Decisão Arbitral
Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Augusto Vieira e Prof. Dr. Francisco Nicolau Domingos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-09-2017, acordam no seguinte:
1.Em 06-07-2017 a A…-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA., com o NIF…, sociedade gestora do Fundo Especial de Investimentos Imobiliário Fechados em Reabilitação Urbana B… (Fundo), entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (PPA) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral colectivo (TAC).
A Requerente pede ao Tribunal colectivo a declaração de ilegalidade e anulação dos despachos de indeferimento de 21.04.2017, dos pedidos de revisão oficiosa proferidos pela Direcção de Finanças de Lisboa e notificados através dos Ofícios nºs … e …, respectivamente, e, consequentemente, se pronuncie sobre a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis ("IMT") subjacentes aos mesmos com os nºs…, …, …, …, …, …, …, referentes ao ano de 2011, e dos actos tributários de liquidação de IMT nºs…, … e …, referentes ao ano de 2012, no montante global de € 121.648,67”.
2.O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 17-07-2017.
2.1.Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados árbitros os signatários desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 30-08-2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.2.O Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) encontra-se, desde 14-09-2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT), acto que se encontra documentado na comunicação de constituição do TAC com data de 14-09-2017 que aqui se dá por reproduzida.
3.O Requerente argumenta, a fundamentar o pedido, entre o mais, que:
-
Entre 02.05.2011 e em 16.3.2017, celebrou, com diversos participantes, duas escrituras de entrada em espécie de um conjunto de 17 e 3 prédios que passaram a integrar o seu património, em troca de unidades de participação no valor total correspondente ao VPT total dos mesmos imóveis.
-
Nas declarações Modelo 1 do IMT, submetidas em 01.05.2011, e duas em 02.05.2011, consta como facto tributário a “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis”, e no campo destinado a observações consta “permuta de bem imóvel por unidades de participação no Fundo de Investimento Especial Imobiliário”.
-
Nas declarações Modelo 1 do IMT submetidas em 16.03.2012 consta como facto tributário a “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis”, e no campo destinado a observações consta “permuta de bem imóvel por unidades de participação no Fundo de Investimento Especial Imobiliário”.
-
Pagou o IMT liquidado no montante de € 112.889,00, em 02.05.2011, e de € 8.759,61, em 16.03.2012.
-
Em 05.12.2014, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMT dos anos de 2011, com base em Informação Vinculativa da AT que considera não estar aquela factualidade sujeita a IMT, solicitando o reembolso dos valores pagos e o pagamento dos juros indemnizatórios.
-
Em 09.12.2014, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMT do ano de 2012 acima identificadas, com base em Informação vinculativa da AT que considera não estar aquela factualidade sujeita a IS, solicitado o reembolso dos valores pagos e o pagamento dos juros indemnizatórios.
-
Em 21.04.2017, os referidos pedidos de revisão oficiosa foram indeferidos liminarmente, por despachos da Directora de Serviços de IMT, no uso de competências subdelegadas, com fundamento em intempestividade por não se mostrarem reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT);
-
A Requerente discorda dos fundamentos invocados no indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa quando se alude que “(...) os pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários em apreço são intempestivos por terem sido entregues além do prazo de 120 dias previsto 1ª parte do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária ("LGT")” e na parte em que se refere que “... a criação das liquidações de IMT em crise decorreu da iniciativa do sujeito passivo, "não tendo havido qualquer intervenção dos serviços", pelo que quaisquer vicissitudes e erros de que aqueles actos eventualmente padeçam não possam ser imputáveis aos mesmos”.
-
E refere que “No caso ... ocorreu um erro imputável aos serviços, não podendo a AT furtar-se à responsabilidade que recai sobre a sua esfera”.
-
Reconhecendo que foi o contribuinte [in casu, o Fundo] o responsável pelo preenchimento e entrega da Modelo I do IMT, conclui “(...) não pode jamais a AT deixar de proceder de forma diligente e rigorosa à análise da declaração recebida, incumbindo-lhe escrupulosamente aferir se os elementos ali inscritos se encontram efectivamente em conformidade com a realidade, por forma a garantir a emissão de um acto tributário isento de quaisquer erros”, uma vez que “importa, neste contexto, invocar o nº 1 do artigo 48º do Código de Procedimento e Processo Tributário que claramente prescreve que "a administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem"”.
-
Concluindo que “... o argumento invocado pela AT para fundamentar as decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa deve ser integralmente rejeitado”.
-
Refere ainda que a AT reconheceu “... que, "à data da liquidação do IMT refletido nos documentos de cobrança, a entrega de bens imóveis como entrada em espécie para a constituição de Fundo de Investimento Imobiliário, não consubstanciava um facto tributário, motivo pelo qual ao terem sido emitidas liquidações de IMT, no pressuposto de que aquela factualidade traduzia a transmissão onerosa daqueles imóveis, dos participantes para o Fundo, se verificou uma errónea subsunção da factualidade à norma de incidência"” e acrescenta que a AT conclui que “... da leitura das declarações de liquidação Modelo 1 de IMT, constata-se que aquela factualidade foi inscrita conto reportando-se ao facto (tributário) 1 — Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis, quando na realidade se tratava de facto não sujeito"”, pelo que “... neste contexto, torna-se evidente que a AT não se limitou a indeferir os pedidos de revisão oficiosa que lhe foram dirigidos pela Requerente com fundamento na sua intempestividade ou na não verificação de certos pressupostos formais”.
-
Relativamente ao direito fiscal aplicável aos factos (2011 e 2012) refere que “... o Código do IMT não previa à data dos factos em análise a tributação das operações subjacentes às liquidações de IMT aqui controvertidas, i.e. as entradas em espécie de bens imóveis em fundos de investimento imobiliário fechados e constituídos por subscrição particular, como o Fundo aqui em apreço”, pelo que, tendo em conta a redacção do nº 1 do artigo 2º e da alínea e) do nº 5 do artigo 2º do CIMT, em vigor até às alterações introduzidas pela Lei 66-B/2012 de 31.12 (Lei do OE para 2013), estas normas “... não faziam qualquer menção a este tipo de operações ou, sequer, a qualquer operação desenvolvida por fundos desta natureza”.
-
“(...) resulta evidente que, àquela data, no que concerne a fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular, o legislador optou por sujeitar a IMT apenas as operações de "adjudicação de bens imóveis" no âmbito de liquidações e as operações de “transmissão de bens imóveis” no âmbito de fusões”. “E, deste modo, optou por não sujeitar este imposto a outro tipo de operações que envolvem também estes fundos como, no que aqui concerne, as operações de "entradas com bens imóveis"”.
-
Invoca em seu favor o Parecer do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros onde se concluíu: “não é, em nosso entender, qualificável como uma transmissão a título oneroso do direito de propriedade a que se refere o nº 1 do artigo 2º do Código do IMT, não sendo igualmente subsumível em nenhuma das assimilações legais a esse conceito, máxime na prevista na alínea e) do nº 5 do artigo 2º do Código do IMT".
-
Concluindo: “(...) é forçoso concluir que não se encontrando à data da prática dos factos a "entrada em espécie com bens imóveis" no Fundo sujeita a IMT, as liquidações de imposto objecto do presente pedido carecem de fundamento legal, por inexistência de qualquer previsão normativa que determinasse este tipo de operação como um facto tributário subsumível às normas de incidência objectiva dispostas no Código que regulamenta este imposto”, devendo, desta feita “... os despachos de indeferimento dos procedimentos de revisão oficiosa sub judice ser prontamente anulados, promovendo-se, consequentemente, a anulação dos actos tributários de IMT que lhes são subjacentes por enfermarem em manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, erro este imputável à AT”.
A Requerente termina pedindo o seguinte:
-
“Seja declarada a ilegalidade dos actos de indeferimento da Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente aos pedidos de revisão oficiosa aduzidos pela Requerente;
-
Seja declarada a ilegalidade dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMT supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;
-
Seja a Autoridade Tributária Aduaneira condenada a reembolsar o Fundo do valor do imposto pago, no montante de € 121.648,67, relativamente às liquidações sub judice;
-
Seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida e calculados sobre o imposto”.
4.A Requerida apresentou resposta e juntou o processo instrutor argumentando, em síntese:
-
“em causa nos autos está apenas a intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelo Requerente em 05.12.2014 e em 09.12.2014, na medida em que a possibilidade de revisão no prazo nos moldes constantes da parte final do nº 1 do art. 78º da LGT pressupõe a existência de erro imputável aos serviços, o que não se verificou no caso dos autos” e que “... como se refere nas Informações nº … e nº…, independentemente de à data das liquidações em causa, a entrega de bens imóveis para entrada em espécie de subscrição particular de unidades de participação no Fundo, ora Requerente, não consubstanciar um facto tributário sujeito a IMT, tais liquidações foram emitidas com base nas declarações Modelo 1 preenchidas e entregues pelo Requerente”.
-
Pelo que “... o facto tributário inscrito nas declarações de Modelo 1 como sendo a “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis” é que deu origem à emissão das liquidações impugnadas”. “Por essa razão não ocorreu, nem o Requerente sequer demonstrou, a existência de qualquer erro imputável aos serviços na emissão daquelas liquidações”.
-
E conclui: “em suma, nos termos da fundamentação das Informações nº … e nº…, que sustentam os despachos de indeferimento dos pedidos de revisão, que se dá por integralmente reproduzidas, não se verificam nenhum dos pressupostos do nº 1 do artigo 78º da LGT”
-
Pelas mesmas razões entende não serem devidos juros indemnizatórios, pugnando pela absolvição dos pedidos.
5-Por despacho, de 02.11.2017, não havendo prova a produzir e tendo sido dada a oportunidade ao SP de exercer contraditório em relação à matéria de excepção deduzida na resposta pela entidade Requerida, o Tribunal dispensou a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT. Naquele despacho foi designada como data limite para a prolacção de decisão arbitral o dia 14 de Março de 2018.
6-No despacho supra mencionado o Tribunal convidou as partes a produzirem alegações escritas sucessivas, no prazo de 15 dias, não tendo qualquer delas exercido este direito.
II-SANEADOR
7.1.As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
7.1.2.Foi suscitada pela Requerida a excepção da intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa, cuja análise será feita após fixação da matéria de facto.
7.1.3.O processo não padece de nulidades.
III- MÉRITO
III.1- Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
§1.º Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
-
Em 2 de Maio de 2011, a Requerente, na qualidade de sociedade gestora do Fundo, celebrou uma escritura de entrada em espécie, nos termos da qual foram integrados no património do Fundo um conjunto de bens imóveis sitos na (extinta) freguesia de … (…), concelho e distrito de Coimbra, todos inseridos na área de reabilitação urbana designada "…", bens imóveis cujos artigos da matriz e respectivos VPT que a seguir se indicam:
- conforme artigos 31º e 32º do pedido de pronúncia arbitral (ppa), documento nº 3 em anexo ao ppa e segundo parágrafo do artigo 3º da resposta da AT.
-
Em 6 de Março de 2012, a Requerente celebrou uma outra escritura de entrada em espécie, nos termos da qual foi integrado no património do Fundo um novo conjunto de bens imóveis, cujos artigos da matriz e respectivos VPT a seguir se indicam:
- conforme artigo 37º e 38º do ppa, documento nº 4 em anexo ao ppa e segundo parágrafo do artigo 3º da resposta da AT.
-
Os proprietários dos imóveis descritos, em troca da entrada em espécie dos seus prédios no Fundo, receberam unidades de participação do mesmo, com o valor unitário de dez euros, perfazendo no seu total os respectivos VPT – conforme artigos 33º, 34º e 39º do ppa e documentos nºs 3 e 4 juntos com o ppa.
-
Consta da parte final da escritura referida em 1) que o Notário arquivou o seguinte:
constando como facto tributário a “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis” e no campo destinado a observações “permuta de bem imóvel por unidades de participação no Fundo de Investimento Especial Imobiliário” - conforme documento nº 3 junto com o ppa, terceiro parágrafo do artigo 3º da resposta da AT e teor do PA;
-
Consta da parte final da escritura referida em 2) que o Notário arquivou o seguinte:
constando como facto tributário a “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis” e no campo destinado a observações “permuta de bem imóvel por unidades de participação no Fundo de Investimento Especial Imobiliário” - conforme documento nº 4 junto com o ppa, quarto parágrafo do artigo 3º da resposta da AT e teor do PA;
-
O Fundo representado pela Requerente pagou o IMT liquidado no montante de € 112.889,00, em 02.05.2011, e de € 8.759,61, em 16.03.2012 – conforme artigos 35º, 36º e 40º do ppa, documento nº 2 junto com o ppa e quinto parágrafo do artigo 3º da resposta da AT.
-
Em 05 de Dezembro de 2014 e em 09 de Dezembro de 2014, a Requerente apresentou pedidos de revisão oficiosa das liquidações de IMT, dos anos de 2011 e 2012, respectivamente, com base em Informação Vinculativa da AT que considera não estar aquela factualidade sujeita a IMT, solicitando o reembolso dos valores pagos e o pagamento dos juros indemnizatórios, pedidos que por ofícios de 30 de Maio de 2017 e de 01 de Junho de 2017, contendo a fundamentação, lhe foram liminarmente rejeitados – conforme artigo 42º e 43º do ppa, parágrafos 7º e 8º do artigo 3º da resposta da AT e Documento nº 1 junto com o ppa;
-
Consta da fundamentação da decisão de rejeição liminar, do pedido de revisão oficiosa apresentado em 05 de Dezembro de 2014 (operação imobiliária do nº 1 e 4 da matéria provada), o seguinte:
“Na génese do pedido de revisão está a convicção (alicerçada em informação vinculativa prestada sobre situação análoga), de que a entrega de imóveis pelos participantes, enquanto entrada em espécie para constituição de fundo de investimento imobiliário, não consubstancia um facto tributário, e como tal não se encontra sujeita a imposto.
Nos termos do estabelecido nos artigos 1º e 2º do Código do IMT (CIMT), relativos à incidência, o imposto incide sobre a transmissão onerosa de imóveis, elencando-se nos diferentes números e alíneas do art. 2º, situações subsumíveis para o efeito, ao conceito de transmissão.
Urge, pois, determinar se a realização das entradas nos moldes efetuados, consubstancia ou não uma transmissão, e caso se revele afirmativa a resposta, se a mesma tem previsão legal.
De acordo com o preceituado na alínea e) do nº 5, do artº 2º do CIMT, na redação vigente em 2011-05-02 (data de realização das entradas), e que em seguida se transcreve para uma melhor perceção, são sujeitas «As entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial ou das sociedades civis a que tenha sido legalmente reconhecida personalidade jurídica e, bem assim, a adjudicação dos bens imóveis aos sócios, na liquidação dessas sociedades»,
A posição assumida pela AT em informação vinculativa (versando sobre situação análoga), prestada à mesma entidade gestora, consta do Parecer nº 52/2013, de 31/10, emitido pelo Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEFA), com base no qual foi prestada.
Do referido Parecer retira-se a propósito da qualificação do ato de entrada em espécie com entrega de imóveis, que o mesmo não consubstancia uma transmissão, atendendo a que, «Os fundos de investimento são patrimónios autónomos despersonalizados sendo a titularidade jurídica dos bens encabeçada, em última instância pelos próprios participantes»
Nos pontos 21 e 22 daquele Parecer, relativos à conclusão, pode ler-se:
«21. A liquidação em espécie do ato de subscrição de unidades de participação de um fundo de investimento imobiliário, mediante a entrega de bens imóveis do participante, não é, em nosso entender, qualificável como uma transmissão a título oneroso do direito de propriedade a que se refere o n.º 1 do artigo 2º do Código do IMT, não sendo igualmente subsumível em nenhuma das assimilações legais a esse conceito, maxime na prevista na alínea e) do n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT.
22. Nestes termos, considera-se, em conformidade com o entendimento que vem defendido pela entidade requerente da informação vinculativa, que a situação factual descrita não preenche os pressupostos de incidência objectiva de IMT. Face ao exposto, forçoso será concluir que a entrega de bens imóveis como entradas em espécie no capital de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular não configura uma operação sujeita a IMT.»
Pese embora aquele Parecer tenha sido emitido em 2013, e a lei do orçamento para esse ano, tenha alterado a redação da al. e), do nº 5, passando a contemplar a adjudicação de imóveis aos participantes, enquanto reembolso em espécie das unidades de participação (aquando da liquidação daquele tipo de fundo), a conclusão a que se chega é forçosamente a mesma. porquanto em 2011, momento das entregas em espécie, aquela norma não fazia qualquer alusão a Fundos de Investimento Imobiliário.
Do exposto, à data da liquidação do IMT refletido nos documentos de cobrança, a entrega de bens imóveis como entrada em espécie para a constituição de Fundo de Investimento Imobiliário, não consubstanciava um facto tributário, motivo pelo qual ao terem sido emitidas liquidações de IMT, no pressuposto de que aquela factualidade traduzia a transmissão onerosa daqueles imóveis, dos participantes para o Fundo, se verificou uma errónea subsunção da factualidade à norma de incidência.
Da leitura das declarações de liquidação Mod. 1 de IMT, constata-se que aquela factualidade foi inscrita como reportando-se ao facto (tributário) 1 - Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis, quando na realidade se tratava de facto não sujeito.
Cumpre agora determinar da possibilidade de efetuar a revisão oficiosa do ato de liquidação, ao abrigo do disposto no nº 1, do art.º 78º, limitando-se essa aferição ao nº 1 e não às demais possibilidades de revisão contidas naquele artigo, uma vez que não se trata de uma situação de duplicação de coleta, nem relativa a matéria tributável, tendo em conta que o que é sindicado, não é o valor que serviu de base à liquidação de IMT, mas sim a própria existência ou propriedade da liquidação de imposto.
A revisão dos atos tributários é permitida em prazos e com fundamentos diversos, consoante a iniciativa seja do sujeito passivo ou da administração tributária cf. artigo 42º do Código de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e artigo 78º da Lei Geral Tributária (LCT).
Nos termos do nº 1 do artigo 78.º a revisão do ato tributário pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa, com base em qualquer ilegalidade, ou por iniciativa da Administração Tributária, com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de "... 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago", considerando-se erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação.
De acordo com o preceituado nos artigos 70º, nº 1 e 102º nº 1, al. a), ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), é de 120 dias, contados do termo do prazo para pagamento voluntário, o prazo para deduzir reclamação (administrativa) graciosa, pelo que se verifica que o presente pedido não tem cabimento no disposto na 1ª parte do nº 1, do artº 78º da Lei Geral Tributária (LCT), porquanto à data da formulação do pedido, havia há muito decorrido aquele prazo.
Com referência à possibilidade de revisão nos moldes constantes da parte final do nº 1, aquela pressupõe a existência de um erro imputável aos serviços, isto é, que não decorra de informação prestada pelo contribuinte.
Da análise das declarações relativas aos documentos referidos na petição, verifica-se que das sete declarações:
-
Cinco declarações foram submetidas em 2011-05-01 e duas (uma das quais pelo SF de Lisboa …) no dia 2 de maio.
-
A menção "permuta de bem imóvel por unidades de participação no Fundo de Investimento Especial Imobiliário Fechado em Reabilitação Urbana B…", aposta no campo destinado a observações, consta de todas as declarações.
-
Apenas uma (a correspondente ao DUC …) foi emitida (a pedido e de acordo com os elementos e informação facultados pelo contribuinte) por um serviço de finanças, tendo as demais sido preenchidas e submetidas por diferentes contribuintes.
Atenta a factualidade analisada, não se tratando de uma situação de autoliquidação de imposto, o erro subjacente à liquidação indevida de imposto, decorrente de declarações preenchidas e submetidas pelos contribuintes, não pode ser considerado como imputável aos serviços.
Relativamente àquelas liquidações, não se tratando igualmente de liquidações oficiosas, ou de liquidações adicionais (de impulso e responsabilidade da AT), nem tão pouco de uma situação de desconformidade entre a informação prestada pelo contribuinte em atendimento presencial e os factos espelhados na liquidação, as vicissitudes e erros de que padeçam não são da responsabilidade dos serviços, mas sim dos contribuintes em nome dos quais são preenchidas e submetidas as declarações e solicitadas as liquidações.
No atinente à declaração com o nº de registo …, cuja liquidação foi efetuada pelo serviço de finanças de Lisboa …, também se afasta a existência de erro imputável aos serviços, porquanto aquela liquidação se fez a pedido, e mediante informação facultada pelo contribuinte.
A este propósito colaciona-se o disposto no acórdão do STA, proferido em 2013-01-09, no processo nº 01077/12, (mas aí, apreciando o eventual direito a juros indemnizatórios):
«A liquidação de IMT foi efectuada por iniciativa da Requerente, com base na declaração por ela apresentada para o efeito (cfr. arts. 19º nº 1 e 21º, nº 1 do Código do IMT) e a Requerente só pagou o montante liquidado porque quis. Se, ulteriormente, seja porque não se verificou o facto tributário, seja porque o imposto, afinal, não fosse devido, a liquidação foi anulada, o certo é que não poderá afirmar-se que tenha havido erro imputável aos serviços da AT. O erro terá sido, isso sim, da própria Requerente, que apresentou a declaração com base na qual a AT procedeu à liquidação do imposto.
Contrariamente ao que parece supor a Recorrente, quando alguém se apresenta nos serviços da AT a solicitar a liquidação de IMT em ordem à celebração de um negócio, a Administração não fica obrigada a uma exaustiva análise das circunstâncias factuais e das regras jurídicas a fim de averiguar se o imposto é ou não devido, bastando-se com um juízo de primeira aparência.»”
-
Consta da fundamentação da decisão de rejeição liminar, do pedido de revisão oficiosa apresentado em 09 de Dezembro de 2014 (operação imobiliária do nº 2 e 5 da matéria provada), o seguinte:
“Na génese do pedido de revisão está a convicção (alicerçada em informação vinculativa prestada sobre situação análoga), de que a entrega de imóveis pelos participantes, enquanto entrada em espécie para constituição de fundo de investimento imobiliário, não consubstancia um facto tributário, e como tal não se encontra sujeita a imposto.
Nos termos do estabelecido nos artigos. 1º e 2º do Código do IMT (CIMT), relativos à incidência, o imposto incide sobre a transmissão onerosa de imóveis, elencando-se nos diferentes números e alíneas do art. 2º, situações subsumíveis para o efeito, ao conceito de transmissão.
Urge, pois, determinar se a realização das entradas nos moldes efetuados, consubstancia ou não uma transmissão, e caso se revele afirmativa a resposta, se a mesma tem previsão legal.
De acordo com o preceituado na alínea e) do nº 5, do artº 2º do CIMT, na redação vigente em 2011-05-02 (data de realização das entradas), e que em seguida se transcreve para uma melhor perceção, são sujeitas «As entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial ou das sociedades civis a que tenha sido legalmente reconhecida personalidade jurídica e, bem assim, a adjudicação dos bens imóveis aos sócios, na liquidação dessas sociedades»,
A posição assumida pela AT em informação vinculativa (versando sobre situação análoga), prestada à mesma entidade gestora, consta do Parecer nº 52/2013, de 31/10, emitido pelo Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEFA), com base no qual foi prestada.
Do referido Parecer retira-se a propósito da qualificação do ato de entrada em espécie com entrega de imóveis, que o mesmo não consubstancia uma transmissão, atendendo a que, «Os fundos de investimento são patrimónios autónomos despersonalizados sendo a titularidade jurídica dos bens encabeçada, em última instância pelos próprios participantes.»
Nos pontos 21 e 22 daquele Parecer, relativos à conclusão, pode ler-se:
«21. A liquidação em espécie do ato de subscrição de unidades de participação de um fundo de investimento imobiliário, mediante a entrega de bens imóveis do participante, não é, em nosso entender, qualificável como uma transmissão a título oneroso do direito de propriedade a que se refere o nº 1 do artigo 2º do Código do IMT, não sendo igualmente subsumível em nenhuma das assimilações legais a esse conceito, maxime na prevista na alínea e) do nº 5 do artigo do Código do IMT.
22. Nestes termos, considera-se, em conformidade com o entendimento que vem defendido pela entidade requerente da informação vinculativa, que a situação factual descrita não preenche os pressupostos de incidência objectiva de IMT. Face ao exposto, forçoso será concluir que a entrega de bens imóveis como entradas em espécie no capital de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular não configura uma operação sujeita a IMT.»
Pese embora aquele Parecer tenha sido emitido em 2013, e a lei do orçamento para esse ano, tenha alterado a redação da al. e), do nº 5, passando a contemplar a adjudicação de imóveis aos participantes, enquanto reembolso em espécie das unidades de participação (aquando da liquidação daquele tipo de fundo), a conclusão a que se chega é forçosamente a mesma, porquanto em 2011, momento das entregas em espécie, aquela norma não fazia qualquer alusão a Fundos de Investimento Imobiliário.
Do exposto, à data da liquidação do IMT refletido nos documentos de cobrança, a entrega de bens imóveis como entrada em espécie para a constituição de Fundo de Investimento Imobiliário, não consubstanciava um facto tributário, motivo pelo qual ao terem sido emitidas liquidações de IMT, no pressuposto de que aquela factualidade traduzia a transmissão onerosa daqueles imóveis, dos participantes para o Fundo, se verificou uma errónea subsunção da factualidade à norma de incidência.
Da leitura das declarações de liquidação Mod. 1 de IMT, constata-se que aquela factualidade foi inscrita como reportando-se ao facto (tributário) 1- Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis, quando na realidade se tratava de facto não sujeito.
Cumpre agora determinar da possibilidade de efetuar a revisão oficiosa do ato de liquidação, ao abrigo do disposto no nº 1, do artº 78º, limitando-se essa aferição ao nº 1, e não às demais possibilidades de revisão contidas naquele artigo, uma vez que não se trata de uma situação de duplicação de coleta, nem relativa a matéria tributável, tendo em conta que o que é sindicado, não é o valor que serviu de base à liquidação de IMT, mas sim a própria existência ou propriedade da liquidação de imposto.
A revisão dos atos tributários é permitida em prazos e com fundamentos diversos consoante a iniciativa seja do sujeito passivo ou da administração tributária - cf. artigo 42º - 2º do CIMT e artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT).
Nos termos do nº 1 do artigo 78º a revisão do ato tributário pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa, com base em qualquer ilegalidade, ou por iniciativa da Administração Tributária, com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de “... 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago", considerando-se erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação.
Com referência à possibilidade de revisão nos moldes constantes da parte final do n.º 1, aquela pressupõe a existência de um erro imputável aos serviços, isto é, que não decorra de informação prestada pelo contribuinte.
Da análise das declarações relativas aos documentos referidos na petição, verifica-se que aquelas declarações:
Foram submetidas pelo mesmo contribuinte em 2012-03-16.
A menção "permuta de bem imóvel por unidades de participação no Fundo de Investimento Especial Imobiliário Fechado em Reabilitação Urbana B…", aposta no campo destinado a observações, consta de todas as declarações.
De acordo com o preceituado nos artigos 70º, nº 1 e 102º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), é de 120 dias, contados do termo do prazo para pagamento voluntário, o prazo para deduzir reclamação (administrativa) graciosa, pelo que se verifica que o presente pedido não tem cabimento no disposto na 1 a parte do nº 1, do art.º 78º da Lei Geral Tributária (LGT), porquanto à data do pedido, havia há muito decorrido aquele prazo, durante o qual poderia arguir qualquer ilegalidade da liquidação.
Da análise da factualidade subjacente constata-se que as liquidações controvertidas, de iniciativa do contribuinte, decorreram da submissão da declaração Mod. 1 de IMT, por meios eletrónicos não tendo havido qualquer intervenção dos serviços.
Nestes termos, não se tratando de uma situação de autoliquidação de imposto, o erro subjacente à liquidação indevida de imposto, decorrente de declarações preenchidas e submetidas pelos contribuintes, não pode ser considerado imputável aos serviços, uma vez que estes não tiveram qualquer intervenção naqueles procedimentos.
Relativamente àquelas liquidações não se tratando igualmente de liquidações oficiosas, ou de liquidações adicionais, de impulso e responsabilidade da AT, as vicissitudes e erros de que eventualmente padeçam não são da responsabilidade dos serviços, mas sim dos contribuintes em nome dos quais foram preenchidas e, submetidas as declarações que lhes deram origem”.
-
Em 21.04.2017 os pedidos de revisão oficiosa foram liminarmente indeferidos por despachos da Directora de Serviços de IMT.
-
Em 06 de Julho de 2017 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.
§2.º. Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
§3.º. Fundamentação
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na posição assumida pelas partes e na prova documental junta, incluindo o PA.
III.2- Matéria de Direito
A primeira questão que o tribunal deve conhecer consiste em determinar se subsiste no caso em apreço erro imputável aos serviços, uma vez que daqui decorre a determinação do prazo de impugnação.
Para tanto é necessário identificar, desde logo, a norma aplicável, isto é, o art. 78.º da LGT, o qual dispõe o seguinte:
«1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2. Revogado
3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».
O instituto da revisão constitui uma concretização do dever de revogar actos ilegais e, como tal, a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) deve proceder dessa forma nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se corporizem na arrecadação de tributos em valor superior ao legalmente previsto. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que enformam a actividade da AT impõem essa correcção oficiosa.
Assim, se por um lado é admissível a revisão do acto por iniciativa do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a AT, por impulso do contribuinte, também pode promover a denominada «revisão oficiosa».
Neste sentido afirma a jurisprudência[1] que: «Decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação “por iniciativa de administração tributária”».
O pedido de revisão também tem de se alicerçar em «erro imputável aos serviços» e ser apresentado no prazo de quatro anos. Ora, esse erro engloba o lapso, o erro material ou de facto, como também o erro de direito.
Em abono da última conclusão refere igualmente a jurisprudência[2] que: «…tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266.º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei,…».
A «revisão oficiosa» exige que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i) o pedido seja formulado no prazo de quatro anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago; ii) tenha origem em «erro imputável aos serviços» e iii) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.
Assim, ultrapassado o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, o art. 78.º, números 1, 3 e 4 da LGT estabelece como requisito essencial da «revisão oficiosa» que o erro seja imputável aos serviços.
O «erro imputável aos serviços» admite a patologia de facto e de direito, contudo a ilegalidade não pode ser imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à AT.
É esta a posição do Supremo Tribunal Administrativo quando afirma que: «… qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro,…» [3]. E, no mesmo sentido: «…é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte»[4].
Revertendo essa interpretação para o caso concreto verifica-se que as liquidações de IMT objecto dos autos foram praticadas a partir da entrega das declarações modelo 1. Ou, dito de outro modo, com base na própria declaração do contribuinte.
Razão pela qual, não se preenche o requisito essencial à revisão, que o erro seja imputável aos serviços.
A doutrina[5] para além de concordar com a posição jurisprudencial supra referida ensina que também existirá erro imputável aos serviços, quando apesar da liquidação ter sido efectuada com base na declaração do contribuinte, este tenha adoptado uma orientação genérica da AT devidamente publicada, por cumprimento defeituoso do dever de colaboração por parte da AT.
Acontece que, não é manifestamente o que se verifica na presente hipótese, na medida em que, as declarações modelo 1 de IMT não foram apresentadas com suporte em qualquer informação genérica, matéria que nem se encontra alegada.
Como resulta da matéria de facto dada como provada, o Requerente apresentou em 05.12.2014 e 09.12.2014 pedidos de revisão oficiosa das liquidações de IMT relativas aos anos de 2011 e 2014, respectivamente.
Assim sendo assiste razão à Entidade Requerida quando defende a intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa, na medida em que a possibilidade de revisão no prazo e moldes do artigo 78.º, n.º 1, da LGT pressupõem a existência de erro imputável aos serviços, o que não se verifica no caso dos autos.
Consequentemente, também já se encontrava esgotado, em 06.07.2017, data da apresentação do presente pedido, o prazo para recurso à via arbitral em relação às liquidações em causa, gerando a excepção peremptória da extemporaneidade e a consequente absolvição do pedido, nos termos do art. 576.º do CPC aplicável ex vi art. 29.º do RJAT.
Termos em que ficam prejudicadas as questões do direito ao reembolso e da condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
IV- DECISÃO
Termos em que se acorda no presente Tribunal Arbitral:
-
Julgar procedente a excepção de extemporaneidade do pedido arbitral relativo aos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis ("IMT") subjacentes aos mesmos com os nºs…, …, …, …, …, …, …, referentes ao ano de 2011, e dos actos tributários de liquidação de IMT nºs…, … e …, referentes ao ano de 2012, no montante global de € 121.648,67, absolvendo-se a Requerida do pedido;
-
Condenar o Requerente no pagamento das custas.
V- VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 121 648,67, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. CUSTAS
Custas a suportar integralmente pelo Requerente, no montante de € 3060, conforme artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2018
Tribunal Arbitral Colectivo,
______________________________________
Fernanda Maçãs - Presidente
_______________________________________
Augusto Vieira – Vogal, vencido conforme declaração em anexo
_______________________________________
Francisco Nicolau Domingos - Vogal
Declaração de voto
Votei vencido na decisão adoptada pelas razões que sumariamente passo a expor.
Refira-se, previamente, que a disciplina do acórdão do STA, proferido em 2013-01-09, no processo nº 01077/12, citado na fundamentação de uma das decisões aqui impugnadas (ponto 8 da matéria de facto), não terá aqui aplicação, porquanto os factos que lhe servem de fundamento ocorreram em 2004, ano em que não estava ainda em vigor a actual lei, na redacção do nº 1 do artigo 19º do CIMT dada pelo artigo 97.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro. Ou seja, não existia o mecanismo de apresentação da declaração Modelo 1 do IMT por meios electrónicos, com emissão automática do DUC de pagamento, em tudo semelhante ao que ocorre em sede de IRC e de IVA. No caso aqui em discussão, trata-se de liquidações e pagamentos de IMT ocorridos em 2011 e em 2012, já na vigência da nova lei.
Afigura-se-nos que se deveria apurar, em primeiro lugar, que tipo de liquidação ou liquidações estamos aqui a tratar, matéria, aliás, que é abordada pela AT na fundamentação das decisões aqui impugnadas (pontos 8 e 9 da matéria dada como provada), considerando a AT que aqui não se trata de autoliquidações nem de liquidações oficiosas (de impulso e responsabilidade da AT), qualificação que não acolhemos, como a seguir vamos verificar.
Este percurso de raciocínio, terá sido o que o Venerando STA teve subjacente na prolacção do acórdão citado nesta decisão arbitral (ainda que implicitamente) - acórdão do STA – 2ª secção de 19-11-2014, processo 0886/14 em www.dgsi.pt – pois aí se refere, na matéria de facto provada, que se tratava de uma “liquidação adicional de IRC” levada a efeito pela AT, certamente resultante da prévia apresentação pelo sujeito passivo, da declaração de Modelo 22 do IRC e sequente autoliquidação de IRC, de forma que a AT entendeu ser insuficiente, daí a liquidação adicional.
Para a qualificação das liquidações de IMT aqui impugnadas, haverá que recorrer ao que consta textualmente na sua fundamentação, matéria de facto que aqui deve relevar.
A este propósito refere-se:
-
“Cinco declarações foram submetidas em 2011-05-01 e duas (uma das quais peto SF de Lisboa …) no dia 2 de maio.
-
A menção "permuta de bem imóvel por unidades de participação no Fundo de Investimento Especial Imobiliário Fechado em Reabilitação Urbana B…", aposta no campo destinado a observações, consta de todas as declarações.
-
Apenas uma (a correspondente ao DUC …) foi emitida (a pedido e de acordo com os elementos e informação facultados pelo contribuinte) por um serviço de finanças, tendo as demais sido preenchidas e submetidas por diferentes contribuintes”.
...
“No atinente à declaração com o nº de registo …, cuja liquidação foi efetuada pelo serviço de finanças de Lisboa …, também se afasta a existência de erro imputável aos serviços, porquanto aquela liquidação se fez a pedido, e mediante informação facultada pelo contribuinte”.
...
“Da análise da factualidade subjacente constata-se que as liquidações controvertidas, de iniciativa do contribuinte, decorreram da submissão da declaração Mod. 1 de IMT, por meios eletrónicos não tendo havido qualquer intervenção dos serviços”.
Com relevância para a qualificação do tipo de liquidações de IMT aqui em causa, referem:
-
o nº 1 do artigo 21º do CIMT: “O IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente, considerando-se, para todos os efeitos legais, o acto tributário praticado no serviço de finanças competente” e
-
a alínea a) do nº 2 do artigo 21º do CIMT que “quando a liquidação for efectuada com base na declaração do sujeito passivo, considera-se competente para a liquidação do IMT, o serviço de finanças onde é apresentada a declaração”.
Ao ler-se as instruções de preenchimento do Modelo 1 do IMT aí se refere textualmente: “declaração para liquidação oficiosa”.
Será assim de concluir, face à lei e ao que consta nas instruções de preenchimento do Modelo 1 do IMT, que a liquidação de IMT de 02.05.2011, que correspondente ao DUC …, é
-
uma liquidação oficiosa;
-
um acto tributário praticado no SF de Lisboa-…
-
praticado pelo serviço de finanças competente (o SF de Lisboa-…).
Por outro lado, v.g. no acórdão do TCASUL de 06.04.2017,processo 817/11, em www.dgsi.pt, refere-se: “A doutrina e a jurisprudência referem-se à autoliquidação para aludir ao acto cuja iniciativa pertence ao contribuinte, por disposição legal, consubstanciando-se na apresentação de uma declaração, o que pressupõe as necessárias operações de qualificação (identificação do “an debeatur”) e quantificação (aferição do “quantum debeatur”) necessárias para avaliar o montante de imposto a pagar ou a restituir, normalmente acompanhada do respectivo meio de pagamento (cfr.artº.89, al. a), do C.I.R.C.; artº.22, nº.2, do C.I.V.A.)”.
Ora, no caso, como todas as liquidações aqui em causa resultaram da apresentação, pelo contribuinte (ou pelo Notário em seu nome), do Modelo 1 do IMT, por meios electrónicos, salvo a de 02 de Maio de 2011 de onde resultou o DUC … que foi apresentada em suporte de papel presencialmente, teremos que concluir que se trata de “autoliquidações”.
A AT refere que nestas liquidações não teve qualquer intervenção, ou seja, o contribuinte (ou o Notário por ele) entregou a declaração de Modelo 1 do IMT por meios electrónicos, foi gerado um DUC de pagamento automaticamente e com base neste documento, procedeu-se ao pagamento do IMT.
Terá ocorrido algo semelhante o que ocorreu nas autoliquidações de IRC e nas autoliquidações de IVA a que se alude no acórdão do TCA Sul acima citado, que nos faculta uma definição de “autoliquidação” de tributos.
Só nos casos em que existem dívidas fiscais dos alienantes de bens imóveis sujeitos a IMT, não será permitida a “autoliquidação” imediata do IMT, uma vez que os adquirentes são previamente avisados da existência dessas dívidas, antes da emissão do DUC, podendo, mesmo assim, o adquirente optar pelo pagamento do IMT.
Aqui chegados, a norma aplicável às liquidações em causa neste processo, parece-nos que será a contida no nº 2 do artigo 78º da LGT, quanto às aludidas “autoliquidações” e o nº 1 do artigo 78º da LGT, quanto à liquidação que resultou da apresentação do Modelo 1 do IMT, em 02 de Maio de 2011 de onde resultou o DUC… .
Na parte das liquidações de IMT impugnadas que consideramos tratar-se de verdadeiras “autoliquidações”, o nº 2 do artigo 78º da LGT considera imputável aos serviços o erro na autoliquidação.
O que está em causa neste processo, são pedidos de revisão oficiosa deduzidos em 05 de Dezembro de 2014 e em 09 de Dezembro de 2014, datas em que estava em vigor o nº 2 do artigo 78º da LGT, que apenas foi revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de Março.
Esta norma não se configura ser de natureza adjectiva. Não se dispondo que a revogação, em Março de 2016, do nº 2 do artigo 78º da LGT, se aplica aos procedimentos de revisão pendentes, uma vez que vigora no direito português a teoria do facto passado, que o nosso Código Civil acolhe no artigo 12.º (“tempus regit factum”) a lei aqui aplicável será a vigente ao tempo em que o facto (e os seus efeitos) se produziram, ou seja, o nº 2 do artigo 78º da LGT em vigor em 2014, data de dedução dos pedidos de revisão oficiosa.
Com a fundamentação sumária exposta, entendemos que o pedido de pronúncia arbitral deveria proceder parcialmente (quanto às liquidações que consideramos corresponderem a verdadeiras autoliquidações) aplicando-se o regime do nº 2 do artigo 78º da LGT, em vigor em 2014.
Cremos ainda que, a decisão adoptada, por estar, ainda que implicitamente, em dissonância com o conceito de “autoliquidação” que está expresso v.g. no acórdão do TCA SUL acima indicado, pode permitir a interposição do recurso previsto no nº 2 do artigo 25º do RJAT.
__________________________
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, relatado pela Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0771/08, de 21/01/2009, relatado pelo Conselheiro LÚCIO BARBOSA.
[5] PAULO MARQUES, A revisão do acto tributário. Do mea culpa à reposição da legalidade., 2.ª edição, Cadernos do IDEFF, n.º 19, Almedina, 2017, p. 219.