Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 363/2017-T
Data da decisão: 2018-01-31  IRC  
Valor do pedido: € 301.381,64
Tema: IRC - Tributação autónoma – bónus e remunerações varáveis pagos a administradores.
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Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz, Amândio Silva e Daniel Taborda, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem tribunal arbitral, na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

1.Relatório e Saneamento

  1. No dia 7 de junho de 2017, a sociedade A…, SA., contribuinte fiscal, pessoa coletiva e matrícula número …, com sede na Rua …, n.º…, em Lisboa, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a), 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, todos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, (adiante RJAT) requerer a constituição de tribunal arbitral, visando a anulação do ato tributário de liquidação de IRC n.º 2017…, respeitante ao exercício de 2014, no montante de 2.036.005,21.

 

  1. Em concreto, pretende a Requerente a anulação da correção referente ao cálculo da tributação autónoma de 35% prevista na alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, no valor de € 301.381,64, aplicada à remuneração varável auferida por um dos membros do conselho de administração.

 

  1. No dia 7 de junho de 2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 03-08-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24-08-2017.

 

  1. No dia 03-10-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

  1. Por despacho de 04-10-2017, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

  1. Notificadas para o efeito, a Requerente apresentou alegações escritas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30-01-2018 para a prolação de decisão final.

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

2.Alegações das Partes

2.1. Alegações da Requerente

A Requerente alega, em síntese, o seguinte:

  1.  A correção assenta, fundamentalmente, no entendimento da administração tributária de que o Requerente não cumpriu os requisitos previstos na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, porque o pagamento de 50% da remuneração variável relativa ao período de 2014 que foi diferida foi feito antes de passados três anos após o exercício a que respeita.
  2. A norma consagra a possibilidade de excluir de tributação autónoma as remunerações varáveis (i) cujo pagamento seja subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos; e (ii) condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.
  3. De acordo com a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e Tribunal Constitucional (TC), a propósito da retroatividade do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, as tributações autónomas constituem um facto tributário autónomo relativamente ao IRC por incidir sobre a realização de uma despesa;
  4. Atendendo à diversidade das tributações autónomas, só com base na occasio e ratio legis é possível apreender o alcance da delimitação negativa do artigo 88.º, n.º 13, al. b) do Código do IRC.
  5. A introdução desta norma visou pressionar as empresas, através das tributações autónomas, a optarem pela atribuição regular e periódica de retribuições acessórias aos seus trabalhadores com funções diretivas e administração, em vez de comportamentos de gestão que privilegiem a assunção de riscos a longo prazo em prol de ganhos no curto prazo.
  6. Neste sentido, a remuneração variável deve ser repartida ao longo do exercício económico (em regra de 3 a 5 anos), conforme se defende na Recomendação da Comissão, de 30 de abril de 2009, relativa às políticas de remuneração no setor dos serviços financeiro (2009/384/CE) e na Diretiva 2010/76/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa ao acesso à atividade bancária das instituições de crédito e ao seu exercício.
  7. Esta política de remunerações foi transposta para o Anexo XI do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, pelo Decreto-Lei n.º 88/2011, de 20 de junho.
  8. Assim, a interpretação da expressão “diferimento por um período mínimo de três anos” deve ser interpretada como “repartição por um período mínimo de três anos”.
  9. Admitindo-se que o texto da lei permite as duas interpretações, sempre se defende que, sendo as tributações autónomas normas excecionais, deve o interprete adotar aquela que privilegie a subsunção da regra geral ao maior número de situações possíveis, admitindo-se, assim, a interpretação alegada pela Requerente.

 

2.2. Alegações da Requerida

A Requerida alega, em síntese, o seguinte:

  1. O que está em causa é um “pormenor” semântico que é o significado de “diferimento” o que se deve fazer atendendo, segundo as regras gerais de interpretação da lei, à letra da lei.
  2. Ora, se substituirmos a palavra diferimento por um dos seus significados (adiamento, por exemplo) o sentido da norma é exatamente o alegado pela AT: “adiamento por um período mínimo de três anos”.
  3. Se atendermos, por outro lado, aos elementos teleológicos e sistemáticos chegamos a um desfecho similar.
  4. De acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2010, o objetivo do legislador foi de sujeitar a tributação as tributações autónomas que não estivessem associadas a critérios e objetivos de produtividade e resultados da empresa.
  5. Acrescenta ainda que, ainda que a interpretação da Requerente fosse aceite, tal não significaria uma exclusão de tributação porque o pagamento das remunerações, conforme assumido expressamente pela Requerente, não se encontrava condicionado à obtenção de resultados positivos do Banco.
  6. Termina referindo que a interpretação normativa da Requerente é inconstitucional por violação do princípio da legalidade, especificamente do seu corolário de reserva da lei parlamentar, e bem assim por violação do princípio da capacidade contributiva.

 

3.Matéria de facto

i. Factos que se consideram provados

Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:

  1. No período de 2014, a Requerente atribuiu ao Vice-Presidente do conselho de administração uma remuneração variável, no valor de € 861.090,39, tendo sido paga metade (€449.000,00) em dinheiro (€ 224.500,00) e € 224.500,00 em ações, retidas até ao final do mandato;
  2. A outra metade foi diferida da seguinte forma: € 149.670,00 atribuídos e pagos em 2016 (€ 75.000,00 em dinheiro e 12.097 ações); € 149.670,00 atribuídos e pagos em 2017 (€ 75.000,00 em dinheiro e 12.097 ações) e € 149.670,00 atribuídos e a pagar em 2018 (€ 75.000,00 em dinheiro e 12.097 ações);
  3. A remuneração variável não foi sujeita a tributação autónoma pela Requerente na Declaração modelo 22 entregue;
  4. Na sequência da ação inspetiva externa realizada pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes relativamente ao exercício de 2014, foi emitida a liquidação de Impostos sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2017…, no montante global de € 2.036.005,21,
  5. Nesta liquidação, foi objeto de tributação à taxa de 35%, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), a remuneração variável identificada no ponto 1, originado uma liquidação de IRC em sede de tributação autónoma no montante de € 301.381,64, ora contestada.

ii. Factos que se consideram não provados

Inexistem.

 

 

iii. Fundamentação da matéria de facto.

Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4. Matéria de Direito

A questão controvertida nos presentes autos é a de saber se a remuneração variável atribuída em 2014 ao membro do conselho de administração da Requerida beneficia da exclusão da tributação autónoma prevista na 2.ª parte da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, aplicável aos bónus e outras remunerações variáveis.

 

O artigo 88.º n.º 13, al. b) do Código do IRS dispõe que:

“São tributados autonomamente, à taxa de 35%:

Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações varáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a € 27.500,00, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”

 

Começaremos por abordar, em termos genéricos, a problemática das tributações autónomas e os seus fins para, de seguida, respondermos à questão controvertida.

 

4.1. Natureza jurídica das tributações autónomas

O regime das tributações autónomas em vigor é o resultado de numerosas alterações legislativas.

A sujeição de determinadas despesas a tributação autónoma surgiu com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de junho, num contexto de penalização da tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas.

Posteriormente, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.

Desde então, o regime das tributações autónomas tem vindo a passar por um processo de expansão progressiva, em parte ditado pela aparente intenção contínua de aumentar a receita fiscal por via deste mecanismo.

 

Tendo em conta o artigo 88.º do Código do IRC, a tributação autónoma incide, grosso modo, sobre as seguintes realidades: despesas não documentadas; encargos com viaturas; despesas de representação; ajudas de custo; importâncias pagas a não residentes; lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção; gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual; e ainda os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

 

Algumas tributações autónomas têm como fundamento a presunção da existência de rendimento que deixou de ser tributado, não só em sede de IRC como de IRS, como se explica na decisão do tribunal arbitral proferida n.º 209/2013-T, que decidiu negativamente quanto à questão da dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal em sede de IRC, “trata-se de “(…) uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar o rendimento”.

 

A finalidade das tributações autónomas é, por isso, dual. Visam tributar o rendimento real, corrigindo-se por isso o rendimento tributável para o aproximar daquele rendimento e, ao mesmo tempo, procuram penalizar os sujeitos passivos que através da realização de certas despesas ou que mediante determinados comportamentos de incumprimento penalizam e corrigem, até em algumas situações passados vários anos, deduções que foram efetuadas e acabaram por reduzir o rendimento tributável.

Caberá, de seguida, compreender a natureza e sentido da tributação autónoma que incide sobre o encargo relativo a bónus e rendimento variável de gestores, administradores ou gerentes quando ultrapassem certos limiares.

 

4.2. A tributação autónoma sobre bónus e rendimento variável

 

O n.º 13 do artigo 88.ºdo Código do IRC foi introduzido pela Lei n.º 3-B/2010, de 8 de abril, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2010.

 

De acordo com o Relatório do Orçamento de Estado, a medida foi justificada nos seguintes termos: “Em conformidade com a política de boas práticas que o Governo tem vindo a estimular junto do sector financeiro e, bem assim, com as orientações mais recentes da CMVM quanto às sociedades cotadas, prevê a presente Proposta de Lei a fixação de uma taxa autónoma de IRC de 35%, aplicável a todos os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a 27 500 euros, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de 3 anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”

 

Ou seja, o legislador entendeu utilizar a política fiscal para pressionar (ao tributar de forma agravada) as sociedades a adotarem as melhores práticas de governação.

Para melhor compreensão, as Recomendações da CMVM sobre governo das sociedades (2010) publicadas à data da publicação da lei eram:

 

II.1.5.1. A remuneração dos membros do órgão de administração deve ser estruturada de forma a permitir o alinhamento dos interesses daqueles com os interesses de longo prazo da sociedade, basear-se em avaliação de desempenho e desincentivar a assunção excessiva de riscos. Para este efeito, as remunerações devem ser estruturadas, nomeadamente, da seguinte forma:

(i) A remuneração dos administradores que exerçam funções executivas deve integrar uma componente variável cuja determinação dependa de uma avaliação de desempenho, realizada pelos órgãos competentes da sociedade, de acordo com critérios mensuráveis prédeterminados, que considere o real crescimento da empresa e a riqueza efectivamente criada para os accionistas, a sua sustentabilidade a longo prazo e os riscos assumidos, bem como o cumprimento das regras aplicáveis à actividade da empresa.

(ii) A componente variável da remuneração deve ser globalmente razoável em relação à componente fixa da remuneração, e devem ser fixados limites máximos para todas as componentes.

(iii) Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a três anos, e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

(iv) Os membros do órgão de administração não devem celebrar contratos, quer com a sociedade, quer com terceiros, que tenham por efeito mitigar o risco inerente à variabilidade da remuneração que lhes for fixada pela sociedade.

(v) Até ao termo do seu mandato, devem os administradores executivos manter as acções da sociedade a que tenham acedido por força de esquemas de remuneração variável, até ao limite de duas vezes o valor da remuneração total anual, com excepção daquelas que necessitem ser alienadas com vista ao pagamento de impostos resultantes do benefício dessas mesmas acções.

(vi) Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, o início do período de exercício deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.

(…)”.

 

Por seu lado, também o artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011, do Banco de Portugal estipula idênticas orientações:

 

“1 - A remuneração dos membros executivos do órgão de administração deve integrar uma componente variável, com fixação de um limite máximo, cuja determinação dependa de uma avaliação do desempenho, realizada pelos órgãos competentes da instituição, de acordo com critérios mensuráveis predeterminados, incluindo critérios não financeiros, que considerem, para além do desempenho individual, o real crescimento da instituição e a riqueza efectivamente criada para os accionistas, a protecção dos interesses dos clientes e dos investidores, a sua sustentabilidade a longo prazo e a extensão dos riscos assumidos, bem como o cumprimento das regras aplicáveis à actividade da instituição.

2 - Até ao termo do seu mandato, devem os membros executivos do órgão de administração manter as acções da instituição a que tenham acedido por força de esquemas de remuneração variável, até ao limite mínimo de duas vezes o valor da remuneração total anual, com excepção daquelas que necessitem de ser alienadas com vista ao pagamento de impostos resultantes do benefício dessas mesmas acções.

3 - Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, o início do período de exercício deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.”

 

A presente regulamentação do Banco de Portugal tem na sua génese as Recomendações da Comissão Europeia, de 30 de abril de 2009 (2009/384/CE), relativas às políticas de remuneração no sector dos serviços financeiros.

 

Em comum a todos estes normativos está o objetivo de evitar os efeitos perversos e de curto prazo que uma política de remunerações pode suscitar. Para tal, as componentes variáveis da remuneração devem depender de critérios de desempenho pré-definidos e mensuráveis, numa perspetiva de médio-prazo, para que se possa aferir se foi criado valor de forma sustentada.

 

A componente varável da remuneração é constituída por itens distintos: “bónus anuais (geralmente prémios pecuniários atribuídos em função da obtenção pela sociedade de determinados objetivos), prémios em ações (sendo estas usualmente adquiridas pela sociedade nos termos permitidos pelo regime de aquisição de ações próprias previsto no artigo 317.º) e stock options (opções e subscrição e aquisição de ações)”.[1]

 

Esta distinção das várias componentes da remuneração variável é relevante porque as recomendações ora descritas são distintas para cada tipo de remuneração variável: a remuneração relativa a bónus deve ser diferida por um período não inferior a três anos, e o seu pagamento deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período (Recomendação II.1.5.1, ponto iii) da Recomendação da CMVM (2010)); as ações recebidas como remuneração variável devem obedecer ao mesmo princípio que a remuneração relativa a bónus mas serem mantidas pelos membros do conselho de administração até ao termo do mandato (Recomendação II.1.5.1, ponto v) e n.º 2 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011); o exercício das opções de ações (stock options) deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos (Recomendação II.1.5.1, ponto vi) e n.º 3 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011).

 

Notamos, para devido enquadramento da questão controvertida, que nas várias normas citadas são utilizadas duas expressões distintas: para o bónus e pagamento em ações é defendido o “diferimento por um período não inferior a três anos” e para as stock options impõe-se o “diferimento por um prazo não inferior a três anos”. Na mesma recomendação, o legislador utiliza, para remunerações distintas, expressões distintas, não subsistindo, em termos de coerência sistemática, qualquer dúvida quanto ao sentido de cada uma delas. Há uma intenção de que o exercício da opção de compra de ações só se faça passados três anos, mas permite-se para as demais remunerações variáveis a definição de uma política temporal de pagamento mais flexível.

 

Atento o contexto histórico, a finalidade do artigo 88.º, n.º 13, al. b) não se afasta do sentido e propósito das normas similares dos códigos de boas práticas de governação das sociedades. Segundo o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 197/2016, “No caso da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade, isso porque se excecionam da tributação aquelas situações em que o pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”

 

 

4.3. O cumprimento do requisito “o pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos”

 

Face ao teor literal, o sentido de “diferimento por um período mínimo de três anos” tanto pode significar o diferimento para um termo mínimo de três anos ou o diferimento ao longo de um período de três anos.

Assim sendo, há que, nos termos das regras gerais de interpretação, atender à ratio da norma. Conforme já expresso pelo Tribunal Constitucional o objetivo do legislador parece ser a sujeição parcial das remunerações variáveis a critérios de produtividade, conferindo maior assertividade a normas programáticas (não imperativas) como são as recomendações da CMVM.

Qualquer uma das interpretações cumpre com o sentido e objetivos das normas. O pagamento ao longo dos três anos, mediante a obtenção de resultados positivos, cumpre com o desiderato de aferição da boa gestão numa perspetiva de prestação de contas anual. Perante o desempenho positivo da empresa naquele ano, vence-se, para o administrador, o direito a receber uma quota-parte da remuneração variável diferida.

Esta interpretação está também conforme com as boas práticas defendidas para o governo das sociedades. Conforme supra desenvolvido, não podemos confundir as diretrizes relativas ao pagamento de stock options com as normas relativas a bónus e outras remunerações variáveis: é claro o sentido de diferimento por um “prazo de três anos” para a primeira e o diferimento “por um período mínimo de três anos” para as restantes remunerações.

Assim sendo, prevalece a interpretação compatível com uma política de pagamentos parcelares ao longo do período de três anos, mas também com o pagamento após este período porque o que se definiu foi o período mínimo de diferimento obrigatório (pode, por exemplo, o pagamento ser diferido para o final de quatro anos ou de forma parcelar no 4.º, 5.º e 6.º anos). Em qualquer das situações, a exclusão de tributação autónoma depende também do desempenho positivo da entidade durante todo o período de diferimento definido.

Não vislumbramos, por fim, em que sentido esta interpretação viola, como entende a Requerida, o princípio da legalidade, especificamente do seu corolário de reserva de lei parlamentar, atendendo a que a norma foi aprovada pela Assembleia da República. No que diz respeito ao princípio da capacidade contributiva e igualdade, cabe citar o Tribunal Constitucional que, relativamente a esta disposição específica diz:

Por identidade de razão, as disposições impugnadas não põem em causa o princípio da capacidade contributiva. Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que «a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto». E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada).

Cabe recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.

A lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.

A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa

 

  1. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede ainda que a AT seja condenada a reembolsá-la das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos competentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

Esta mesma questão já foi suscitada em diversos processos anteriores em que se analisa matéria em tudo idêntica à dos autos, entre os quais o Processo 303/2015-T do CAAD, onde se escreveu o que ora, com a devida vénia, se transcreve:

“De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é pressuposto da existência daqueles juros.”

 

Na sequência da ilegalidade do ato de liquidação de IRC objeto do presente processo, dúvidas não subsistem que a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá proceder, não só à restituição dos montantes indevidamente pagos pela Requerente, dando cumprimento ao imperativo do artigo 100.º da LGT supra citado, bem como ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios que são devidos desde as datas em que os pagamentos foram efetuados pela Requerente até à data em que venha a ocorrer o respetivo reembolso.

6. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este tribunal arbitral decide julgar totalmente procedentes os pedidos principais da Requerente e, em consequência:

-  declarar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2017…, respeitante ao exercício de 2014, na parte relativa à tributação autónoma sobre remunerações variáveis, no valor de € 301.381,64,

-  condenar a Requerida a reembolsar a Requerente no montante de € 301.381,64, referente à tributação autónoma paga e, ainda, a pagar-lhe juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao momento em que vier a ocorrer o reembolso dos valores correspondentes às tributações autónomas.

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 301.381,64.

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5508 (4896 + 306 + 306, que corresponde a 2754 x 2, pago pela requerente) conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de janeiro de 2018

 

Os Árbitros,

 

 

José Baeta de Queiroz

 

 

 

Amândio Silva

 

 

 

Daniel Taborda

 



[1] ANA PERESTELO DE OLIVEIRA, Manual de Governo de Sociedades, Almedina, 2017, p. 208.