.
  13. A Requerente termina reproduzindo o parecer junto aos autos onde se pode ler: “Em suma, os regimes legais de reavaliação de activos não podem dizer-se benefícios fiscais para efeitos do artigo 165º da Constituição da República, do artigo 2º do EBF ou do artigo 92º do Código do IRC. Só estamos perante benefício fiscal quando haja medida de desagravamento, motivada por razões de ordem extrafiscal e que derrogue o princípio da igualdade tributária, sendo por isso excepcional. Não é esse o caso, porém, de regimes como o estabelecido pela Lei nº36/91 e pelo Decreto-Lei nº22/92, ou como o estabelecido pelo Decreto-Lei nº 264/92: estes regimes constituem “soluções legislativas que [permitem] evitar os inconvenientes apontados sem ofensa dos princípios da justa repartição da carga fiscal”. E assim sendo, as amortizações acrescidas que resultam da aplicação deste regime à A… devem considerar-se alheias ao limite que o artigo 92º do Código do IRC fixa ao resultado da liquidação.

(...)

Com a redacção que o artigo 92º tem hoje, porém, estamos seguros que os regimes legais de reavaliação não estão abrangidos pela regra do resultado da liquidação.

(...)

12. Os resultados a que conduzem os regimes legais de reavaliação de activos mostram-se conformes ao princípio da capacidade contributiva, na medida em que permitem aproximar a tributação destas empresas da sua situação económica real.

13. O regime fixado pela Lei nº36/91 e pelo Decreto-Lei nº22/92, bem como o regime estabelecido pelo Decreto-Lei nº264/92, não podem qualificar-se como regimes de benefício fiscal para efeitos do artigo 2º do EBF e do artigo 92º do Código do IRC, devendo considerar-se por isso que o acréscimo das amortizações a que dão lugar não se encontra abrangido pela regra do resultado da liquidação.

  • A Requerente defende, ainda, que, ao contrário da tese da Requerida, as amortizações aceleradas não são realidades comparáveis com o tema das reavaliações fiscais.

3.2. A Requerente termina pedindo:

  1. a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa supra identificado, na medida em que recusou a anulação da parte ilegal aqui em causa da referida liquidação adicional de IRC;
  2. a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2012 e respectivos juros compensatórios, na parte correspondente ao montante de € 1.388.786,07 (juros incluídos);
  3. consequente reconhecimento do direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia.

 

4.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida) apresentou Resposta e juntou o respetivo processo administrativo, invocando, em síntese, o seguinte:

 

  1. Conforme resulta bem evidenciado do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e é corroborado na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o acréscimo das amortizações, na parte [60%] dedutível ao lucro tributável qualifica-se como um benefício fiscal e, em consequência, o efeito da dedução fiscal fica sujeito à limitação resultante do artigo 92.º do Código do IRC;
  2. Nesse sentido, argumenta a Requerida, aponta a redação do artigo 92.º, n.º 2 do Código do IRC, até 2010 e na alteração introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, que teve o desiderato de «alargar a base de incidência do IRC»;
  3. Ou seja, como já concluído na decisão da reclamação graciosa «não só o próprio legislador qualificou os acréscimos de depreciações e amortizações decorrentes de reavaliação legal como benefício fiscal, como o fez para efeitos de aplicação do artigo 92.º do Código do IRC, matéria sobre a qual a correção em análise versa»;
  4. E, se esta menção deixou de existir a partir do exercício de 2011, tal deve-se ao facto de, por força da alteração da redação da norma, ter-se passado a indicar os benefícios fiscais que passam a estar excluídos daquele cálculo;
  5. Embora seguindo-se uma técnica legislativa diferente, percorrendo a evolução redacional deste normativo, verifica-se que, a filosofia subjacente não sofreu alterações, constando tal entendimento expresso, como se referiu em sede graciosa e adiante igualmente se explicita, no próprio relatório da Proposta de Lei do Orçamento de Estado;
  6. Segundo este Relatório, esta alteração traduziu-se na inversão da «estrutura desta regra de limitação, dado que em vez de enunciar positivamente os benefícios a que se aplica, passa a aplicar-se genericamente a qualquer benefício fiscal, enunciando-se apenas as excepções», mais aí se adiantando que esta alteração tinha sido ditada pela «preocupação de alargar a base de incidência do IRC e de garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas»;
  7. Ou seja, atendendo à técnica legislativa utilizada, que consistiu em delimitar o que se encontra excluído, daí não pode inferir-se que o previsto na anterior alínea d) do n.º 2 do artigo 92.º do Código do IRC se tenha desqualificado como “benefício fiscal” relevante para o cálculo do Resultado da liquidação: o objetivo do legislador foi dar indicação de que passaria a aplicar-se genericamente a qualquer benefício fiscal, que não fosse excepcionado;
  8. Por outro lado, alega a Requerida que o modelo de redação do n.º 2 do artigo 92.º do Código do IRC, que vigorou até 2011, tinha como pano de fundo um conceito de “benefício fiscal” que incorporava, na terminologia do Dr. NUNO SÁ GOMES, um conceito material e não meramente formal, no sentido de que «não são necessariamente benefícios fiscais as medidas desagravadoras que se apresentem formalmente como tais, mas apenas as que preenchem os requisitos integradores da definição.»; [2]
  9. Sendo que os acréscimos das depreciações e amortizações resultantes das reavaliações ao abrigo do artigo 4.º da Lei n.º 36/1991 e do Decreto-Lei n.º 22/92, e do Decreto-Lei n.º264/92, reúnem todos os requisitos para serem qualificados como benefícios fiscais;
  10. Contrariamente à matriz evocada pela Requerente no pedido arbitral, fica bem patente o carácter especial e discricionário da legislação que autorizou as reavaliações dos elementos do ativo imobilizado em causa, porquanto cada diploma determinava o respectivo âmbito de aplicação, processo de reavaliação e metodologias aplicáveis na atualização dos valores dos bens, bem como os benefícios associados;
  11. Para a Requerida, a elaboração teórica do Professor Doutor C…, acolhida pela Requerente, na qual se pretende contrapor à concepção de benefício fiscal do Dr. Nuno Sá Gomes, “uma concepção material em que os benefícios fiscais são representados como excepção ao princípio da igualdade”, com o devido respeito, não tem consagração legal nem doutrinal, tanto mais que labora numa confusão redutora ao considerar que a noção de benefício fiscal consagrada no n.º 1 do artigo 2.º do EBF não constitui uma mera excepção ao regime-regra mas uma excepção ao princípio da igualdade – o princípio da capacidade contributiva;
  12. No caso especifico da reavaliação efectuada ao abrigo do artigo 4.º da Lei n.º 36/91 e do Decreto-Lei n.º 22/92, a excepcionalidade ao regime-regra manifesta-se, quer no processo e método de revalorização que consistiu na substituição dos valores históricos dos bens do ativo imobilizado por valores resultantes de avaliações feitas por entidades selecionadas para o efeito, que passaram a servir de base ao cálculo das depreciações, quer também na delimitação das empresas abrangidas: apenas empresas envolvidas em processos de privatização;
  13. Ou seja, para a Requerida, diferentemente do que defende a Requerente, com base no parecer do Professor Doutor C…, o método de atualização monetária dos valores dos bens reavaliados adoptado pelo Decreto-Lei n.º 264/92 não visa repor a capacidade contributiva da sociedade, neutralizando os efeitos da inflação, pois, para tanto seria necessária a previsão legal de correção sistemática de todos os efeitos, positivos e negativos, provocados pela erosão monetária nos elementos patrimoniais;
  14. Finalmente defende a Requerida que os benefícios das reavaliações de carácter fiscal devem ser instituídos para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem;
  15. Mais defende que importa, de todo do modo, autonomizar a reavaliação efectuada ao abrigo do artigo 4.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho e do Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de fevereiro, inserida no contexto específico da Lei-Quadro das Privatizações – Lei n.º 11/90, de 5 de abril;
  16.   No artigo 5.º, n.º 1 daquela Lei, estatuía-se que «O processo de privatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção e outros bens nacionalizados a que se refere o artigo 1.º será sempre precedido de uma avaliação, feita, pelo menos, por duas entidades independentes, escolhidas de entre as pré-qualificadas em concurso realizado para o efeito.», tendo em vista a determinação do valor das empresas a privatizar e a fixação do respectivo preço de venda;
  17. Assim sendo, a relevância fiscal atribuída pelo artigo 4.º da Lei n.º 36/91 e pelo Decreto-Lei n.º 22/92 aos valores das avaliações elaboradas pelas entidades habilitadas para efeitos dos processos de privatização traduziu-se, portanto, numa vantagem fiscal especial concedida apenas às empresas a privatizar, sem a qual seria desconsiderada a dedução fiscal da totalidade do acréscimo das depreciações resultante do aumento do valor dos bens, proporcionando-lhe, assim, para o futuro (após a privatização), a obtenção de poupanças de imposto (IRC).

 

5. Por despacho, de 10 de setembro de 2017, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT e notificadas as partes para produzirem alegações escritas com caráter sucessivo. Mais foi designado o dia 21 de dezembro como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

6. Requerente e a Requerida apresentaram alegações reiterando no essencial os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais.

 

7. O prazo para prolação da Decisão Arbitral foi prorrogado, por despacho de 18 de dezembro de 2017, para o dia 21 de fevereiro de 2018. 

 

  1. Saneamento

 

8. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

8.1.O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído.

8.2.O processo não enferma de nulidades.

8.3.Não foram suscitadas exceções que obstassem ao conhecimento do mérito da causa.

8.4.Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Dos Factos

 

III.1. Factos Provados

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e ao Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. O IRC calculado pela Requerente relativo ao exercício de 2012 foi de € 15.269.798,07 (cf. campo 358 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22);
  2. Em 2016 a Requerida (através dos seus serviços de inspeção tributária) levou a cabo um procedimento inspetivo externo ao período de 2012, em sede de IRC, relativo à aplicação do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2015… (cf. documento n.º 3 do PA);
  3. Nesse procedimento inspetivo, os serviços de inspeção tributária constataram que, no período de 2012, a Requerente, sociedade dominante do grupo, não inscreveu qualquer valor no campo 371 do quadro 10 da declaração de rendimentos de substituição Modelo 22 do grupo,[3] a título de resultado da liquidação, tal como propugnado no artigo 92.º do Código do IRC;
  4. Aqueles serviços procederam ao cálculo previsto naquele normativo, o qual visou determinar se o imposto liquidado, líquido das deduções/benefícios fiscais referidas no artigo 92.º do Código do IRC, seria, ou não, inferior a 90% do imposto liquidado que o sujeito passivo apuraria, na ausência de tais benefícios fiscais;
  5. Tendo concluído, conforme cálculo que se encontra discriminado no Anexo B ao relatório, que 90% do IRC liquidado, nos termos propugnados no artigo 92.º do CIRC, ascendia a € 16.193.225,99;
  6. Considerando que o IRC calculado pela Requerente (cf. campo 358 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22) é de € 15.269.798,07, os serviços de inspeção tributária concluíram que haveria lugar a uma correção ao cálculo do imposto relevado pelo grupo, nos termos previstos no artigo 92.º do CIRC, no valor de € 923.427,92 (€ 16.193.225,99 - € 15.269.798,07), a ser inscrito no campo 371 do quadro 10 da declaração modelo 22 do grupo, de substituição (cf. quadro da página 10 do RIT);
  7. Tendo presente que a Requerente nada tinha inscrito no referido campo 371 do quadro 10 da declaração modelo 22 do grupo, em 2016-04-04, os serviços de inspeção tributária solicitaram à Requerente a demonstração dos cálculos que conduziram à inaplicabilidade do artigo 92.º do Código do IRC;
  8. Após envio pela Requerente, em 2016-04-06, do mapa onde evidencia a demonstração dos cálculos para a não aplicabilidade do artigo 92.º do Código (cf. anexo C do RIT), os serviços de inspeção tributária procederam à sua análise, tendo verificado que Requerente, embora tivesse inscrito o valor de € 8.673.231,89, correspondente a 60% do acréscimo de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação de caráter fiscal, na sociedade D.., S.A., o mesmo não havia sido considerado para efeitos do cálculo a que se refere a norma legal supra;
  9. Questionada a Requerente, em 2016-04-07, acerca da não consideração do valor de 60% do acréscimo de depreciações e amortizações resultantes de reavaliações, efetuadas ao abrigo da legislação fiscal, no cálculo do valor previsto no artigo 92.º do CIRC, foi por esta alegado, em 2016-04-13, o seguinte: «O n.º 1 do artigo 92º do Código do IRC estabelece uma limitação geral ao aproveitamento de benefícios fiscais, pelo que apenas as figuras jurídicas qualificáveis como um benefício fiscal, (...) estão incluídas no âmbito daquela norma.

"O regime dos acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação (60%) efetuada ao abrigo de legislação de carácter fiscal não é enquadrável naquele conceito de benefício fiscal, (...) pelo que o mesmo não pode ser considerado para efeitos do cálculo do limite do resultado da liquidação.

E que, se até 2010 “o n.º 2 daquele artigo ficcionava um conjunto de realidades que deveriam ser considerados como «benefícios fiscais», entre as quais os acréscimos das amortizações resultantes de reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação fiscal" e que “o aumento das depreciações associadas a bens reavaliados apenas era considerado para efeitos daquele regime porque se encontrava especialmente expresso no artigo 92.º de Código do IRC, como realidade equiparada a "benefícios fiscais»”, atualmente, aquele regime apenas abrange as realidades que sejam efetivamente benefícios fiscais.

Pelo que considera a A…, SGPS, “na medida em que o artigo 92.º do Código do IRC deixou de fazer qualquer referência à equiparação daquelas depreciações ao conceito de benefícios fiscais, aquela realidade deixou de ser considerada relevante para efeitos de aplicação daquele regime.» (cf. síntese constante do RIT, página 11);

  1. Apreciados os argumentos apresentados, concluíram os serviços de inspeção que não existiam razões válidas para a não inclusão do valor de 60% do aumento das reintegrações e amortizações resultantes de reavaliações efetuadas ao abrigo da legislação fiscal, no cálculo do valor previsto no artigo 92.º do Código do IRC, tendo, para tanto, pugnado o seguinte:

«Dispõe o artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), n.º 1 e 2 que:

“1 - Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.

2 - São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior[4].

O legislador desde logo estabelece as amortizações e reintegrações aceleradas como benefícios fiscais. Recorde-se a este propósito o que Nuno de Sá Gomes escreveu: “Também as amortizações e reintegrações são, em princípio, desagravamentos-regra, estruturais, destinados a apurar o lucro real do contribuinte. (...) No entanto, já são benefícios fiscais as amortizações e reintegrações aceleradas que podem ainda revestir várias modalidades, conforme o nível da aceleração legalmente consagrada (...) Nestes casos, estamos, pois, perante desagravamentos excepcionais com fundamento extrafiscal que devem ser qualificados como verdadeiros benefícios fiscais.”[5] Ora, no caso em concreto das reavaliações ao abrigo de legislação de caráter fiscal, o legislador, com objetivos de ordem económica visou "permitir a melhoria da imagem dos balanços das empresas, possibilitar a atualização dos custos de produção através do aumento das reintegrações e favorecer a formação bruta de capital fixo mediante o reforço da capacidade financeira e de financiamento das empresas (cfr preâmbulo do Decreto-lei n.º 49/91, de 25 de janeiro) pelo que permitiu um incremento dos custos correspondentes a 60% do aumento das reintegrações sendo o montante do Benefício Fiscal o equivalente ao montante do imposto que o Estado deixou de cobrar por ter aceite uma parte dessas reintegrações acrescidas. Se dúvidas existissem relativamente ao facto de se ter prosseguido um especial intuito com estas reavaliações, bastaria compararmos o tratamento fiscal das reavaliações, consoante são, ou não, realizadas ao abrigo de legislação de caráter fiscal para percebermos que estamos claramente perante uma norma excecional.Assim, quanto às reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação de caráter fiscal temos que, da leitura conjugada do artigo 21.º, n.º 1 al. b) do CIRC com o artigo 8.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei 49/91, de 25 de janeiro, ou com o artigo 6.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei 22/92, de 14 de fevereiro, ou com o artigo 7.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de novembro, resulta o seguinte: as reavaliações, no momento da constituição da reserva de reavaliação, não concorrem para a formação do lucro tributável mas seguem um regime fiscal específico no âmbito do qual é referido expressamente que não são dedutíveis para efeitos fiscais os seguintes custos ou perdas: a) O produto de 0,4 pela importância do aumento das reintegrações anuais resultantes da reavaliação" (cfr. artigo 8.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei 49/91, de 25 de janeiro, artigo 6.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei 22/92, de 14 de fevereiro e artigo 7.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de novembro).Já quanto ao regime das reavaliações que não são realizadas ao abrigo de legislação de caráter fiscal podemos ler a anotação, que se mantém atual nesta temática, e que consta do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5a. edição, 1996, pág. 195 e 196:"As reavaliações do activo imobilizado não enquadráveis em diploma legal são variações patrimoniais, que se encontram excluídas na alínea b) do artigo 21.º do CIRC. Assim sendo, há lugar à tributação das reservas de reavaliação não constituídas ao abrigo de legislação fiscal. O valor reavaliado não releva quer para a determinação das reintegrações[6] quer para apuramento de uma eventual mais-valia realizada. (Proc. 1749/89, Despacho de 21-12-1989)".Podemos então concluir que, sendo admissível uma mera relevação contabilística resultante da reavaliação de bens, a regra é de que fiscalmente a mesma não releva em termos de reintegrações. Se o legislador fiscal vem dar relevo a essas reintegrações, aceitando fiscalmente esses custos em 60% (o contribuinte só teria de acrescer 40% no Quadro 7 da declaração Modelo 22 de IRC), foi porque quis introduzir “medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem", ou seja, estamos a falar de um benefício fiscal. Refere ainda o sujeito passivo que pelo facto do artigo 92.º deixar de fazer qualquer referência ao acréscimo das amortizações e reintegrações, este deixou de estar limitado por aquela norma. De acordo com o n.º 1 do artigo 92.º do Código do IRC, (versão em vigor em 2012):“1 — Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º2 — Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais: (…)Não acompanhamos o argumento aduzido pelo sujeito passivo. De facto, conforme relatório do Orçamento de Estado para o exercício de 2011, e com a preocupação “de alargar a base de incidência do IRC (...) [o legislador] procedeu a uma revisão do limite global ao aproveitamento de benefícios fiscal que figura no artigo 92.º do Código do IRC". Pode ler-se naquele documento, “Com a proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 introduzem-se duas alterações tendentes a reforçar esta limitação: primeiro, elevando para 90% a percentagem de referência abaixo da qual se desconsideram os benefícios fiscais; e segundo, invertendo a estrutura desta regra de limitação, dado que em vez de enunciar positivamente os benefícios a que se aplica, passa a aplicar-se genericamente a qualquer benefício fiscal, enunciando-se apenas as excepções." - Diário da Assembleia da República, II Série A, número 17, pág. 82, de 16 de Outubro de 2010.Assim, até ao exercício de 2010 eram enunciados os benefícios fiscais que estariam abrangidos pelo n.º 1 do artigo 92.º e a partir do exercício de 2011 passaram a ser enunciados benefícios fiscais que estão excluídos daquela limitação. Ora em razão de tal alteração, não se alcança o desiderato que a A… pretende alcançar, não significando que os benefícios enunciados até à alteração do OE de 2011, leia-se: a) Nos artigos 19º e 67º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;b) Na Lei n.º 26/2004, de 8 de Julho, e nos artigos 62º a 65.º do Estatuto dos Benefícios Piscais; c) Em benefícios na modalidade de dedução à colecta, com excepção dos previstos na Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e dos que têm natureza contratual;d) Em acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efectuada ao abrigo de legislação de carácter fiscal.... deixassem de se considerar benefícios fiscais, em razão da nova redação em vigor a partir daquele ano. Assim, sem margem para dúvidas, e à face da lei, as amortizações e depreciações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação de carácter fiscal são um benefício fiscal e, como tal, uma realidade relevante para efeitos do artigo 92.º CIRC. De facto, bastará percepcionar que 40% do aumento das depreciações são acrescidos no Quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22, relevando para efeitos fiscais os restantes 60%. Nos restantes casos, reavaliações efetuadas na ausência de diploma que o permita, não são reconhecidas na sua totalidade, para efeitos de apuramento do resultado tributável. Ou seja, os 60% são reconhecidos a título excecional.

Contudo, estamos sempre a falar de benefícios fiscais, o que inclui os acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo da legislação de carácter fiscal.» (destaques nossos)”;

  1. Atento o concluído supra, e tendo igualmente presente as correções efetuadas à sociedade dominada D…, S.A., identificadas no ponto III.1 do RIT em causa, que alteraram o seu resultado tributável individual em € 856.192,30 (o que determinou uma alteração do resultado tributável do grupo, passando o mesmo de € 42.529.510,65 para € 43.385.702,95, e o IRC liquidado a ascender a € 15.526.655,76), foi determinado pelos serviços de inspeção tributária que o montante correspondente a 90% do IRC liquidado sem benefícios fiscais é de € 16.771.155,80, pelo que o valor a considerar como resultado da liquidação é de € 1.244.500,04 (cf. demonstração no quadro da página 15 do RIT);
  2. Deste modo, concluiu-se no projeto de relatório de inspeção que: «Uma vez que a A.., SGPS, enquanto sociedade dominante do grupo B…, não inscreveu qualquer valor no campo 371 do quadro 10 da DRM22 do grupo, de substituição, a título de resultado da liquidação, tal como se encontra propugnado no artigo 92.º do CIRC, procede-se a uma correção ao cálculo do imposto no montante de 1.244.500,04 euros, conforme mapa que constitui o Anexo D)»;
  3. Notificada do projeto de relatório, a Requerente exerceu o correspondente direito de audiência prévia;
  4. Os serviços de inspeção tributária não deram provimento aos argumentos apresentados pela Requerente em sede de direito de audiência prévia, tendo mantido a correção projetada, entendendo, para tanto, o seguinte (cf. pags. 33 a 37 do mesmo):

«Refere a A… que a aceitação de uma parcela das depreciações e amortizações não traduz um benefício fiscal porque não corresponde a qualquer redução de taxa, isenção, dedução à matéria coletável ou à coleta.Porém, o que traduz um benefício fiscal é o facto de estarem preenchidas as caraterísticas enunciadas no n.º 1 do artigo 2.º do EBF, ou seja, uma medida de caráter excecional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores ao da própria tributação que impedem. Para percebermos se estamos perante uma norma excecional ou uma norma geral, importa averiguar qual é o regime-regra .A A… vem dizer que o regime-regra é a aceitação fiscal das depreciações associadas a bens que resultam de reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação de caráter fiscal e que a exceção é a não aceitação da parcela de 40%. Porém, uma coisa é dizermos que as reavaliações ao abrigo de legislação de caráter fiscal devem ter consequências similares, que devem encontrar-se harmonizadas nos seus benefícios, o que se percebe até por uma questão de igualdade, outra coisa é dizermos que esse é o regime-regra.A este propósito refira-se que consideramos de todo improcedente o argumento apresentado pela  A… de que o artigo 2.º e 15.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 estabelece o regime-regra. Primeiro porque o regime das reavaliações ao abrigo de legislação de caráter fiscal resulta de legislação própria, que é anterior ao próprio Decreto-Regulamentar. O que sucede é que essa legislação prevê em todos os casos que não seja dedutível para efeitos fiscais “o produto de 0,4 pela importância do aumento das reintegrações anuais resultantes da reavaliação"[7] pelo que o Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 não traz nada de novo neste campo, não institui um regime- regra. Segundo porque não é dessa forma que aferimos se estamos perante um benefício fiscal, caso contrário, poderíamos dizer também que o regime intensivo de utilização dos ativos depreciáveis, constante do artigo 9.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, não integra um benefício fiscal porque esse artigo contém a regra aplicável quando os ativos fixos tangíveis estejam sujeitos a desgaste mais rápido do que o normal. A questão que devemos colocar é: o que aconteceria se fosse extinta esta norma? A resposta é: seria reposta automaticamente a tributação-regra, ou seja, o valor reavaliado não iria relevar para a determinação das amortizações e depreciações (cfr. a este propósito a anotação ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, já citada no projeto do relatório e a págs 12 e 13 do presente relatório).A A… refere que o que está em causa é impor-se uma tributação de 40% quando do que se trata, na realidade, é de deixar de liquidar o valor correspondente a 60% do aumento das depreciações e amortizações efetuadas ao abrigo de legislação de caráter fiscal. É isso mesmo que é referido no artigo 11.º do Decreto-Lei 49/91, de 25 de janeiro, aplicável ex vi artigo 8.º do Decreto-Lei n º 22/92, de 14 de fevereiro. Dispõe esse artigo que a utilização da reserva de reavaliação para fins diferentes dos previstos legalmente tem como consequência adicionar-se ao valor do IRC, liquidado no exercício em que tal utilização se verifique, o IRC que em resultado da reavaliação deixou de ser liquidado nos exercícios anteriores, acrescido dos juros compensatórios correspondentes. O legislador renunciou a parte da receita porque esta medida se afigurou como essencial para realizar finalidades extrafiscais superiores aos da própria tributação que impedem. Que finalidades extrafiscais são essas? É certo que toda a fiscalidade tem inerente um certa dose de extrafiscalidade mas no âmbito das reavaliações ao abrigo de legislação de caráter fiscal, o legislador, com objetivos de ordem económica visou “permitira melhoria da imagem dos balanços das empresas, possibilitar a atualização dos custos de produção através do aumento das reintegrações e favorecer a formação bruta de capital fixo mediante o reforço da capacidade financeira e de financiamento das empresas” (cfr. preâmbulo do Decreto-lei n.º 49/91, de 25 de janeiro) pelo que permitiu um incremento dos custos correspondentes a 60% do aumento das reintegrações sendo o montante do beneficio Fiscal o equivalente ao montante do imposto, que o Estado deixou de cobrar por ter aceitado uma parte do referido aumento dessas reintegrações. Estes objetivos de ordem económica, nomeadamente a melhoria da imagem do balanço das empresas, também estão presentes no caso das empresas que estavam em fase de privatização ou a ser privatizadas, como foi o caso da A… . Aliás, note-se que o sujeito passivo não contesta em ponto algum que estas medidas não foram constituídas com finalidades extrafiscais, de cariz económico. O que o sujeito passivo vem dizer em vários pontos do seu direito de audição é que estamos perante medidas de desagravamento fiscal, perante um desagravamento estrutural. Relativamente aos desagravamentos fiscais que não são benefícios fiscais dispõe o artigo 4.º do EBF nos seus n.ºs 1 e 2:1 - Não são benefícios fiscais as situações de não sujeição tributária.2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se, genericamente, não sujeições tributárias as medidas fiscais estruturais de caráter normativo que estabeleçam delimitações negativas expressas da incidência. Concordamos que fazer a distinção jurídica entre um e outro não é fácil. Porém, o Relatório do Grupo de Trabalho criado por Despacho de 1 de maio de 2005 do Ministro do Estado e das Finanças para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais (Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 198), que o sujeito passivo cita no ponto 119 do direito de audição, também refere, na página 97, que: “(...) tanto os benefícios fiscais como os desagravamentos estruturais podem concretizar-se por um conjunto de técnicas comuns. Na verdade, por exemplo, uma dedução à matéria colectável pode consubstanciar um desagravamento ou um benefício. Nos termos do n.º 2 do art. 2º do EBF: “são benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior, ou seja, que se enquadrem no conceito de benefício fiscal. Quando assim não for, tais técnicas consubstanciarão situações de desagravamento fiscal’’. Portanto, se já demonstramos que o legislador quis introduzir “medidas de carácter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem", se já demonstramos que estamos perante um benefício fiscal, não se coloca a questão de estarmos perante um desagravamento estrutural, uma “não sujeição tributária”, como a lei refere no artigo 4.º do EBF. A este respeito veja-se as situações de não sujeição, como por exemplo a propugnada pelo n.º 3 do artigo 54.º do CIRC relativa às quotas pagas pelos associados, em conformidade com os estatutos. O mencionado no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 49/91, de que estamos perante medidas de desagravamento fiscal, em nada altera essa qualificação de benefício fiscal porque, como sabemos, os benefícios fiscais também são eles próprios desagravamentos fiscais. É certo que podem existir desagravamentos fiscais que não são benefícios fiscais mas, nesse caso, como diz o artigo 4.º, n.º 1 do EBF, é porque estamos perante normas de não sujeição tributária, o que não é aqui o nosso caso. Ainda assim, não queremos deixar de nos pronunciar sobre as observações tecidas pela A…, de que existem fontes administrativas que comprovam que esta situação não se enquadra num benefício fiscal. Em primeiro lugar, quanto à forma como este benefício opera na Modelo 22: é usada a técnica, também utilizada no regime das amortizações aceleradas e que nem por isso deixam de ser benefícios fiscais, de aceitar as depreciações reconhecidas na contabilidade, isto é, estes valores constam já do balanço da empresa pelo que já estão contemplados no Resultado Líquido do Período apresentado na Modelo 22. Porém, como a nível fiscal, o Estado só prescinde de liquidar imposto referente a 60% do aumento das amortizações e depreciações ao abrigo de legislação de caráter fiscal, os restantes 40% têm necessariamente de acrescer no Quadro 7 da Modelo 22, para efeitos do apuramento do resultado tributável. Em segundo lugar, o argumento de que a doutrina não aponta esta situação como benefício fiscal é um falso argumento porque a doutrina também não aponta esta situação como exemplo de um desagravamento estrutural. Na prática, o que os diplomas legais permitem, com as reavaliações de imobilizado, é um acréscimo de gastos em 60%[8] face ao Regime Regra de Tributação e não uma redução destes gastos como pretende fazer crer o sujeito passivo. Em terceiro lugar, ainda a propósito de “fontes administrativas” e fazendo a ponte com a ratio da alteração ao artigo 92.º do Código do IRC, não nos podemos esquecer de ir beber às fontes que respeitam ao elemento histórico da interpretação - “as circunstâncias em que a lei foi elaborada" (cfr. art 9.º, n.º 1 do Código Civil) - e que permitem reconstituir o pensamento legislativo, como é o caso dos trabalhos preparatórios das iniciativas legislativas. Pois bem, o Relatório do Orçamento do Estado para 2011 começa por registar que com a preocupação “de alargar a base de incidência do IRC (...) [o legislador] procedeu a uma revisão do limite global ao aproveitamento de benefícios fiscal que figura no artigo 92.º do Código do IRC". Pode ler-se ainda naquele documento, “Com a proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 introduzem-se duas alterações tendentes a reforçar esta limitação: primeiro, elevando para 90% a percentagem de referência abaixo da qual se desconsideram os benefícios fiscais; e segundo, invertendo a estrutura desta regra de limitação, dado que em vez de enunciar positivamente os benefícios a que se aplica, passa a aplicar-se genericamente a qualquer benefício fiscal, enunciando-se apenas as excepções[9].” - Diário da Assembleia da República, II Série A, número 17, pág. 82, de 16 de outubro de 2010.Deste modo, é seguro concluir que a alteração da redação do art 92.º do Código do IRC que ocorreu com a Lei de Orçamento de Estado de 2011 não pretendeu excluir os acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal e, pelo contrário, se há coisa que esta alteração veio fazer foi precisamente reforçar o nosso entendimento de que estamos perante um benefício fiscal.Mantém também todo o sentido a remissão que fizemos para o escrito por Nuno de Sá Gomes; "Também as amortizações e reintegrações são, em princípio, desagravamentos-regra, estruturais, destinados a apurar o lucro real do contribuinte. (...) No entanto, já são benefícios fiscais as amortizações e reintegrações aceleradas que podem ainda revestir várias modalidades, conforme o nível da aceleração legalmente consagrada (...) Nestes casos, estamos, pois, perante desagravamentos excepcionais com fundamento extrafiscal que devem ser qualificados como verdadeiros benefícios fiscais”.[10] Sublinhamos: as amortizações e reintegrações são, em princípio, desagravamentos-regra. No entanto, as amortizações aceleradas são benefícios fiscais porque estamos perante desagravamentos excecionais com fundamento extrafiscal que devem ser qualificados como verdadeiros benefícios fiscais. O mesmo raciocínio é aplicável, mutatis mutandis, para a aceitação da dedução fiscal do aumento das depreciações dos bens reavaliados, em 60% do respetivo montante. Assim, sem margem para dúvidas, e à face da lei, a aceitação da dedução fiscal de 60% do aumento da amortizações e depreciações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação de carácter fiscal é um benefício fiscal e, como tal, uma realidade relevante para efeitos do artigo 92.º CIRC pelo que, por tudo o acima exposto, não procedem os argumentos do sujeito passivo sendo de manter as correções propostas.» (destaques nossos);

  • A Requerente, notificada do subsequente ato tributário de liquidação de IRC e juros compensatórios, acima melhor identificados, apresentou, em 03-11-2016, reclamação graciosa;
  • A Requerida proferiu projeto de decisão de indeferimento, tendo entendido, quanto à correção em apreciação nos presentes autos, que[11]:

 «69. Não obstante o mérito dos argumentos sugeridos pela Reclamante, facilmente se descortina que ainda assim não lhe assiste qualquer razão. Pois,70. Pelo que já ficou exposto, tal como foi então entendido pela Inspeção Tributária, também na presente sede se considera que a forma de averiguarmos se estamos na presença de um benefício fiscal traduz-se na verificação do preenchimento das caraterísticas enunciadas no n.º 1 do artigo 2.º do EBF, ou seja, constatarmos a existência de uma medida de caráter excecional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores ao da própria tributação que impedem. 71. Ora, o carácter excecional da medida determina-se por contraposição com o regime regra instituído para a matéria sobre a qual medida incide.72. Estamos aqui na presença de uma disciplina jurídica derrogatória da disciplina ordinária do respetivo imposto, reveladora dum regime mais favorável para o contribuinte do que o implicado no seu tratamento ordinário.73. Como é sabido, as empresas podem, sempre que as boas normas de gestão o justifiquem, proceder a reavaliações livres dos seus ativos, tendo como condicionante a utilização de critérios objetivamente válidos, conducentes a um balanço que traduza fielmente a situação patrimonial, na data a que se reporta.74. Estas reavaliações livres do ativo, não enquadráveis em diploma legal, são variações patrimoniais que se encontram excluídas do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, pois apenas «concorrem para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado, exceto as mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação legalmente autorizadas».75. O valor reavaliado resultante delas não releva, em termos fiscais, na determinação das amortizações nem no apuramento de uma eventual mais-valia realizada.76. Portanto, apesar da reavaliação livre dos bens implicar uma relevação contabilística, não lhe está associada, contudo, qualquer efeito fiscal em termos de amortizações. 77. O que significa que o eventual aumento do valor dos ativos por força da reavaliação livre não determinará qualquer aumento das amortizações. 78. Já assim não ocorrerá com as reavaliações realizadas ao abrigo de legislação de carácter fiscal, pois nestas o eventual aumento do valor dos ativos decorrente da sua realização determinará um aumento do valor das amortizações. 79. Assim, a respeito da diferença entre as reavaliações livre e as de carácter legal, poder-se-á referir que nestas são aceites 60% do excesso de amortização ou reintegração do bem reavaliado face ao valor anterior à reavaliação, enquanto nas de carácter livre, esse excesso não é aceite na totalidade. 80. Em face do exposto, afigura-se-nos inquestionável que a aceitação de uma parte do aumento da amortização decorrente da reavaliação legal constitui, sem margem para dúvidas, uma medida excecional que comporta um tratamento claramente mais favorável para o contribuinte, na medida em que considera como custo uma parte do aumento do valor do ativo reavaliado que de outra forma não seria aceite. 81. Abordando agora a questão de saber se a medida foi instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, retira-se do preâmbulo do Decreto-lei nº 49/91, de 25 de janeiro que através desta medida se procuraram alcançar objetivos de natureza económico-social, objetivos extrafiscais, tais como o de “permitir a melhoria da imagem dos balanços das empresas, possibilitar a atualização dos custos de produção através do aumento das reintegrações e favorecer a formação bruta de capital fixo mediante o reforço da capacidade financeira e de financiamento das empresas”. 82. Constata-se, assim, que através desta medida «se permitiu um incremento dos custos correspondentes a 60% do aumento das reintegrações sendo o montante do Benefício Fiscal o equivalente ao montante do imposto, que o Estado deixou de cobrar por ter aceitado uma parte do referido aumento dessas reintegrações». 83. Na sequência deste breve excurso, podemos seguramente referir que os acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal deverão ser qualificados como um benefício fiscal, atento o demonstrado preenchimento dos elementos que definem este conceito. 84. Em apoio deste entendimento, refira-se que o próprio artigo 92.º do Código do IRC, na redação que vigorou até 31.12.2010, para efeitos do cálculo do imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, considerava como benefício fiscal os acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação de carácter fiscal. 85. Portanto, não só o próprio legislador qualificou os acréscimos de depreciações e amortizações decorrente de reavaliação legal como benefício fiscal, como o fez para efeitos de aplicação do artigo 92º do Código do IRC, matéria sobre a qual a correção em análise versa. 86. Nesta sede, importa ainda referir que o facto de os acréscimos de depreciações e amortizações decorrentes de reavaliação legal terem deixado de constar do texto da norma em causa, tal ficou a dever-se meramente a questões de técnica legislativa. 87. Na verdade, conforme é destacado no Relatório do Orçamento do Estado para 2011, foram introduzidas duas alterações ao artigo 92.º do Código do IRC tendentes a reforçar o limite global ao aproveitamento de benefícios fiscal: «primeiro, elevando para 90% a percentagem de referência abaixo da qual se desconsideram os benefícios fiscais; e segundo, invertendo a estrutura desta regra de limitação, dado que em vez de enunciar positivamente os benefícios a que se aplica, passa a aplicar-se genericamente a qualquer benefício fiscal, enunciando-se apenas as excepções». 88. Perante isto, e fazendo nossa a conclusão plasmada no Relatório, «a alteração da redação do artigo 92º do Código do IRC, que ocorreu com a Lei de Orçamento de Estado de 2011, não pretendeu excluir os acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal». 89. A Reclamante não aceita este entendimento, defendendo, ao invés, que o regime-regra é a aceitação fiscal das depreciações associadas a bens que resultam de reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação de caráter fiscal e que a exceção é a falta de aceitação da parcela de 40%. 90. Na base desta conclusão estaria o facto de a tributação das empresas em IRC ter por referência o lucro apurado através da contabilidade, de modo que se os gastos com acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal se encontram relevados contabilisticamente a exceção será a falta de aceitação de uma parte dessas depreciações. 91. Com o devido respeito, não nos parece ser esta a abordagem mais correta do tema. 92. Pois o regime regra, o regime decorrente do normativo contabilístico é o de que o valor reavaliado não releve para a determinação das amortizações e depreciações fiscalmente aceites. 93. Com efeito, nos termos do normativo contabilístico aplicável, os bens que integram o ativo fixo tangível são inicialmente valorizados pelo seu custo. 94. Após a mensuração inicial, pode optar -se por um modelo de mensuração pelo custo ou de revalorização. 95. A opção pelo modelo da revalorização, bem como a realização das «reavaliações livres», embora permitindo uma maior aproximação dos capitais próprios ao seu valor real, tem como contraponto a desconsideração fiscal dos seus efeitos, dado que, por um lado, a reserva de reavaliação não concorre para a formação do lucro tributável, por respeitar a mais-valias potenciais ou latentes e, por outro lado, o acréscimo de depreciações não é considerado para efeitos fiscais. 96. Assim, apenas em casos limitados, portanto, naqueles em que existe legislação habilitante para o efeito, é possível relevar fiscalmente o aumento das depreciações resultante de reavaliação dos ativos. 97. Demonstra-se, assim, que o regime regra caracterizava-se pela falta de relevação fiscal do aumento das amortizações e depreciações decorrentes de reavaliação. 98. Por outro lado, refere a Reclamante que «não obstante o conceito de benefício fiscal remeter para uma finalidade extrafiscal (...), tal não significa (...) que todas as medidas que tenham uma finalidade extrafiscal sejam benefícios fiscais». 99. Referindo, a este propósito, que o regime de neutralidade fiscal das fusões, o regime da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos ente sociedades e, bem assim, o regime previsto no artigo 44.º do Código do IRC, apesar de constituírem «regimes que implicam um desvio à tributação regra, e não obstante esse desvio ter uma justificação extrafiscal, em nenhum deles estamos perante um benefício fiscal, nos termos do disposto no artigo 2º do EBF». 100. Mais uma vez não assiste razão à Reclamante. 101. Em primeiro lugar, assinale-se, desde logo, que não concordamos com esta afirmação da Reclamante, de que podem existir regimes que se traduzem em desvios à tributação regra, motivados por finalidade extrafiscais, mas que, no entanto, não são benefícios fiscais.102. A aceitar-se o propugnado pela Reclamante, deixariam de existir critérios fiáveis que permitissem delimitação da figura dos benefícios fiscais. 103. Pois, segundo a Reclamante, os elementos que o legislador fiscal expressamente indicou como caracterizadores dos benefícios fiscais, também poderiam caracterizar outras figuras distintas dos benefícios. 104. Resultando daí uma absoluta carência de meios e linhas orientadoras na identificação de certas medidas legislativas como benefícios fiscais. 105. Daí que não corresponde à verdade que regimes que se traduzem em desvios à tributação regra e são motivados por finalidades extrafiscais não são benefícios fiscais. 106. Para demonstrar o que acabámos de referir e pegando nos exemplos apresentados pela Reclamante para sustentar a sua tese, comece-se por referir que concordamos com Carlos Batista Lobo quando este refere que «(...) não existe qualquer fundamento de extra-fiscalidade para a justificação do regime fiscal previsto no artigo 67.º a 72.º do Código do IRC. Pelo contrário, o regime previsto traduz-se num desagravamento estrutural para conformar o sistema fiscal à realidade económica e comercial da fusão»[12]. 107. «Efetivamente, e de acordo com o princípio da eficiência, o sistema fiscal não pode originar distorções significativas no tráfego económico, devendo adaptar-se de forma eficiente ao tráfego comercial normal. A neutralidade fiscal das fusões é essencial para assegurar a neutralidade económica das mesmas. Não se trata de incentivar ou promover a restruturação empresarial, trata- se, isso sim, de eliminar obstáculos desproporcionados e despropositados à liberdade económica dos agentes económicos. No limite, pode mesmo dizer-se que a inclusão de uma tributação nesta sede (...) inseriria fatalmente ineficiência no sistema, de forma desproporcionada e injustificada»[13]. 108. Também no caso da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos entre sociedades, a preocupação do legislador prende-se com a «defesa da neutralidade da lei fiscal, isto é, com a posição de principio segundo a qual a conformação dos impostos deve ter a menor influência possível nas decisões livres (de índole económica e não só) dos sujeitos passivos»[14]. 109. «No caso da dupla tributação dos lucros distribuídos pelas sociedades comerciais, bem se compreende qual seria a diferença: a tributação plúrima teria, desde logo, o efeito de desincentivar a distribuição de lucros entre sociedades, ou o de fomentar uma preferência pelo financiamento através de capitais alheios»[15]. 110. «De qualquer forma, pressionaria sempre os grupos de sociedades para a adoção de estruturas horizontais, em face do potencial custo fiscal acrescido de estruturas verticais»[16]. 111. «De resto, entre nós, a busca da neutralidade fiscal, neste aspeto particular, é também a procura de um regime de imposto sobre as sociedades comerciais que respeite o princípio da tributação do rendimento real. Um tal princípio, se impõe que seja sujeita a imposto toda a riqueza gerada pelas sociedades comerciais, que traduza uma certa capacidade contributiva, também há-de seguramente implicar - em sentido contrário - que a mesma riqueza não seja tributada por mais do que uma só vez, ainda que na esfera de distintos sujeitos passivos»[17]. 112. «É por isso, aliás, que os institutos orientados à eliminação da dupla tributação econômica não são considerados como benefícios fiscais, concedidos como medidas de exceção à tributação. Estamos antes perante mecanismos estruturais do próprio imposto, que atuam no seu âmbito da incidência objetiva em obediência ao princípio da capacidade real»[18]. 113. Por fim, quanto às quotizações a favor de associações empresariais, refira-se que, com a adição deste artigo ao Código do IRC, o legislador a fim de promover o reforço do associativismo concedeu um benefício fiscal às empresas, individualmente consideradas, desde que reunissem as condições referidas no artigo. 114. Estamos, aqui na presença, sem margem para dúvidas de um benefício fiscal previsto no Código do IRC. 115. Em face do exposto, parece que não restam dúvidas da falta de fundamento da tese apresentada pela Reclamante. 116. Passando agora à análise de um conjunto de argumentos finais apresentados na reclamação, refira-se que no Relatório não é feita qualquer subsunção da figura em análise no conceito de amortizações e reintegrações aceleradas, como a Contribuinte parece querer dar a entender. 117. Na realidade, a intenção que parece ter estado na origem da referência a esta figura foi a de alertar para o facto de, a par dos desagravamentos regras, traduzidos, por exemplo, na figura da amortizações e reintegrações, se preverem situações de desagravamentos fiscais, de natureza excecional, presididas por finalidades extrafiscais, dando-se o exemplo do seu caso (amortizações aceleradas). 118. E se as amortizações aceleradas são consideradas, na opinião daquele ilustre Fiscalista Nuno Sá Gomes, desagravamentos excecionais, podendo ser qualificadas como verdadeiros benefícios fiscais em face o seu intuito extrafiscal, não vemos qualquer entrave na aplicação da mesma ordem de razões à figura dos acréscimos de amortizações e depreciações decorrentes de reavaliação de caráter fiscal. 119. Tanto mais que, nesta última figura, o benefício é bem mais evidente, na medida em que se regista um aumento do valor do gasto dedutível, enquanto nas amortizações aceleradas o que ocorre é unicamente relevação fiscal do gasto em menor período de tempo. 120. Também não se afigura correta a contestação efetuada à afirmação constante no Relatório, a respeito do modo como o benefício em discussão «opera na Modelo 22». 121. Pensamos que não oferece discussão que, tanto no caso das amortizações aceleradas, quanto no da aceitação de 60% do aumento das amortizações decorrentes de legislação fiscal, os respetivos valores encontram-se refletidos no resultado contabilístico apurado pela empresa no final de cada período. 122. Por isso, não entendemos o que a Reclamante pretende significar com a afirmação de que «no caso das depreciações aceleradas (...) é efetuada uma dedução ao lucro tributável que visa (...) refletir um gasto superior ao registado na contabilidade». 123. Pois, como já dissemos, o gasto já se encontra refletido no resultado líquido do exercício, não havendo que efetuar qualquer ajustamento (dedução) ao lucro tributável. 124. Podendo-se concluir que à semelhança das amortizações aceleradas, também o acréscimo das amortizações e depreciações decorrentes de reavaliação legal já encontra-se manifestado no resultado contabilístico. 125. Por último, uma nota final para referir que a falta de referência ao benefício fiscal em discussão em obras de doutrina ou da sua consideração no cálculo da despesa fiscal, críticas apontadas pela Reclamante na parte final da sua reclamação, não constituem argumentos que relevem para o apuramento da natureza da medida em causa, pois, como já acima vimos, esta faz-se por apelo ao preenchimento dos elementos integradores do conceito de benefício fiscal. 126. A este propósito, importa ainda relembrar o que o Ilustre Fiscalista Casalta Nabais, quando alude ao panorama dos benefícios fiscais, refere: «(...) o universo dos benefícios fiscais é de tal maneira amplo e diversificado que não temos a menor veleidade de nos referir a todos eles. Com efeito, ao lado dos benefícios fiscais constantes de diplomas que se pretendem como codificação geral ou codificações especiais da sua disciplina, como é o caso do EBF (...), temos a mais variada legislação avulsa constante seja de normas dispersas por códigos fiscais (...) seja em diplomas relativos às mais diversas matérias.(...) De um lado, a disciplina dos benefícios fiscais continua a espraiar-se pelo EBF, pelos diversos códigos dos impostos, pela legislação fiscal avulsa, respeite esta a benefícios fiscais ou constitua legislação fiscal mais geral, e ainda pelos numerosos preceitos contidos em legislação versando as mais variadas matérias». 127. De maneira que, não se afigura surpreendente que a doutrina não faça alusão a todos os benefícios fiscais em vigor. 128. Por outro lado, as fontes de informação utilizadas no processo de quantificação da despesa fiscal são, essencialmente, de natureza tributária sendo provenientes dos sistemas informáticos de liquidação dos impostos e dos correspondentes suportes declarativos de onde constam os registos fiscalmente relevantes para o cálculo da despesa fiscal. 129. Sucede que os sistemas de informação tributários não contêm todos os dados necessários à adequada quantificação da despesa fiscal, não estando, por outro lado, as fontes de informação para esse efeito formalmente definidas e aprovadas.130. Assim, não é de admirar que o aumento das amortizações e depreciações decorrente de reavaliação de carácter fiscal não seja considerado para efeitos de apuramento da despesa fiscal, não sendo, no entanto, legítimo retira-se daí que não estamos na presença de um benefício fiscal.»;

  1. Notificada a Requerente para o exercício do direito de participação, na modalidade de audição prévia, quanto ao projeto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa, a mesma não respondeu;
  2. Por despacho da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de delegação de competências, datado de 27-12-2016, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente;
  3. Até à presente data, a Requerente não liquidou o IRC e derrama e correspondentes juros compensatórios apurados pela Requerida relativos à parte ora contestada do ato de liquidação objeto dos presentes autos;
  4. A Requerente apresentou garantia para sustar o processo de execução fiscal (docs. n.ºs 11 e 12).

 

 III.2.Factos não provados

 

Inexistem outros factos que devam considerar-se provados com relevo para a decisão da causa.

 

IV. Matéria de Direito

 

 

A) Delimitação do objeto do pedido

Como vimos, apesar de a Requerente, na reclamação graciosa apresentada contra a consequente liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, ter contestado as correções, da decisão de indeferimento expresso do procedimento gracioso, apenas impugnou no pedido arbitral sub judice a correção de imposto a pagar no montante de € 1.244.500,04, referente ao resultado da liquidação.

Consequentemente importa averiguar se o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, relativo ao exercício de 2012, na parte correspondente ao montante de imposto de € 1.244.500,04 adicionado a título de «Resultado da Liquidação» (por aplicação do artigo 92.º do Código do IRC), acrescido dos correspondentes juros compensatórios, no montante de € 144.286,03, tudo no total de € 1.388.786,07 (€ 1.244.500,04 + € 144.286,03), enferma ou não de ilegalidade.

 

B) Quanto à ilegalidade da liquidação adicional em causa

 

A questão central a decidir traduz-se na interpretação do artigo 92.º do CIRC em vigor à data dos factos apurados nos autos, ou seja, da interpretação da versão desse artigo decorrente da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do OE para 2011). [19]

A primeira observação vai no sentido de sublinhar que a avalanche de alterações legislativas referentes à matéria sub judice prende-se com a decisão de questões de natureza conjuntural. Deste modo, indicia estarmos perante opções de política económica e de controlo financeiro sob forma fiscal, que desembocam em vantagens fiscais em regra temporárias, provisórias, transitórias, e não perante questões inerentes à estrutura do sistema fiscal em si mesmo.

Vejamos então as principais alterações sofridas desde 2005 por aquele normativo[20].   

Sob a epígrafe "Resultado da Liquidação", ele constava inicialmente do artigo 86.º do Código do IRC (atual 92.º) aditado pelo artigo 29.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro (Lei do OE para 2005), cujo teor era o seguinte: 

            "1 - Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza            comercial, industrial ou agrícola não abrangidas pelo regime simplificado, bem         como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o   imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 83.º, líquido das deduções previstas nas   alíneas b) e d) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a    60% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de            benefícios fiscais, dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 40.º e no artigo            69.º.
            2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se benefícios            fiscais os previstos: 

            a) Nos artigos 17.º e 59.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais; 

b) Na Lei n.º 26/2004, de 8 de julho, e no Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de            março;
            c) Em benefícios na modalidade de dedução à coleta, com exceção dos que          têm natureza contratual, designadamente a reserva fiscal para investimento;

d) Em regime de incentivos fiscais à interioridade; 

e) Em acréscimos de reintegrações e amortizações resultantes de reavaliação     efetuada ao abrigo de legislação fiscal. "

Esta expressa qualificação dos acréscimos de reintegrações e amortizações (e apenas destes) visou evitar, tanto quanto possível, interpretações divergentes. 

Com a Lei do OE para 2006, a redação da alínea c) do n.º 2 foi modificada do seguinte modo: "c) Em benefícios na modalidade de dedução à colecta, com excepção dos previstos na Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, e dos que têm natureza contratual; "

No ano seguinte, a Lei do OE para 2007 modificou o texto das alíneas b) e d) do mesmo n.º 2, as quais passaram a ter, respetivamente, as seguintes redações: "b) Na Lei n.º 26/2004, de 8 de julho, e nos artigos 56.º-D a 56.º-G do Estatuto dos Benefícios Fiscais; ...d) No artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais;". Entretanto a LO para 2008 eliminou a alínea d) do referido artigo 86.º.

O DL n.º 159/2009, de 13 de setembro (que alterou o Código do IRC, adaptando as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade tal como adotadas pela União Europeia) não trouxe alterações substanciais nesta matéria, mas efetuou a renumeração dos artigos, convertendo, com idêntica epígrafe, o anterior artigo 86.º no atual artigo 92.º do CIRC, cuja redação, na versão consolidada em anexo a esse mesmo diploma, dizia o seguinte:

               "1 — Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza      comercial, industrial ou agrícola não abrangidas pelo regime simplificado, bem         como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o   imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 60 %         do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios       fiscais, dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º

            2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se benefícios fiscais         os previstos:

            a) Nos artigos 19.º e 67.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

            b) Na Lei n.º 26/2004, de 8 de Julho, e nos artigos 62.º a 65.º do Estatuto dos       Benefícios Fiscais;

            c) Em benefícios na modalidade de dedução à colecta, com excepção dos previstos         na Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e dos que têm natureza contratual;

            d) Em acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação        efectuada ao abrigo de legislação de carácter fiscal."

 

Mais tarde, com a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Lei do OE para 2010) o n.º 1 deste artigo 92.º foi alterado no sentido do aumento da percentagem nele referida, nos termos seguintes:


            "1 - Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com          estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do        n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do   n.º 2 do             mesmo artigo,  não pode ser inferior a 75 % do montante que seria apurado  se o          sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais, dos regimes previstos no n.º 13          do artigo 43.º e do artigo 75.º "

 

Foi, porém, com a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do OE para 2011), que finalmente ocorreu uma mudança de técnica legislativa, passando este normativo a ter a seguinte redação, que se encontrava em vigor à data dos factos relatados nos autos:

1 — Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º

             2. Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

          a)         Os que revistam carácter contratual;

          b)         O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento            empresarial II (SIFIDEII);

          c)         Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.° e seguintes         do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

            d)        Os previstos nos artigos 19.º, 32.º e 42.º do Estatuto dos Benefícios          Fiscais."[21]

Atentemos, assim, no que mudou com a alteração da redação deste preceito.

Em primeiro lugar, verifica-se que a única alteração verdadeiramente de fundo existente no nº1 de ambos os dispositivos legais (antigo 86.º e posterior 92.º do CIRC) é o aumento da percentagem da limitação a aplicar aos desagravamentos ao IRC que passa de 60% na versão de 2005, para 75%, na versão do OE para 2010 e, finalmente, para 90% na versão do OE para 2011. Daqui resulta um aumento da taxa efetiva de tributação de IRC que passa de 18,75% para 22,5% e, consequentemente, uma contenção da despesa fiscal. As restantes alterações são, no essencial, atualizações de remissões legislativas.

Sublinhe-se ainda que o universo a que se aplica a subida da percentagem limitadora de desagravamentos fiscais é o mesmo nos dois casos: o montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 40.º e no artigo 69.º (na versão do artigo 86.º) e no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º do CIRC, cujos conteúdos são idênticos. Mantém-se igualmente a consideração para efeitos do teto de operações que não são, em rigor, benefícios fiscais, tais como o valor das contribuições complementares para fundos de pensões ou a consideração de prejuízos fiscais no quadro da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

Em segundo lugar, dá-se uma mudança na técnica legislativa. Nas redações que vigoraram até 2010 o legislador, ao dispor que “Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se benefícios fiscais os previstos…", enuncia taxativamente e pela positiva as categorias de benefícios fiscais que considerava abrangidos pelo preceito. Já na redação introduzida pela Lei do OE para 2011, o legislador, ao afirmar “Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais”, enuncia, de forma igualmente taxativa, para os mesmos efeitos de aplicação do n.º 1, mas agora pela negativa, as categorias de desagravamentos fiscais que não são abrangidos pela limitação aos constantes do n.º 1 do mesmo preceito.

Em ambos casos, o legislador parte de uma categoria específica, muito ampla, a de “benefício fiscal para efeitos do preceito”, limitando-se a alterar a técnica legislativa usada na enunciação de benefícios e demais desagravamentos a considerar para efeitos do preceito em causa: i) No primeiro caso enumera os que considera abrangidos; ii) e, no segundo, passa a elencar os que considera excluídos. Assim os desagravamentos decorrentes de acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação de caráter fiscal são expressamente considerados como benefícios fiscais na versão do artigo 86.º do CIRC e não se encontram na lista de exclusões prevista no artigo 92.º do mesmo diploma.

A ratio legis avançada, quer para a subida dos limites aos desagravamentos, ou, dito de outro modo, da introdução de limitações ao resultado da liquidação, quer para a alteração de técnica legislativa, foi a de alargar a base de incidência do IRC e correspondentemente a taxa efetiva de tributação do IRC, facto que é aceite por ambas as partes no presente processo.

Defende, porém, a Requerente que, com a alteração de técnica legislativa operada pela nova redação do artigo 92.º do CIRC, os limites ter-se-iam passado a aplicar apenas a realidades materialmente qualificáveis como benefícios fiscais por preencherem os critérios que definem esta noção. E esta qualificação, dado considerar imperfeita a noção legal decorrente do artigo 2.º do EBF, implicaria uma clarificação a operar pela doutrina, devendo tal noção cingir-se às medidas fiscais excecionais, isto é, no entender da Requerente, aquelas que derroguem o princípio da capacidade contributiva.     

Assim, nesta interpretação, “os acréscimos de reintegração e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal”, deveriam considerar-se realidades excluídas do preceito em causa, por não reunirem os critérios que permitiriam qualificá-los como benefícios fiscais[22].

Afigura-se, porém, que esta interpretação não tem acolhimento na letra do preceito, nem está de acordo com a razão de ser da mudança de técnica legislativa operada pelo artigo 92.º do CIRC. Por outro lado, está em contradição com a noção de benefício fiscal acolhida, em termos latos, para efeitos deste mesmo artigo, e, em nosso entender desvia-se mesmo da noção decorrente do EBF.

Em primeiro lugar, a letra do preceito não inclui (e, aliás, continua a não incluir, na sua versão atual, como se refere atrás na nota 21) no universo dos benefícios fiscais excluídos dos limites os acréscimos de reintegração e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal. A tese da Recorrente parece ser a de que não estão excluídos nem teriam de o estar, pois não sendo benefícios fiscais (por, em seu entender, não contrariarem o princípio da capacidade contributiva), tais acréscimos estariam automaticamente excluídos do referido limite legal. O resultado objetivo dessa interpretação é, em relação à situação existente antes da alteração legislativa de 2010, a atribuição, por razões não justificadas, de uma vantagem específica, isto é, de um verdadeiro benefício fiscal. Não se compreende qual o fundamento ou critério hermenêutico que nos habilitaria a concluir que a mudança de técnica legislativa usada pelo legislador tivesse acarretado uma mudança de paradigma da noção de benefício fiscal subjacente ao preceito, tendo em conta os fins visados pelo mesmo. Na verdade, partindo em ambos os casos o legislador do conceito de uma noção alargada de benefício fiscal, não é percetível a razão de ter passado a utilizar, a partir do final de 2010, um conceito de benefício fiscal diferente do anterior.

Com efeito, a consequência objetiva da interpretação da Requerente é contrária à orientação de política económica e financeira subjacente à alteração legislativa que, conforme decorre dos trabalhos preparatórios, nomeadamente do Relatório do OE para 2011, foi no sentido de alargar o universo dos desagravamentos fiscais abrangidos pelos limites impostos aos seus montantes.[23] Deste modo, por interpretação divergente do resultado pretendido passava a alargar-se (e não a restringir-se) o montante da despesa fiscal (dos benefícios fiscais) que o legislador pretendia limitar.

A mudança de técnica legislativa consistiu apenas na passagem da técnica da enumeração dos desagravamentos considerados como benefícios fiscais para este efeito (a do antigo artigo 86.º do CIRC) para a técnica da inclusão generalizada de benefícios e outros desagravamentos fiscais, com exceção dos especificamente previstos na lei (a do atual artigo 92.º do CIRC). Esta nova técnica teve por finalidade alargar o campo dos desagravamentos que contam para efeito da aplicação do teto (provavelmente na convicção de que assim se aproximaria o rendimento a tributar do verdadeiro rendimento real auferido, distinto do evidenciado pela contabilidade) e não o objetivo de reduzir esse âmbito, como se reconhece, aliás, no douto parecer junto aos autos, quando expressamente aí se afirma que pode ser dado como assente "que, ao alterar a estrutura do artigo 92.º em 2011, o legislador pretendeu alargar o universo de desagravamentos fiscais por ela abrangidos " (p. 16).

Neste contexto, não se afigura relevante chamar à colação (para daí se extraírem conclusões para a decisão) uma noção de benefício fiscal que reconstrói a própria noção decorrente do EBF. Uma análise desse tipo, necessariamente conceptualista, não se afigura como o melhor caminho metodológico para a decisão. Tal posição teria como corolário atribuir ao aplicador da lei, de forma casuística, a competência para determinar se uma certa realidade preencheria ou não os critérios dogmaticamente considerados como caracterizadores da noção de benefício fiscal dogmaticamente reconstruídos para este efeito. Posição esta que poderia ter mesmo efeitos perversos se generalizada às restantes vantagens não expressamente excluídas do teto dos benefícios. Em última instância, obrigaria a reponderar muitas das medidas desagravadoras incluídas no EBF ou em leis avulsas e não contemplados na exclusão do n.º 2 do artigo 92.º do CIRC (na versão de 2011), para assim se concluir se tais medidas ficariam de fora do limite por, à luz da reinterpretação da noção de benefício fiscal, não satisfazerem o elemento da excecionalidade visto como desvio ao princípio da capacidade contributiva.

A resposta terá de ser encontrada, antes de tudo, em sede dos elementos teleológico e racional da interpretação do referido artigo 92.º, com vista a captar o sentido e alcance subjacente à opção legislativa que vigorou até 2010, recorrendo inclusive à análise da evolução do preceito, sob pena de lhe atribuirmos um resultado interpretativo contraditório, não querido pelo legislador. 

Mas há mais: a noção de benefício fiscal adotada pela Requerente é igualmente contrária, como se verá de seguida, a uma moderna clarificação do elemento da excecionalidade inerente aos benefícios fiscais a empresas, constante do próprio EBF. De facto, no complexo mundo de hoje, esta noção dificilmente poderá compreender-se sem ser articulada com a noção de auxílio de Estado sob forma fiscal provinda, a exemplo da noção paralela de benefício fiscal, do direito económico fiscal.[24] Do mesmo modo a noção de benefício fiscal, nomeadamente a decorrente do art. 92.º do CIRC, não se compreende totalmente sem o recurso à noção de despesa fiscal (provinda do direito financeiro).  [25]

Assim, o artigo 2.º do EBF estabelece que se consideram benefícios fiscais "as medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem". No caso sub judice são bastante claros quer o interesse público de natureza económica que se pretendeu tutelar com o acréscimo de amortização (tornar mais atrativas as empresas a privatizar), quer o interesse público de natureza financeira inerente à constituição de limites a essa medida de concessão de uma vantagem fiscal.

Do mesmo modo, é claro o caráter excecional desta vantagem, pois, de facto, esta, ao desviar-se do sistema regra de amortizações e reintegrações e ao não se aplicar genericamente a todo o universo empresarial (como ocorre com a atualização de amortizações para neutralizar os efeitos da inflação que se aplica a todas as empresas sem distinção, sendo inerente ao próprio sistema de amortizações) derroga os princípios igualdade, da generalidade e da não discriminação. Por outro lado, é igualmente claro que excluir agora (por via interpretativa) tal medida da lista das medidas submetidas ao teto legal dos benefícios equivaleria a atribuir ao universo das empresas contempladas um novo benefício, que consistiria em reduzir excecionalmente a tributação para essas empresas, tendo como resultado, não a redução da despesa fiscal do Estado, mas o seu crescimento. As caraterísticas do conceito legal de benefício fiscal (existência de uma vantagem, excecionalidade da medida e interesse público extrafiscal) estão assim presentes relativamente ao tipo de vantagem outorgada pelo legislador às amortizações e reintegrações acrescidas como as que são aqui analisadas. Não se afigura assim correta uma interpretação doutrinal restritiva desse conceito legal que, contra a ratio legis, tenha por objetivo ou por resultado excluir do teto estes benefícios.

Algumas observações complementares permitirão não só esclarecer melhor, como reforçar esta argumentação.

Primeira observação: embora tal não seja posto em causa, é útil afirmar a legitimidade da aposição de limites ao montante dos desagravamentos concedidos. O artigo 103.º da CRP estatui que a tributação das empresas incidirá sobre o rendimento fundamentalmente real. Por convenção e tendo em conta o histórico da Contribuição Industrial, este rendimento é determinado em primeira linha pela contabilidade e pelo direito contabilístico. Trata-se de uma presunção (juris tantum), a de que a contabilidade (quando idónea e organizada segundo os princípios e regras contabilísticas) é o melhor meio para determinar o rendimento realmente auferido pelas empresas. No entanto, a contabilidade, mesmo quando exista, só revela o rendimento que for objeto de registo. Daí que tal pressuposto não impeça nem os métodos de determinação indireta, quando não haja contabilidade ou esta se mostre pouco fiável, nem que a lei fiscal possa, por razões financeiras ou mesmo fiscais, prever a criação de alguns limites aos resultados revelados contabilisticamente. Uma das formas de aproximação ao rendimento real é, assim, a limitação global de desagravamentos fiscais mediante a aposição de um teto, que evite um crescimento da despesa fiscal com a consequente erosão das bases tributárias. O princípio da capacidade contributiva não implica, como se sabe, um pleno respeito pelos resultados da contabilidade. Os desvios legalmente introduzidos pelo Estado podem mesmo justificar-se em nome de uma maior aproximação ao rendimento real (material). Isto é tanto mais assim quando é consabido ser muito amplo o universo de empresas em atividade que sistematicamente apresentam prejuízos na sua contabilidade. É, de algum modo, o que ocorreu com o artigo 86.º do CIRC e ocorre atualmente, com técnica diversa, com o artigo 92.º do mesmo diploma. Num caso e noutro, como se disse, é clara a motivação da lei: razões financeiras de proteção da receita e de prevenção de uma excessiva redução da sua taxa de tributação efetiva.

Este objetivo saiu, aliás, reforçado com a redação do n.º 1 do artigo 92.º, uma vez que este dispositivo impõe que o imposto liquidado (líquido de algumas deduções) não seja inferior a 90% (anteriormente 60%) do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de certos desagravamentos fiscais. Dá-se, deste modo, um aumento da taxa efetiva de tributação das entidades a que este regime se aplica. Donde poder inferir-se que, sendo esse o principal objetivo do novo regime, pouca lógica teria que dele se viessem a excluir desagravamentos como os previstos em acréscimos de reintegrações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal que, no regime anterior (constante do artigo 86.º do CIRC), estavam expressamente incluídos.

 

Segunda observação: a noção legal de benefício fiscal constante do EBF engloba quer os benefícios dinâmicos (ou incentivos fiscais) quer os benefícios estáticos, estes, porém, de mais difícil justificação, pois podem aproximar-se da ideia de privilégio fiscal. Trata-se, como bem sublinha Casalta Nabais, de uma noção de direito económico fiscal, justificada por finalidades extrafiscais.[26] Mas tal noção só pode ser integralmente compreendida na sua relação a noção jus-económica (com raízes no direito comunitário) de auxílio de Estado (sob forma fiscal)[27].

Como se disse, o EBF define os benefícios fiscais (que podem assumir formas concretas muito diversas em função das técnicas utilizadas) como sendo "medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem". A noção de legal não refere expressamente a ideia de atribuição de uma vantagem a um determinado contribuinte. Mas a doutrina é praticamente unânime no sentido de a noção de benefício fiscal integrar três componentes:

            - constituir uma vantagem fiscal, elemento que, não constando expressamente da definição legal, está nela implícito e que  poderá ser melhor compreendido com o recurso ao critério da vantagem decorrente da noção de auxílio de Estado;

            - possuir um caráter excecional (de seletividade na sua concessão, fala, a propósito, António Guerreiro), expressão que ganha, também ela, maior densidade, se articulada com o elemento da seletividade em sede de auxílios de Estado sob forma fiscal;[28]

            - destinar-se à tutela de um interesse público extrafiscal superior ao que justificaria a tributação. [29]

            O elemento da vantagem seletiva (fórmula usada em sede de auxílios tributários) é assim um elemento-chave do conceito de auxílios de Estado sob forma fiscal, revelando-se igualmente um elemento muito útil para a clarificação da noção legal de benefício fiscal.[30] Para interpretar o elemento da vantagem seletiva, as instituições comunitárias têm-se socorrido de duas aproximações distintas, embora não excludentes, que evocam a redação do EBF: a da discriminação não justificada entre beneficiários e não beneficiários das medidas fiscais atribuídas e a da derrogação em que as medidas fiscais proporcionadoras de vantagens desconsideram a natureza e economia do sistema fiscal em que se inserem. Na sua apreciação do caráter derrogatório da medida fiscal e consequente aferição da existência ou não de uma vantagem seletiva, a Comissão apoia-se, com frequência, na noção de despesa fiscal, difundida pela OCDE.[31]

Neste contexto é útil relembrar a posição da Comissão acerca das regras de amortizações e depreciações. [32]

 

 

"177.

Em geral, as medidas fiscais de índole puramente técnica, tais como regras de amortização/depreciação não constituem auxílios estatais. O método de cálculo da depreciação de ativos varia de Estado-Membro para Estado-Membro, mas tais métodos podem ser inerentes aos sistemas fiscais a que pertencem.

 

 

178.

A dificuldade em apreciar a possível seletividade no que diz respeito à taxa de depreciação de certos ativos reside na necessidade de estabelecer um valor de referência (ao qual uma determinada taxa ou método de depreciação poderia derrogar). Embora, em termos contabilísticos, este exercício se destine, em geral, a refletir a depreciação económica dos ativos com o objetivo de apresentar uma imagem fiel da situação financeira da empresa, o processo fiscal segue diferentes propósitos, tais como autorizar que as empresas repartam as despesas dedutíveis ao longo do tempo.

 

 

179.

Os incentivos à depreciação (como um prazo mais curto de depreciação, um método de depreciação mais favorável, a depreciação antecipada, etc.) para determinados tipos de ativos ou empresas, que não se baseiam nos princípios orientadores das regras de depreciação em causa, podem dar lugar à existência de auxílio estatal. Em contrapartida, as regras de depreciação acelerada e antecipada para ativos locados podem ser consideradas medidas gerais se os contratos de locação em questão estiverem efetivamente acessíveis às empresas de todos os setores e de todas as dimensões.

 

 

180.

Se a autoridade fiscal dispuser de poder discricionário para fixar períodos de depreciação diferentes ou métodos de avaliação diferentes, empresa por empresa ou setor por setor, existe obviamente uma presunção de seletividade. De igual modo, a autorização prévia de uma administração fiscal como condição para a aplicação de um regime de amortização implica seletividade se a autorização não se limitar à verificação prévia dos requisitos legais."

 

Não se tratando, assim, as amortizações acrescidas de medidas meramente técnicas, como a atualização generalizada do regime de amortizações e depreciações conforme a taxa de inflação, mas de medidas de que resulta, de facto, o favorecimento de certas empresas, estaremos simultaneamente, quer perante auxílios de Estado na aceção do TFUE, quer perante benefícios fiscais, na aceção do EBF.

Na verdade, quando a lei se refere a uma tributação excecional mais não quer dizer que existem desvios à "tributação-regra" não justificados por razões fiscais, isto é, a uma tributação em conformidade com os princípios fundadores ou diretores do sistema fiscal, desde logo os de natureza constitucional como o princípio da igualdade, o princípio da capacidade contributiva, o princípio da tributação do rendimento real, o princípio da não discriminação, o princípio da generalidade da tributação ou, eventualmente, outros princípios tributários, como o da neutralidade decorrente do direito europeu, que, em certos casos (v.g. o regime das fusões e cisões) justificam a não tributação. [33]

Para este efeito, a aproximação à noção de auxílio de Estado fornece alguns critérios para nos ajudar a identificar quando estamos, ou não, perante um benefício fiscal. Um deles decorre da questão de saber se o desvio a tributação (por meio de isenção, redução da matéria coletável, redução de taxas, etc.) é inerente ao próprio sistema de tributação, ou seja, se é justificado pelo próprio princípio da igualdade visto em sentido amplo ou, eventualmente, por outros princípios. Assim, uma redução generalizada de taxas, sem discriminações, não é um benefício fiscal, mas uma medida de política fiscal geral. Também o não é a consideração (não discriminatória) de prejuízos fiscais para apuramento do lucro tributável ou da dupla tributação económica, que, manifestamente, são medidas não derrogatórias da economia e natureza do sistema fiscal. Outro critério é o que a Comissão utiliza ao aplicar a cláusula (de origem jurisprudencial) da justificação de um dado benefício fiscal (isto é, de uma dada medida derrogatória) pela "economia e natureza do sistema".

Pode, na realidade, existir um regime que seja simultaneamente "exceção", por derrogação do regime geral da tributação (um regime derrogatório justificado) e que seja, ele próprio um regime-regra perante regimes que o derroguem de forma seletiva. Neste sentido, pode dizer-se que há um regime-regra em sede de reavaliações, válido para o universo generalizado das empresas, que é o que resulta da aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária, e que há um regime seletivo (excecional e derrogatório) desta regra que abrange, de facto, o universo das empresas que tenham sido objeto de reprivatização.  [34]   Com efeito, este regime, ao admitir um acréscimo de amortizações dedutível em 60% do respetivo valor, é claramente um regime específico mais favorável, dele decorrendo uma vantagem fiscal que não advém do mercado e que assume a natureza de um incentivo à sua realização.

Comparando o enunciado e a estrutura dos artigos 86.º (versão de 2005) e atual 92.º  (versão de 2012) do CIRC, reafirma-se, também a esta luz, a pertinência das observações atrás  enunciadas que passamos a relembrar. 

A única alteração de fundo introduzida no n.º1 do antigo artigo 86.º do CIRC pelo 92.º do mesmo diploma foi o aumento da percentagem da limitação a aplicar aos desagravamentos ao IRC que passou de 60% na versão de 2005 (75%, na versão do OE para 2010), para 90% na versão do OE para 2011. Daqui resultou sempre um aumento da taxa efetiva de tributação de IRC e uma contenção da despesa fiscal.

Por outro lado, manteve-se nos dois casos o universo empresarial (o das empresas a privatizar) a que se aplica de facto a subida da percentagem limitadora de desagravamentos fiscais. Acresce que esta limitação incide sobre o mesmo tipo de montante, aquele que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 40.º e no artigo 69.º (na versão do artigo 86.º) e no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º (na versão do artigo 92.º) do CIRC, cujos conteúdos são idênticos. Mantem-se igualmente a consideração para efeitos do teto de operações que não são, em rigor, benefícios fiscais, como a consideração do valor das contribuições complementares para fundos de pensões ou a de prejuízos fiscais no quadro da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades. A razão de ser da alteração dos limites aos desagravamentos, ou, de forma mais ampla, da introdução de limitações ao resultado da liquidação, não oferece, como amplamente ficou demonstrado, qualquer dúvida: tratou-se de alargar a base de tributação por meio do acréscimo daí resultante da taxa efetiva de tributação. A distinção entre as versões dos artigos 86.º e 92.º do CIRC apenas se revela quanto à redação dos respetivos nºs 2 e sua articulação com o n.º 1.

O artigo 86.º do CIRC (2005) considerava expressamente como benefícios fiscais afetados pela consagração dos limites (devido, nomeadamente, ao seu peso na despesa fiscal) os desagravamentos relativos à criação de emprego, às ações adquiridas no âmbito das privatizações e aos diversos tipos de mecenato (científico, cultural, ambiental, etc), bem como os que revestissem a forma de dedução à coleta (com exceção dos de natureza contratual), os que decorressem de regime de incentivos fiscais à interioridade e os previstos em acréscimos de reintegrações e amortizações resultantes de reavaliação efetuada ao abrigo de legislação fiscal, sem discriminar entre os diversos regimes existentes.

O artigo 92.º do CIRC (na sua versão de 2011) manteve, no essencial (salvo quanto à percentagem do teto a aplicar) o mesmo universo alargado de regimes que o previsto no citado artigo 86.º, passando, no entanto a excluir expressamente daquele universo os benefícios fiscais que revistam caráter contratual, os sistemas de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), os benefícios às zonas francas previstos nos arts 33.º e ss. do EBF e os que operem por redução de taxa, bem como os relativos a criação de emprego e a sociedades de capital de risco. São assim fundamentalmente excluídos da limitação desagravamentos em áreas sensíveis que foram, por legislação comunitária ou por intervenção da Comissão, considerados como medidas fiscais compatíveis (ou compatibilizadas) com o mercado interno, ao abrigo do regime dos auxílios de Estado. O recurso ao vocábulo "os seguintes" indicia fortemente que a exclusão é taxativa e não meramente enunciativa. Só deste modo poderá, de resto, ser salvaguardado o objetivo final da limitação, reduzir de forma acentuada a despesa fiscal. A segurança e certeza assim o exigem. Uma interpretação de natureza excessivamente formal que abrisse um campo de disputa conceptual em torno da noção de benefício fiscal constante do EBF, para além de partir de uma visão superada desta mesma noção, arriscar-se-ia, aliás, a chegar a conclusões opostas à da ratio legis do regime do CIRC em análise, pois implicaria, para não haver discriminações, uma verificação casuística de todos os benefícios/ desagravamentos fiscais não expressamente excluídos do n.º 2 do artigo 92.º, para ver se respondiam ou não a um critério doutrinal sempre dotado de uma margem, maior ou menor, de subjetividade.

Em suma: para além da tese da Requerente não ter fundamento legal na letra dos preceitos em análise, ela implicaria remeter para o aplicador da lei a tarefa de analisar casuisticamente o que seria ou não um benefício fiscal aferido exclusivamente pela conformidade ou não com o princípio da capacidade contributiva, com todas as consequências nefastas daí decorrentes para a certeza e segurança jurídicas.

            A interpretação aqui sufragada não contraria o conceito legal de benefício fiscal[35] (bem pelo contrário), e é a que melhor convive e corresponde, quer à evolução histórica do preceito, quer à teleologia intrínseca comum e subjacente à opção do legislador, quer à articulação da noção de benefício fiscal com as noções e regimes dos auxílios tributários e da despesa fiscal. Além do mais, é a única que vai ao encontro da pretensão do legislador de, com a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alargar a base de incidência do IRC, orientação esta, aliás, não questionada por ambas as partes.

Resta acrescentar que, perante uma matéria jurídica controversa e politicamente tão sensível, o legislador, se pretendesse, de forma inequívoca, excluir, do teto legal os montantes de acréscimos de reintegrações e amortizações, como sustenta a Requerente, teria uma forma simples de o fazer: bastar-lhe-ia ter consagrado expressamente a sua exclusão na alteração introduzida pela LOE para 2011 ao artigo 92.º do CIRC, como, aliás, veio a fazer mais tarde em relação a outros desagravamentos

 Termos em que, não assistindo razão à Requerente, deve improceder o pedido arbitral de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, e, bem assim, da anulação parcial da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2012 e juros compensatórios, com a consequente manutenção da liquidação adicional na ordem jurídica.

 

     

 

C) Juros indemnizatórios 

A improcedência do pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e da consequente ilegalidade da liquidação adicional de IRC e correspondentes juros compensatório respeitantes ao exercício de 2012 implica, desta forma, a improcedência do pedido relativo aos juros indemnizatórios pelos prejuízos decorrentes de prestação de garantia.

 

V. Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, a ilegalidade da liquidação adicional de IRC e correspondentes juros compensatório, respeitantes ao exercício de 2012, na parte impugnada nos autos, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar improcedente do pedido relativo aos juros indemnizatórios pelos prejuízos decorrentes de prestação de garantia.

 

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.388.786,07.

 

 

Notifique.

Lisboa, 15 de fevereiro de 2018

Os árbitros,

 

     Fernanda Maçãs (presidente)

 

 

António Carlos dos Santos

 

 

Carla Castelo Trindade

Com declaração de voto de vencido em anexo

 

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

Não acompanho a orientação que fez vencimento pelas razões que, ainda que de forma resumida, passo a reiterar. No demais remeto para o exposto no pedido de constituição do Tribunal arbitral e, bem assim, no Parecer do Professor C… junto aos Autos.

Não tenho grandes dúvidas que do novo texto do artigo 92.º do CIRC em vigor a partir de 2011, resulta inequivocamente que o previsto neste artigo só se aplica a realidades que se qualifiquem como benefícios fiscais à luz de uma concepção material benefício fiscal.

Com efeito, e aqui todos concordam, a intenção do legislador em 2010 foi a de alargar a base tributável. Foi por isso que o legislador passou a consagrar que todos os benefícios fiscais (do EBF ou de legislação avulsa) passassem a ser realidades elegíveis para efeitos de resultado da liquidação. Todos os benefícios fiscais e não mais um rol de realidades que qualificavam para aquele efeito como benefício fiscal tal como se previa na redacção anterior a 2011. Porém, o facto de uma realidade especificamente prevista em 2010 ter deixado de estar prevista não invalida a efectiva concretização da intenção legislativa de alargamento da base tributável por aplicação do artigo 92.° do Código do IRC.

Importa assim perceber a noção de benefício fiscal a fim de perceber se as reservas de reavaliação de activos são ou não benefícios fiscais. É que só em caso de uma resposta positiva é que as mesmas se poderão considerar como realidades elegíveis para efeitos de aplicação do limite previsto no artigo 92.º do Código do IRC.

Se a solução está na concepção de benefício fiscal a dificuldade está na delimitação do conceito.

O EBF exige uma concepção material de benefício fiscal já que esta será a única forma de lhe atribuir sentido útil 30 anos depois da sua aprovação. Hoje o sistema fiscal é muito mais complexo que nos anos 80 e o uso de benefícios fiscais exige maior controlo, transparência e legitimação só asseguráveis com a tal concepção material de benefício fiscal.

Ora, é na concepção de benefício fiscal e na sua interpretação que - com o devido respeito e que é muito pelos membros do colectivo deste tribunal - me distancio da posição que fez vencimento na medida em que considero que o itinerário nela seguido labora num erro metodológico de interpretação do conceito de benefício fiscal.

A posição que fez vencimento interpreta a noção - interna - de benefício fiscal à luz do Direito Europeu e das noções de auxílio de estado e de selectividade quando na verdade o EBF e a noção de benefício fiscal patente no seu artigo 2.º devem ser interpretados à luz da CRP. Não é no Direito Europeu que está a chave para a resolução da problemática da delimitação dogmática do conceito de benefício fiscal. É, sim, no direito constitucional e no teste da derrogação ou não com o princípio da igualdade tributária. Só a representação dos benefícios fiscais como excepção à igualdade tributária garante ao EBF um sentido conforme aos princípios estruturantes da nossa Constituição Fiscal. E, portanto, pode afirmar-se que não há benefício fiscal sem derrogação da igualdade tributária.

Ora, a este respeito, assume-se singelamente que os regimes legais de reavaliação de activos não podem dizer-se benefícios fiscais para efeitos do artigo 165.º da CRP do artigo 2.º do EBF ou do artigo 92.º do Código do IRC uma vez que só estamos perante um benefício fiscal quando haja medida de desagravamento motivada por razões de ordem extrafiscal e que derrogue o princípio da igualdade tributária, sendo por isso excepcional. E não é esse o caso. Tudo porque este é um regime que aproxima a tributação destas empresas da sua situação económica real ao permitir que a contabilidade das empresas espelhe com maior fidelidade a sua situação e ofereça uma “perspectiva actual” dos seus custos (já assim o afirmava o preâmbulo do Decreto-Lei n°49/91, de 25 de Janeiro).

Medidas como o regime de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos ou como o regime de neutralidade fiscal aplicável às operações de reestruturação de empresas são todas medidas desagravamento como as reavaliações de activos. Em todos estes casos, muito embora o legislador tenha tido finalidades que não são apenas de ordem fiscal mas também extrafiscal— intenções ligadas à competitividade económica e de aproximação à realidade económica — a verdade é que é inegável que em todos eles o resultado a que estes desagravamentos conduzem é o da aproximação do imposto ao princípio da capacidade contributiva, não surgindo por isso estas normas como normas “anti-sistemáticas”, para empregar a expressão de Saldanha Sanches (J.L. Saldanha Sanches (Coimbra, 2002) Manual de Direito Fiscal, pág.187).

Que a reavaliação de activos serve o princípio da capacidade contributiva confirma-o o legislador pelo modo como fundamenta no plano formal a respectiva criação já que, desde os anos 70 até à actualidade, podemos ver que todos os diplomas[36] foram aprovados pelo Governo no exercício das suas competências legislativas próprias, não tendo havido nunca qualquer autorização legislativa como seria próprio de qualquer regime de benefícios fiscais. E se o legislador sempre a dispensou e se a questão da sua inconstitucionalidade orgânica não se coloca é precisamente por estarem em causa regras que não trazem excepção ao princípio da igualdade tributária.

Assim, e em resumo, o que se considera é que as amortizações acrescidas que resultam da aplicação deste regime à Requerente devem considerar-se alheias ao limite que o artigo 92° do Código do IRC fixa ao resultado da liquidação.

A conclusão a que aqui chegamos com certeza não impede o legislador de proceder, no futuro, a uma revisão do artigo 92.º do Código do IRC, integrando de novo os regimes de reavaliação no âmbito do limite ali fixado, não precisando sequer de os qualificar como benefícios fiscais para o efeito. Mas com a redacção tal qual ela existe não se consegue subsumir esta realidade no artigo 92.º do CIRC na medida em que para tal os regimes de reavaliação legal teriam que ser qualificados como benefício fiscal o que subverteria a lógica do sistema.

Em face de tudo o exposto, não se pode concordar que a noção de selectividade dos destinatários acompanhada de receita resolva por si a qualificação de uma determinada realidade como benefício fiscal como parece decorrer da decisão que fez vencimento. Esta tese levada ao extremo significa que por um lado todas as regras que fossem aplicáveis ao universo de todos os contribuintes nunca seriam benefícios fiscais porque se aplicariam a todos os contribuintes e não só a um universo deles. Isto pese embora pudessem, em teoria, violar o princípio da igualdade. E por outro, que em todas as medidas fiscais cujos destinatários fossem menos do que todo o universo de contribuintes e que houvesse alguma receita fiscal cessante então cairiam na qualificação de benefício fiscal.

Em boa verdade, do que decorre da decisão que fez vencimento é que haverá que olhar às reservas de reavaliação legais e perceber quais são benefícios fiscais e quais não são. Dizendo que umas são benefício fiscal porque são mais selectivas que outras. Porém não se pode concordar com este critério já que ou se considera que o reconhecimento da relevância fiscal das reservas de reavaliação legal é todo ele um regime de excepcionalidade em contra-ponto ao regime de reservas livres ou ultrapassado que seja este pressuposto, não se atribui selectividade a nenhuma das realidades que o legislador previu como reserva de reavaliação legal desde logo porque a selectividade cai perante a aproximação em ambos os casos ao princípio da igualdade tributária.

Acresce que, com o devido respeito, uma tese como esta levaria a um casuísmo perigoso. Todas as reservas de reavaliação legais teriam que passar pelo crivo da selectividade subjectiva para fugir à atracção da qualificação como benefício fiscal e consequentemente à eleição destas para efeitos do resultado da liquidação do artigo 92.º do CIRC. Isto muito embora a selectividade seja completamente alheia à igualdade tributaria.

O teste terá de ser o da derrogação ou da aproximação do princípio da igualdade tributária. Aquele que a CRP impõe como espartilho a regras de benefícios fiscais sendo a teoria dos auxílios de estado e o critério da selectividade alheio a esta comprovação.

Assim, e por tudo, não se pode deixar de concluir que o regime fixado pela Lei n.º 36/91 e pelo Decreto-Lei n.º 22/92, bem como o regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 264/92, não podem qualificar-se como regimes de benefício fiscal para efeitos do artigo 2.º do EBF e do artigo 92.º do CIRC, devendo considerar-se por isso que o acréscimo das amortizações a que dão lugar não se encontra abrangido pela regra do resultado da liquidação, termos em que, pelas razões expostas, daria provimento ao pedido arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC.

 

Carla Castelo Trindade


 



[1] Estando perante textos jurídicos, optámos por aplicar o Acordo Ortográfico em vigor, de modo a uniformizar a escrita da presente decisão arbitral, com exceção das partes transcritas das peças processuais.

[2] Teoria Geral dos Benefícios fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal N.º 165, 1991, pág.39.

[3] Conforme se explicita na página 7 do RIT, «o grupo B… declarou um lucro tributável de 42.529.510,65 euros, através da DRM22 do grupo, de substituição, identificada com o n.º …-2016-… -…, entregue em 18 de fevereiro de 2016, constituindo-se aquela declaração como o documento base de análise da presente ação inspetiva.»

[4] Sublinhados e negritos nossos.

[5] Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 359, pág. 110 e 111.

[6] Sublinhado nosso.

[7]  Cfr. art. 8.º, nº1, al. a) do Decreto-Lei nº 49/91, de 25 de janeiro, artigo 6º, n.º 1 al. a) do Decreto-Lei 22/92, de 14 de fevereiro e artigo 7º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de novembro.

[8]  Reporta-se a 60% do aumento das depreciações em resultado de reavaliações.

[9]  Negritos nossos.

[10] Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 359, pags. 100 e 111.

[11] Notando-se, curiosamente, que o artigo 18.º do Pedido arbitral, embora refira os argumentos que neste projeto de decisão se sintetizam do RIT (pontos 55 a 63 do mesmo) se esquecem os argumentos aduzidos em sede graciosa, nos pontos 70 a 130 daquele projeto de decisão, em resposta ao propugnado nesta sede pela Requerente.

[12] " Neutralidade Fiscal das Fusões: Benefícios Fiscal ou Desagravamento Estrutural? Corolários ao Nível do Regime de Transmissibilidade de Prejuízos", in Fiscalidade 26/27.

[13] Ibidem.

[14] Cf. "O conceito de tributação efetiva no âmbito do regime de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos entre sociedades", António Lobo Xavier, Isabel Santos Fidalgo e Francisco Mendes da Silva., Fiscalidade 42, pág. 21.

[15] Ibidem.

[16] Ibidem.

[17] Ibidem.

[18] Ibidem.

[19] A interpretação e aplicação das normas que estabelecem benefícios fiscais seguem, segundo a lei e a doutrina dominante, os cânones interpretativos das restantes normas: não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva (art. 10.º do EBF e art. 11.º da LGT).

[20] Seria tarefa inglória reproduzir-se aqui todos os normativos anteriores a 2004 relativos ao tema. Uma palavra, no entanto, para o DL n.º 49/91, de 25 de janeiro, para referir que o seu preâmbulo distingue claramente dois tipos de reavaliação dos elementos do ativo imobilizado corpóreo das empresas a que procede: o primeiro refere-se a uma reavaliação justificada pela "desvalorização acumulada da moeda", de molde a repor a verdade dos custos históricos, ou seja, por razões exclusivamente fiscais; o segundo, bem distinto desta justificação, refere-se ao elenco das finalidades (extrafiscais) que o diploma associa àquela reavaliação e a outras anteriores, como sejam "permitir a melhoria da imagem dos balanços das empresas, possibilitar a atualização dos custos de produção através do aumento das reintegrações e favorecer a formação bruta de capital fixo mediante o reforço da capacidade financeira e de financiamento das empresas e a obrigação de reinvestimento do valor de realização de financiamento das empresas e a obrigação de reinvestimento do valor de realização dos bens reavaliados". É este segundo tipo de reavaliação que o artigo 86.º do CIRC veio expressamente instituir e qualificar como benefício fiscal para efeitos de o incluir nos limites estabelecidos.

[21] Saliente-se que atualmente é a seguinte a redação do referido artigo 92.º do CIRC (com as alterações e aditamentos introduzidos pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro [nos n.ºs 1 e 2, c) e d)], pelo DL n.º 82/2013, de 17 de junho [n.º 2, als. b) e e) a g)], pelo DL n.º 162/2014, de 31 de outubro e pelo DL n.º 22/2017, de 22 de fevereiro (retificado em 7 de abril)

"1 – Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e do regime previsto no n.º 13 do artigo 43.º.    

2 – Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:
a) os que revistam caráter contratual;

b) o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II), previsto no Código Fiscal do Investimento;

c) os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) os previstos nos artigos 19.º e 32.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

 e) o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), previsto no Código Fiscal do Investimento.

f) o regime de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR), previsto no Código Fiscal do Investimento;

g) o regime de remuneração convencional do capital social previsto no artigo 41.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

h) o incentivo à produção cinematográfica previsto no artigo 59.º-F do Estatuto dos Benefícios Fiscais. "

Apesar do alargamento das exclusões é significativo que do n.º 2 continuem a não constar os acréscimos de reintegrações e amortizações resultantes de reavaliações efetuadas ao abrigo de legislação fiscal.

 

[22] Aparentemente, a Requerente entende que a situação normal (a que decorreria da sua capacidade contributiva) implicaria a consideração dos acréscimos de amortizações para o cálculo do lucro tributável. A limitação desses acréscimos, pelo contrário, produziria uma tributação excessiva relativamente à sua capacidade contributiva. A eliminação desse excedente representaria assim o regresso à normalidade. Esta interpretação inverte, porém, os termos do problema. Não sendo considerados os acréscimos de amortizações e reintegrações concedidos como benefícios fiscais, e pressupondo que não está no pensamento da Requerente considerá-los como prémios, bónus ou privilégios fiscais, restaria uma possibilidade: de os considerar (a exemplo das amortizações e reintegrações normais, sem qualquer acréscimo) como exclusões tributárias ou desagravamentos estruturais que integram o sistema normal de tributação em sede de IRC ou que são por este justificadas. Esta perspetiva omite o caráter seletivo das medidas desagravadoras e converte o desvio à norma na própria norma, invertendo assim a lógica da relação entre tributação e vantagens fiscais.

[23] Cf. Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º 17, de 16 de outubro de 2010, p. 82.

[24] A estreita relação entre os conceitos de benefícios fiscais, despesa fiscal e auxílios de Estado sob forma fiscal é, entre outros, claramente admitida e sublinhada por Casalta Nabais (Direito Fiscal, 10 ed., Coimbra, Almedina, p. 402-3 e 405).

[25] De um ponto de vista financeiro, os benefícios fiscais "são considerados despesas fiscais, as quais podem ser previstas no Orçamento do Estado ou em documento anexo e, sendo caso disso, nos orçamentos das Regiões Autónomas e das autarquias locais". São, neste sentido, despesas públicas indiretas. Embora as situações de não sujeição tributária (como as decorrentes de normas de delimitação negativa de incidência) não sejam, em rigor, benefícios fiscais, a Administração fiscal, sempre que se justifique, pode "exigir dos interessados os elementos necessários para o cálculo da receita que deixa de cobrar-se por efeito das situações de não sujeição tributária". Quanto aos benefícios fiscais, este cálculo é, porém, um objetivo formulado na lei em termos programáticos: a LGT estabelece no seu artigo 14.º, n.º 3, que a "criação de benefícios fiscais depende da clara definição dos seus objetivos e da prévia quantificação da despesa fiscal". É, recorde-se, a contração desta despesa fiscal que está na origem e justifica o regime do antigo artigo 86.º do CIRC e do atual regime do artigo 92.º do mesmo diploma. Nesta ótica, o que se torna aqui relevante ter em conta é a expressão financeira do conjunto dos desagravamentos que o legislador considerou ser excessiva. Ou seja, o que importa considerar é a despesa fiscal decorrente do conjunto dos desagravamentos considerados. É esta que a lei procurou limitar, tendo, como pano de fundo, no plano político, objetivos, ainda hoje relevantes, de contenção do défice e, consequentemente, da dívida pública.

 

[26] A política de concessão de benefícios fiscais, em especial de incentivos fiscais, insere-se na "função promocional" do Estado, mediante a consagração de uma política de prossecução de objetivos económicos, sociais, ambientais, culturais, etc., por via fiscal e não numa política reditícia propriamente dita. O que, como bem assinala Casalta Nabais (2017), tem consequências: "Compreende-se assim que os incentivos fiscais, que não raro assumem caráter seletivo ou mesmo altamente seletivo, tenham caráter temporário, bem como a liberdade do legislador, mormente para conceder uma margem de livre decisão à administração tributária, tenha necessariamente de ser maior do que aquela de que dispõe em sede de benefícios fiscais estáticos." (Direito Fiscal, ibidem, p. 402).

[27]  Recorde-se que quando concedidos a empresas, regiões e setores de produção, os benefícios fiscais podem assumir a natureza de auxílios de Estado sob forma fiscal, por aplicação dos artigos 107.º e ss do TFUE, na leitura que decorre da jurisprudência do TJUE e da atividade fiscalizadora da Comissão. Os auxílios de Estado são, a priori, incompatíveis com o mercado interno, podendo, porém, a Comissão declará-los como compatíveis, em regra após certos ajustamentos. No caso dos auxílios sob forma fiscal, estaremos perante vantagens com caráter seletivo (ausência, total ou parcial, de tributação) outorgadas pelos poderes públicos através das diversas técnicas de instituição de benefícios fiscais que, assumindo a forma de subsídios negativos, aliviam os encargos do orçamento das empresas. Estas medidas não advêm do livre jogo do mercado ou da ação de particulares, implicam a utilização de recursos públicos, afetando a concorrência e as trocas entre Estados-Membros. No que toca aos auxílios sob forma fiscal, o elemento chave é o da vantagem seletiva (segundo a redação do TFUE, medidas que favoreçam "certas empresas ou certas produções"). De acordo com a Comissão, tal vantagem seletiva pode resultar "tanto de uma exceção às disposições fiscais de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa, como de uma prática discricionária da administração fiscal".

[28] Cf. António Guerreiro (Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa: Rei dos Livros, 2000, p.101), autor que, contudo, não ligava explicitamente esta noção ao direito comunitário.

[29] Este critério é importante em sede de benefícios fiscais pois impõe que a sua criação obedeça a princípios e fins plasmados na Constituição, mas é secundário em sede de auxílios de Estado, dado os fins do auxílio não serem relevantes para a definição conceitual, mas apenas para a consideração de eventual compatibilização com o mercado interno. Esses interesses públicos devem ter consagração no próprio texto constitucional. Só assim se poderá justificar o afastamento (total ou parcial) da tributação que, desde que ancorada em princípios e normas constitucionais, seria, no contexto da lei, a regra e não a exceção. Esse é o sentido do artigo 14.º do EBF, quando dispõe que a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra.

[30] Recorde-se que a seletividade reveste várias formas (seletividade ad hoc, geográfica, material) tendo o TJUE vindo a alargar substancialmente o âmbito deste elemento e, com isso, o controlo da Comissão relativo à outorga de benefícios fiscais.

[31] Cf. Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade direta das empresas (98/C 384/03), JO C 384 de 10.12.98 e Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.º, nº 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (2016/C 262/01) JO de 19.7.2016 que veio substituir aquela.

[32] Cf. Ponto 5.4.5 da referida Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.º, nº 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (2016/C 262/01) JO de 19.7.2016.

 

[33] Ao princípio da generalidade refere-se expressamente Menezes Leitão (1992) no seu artigo "Interpretação de benefícios fiscais" in Fisco, n.º45, pp. 27-35; aos da generalidade e da capacidade contributiva, Sá Gomes (1999), "Os benefícios fiscais na Lei Geral Tributária e legislação complementar", AAVV, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa: Vislis, p. 97. Ao da neutralidade, Carlos Lobo, citado na resposta da AT.

[34] É o que explica que Casalta Nabais (ibidem, p. 404), no que respeita às amortizações e reintegrações, chame a atenção " para o facto de as amortizações e as reintegrações serem, por via de regra, medidas estruturais que visam apurar o lucro real dos contribuintes" mas que quando elas são "aceleradas, dão lugar a desagravamentos configurando verdadeiros benefícios fiscais". O mesmo acontece (dir-se-á mesmo, por maioria de razão) quando são outorgados seletivamente, por diplomas fiscais avulsos, acréscimos de amortizações. A referência a diplomas avulsos não significa obviamente a adesão a um critério formal de benefícios fiscais, mas indicia estarmos perante diplomas que consagram apenas medidas temporárias de política fiscal e não desagravamentos estruturais ou exclusões fiscais. No mesmo sentido vão as considerações de Sá Gomes que, já em 1991, (in Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF n.º 359, pp. 110-1), muito provavelmente influenciado pelo direito comunitário (e não tanto por razões meramente formais) defendia que as amortizações aceleradas eram benefícios fiscais. Posição que reafirma, de modo consistente em 1999 no artigo citado na nota anterior (ibidem, p. 97).

[35] E, como vimos, encontra também fundamento no plano orgânico e formal no antigo artigo 86.º e atual 92.º do CIRC, no EBF e na própria Lei das Privatizações.

[36] Foi assim com os Decretos-Leis n.º 264/92, de 24 de Novembro; 49/91, de 25 de Janeiro; 111/88, de 2 de Abril; 118-B/86, de 27 de Maio; 399-G/84, de 28 de Dezembro; 219/82, de 2 de Junho; 430/78, de 27 de Dezembro e 126/77, de 2 de Abril — todos aprovados ao abrigo do que então era o artigo 201.º, n.º l, alínea a), da Constituição. E foi assim com o Decreto-Lei n.º 22/92, de 14 de Fevereiro, aprovado ao abrigo do artigo 201.º, n.º l, alínea c), da Constituição, no desenvolvimento dos princípios fixados pela Lei n.º 36/91.