Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 485/2017-T
Data da decisão: 2018-02-21  IMI  
Valor do pedido: € 36.139,52
Tema: IMI - Terreno para construção integrado em área da REN. Competência do Tribunal Arbitral
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Decisão Arbitral

 

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, S.A., NIF…, com sede na …, n.º…, …-… Lisboa (doravante designada por «Requerente»), tendo requerido a revisão oficiosa das liquidações de IMI referentes a 2012, 2013, 2014 e 2015, no valor global em causa de €36.139,52, apresentou, do seu indeferimento tácito e das referidas liquidações, a 30/8/2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 3.º, n.º 1, e 10.º e ss. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por entender que devem ser “declarados ilegais e anulados os actos de liquidação de IMI de 2012, 2013, 2014 e 2015, e o acto de indeferimento da revisão oficiosa oportunamente apresentada que os confirmou, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da AT a restituir à ora requerente o valor de IMI indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios até à data da sua integral restituição.”

 

            1.2. Em 23/11/2017 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta em 9/1/2018, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da Requerente. A AT invocou, ainda, uma excepção – à qual a ora Requerente respondeu por via de requerimento datado de 16/1/2018.

 

            1.4. Por despacho de 9/2/2018, o Tribunal considerou, nos termos do artigo 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 21/2/2018 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “o prédio [em causa] acha-se localizado na Freguesia do … do Concelho da … e ocupa uma área sem construção e fora de um aglomerado urbano correspondente a 100 hectares sitos entre a  … e a …”; b) “o prédio acha-se integrado na Rede Natura 2000, sítio das …, … e … (código PT…) que se estende desde a  … até à …”; c) “o prédio está incluído na área da REN delimitada pela Portaria n.º 1046/93, de 18 de outubro, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de março, que estabelecia o regime da Reserva Ecológica Nacional, atualmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto”; d) “assim, para que no prédio dos autos fosse lícito construir era necessário alterar a sua classificação, excluindo-o das áreas classificadas como REN”; e) “o Governo, por despacho de 11 de Agosto de 2009 do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, indeferiu a desafetação da área do prédio da REN, porquanto, no seu entender, a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) previamente emitida pelo Secretário de Estado do Ambiente teria entretanto caducado”; f) “com isso, o plano de pormenor que abrangeria a área do prédio da Requerente nunca foi objeto da obrigatória ratificação pelo Governo e publicação em Diário da República, que constituíam elementos essenciais da sua entrada em vigor”; g) “não existiu, portanto, nem existe, um plano de pormenor válido e eficaz que permitisse enquadrar juridicamente o projeto que a ora Requerente pretendia levar a cabo, o que inviabilizou e inviabiliza qualquer construção no prédio”; h) “o despacho de 11 de Agosto de 2009 manteve, portanto, intacta a delimitação originária da REN do município da … que proíbe a Recorrente de realizar qualquer operação de loteamento, urbanização, construção, ampliação, vias de comunicação, escavações e aterros; quer por força da lei então vigente (cfr. art. 4.º, n.º 1, do Dec. Lei 93/90, de 19 de Março) quer à luz da lei atualmente em vigor (cfr. art. 20.º do Dec. Lei 166/2008, de 22 de Agosto) que estabelece o Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional”; i) “logo, o prédio dos autos é, como era à data do facto tributável, legalmente inapto para o loteamento, construção e edificação, porquanto tudo isso sempre dependeria, por um lado, da sua prévia exclusão da REN e, por outro lado, da prévia entrada em vigor de um plano de pormenor que autorizasse o loteamento, a construção e a edificação”; j) “trata-se, portanto, de um caso que o Código do IMI expressamente mandou excluir da classificação como «terreno para construção» (cfr. art. 6.º, 3), e incluir na classificação como «prédio rústico» (cfr. art. 3.º, 1)”; l) “assim, o valor patrimonial tributário do prédio não deveria ter sido determinado de acordo com as regras de cálculo aplicáveis aos prédios urbanos e que conduziram à avaliação no valor de € 2.258.720,00, mas sim segundo as regras aplicáveis à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios rústicos”; m) “se o prédio não é, como declarou o Tribunal Arbitral [que foi constituído para decidir sobre um outro processo], um terreno para construção para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS – que manda aplicar as regras do Código do IMI quanto à classificação dos prédios – também não o é, por igualdade de razão, para efeitos de aplicação do imposto municipal sobre imóveis”; n) “também não se diga que a circunstância de a requerente não ter previamente reagido contra a avaliação do prédio poderia impedir que avançasse com o seu pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de IMI e com a presente impugnação arbitral contra o respetivo indeferimento”; o) “a possibilidade de o contribuinte sindicar autonomamente os actos de avaliação predial trata-se, portanto, nas palavras do TC, de uma faculdade do contribuinte, e não de um ónus, que visa reforçar e não restringir a tutela jurisdicional dos seus direitos e garantias legal e constitucionalmente protegidos”; p) “daí que nada obste a que a Requerente possa invocar a ilegalidade do ato de liquidação ora impugnado com fundamento na errada inscrição matricial do prédio que o precedeu e que assim determinou uma liquidação de imposto ferida de ilegalidade”; q) “tal como as referidas liquidações de imposto do selo cuja anulação foi judicialmente determinada, são ilegais os actos de liquidação de IMI emitidos com base num VPT resultante da aplicação das regras de cálculo relativas a prédios urbanos ao prédio aqui em causa”; r) “o VPT do prédio deveria, com efeito, ter sido determinado de acordo com os artigos 17.º e seguintes do Código do IMI”, s) “a AT não se dignou, até hoje, a proferir uma decisão expressa, apesar de a ora requerente lhe ter apresentado dois requerimentos para o efeito, que lamentavelmente também não mereceram qualquer resposta”.

 

            2.2. Pelo acima exposto, conclui a Requerente que devem ser “declarados ilegais e anulados os actos de liquidação de IMI de 2012, 2013, 2014 e 2015, e o acto de indeferimento da revisão oficiosa oportunamente apresentada que os confirmou, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da AT a restituir à ora requerente o valor de IMI indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios até à data da sua integral restituição.”  

           

            2.3. Por seu lado, a Requerida alega, na sua resposta, que: a) “do teor do pedido de pronúncia arbitral extrai-se que a Requerente pretende fazer retroagir a 2012 os efeitos da classificação do imóvel como prédio rústico, classificação que só foi requerida em 2016 e autorizada em 2017”; b) “o acto objecto do pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do Tribunal arbitral”; c) “a natureza de um prédio (que é aquilo que mediata ou imediatamente pretende ver aqui questionado a Requerente) não é passível de ser discutida em sede arbitral, para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal, ademais, e como já vem ante referido, a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos”; d) “os factos sobre os quais a Requerente pretende agora questionar, sem que o tenha feito tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tinha ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica”; e) “ainda que se considerasse, por mero dever de patrocínio, que estivéssemos perante um facto susceptível de sindicância no CAAD, o mesmo haveria que, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do art. 134.º do CPPT, ver esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, o que não aconteceu, donde resulta clara a incompetência material do tribunal arbitral”; f) “a caderneta predial – que faz parte do acervo documental dos autos – consigna em si os resultados da avaliação, a qual não foi colocada em causa, através dos respectivos meios de reacção ao dispor da ora Requerente”; g) “se se desconsiderar a certidão predial entregue pela Requerente, o que por mero exercício académico se concede, o Tribunal olvida e fez tábua rasa das referências que nessa certidão era feita à declaração Mod. 1 (que e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais) e que determinaram que ao prédio fosse atribuído um VPT de € 2.258.720,00 e, que aquele mesmo prédio fosse descrito e inscrito como terreno para construção com afectação habitacional”; h) “nunca, em momento algum, nos anos das liquidações em causa, a Requerente, enquanto sujeito passivo, colocou em causa aquelas certidões e/ou avaliações, através dos meios procedimentais e/ou processuais próprios ao seu dispor, que estabeleceram que aquele prédio se tratava de terreno para construção com afectação habitacional”; i) “está fora das competências materiais do Tribunal Arbitral, a sindicância e/ou análise de actos de avaliação e inscrição matricial”; j) “pelo exposto, verifica-se, no caso concreto, uma excepção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”; l) “cumpre antes de mais referir que a Requerente nos artigos 2 a 22 do seu pedido de pronúncia arbitral descreve toda a evolução das diligências da integração ou exclusão de áreas da REN e outros factos que em seu entender comprovam que o terreno era inapto para construção à data das liquidações aqui visadas. [...]. Ora, perante tal conclusão, legítimo é questionar, por que é que a Requerente, sabendo em 2009 que não poderia realizar qualquer operação de loteamento, urbanização, construção, ampliação, vias de comunicação, escavações e aterros, não apresentou logo o pedido de alteração da matriz predial do prédio em questão uma vez que seria do seu interesse?”; m) “se desde 2009 sabia que não poderia construir naquele terreno, porque é que só em 2016, mais precisamente em 08/08/2016 a Requerente apresentou pedido de reclamação da matriz nos termos do art. 130.º do CIMI, a fim de ser classificado como rústico?”; n) “de acordo com o estipulado no referido preceito legal [artigo 130.º, n.º 8, do CIMI], os efeitos da eliminação de um artigo urbano e a sua inscrição na matriz predial rústica, apenas produz efeitos na liquidação respeitante ao ano em que for apresentado o pedido ou promovida a rectificação”; o) “assim, estando a Entidade Demandada vinculada ao princípio da legalidade, não poderia ter agido de outra forma, pois, apenas depois do pedido formulado pela Requerente é que foram confirmados os requisitos para inscrição do prédio na matriz predial rústica”; p) “por todo o exposto, a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei”; q) “no que se refere ao peticionado direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, resultante da anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária”; r) “uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente, nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT”; s) “de tudo quanto supra se expôs resulta claro que o acto tributário em crise é válido e legal, porque conforme ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, não tendo ocorrido, in casu, qualquer erro imputável aos serviços. Não se encontrando reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos peticionados juros indemnizatórios”; t) “não assiste à Requerente o direito ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios, devendo ser considerada como improcedente a pretensão do Requerente e a Entidade Requerida absolvida de todos os pedidos.”

 

            2.4. Conclui a Requerida que “deve ser julgada procedente a excepção invocada e, caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) O prédio aqui em causa é propriedade da ora Requerente, conforme se verifica pela leitura da caderneta predial que se juntou como doc. 3. É um prédio localizado na freguesia do …, concelho da …, e que ocupa uma área sem construção e fora de aglomerado urbano, correspondendo a 100 hectares sitos entre a de … e a … .             

 

            ii) O referido prédio encontra-se integrado na Rede Natura 2000, sítio das…, … e … (código PT…) que se estende desde a … até à …, conforme se pode verificar pela leitura de docs. 4 a 6 juntos aos presentes autos. O mesmo prédio encontra-se, ainda, incluído na área da REN delimitada pela Portaria n.º 1046/93, de 18/10, ao abrigo do Dec.-Lei n.º 93/90, de 19/3, que estabelecia o regime da Reserva Ecológica Nacional (vd. doc. 7 apenso), actualmente regulado pelo Dec.-Lei n.º 166/2008, de 22/8.

 

            iii) O Regulamento do PDM da …, que foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/94, de 18/6, obriga (no n.º 6 do art. 10.º) a que a área do prédio seja objecto de plano de pormenor, de acordo com o disposto no art. 46.º (vd. doc. 8 apenso). Esse plano de pormenor implica uma alteração ao PDM e a desafectação da REN, pelo que está sujeito (após um procedimento complexo que envolve o Município, a CCDR do Centro e a Comissão Nacional da REN), a ratificação do Governo, a quem compete, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 93/90, de 19/3, aprovar a integração e exclusão de áreas da REN.

 

iv) Assim, a Câmara Municipal da … iniciou o referido procedimento de alteração da delimitação da REN do seu município, visando, com tal, a aprovação do plano de pormenor relativo à …, que dependia desta alteração por força da resolução de ratificação do seu PDM.

 

v) Contudo, o Governo, por despacho datado de 11/8/2009 do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, indeferiu a desafectação da área do prédio da REN por entender que a Declaração de Impacto Ambiental previamente emitida teria, entretanto, caducado (vd. doc. 9 apenso aos autos). Pelo que o plano de pormenor que abrangeria a área do prédio da ora Requerente não chegou a ser objecto da obrigatória ratificação do Governo e publicação em Diário da República.

 

vi) Não tendo avançado, pelas razões acima indicadas, o procedimento de desafectação da REN, não existiu (nem existe) um plano de pormenor que permita enquadrar juridicamente o projecto de construção que a ora Requerente pretendia levar a cabo – inviabilizando, assim, a realização de qualquer construção no prédio em causa.

 

            vii) Como o referido despacho de 11/8/2009 manteve intacta a delimitação originária da REN do município da …, a Requerente está proibida de realizar, no prédio em causa, qualquer operação de loteamento, urbanização, construção, ampliação, vias de comunicação, escavações e aterros – tanto por força do disposto no art. 4.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 93/90, de 19/3, quanto por força do que actualmente se estabelece no art. 20.º do Dec.-Lei n.º 166/2008, de 22/8 (Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional).

 

            viii) Estando a Requerente proibida de realizar as supra mencionadas operações sobre o prédio em causa, verifica-se que esse prédio era, à data do facto tributável, legalmente inapto para loteamento, construção e edificação – pelo que, para efeitos de classificação nos termos do disposto no CIMI, se trata de “prédio rústico” (vd. art. 3.º, n.º 1, do CIMI). Assim sendo, tal determina que o apuramento do valor patrimonial do prédio em causa se faça de acordo com as regras aplicáveis à determinação do VPT dos prédios rústicos e não de acordo com as regras de cálculo aplicáveis aos prédios urbanos.

 

            ix) A demonstrada (e a comprovada) inaptidão construtiva e edificativa do prédio em causa (devida a motivos de ordem legal) prevalece sobre a inscrição matricial do prédio (que indicava tratar-se de “terreno para construção”).  

 

x) Por despacho de 28/9/2017 do Chefe do SF de …, foi deferido o pedido de reclamação da matriz apresentado pela Requerida a 8/8/2016, com efeitos a contar do ano de 2016. Segundo informação da Requerida, o prédio em causa inscrito na matriz com o n.º … foi eliminado em 19/10/2017, tendo sido inscrito como rústico com o n.º…, com o VPT de €139.000,00, da freguesia do … .

 

            xi) A 28/12/2016, a ora Requerente pediu a revisão oficiosa das liquidações de IMI em causa (referentes aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, e identificadas pelos docs. n.os 2012…, 2013…, 2014… e 2015…) e a sua anulação (vd. doc. 1). Apesar de a ora Requerente ter apresentado dois requerimentos a solicitar decisão expressa sobre o seu pedido (vd. doc. 12 junto aos autos), a AT não chegou a proferi-la.

 

xii) Inconformada, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 30/8/2017.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.

 

IV – Questão Prévia

 

            Como se referiu no relatório da presente decisão, a Requerida invocou, na sua resposta de 9/1/2018, excepção por alegada “incompetência do tribunal arbitral para sindicar actos de avaliação e de inscrição na matriz” (vd. pontos 17.º ss. da resposta). Cabe, assim, averiguar se a mesma deve ser considerada procedente, atendendo, ainda, ao que consta do requerimento da Requerente enviado a 16/1/2018, no qual esta se pronuncia sobre a referida excepção.

 

No entender da Requerida, “a Requerente pretende fazer retroagir a 2012 os efeitos da classificação do imóvel como prédio rústico, classificação que só foi requerida em 2016 e autorizada em 2017. Razão pela qual o acto objecto de pronúncia arbitral extravasa [em seu entender] a competência do Tribunal arbitral.” Acrescenta que, “ainda que se considerasse, por mero dever de patrocínio, que estivéssemos perante um facto susceptível de sindicância no CAAD, o mesmo haveria que, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do art. 134.º do CPPT, ver esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, o que não aconteceu”. E conclui que “decorre do acervo documental dos autos que em momento algum a Requerente questionou tempestivamente a avaliação (oportunamente notificada) do prédio em causa e da natureza que lhe foi conferida naquela avaliação, pelo que lhe deverá ser vedado qualquer ensaio de, por este meio, inútil, [...] vir sindicar qualquer avaliação.”

 

            Em síntese, entende a Requerida estar “fora das competências materiais do Tribunal Arbitral a sindicância e/ou análise de actos de avaliação e inscrição matricial. Pelo que nunca cabe na competência material do Tribunal Arbitral a sua análise, fazendo esse o seu principal fundamento de procedência do pedido arbitral, i.e., a eliminação da ordem jurídica daquelas avaliações, inscrições matriciais e classificações dos imóveis.”

 

            Sucede, contudo, que não assiste razão à Requerida, dado que: a) ao contrário do que a mesma alega, a orientação jurisprudencial tem sido claramente no sentido de que “eventuais ilegalidades praticadas nos actos prévios ao de fixação do valor patrimonial tributário do prédio, como o de inscrição oficiosa na matriz de determinada realidade física como prédio, podem ser objecto de impugnação autónoma – através de acção administrativa especial – ou invocadas em impugnação de acto tributário” (vd., p. ex., Acórdão do STA de 8/1/2014, proc. 01685/13); b) se verifica, no caso destes autos, que a ora Requerente impugna expressamente (como reconhece a Requerida nos pontos 2.º e 3.º da sua resposta) os actos tributários de liquidação de IMI com fundamento na sua ilegalidade (vd. também, a este respeito, e.g., os pontos 39.º e 47.º da p.i.); c) nada obsta, assim, a que a ora Requerente invoque a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados com fundamento na errada inscrição matricial do prédio em causa (ainda que tal inscrição não tenha sido autonomamente sindicada em momento anterior) – a este respeito, ver, por exemplo, os seguintes acórdãos: “o acto em causa [...] é imediatamente lesivo, e [...], como tal, pode a recorrente, querendo, sindicá-lo autonomamente, se o não quiser sindicar em sede de impugnação da liquidação do tributo. (Sobre esta faculdade alternativa, cfr. Jorge Lopes de Sousa, [Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª ed., 2011, I vol.], p. 470.)” (Acórdão do STA de 27/11/2013, proc. 01725/13); “O acto de inscrição oficiosa na matriz predial de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, é imediatamente lesivo e autonomamente sindicável através da acção administrativa especial, sendo a impugnação judicial o meio próprio para sindicar a liquidação do IMI a que tal acto dê origem.” (Acórdão do TCA Norte de 28/9/2017, proc. 01939/12.6BEBRG); d) como decorre do que se disse anteriormente, não há a (alegada) retroacção de efeitos de classificação de imóvel que ocorreu em 2017, há somente a avaliação da legalidade das liquidações resultantes da (alegada) errada inscrição matricial do prédio em causa nos anos de 2012 a 2015; e) nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT, os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos [como é o caso do pedido que originou o presente processo: vd. supra, b)].

 

            Em face do acima exposto, conclui-se não ser procedente a invocada excepção.

 

            V – Do Direito

 

            No caso aqui em análise, são duas as questões de direito controvertidas: 1) saber se as liquidações de IMI em causa padecem do vício de violação de lei porque calculadas de acordo com (alegada) incorrecta classificação do imóvel como «terreno para construção»; 2) saber se há lugar ao pagamento dos peticionados juros indemnizatórios. 

 

            Vejamos, então.

 

            1) Alega a ora Requerente que “são ilegais os actos de liquidação de IMI emitidos com base num VPT resultante da aplicação das regras de cálculo relativas a prédios urbanos ao prédio aqui em causa. [E que] o VPT do prédio deveria [...] ter sido determinado de acordo com os artigos 17 e seguintes do Código do IMI.”

 

            Antes do mais, deve assinalar-se que se encontra amplamente documentado o processo relativo ao prédio aqui em causa – e em termos que permitem concluir existir uma inscrição matricial (como «terreno para construção») que não corresponde à realidade física do referido prédio.

 

            Com efeito – e sumariando alguns dos pontos da matéria de facto dada como provada [vd. supra, pontos i) a vii)] e que ilustram a situação do prédio em causa –, verifica-se, pela leitura dos documentos juntos aos autos (e cuja veracidade não foi colocada em causa), que: a) o prédio ocupa uma área sem construção e fora de aglomerado urbano, correspondendo a 100 hectares sitos entre a … e a …; b) o referido prédio encontra-se integrado na Rede Natura 2000, sítio das …, … e … (código PT…) que se estende desde a … até à …, conforme se pode verificar pela leitura de docs. 4 a 6 juntos aos presentes autos; c) o mesmo prédio encontra-se, ainda, incluído na área da REN delimitada pela Portaria n.º 1046/93, de 18/10, ao abrigo do Dec.-Lei n.º 93/90, de 19/3, que estabelecia o regime da Reserva Ecológica Nacional (vd. doc. 7), actualmente regulado pelo Dec.-Lei n.º 166/2008, de 22/8; d) o Regulamento do PDM da …, que foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/94, de 18/6, obriga (no n.º 6 do art. 10.º) a que a área do prédio seja objecto de plano de pormenor, de acordo com o disposto no artigo 46.º (vd. doc. 8); e) esse plano de pormenor implica uma alteração ao PDM e a desafectação da REN, pelo que está sujeito (após um procedimento complexo que envolve o Município, a CCDR do Centro e a Comissão Nacional da REN), a ratificação do Governo, a quem compete, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 93/90, de 19/3, aprovar a integração e exclusão de áreas da REN; f) a Câmara Municipal da … iniciou o referido procedimento de alteração da delimitação da REN do seu município, visando, com tal, a aprovação do plano de pormenor relativo à …, que dependia desta alteração por força da resolução de ratificação do seu PDM; g) o Governo, por despacho datado de 11/8/2009 do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, indeferiu a desafectação da área do prédio da REN por entender que a Declaração de Impacto Ambiental previamente emitida teria, entretanto, caducado (vd. doc. 9 apenso aos autos) – pelo que o plano de pormenor que abrangeria a área do prédio da ora Requerente não chegou a ser objecto da obrigatória ratificação do Governo e publicação em Diário da República; h) não tendo avançado, pelas razões acima indicadas, o procedimento de desafectação da REN, não existiu (nem existe) um plano de pormenor que permita enquadrar juridicamente o projecto de construção que a ora Requerente pretendia levar a cabo – inviabilizando, deste modo, a realização de qualquer construção no prédio em causa; i) como o referido despacho de 11/8/2009 manteve intacta a delimitação originária da REN do município da…, a Requerente está proibida de realizar, no prédio em causa, qualquer operação de loteamento, urbanização, construção, ampliação, vias de comunicação, escavações e aterros – tanto por força do disposto no art. 4.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 93/90, de 19/3, quanto por força do que actualmente se estabelece no art. 20.º do Dec.-Lei n.º 166/2008, de 22/8 (Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional).

 

            Daqui decorre inevitavelmente a conclusão, devidamente demonstrada e comprovada, de que, (como se referiu no ponto viii) da matéria de facto provada,) estando a Requerente proibida de realizar as supra mencionadas operações sobre o prédio em causa, o mesmo era, à data do facto tributável, legalmente inapto para loteamento, construção e edificação. Assim sendo, tem de concluir-se que, para efeitos de classificação nos termos do disposto no CIMI, se trata de “prédio rústico” (vd. art. 3.º, n.º 1, do CIMI) – o que determina que o apuramento do valor patrimonial desse prédio se faça segundo as regras aplicáveis à determinação do VPT dos prédios rústicos e não segundo as regras de cálculo aplicáveis aos prédios urbanos.

 

A demonstrada (e a comprovada) inaptidão construtiva e edificativa do prédio em causa (devida a motivos de ordem legal), prevalece, pois, sobre a inscrição matricial do prédio (que indicava tratar-se de «terreno para construção»). A este respeito, ainda que a propósito de IS (e nenhuma razão se vislumbra a impedir a aplicação de idêntico raciocínio a respeito do IMI aqui em causa), vd., por ex., o seguinte aresto: “Pese embora não ter sido apresentado um requerimento de 2.ª avaliação do imóvel, e sem definir qual a consequência para efeito de liquidação de IMI, por tal não ser objecto do recurso, a impossibilidade de construção no referido imóvel, devidamente comprovada, não pode deixar de ser relevante para efeito de liquidação de imposto de selo, cobrado tendo por pressuposto a capacidade edificativa, que se verifica não existir de facto. O certo é que o imposto de selo foi calculado tendo por base a capacidade construtiva do prédio que inexiste, sendo este um dos pressupostos de facto do acto de liquidação.” (Acórdão do STA de 6/7/2016, proc. 0330/16). (Itálicos nossos.)

 

Neste sentido se pronunciou, igualmente, a Decisão Arbitral de 7/10/2016, proferida no proc. n.º 113/2016-T (num caso muito semelhante ao aqui em apreço, e também relativo a IS): “De acordo com o disposto no artigo 4.º do Código do IMI, «prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)» e, entre as várias espécies de «prédios urbanos» referidos no artigo 6.º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os «terrenos para construção» [n.º 1, alínea c)], acrescentando o n.º 3 do mesmo artigo que se consideram «terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção (…), exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em (…) áreas protegidas (…)» [...]. [Avaliando o requisito da necessidade de ter que se tratar de um terreno para construção, verifica-se, em face] dos documentos anexados pela Requerente, que o prédio subjacente às liquidações de imposto em crise [está] «(…) integrado na Rede Natura 2000 [...]», tratando-se de uma área protegida e incluída na área da REN do concelho [em causa]. Ora, conforme o disposto no Regulamento do PDM [...], será necessário que a respectiva área do terreno a desafectar da REN seja objecto de um plano de pormenor, porquanto implicará uma alteração do referido PDM. De acordo com a informação que a Requerente juntou [...], a DIA emitida favoravelmente sobre a proposta de alteração da delimitação da REN [...], excluindo do perímetro da mesma a área de abrangência do Plano de Pormenor [...], caducou em 20 de Março de 2008 (e não foi solicitada a prorrogação do prazo) [...]. Assim, em consequência do acima exposto, o terreno subjacente às liquidações [...] continuou integrado na REN, pelo que não lhe será aplicável, à data a que se reportam os factos tributários (e no âmbito da norma de incidência de imposto acima transcrita), quer o requisito [de ter que se tratar de] um terreno para construção, quer o requisito [...] [de que] a edificação autorizada e prevista para o mesmo terá de ser para habitação, porque [este último é] decorrente da aplicabilidade do requisito anterior.”

 

Em face do acima exposto, conclui-se, no presente processo, que, não sendo o prédio em causa, comprovadamente, um «terreno para construção» – era e continua a ser um terreno localizado em área protegida (REN) –, as liquidações de IMI que foram emitidas com base em VPT resultante da aplicação de regras de cálculo relativas a prédios urbanos enfermam do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito – o que determina a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.

 

            2) Cabe, por último, apreciar, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

            Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

            É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vd., por exemplo, os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

 

            Tendo havido, como se nota pela leitura de 1), erro imputável aos serviços, conclui-se, também, pela procedência do referido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da requerente.

           

***

 

            VI – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos actos de liquidação de IMI impugnados e o reembolso do valor indevidamente pago.

            – Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €36.139,52 (trinta e seis mil cento e trinta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €1836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2018.

 

O Árbitro

 

  

 

(Miguel Patrício)

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.