Acórdão Arbitral
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Guilherme d’Oliveira Martins e Miguel Patrício (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 08 de novembro de 2013, acordam no seguinte:
I - RELATÓRIO
1. No dia 11 de setembro de 2013 o A…, com sede na …, contribuinte fiscal n.º … representado e gerido por B…, pessoa coletiva n.º …, com sede na …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n.º …, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11.09.2013.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.
4. Em 24.10.2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 08.11.2013.
6. No dia 30.01.2014 teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada ata da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.
7. Iniciada a reunião, a Senhora Árbitro-Presidente deu a palavra à Representante da Requerida para esclarecer o pedido formulado na respetiva Resposta. No uso da palavra, a Representante da Requerida esclareceu que onde se lê “absolvição da instância” se deve ler “absolvição do pedido”, tendo o Tribunal determinado a retificação do erro material da Resposta, sendo o pedido da Requerida considerado como de abolvição do pedido.
8. De seguida, o Ilustre Mandatário do requerente e o Ilustre Representante da Requerida prescindiram das alegações orais.
9. No presente processo arbitral, pretende o requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade:
(i) Das liquidações de juros compensatórios notificadas pelos Ofícios do Serviço de Finanças do … n.ºs …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2014, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013 e …, de 26.07.2013.
(ii) Do ato de liquidação notificado pelo Ofício n.º …, de 26.07.2013 na parte em que faz incidir IMT sobre o prédio urbano com o artigo matricial …, no valor de € 1.507,35, por duplicação de coleta.
I.A. O requerente sustenta o seu primeiro pedido, em síntese, nos seguintes termos:
1. O Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado de Subscrição Particular, representado e gerido pela sociedade B…, autorizado por deliberação do Conselho Diretivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários em …2008, que iniciou a sua atividade em ...2008 com o CAE n.º 66 300.
2. De acordo com o preceituado no Decreto-Lei n.º 13/2005, de 7 de Janeiro, que alterou e republicou o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (doravante “Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário” ou “RJFII”), o requerente é de caraterizar como um Fundo de Investimento Imobiliário (“FII”) fechado de subscrição particular (cfr. artigos 3.º e 42.º do RJFII).
3. O requerente tem, na sua composição, 19 participantes, coexistindo participantes qualificados e não qualificados (cfr. artigos 317.º e 317.º-A do Código dos Valores Mobiliários – “CVM”).
4. Tendo iniciado a sua atividade em 29.09.2008, o requerente adquiriu, em 30.12.2009, à sociedade C…., os imóveis (terrenos para construção) constantes da escritura de compra e venda junta como documento n.º 1 com a petição inicial.
5. Na aquisição em causa não foi liquidado IMT, tendo o requerente beneficiado da isenção total deste imposto, ao abrigo do então artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), reconhecida pelo cartório notarial onde foi celebrada a escritura, por ser aquele (o cartório notarial) a entidade que, à data dos factos, dispunha de competência para o reconhecimento do benefício fiscal em causa.
6. Através da Ordem de Serviço n.º …, teve início procedimento de inspeção tributária interna, de âmbito parcial, ao exercício de 2009.
7. Este procedimento de inspeção teve como motivação as “alterações, ao abrigo da Lei n.º 53-A/2006 de 20/12 (OE para 2007), introduzidas no artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que alterou, o regime de isenção para 50%, relativamente às taxas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) de que beneficiam os imóveis integrados em Fundos de Investimento Imobiliário (FII) Mistos ou Fechados de Subscrição Particular. Decorre igualmente das alterações introduzidas no artigo 49.º do EBF, pelo art. 109.º da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de Abril (OE para 2010), que revogando o n.º 2 do artigo 49º EBF, passou a limitar, em sede dos FII, a isenção (de IMI e de IMT) aos FII abertos”, fundando-se ainda na “alteração preconizada pela Lei n.º 55-A/2010 (OE 2011), em sede dos FII, a qual alargou o âmbito da isenção, supra referida, ínsita no n.º 1 do artigo 49.º do EBF, aos FII fechados de Subscrição Pública. Igualmente por se haver verificado, em sede de análise interna, que o SP, de acordo com o cadastro do seu património, continua, no(s) exercício(s) em análise, a beneficiar no âmbito do IMI de isenção(ões) completa(s) (entenda-se a 100%) relativamente à totalidade ou parte deste e/ou que beneficiou de isenção, em sede de IMT, relativamente a alguma(s) (das) aquisição(ões) efetuada(s)” (cfr. Relatório Final de Inspeção, Tributária, junto como documento 2 com a petição inicial).
8. Conforme decorre do Relatório Final da Inspeção Tributária, os SIT consideraram que o requerente não poderia ter beneficiado da isenção de 100% de IMT prevista no normativo do n.º 1 do artigo 46.º do EBF (com a redação então em vigor) em 2009, por não preencher os pressupostos de aplicação de tal preceito, devendo antes ter beneficiado de uma isenção parcial de IMT, na ordem dos 50%, conforme o disposto no n.º 2 daquele artigo 46.º do EBF.
9. Vem a posição dos SIT sustentada na circunstância de as alterações legislativas introduzidas ao preceito em causa terem passado a determinar que os FII fechados de subscrição particular compostos por investidores qualificados e não qualificados, não poderiam mais beneficiar da isenção de IMT a 100%, passando a beneficiar de uma isenção parcial de 50%.
10. Na sequência do Relatório Final da Inspeção Tributária, veio o requerente a ser notificado de 38 liquidações de IMT e juros compensatórios (cf. documento 3 junto com a petição inicial).
11. O requerente procedeu ao pagamento das 38 liquidações de IMT acima referidas (excetuando a parte dos juros compensatórios e a liquidação de IMT no valor de € 1.507,35 correspondente ao prédio …), no valor total de € 1.015.109,48.
12. Contudo, o requerente não se conforma com as liquidações de juros compensatórios no valor total de € 122.377,80, correspondente à soma das parcelas de juros compensatórios de cada uma das 38 liquidações que parcialmente impugna por, no seu entender, não estarem preenchidos os pressupostos legais para que os mesmos possam ser liquidados, razão pela qual entende que as mencionadas liquidações estão feridas de ilegalidade na parte relativa aos juros.
13. Para sustentar a sua tese, alega que são pressupostos da liquidação de juros compensatórios aos contribuintes: (a) a existência de um facto ilícito (consubstanciado no retardamento da liquidação ou entrega de imposto devido ou no recebimento de reembolso superior ao devido); (b) a culpa; (c) o dano; e (d) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
14. Alega ainda que a culpa do sujeito passivo existe quando o retardamento da liquidação ou da entrega de imposto fique a dever-se a um facto suscetível de ser imputado, a título de dolo ou de negligência, ao mesmo sujeito passivo, o que não se verifica no caso concreto.
15. A evolução legislativa com relevo para o caso em apreço traduz-se nuna primeira limitação da isenção de IMI e de IMT para os FII fechados (que deixaram de beneficiar da isenção a 100%, independentemente da composição do FII, passando os FII fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles a beneficiar de uma isenção de apenas 50%), operada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, e uma posterior eliminação da isenção de IMI e de IMT de 50% para todos os FII fechados.
16. Invoca que as alterações legislativas, maxime a alteração operada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, criaram situações de enorme incerteza e dificuldades de aplicação do benefício fiscal em causa e que, por esse motivo, o requerente não podia razoavelmente saber que lhe era aplicável o n.º 2 do artigo 46.º do EBF e, por conseguinte, a isenção meramente parcial (de 50%) de IMT, e não o n.º 1 do mesmo preceito, que estipulava uma isenção de 100% do mesmo tributo.
17. Em concreto, a dúvida residia em saber se o n.º 2 do artigo 46.º do EBF, na redação posterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29.12 era aplicável apenas a FII fechados de subscrição particular em que todos os investidores fossem de considerar investidores não qualificados, permanecendo, pois, os FII fechados de subscrição particular compostos por investidores qualificados e não qualificados, como o requerente, a beneficiar da isenção de 100% prevista no n.º 1 do artigo 46.º do EBF, ou, se por outro lado, os FII que, como o requerente, fossem compostos por investidores qualificados e não qualificados seriam também de enquadrar no n.º 2 do artigo 46.º do EBF.
18. Nota que a qualificação se afigurava muito duvidosa para o requerente e que foi geradora de inúmeras dúvidas nos anos subsequentes à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, invocando o Parecer do Centro de Estudos Fiscais elaborado no âmbito do Pedido de Informação Vinculativa n.º 2010004215 IVE 547, com Despacho concordante do substituto legal do Diretor-Geral datado de 02.06.2010, de onde consta que “[a] redação desta norma suscita a dúvida quanto ao regime aplicável aos imóveis integrados em fundos mistos ou fechados de subscrição particular em que coexistam investidores qualificados e não qualificados.”
19. Assim, defende que o requerente beneficiou da isenção total de IMT nas várias aquisições em causa, não por qualquer intenção de aproveitamento de um benefício fiscal de que não era titular mas por, razoavelmente, crer que dele era beneficiário, salientando que não existiu qualquer omissão reprovável de um dever de diligência, tendo em conta a mais do que dúbia interpretação da lei.
20. Assim, inexistindo o pressuposto da culpa do requerente no retardamento das liquidações de IMT, alega que não são devidos juros compensatórios.
21. Invoca ainda a decisão proferida no âmbito do processo n.º 5/2013-T, submetido à apreciação de Tribunal Arbitral no âmbito deste CAAD, em que, analisando um caso idêntico ao presente, o Tribunal considerou não existir culpa da Impugnante por ser plausível a interpretação feita pelo mesmo da lei fiscal.
22. Quanto à duplicação de liquidações, invoca que os atos de liquidação notificados através dos Ofícios n.º … e n.º …, ambos datados de 26.07.2013, do Serviço de Finanças do … estão feridos de ilegalidade por duplicação do imposto sobre o mesmo facto tributário uma vez que respeitam ambos ao prédio urbano com o artigo matricial ….
23. Assim, conclui que o ato de liquidação notificado através do Ofício n.º …, de 26.07.2013, deve ser anulado por duplicação de imposto sobre o mesmo facto jurídico.
I.B Na sua Resposta, a AT invocou o seguinte:
1. O princípio de que o desconhecimento ou ignorância da lei a ninguém aproveita é um princípio geral de direito aplicável em toda a plenitude no âmbito do Direito Tributário.
2. A observância de tal princípio considera-se particularmente pertinente em Direito Tributário, já que, de outro modo, seria impossível assegurar o ingresso regular nos cofres do Estado das receitas a que tem direito.
3. Seria, aliás, impossível averiguar caso a caso, perante toda e qualquer omissão de deveres declarativos do contribuinte, se o erro do contribuinte na interpretação e aplicação da lei é ou não desculpável.
4. O erro na interpretação e aplicação da lei não pode, assim, ser invocado como causa excludente do direito a juros compensatórios.
5. Em caso de dúvida sobre o sentido e alcance da lei, o contribuinte dispõe de meios para esclarecer a sua situação tributária perante a AT, nomeadamente através do pedido de informação vinculativa que, no presente caso, não foi utilizado.
6.Por outro lado, o artigo 46.º, n.º 2, do EBF, ao referir-se à isenção do número anterior não ser aplicável a fundos detidos por investidores não qualificados é uma norma legal cuja interpretação não suscita quaisquer dificuldades.
7. Assim, não é de presumir que o legislador tivesse permitido aos fundos de investimento imobiliário afastar a aplicação do n.º 1 transferindo uma percentagem, ainda que ínfima, das unidades de participação para fundos de investimento imobiliário qualificados.
8. A liquidação do IMT é efetuada com base no método declarativo, através dos elementos comunicados pelo sujeito passivo à AT através da declaração modelo 1 de IMT, na qual o sujeito passivo deve evidenciar os benefícios fiscais a que tenha direito.
9. Assim, não cabe ao notário a fiscalização dos pressupostos dos benefícios fiscais mencionados na declaração modelo 1.
10. Nessa medida, o facto de o notário ter celebrado a escritura de transmissão sem ter exigido previamente a liquidação de IMT não implica a transferência do sujeito passivo para o notário da responsabilidade pelo retardamento da liquidação para efeitos de exclusão do direito do Estado a juros compensatórios.
11. Quanto à duplicação de liquidações, a AT vem reconhecê-la expressamente e sem reservas.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
3. Não há quaisquer questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
4. Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se são devidos juros compensatórios por retardamento das liquidações de IMT pelas transmissões de imóveis ocorridas nos termos da escritura pública que foi junta como documento 1 com a petição inicial.
IV. MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
1. O requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado de Subscrição Particular, representado e gerido pela sociedade B…, autorizado por deliberação do Conselho Diretivo da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários em ….2008, que iniciou a sua atividade em ….2008 com o CAE n.º 66 300.
2. De acordo com o preceituado no Decreto-Lei n.º 13/2005, de 7 de Janeiro, que alterou e republicou o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (RJFII), o requerente é de caracterizar como um Fundo de Investimento Imobiliário (“FII”) fechado de subscrição particular (cfr. artigos 3.º e 42.º do RJFII).
3. O requerente tem, na sua composição, 19 participantes, coexistindo participantes qualificados e não qualificados (cfr. artigos 317.º e 317.º-A do CVM).
4. Em 30.12.2009, o requerente adquiriu à sociedade C…, vários imóveis (terrenos para construção), melhor identificados na escritura de compra e venda que consta do presente processo como documento 1 junto com a petição inicial, cujos termos se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
5. Pelas referidas aquisições não foi liquidado IMT, tendo o requerente beneficiado da isenção total deste imposto ao abrigo do então artigo 46.º do EBF.
6. Através da Ordem de Serviço n.º …, teve início um procedimento de inspeção tributária interna, de âmbito parcial, ao exercício de 2009.
7. Este procedimento de inspeção teve como motivação as “alterações, ao abrigo da Lei n.º 53-A/2006 de 20/12 (OE para 2007, introduzidas no artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que alterou, o regime de isenção para 50%, relativamente às taxas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) de que beneficiam os imóveis integrados em Fundos de Investimento Imobiliário (FII) Mistos ou Fechados de Subscrição Particular”, bem como “as alterações introduzidas no artigo 49.º do EBF, pelo art. 109.º da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de Abril (OE para 2010), que revogando o n.º 2 do artigo 49º EBF, passou a limitar, em sede dos FII, a isenção (de IMI e de IMT) aos FII abertos” e a “alteração preconizada pela Lei n.º 55-A/2010 (OE 2011), em sede dos FII, a qual alargou o âmbito da isenção, suso referida, ínsita no n.º 1 do artigo 49.º do EBF, aos FII fechados de Subscrição Pública.” (cf. o Relatório Final de Inspeção Tributária, junto como documento 2 com a petição inicial, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
8. No exercício de 2009, o requerente, de acordo com o cadastro do seu património, continuava a beneficiar, “no âmbito do IMI de isenção(ões) completa(s) (a 100%) relativamente à totalidade ou parte deste e/ou que beneficiou de isenção, em sede de IMT, relativamente a alguma(s) (das) aquisição(ões) efetuada(s)” (cf. Relatório Final de Inspeção Tributária, junto como documento 2 com a petição inicial, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
9. No Relatório Final da Inspeção Tributária, a AT considerou que o requerente não poderia ter beneficiado da isenção de 100% de IMT prevista no normativo do n.º 1 do artigo 46.º do EBF (com a redação então em vigor em 2009), por não preencher os pressupostos de aplicação de tal preceito, devendo antes ter beneficiado de uma isenção parcial de IMT, na ordem dos 50%, conforme o disposto no n.º 2 daquele artigo 46.º do EBF.
10.Na sequência do Relatório Final da Inspeção Tributária, foram emitidas 38 liquidações de IMT e juros compensatórios, notificadas ao requerente pelos Ofícios do Serviço de Finanças do … n.ºs …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2014, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013, …, de 26.07.2013 e …, de 26.07.2013.
11.O requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMT acima referidas (excetuando a parte dos juros compensatórios e a liquidação de IMT no valor de € 1.507,35 correspondente ao prédio …), no valor total de € 1.015.109,48.
13. A interpretação do artigo 46.º do EBF na versão vigente após 01.01.2007 e, mais concretamente, a subsunção às normas constantes dos n.ºs 1 e 2 dos diversos FII fechados por subscrição particular, foi objeto de análise pelo Centro de Estudos Fiscais, tendo sido emitida informação vinculativa no processo n.º 2010004215 – IVE 547, com Despacho concordante do Substituto legal do Diretor-Geral datado de 02.06.2010.
14. No Parecer do Centro de Estudos Fiscais anexo à informação vinculativa pode ler-se que:
“A redacção desta norma suscita a dúvida quanto ao regime aplicável aos imóveis integrados em fundos mistos ou fechados de subscrição particular em que coexistam investidores qualificados e não qualificados. Parecendo-nos, no entanto, na esteira do que refere o Dr. Manuel Faustino, que deve entender-se que a mera existência de investidores não qualificados é, só por si, suficiente para afastar a aplicação das isenções previstas no n.º 1, ficando esses imóveis sujeitos a tributação em sede de IMT e de IMI por metade das taxas (cfr. Manuel Faustino, “Lei do Orçamento do Estado para 2007”, Fiscalidade, n.º 28, Outubro-Dezembro de 2006, página 88).” (cfr. ponto 19. do Parecer do Centro de Estudos Fiscais referido).
IV.2. Factos dados como não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido dados como não provados.
IV.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial e em afirmações do requerente que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
V. Aplicação do direito aos factos
São pressupostos da liquidação de juros compensatórios aos contribuintes: (a) a existência de um facto ilícito (consubstanciado no retardamento da liquidação ou entrega de imposto devido ou no recebimento de reembolso superior ao devido); (b) o nexo de causalidade adequada entre a actuação do contribuinte e o retardamento da liquidação; (c) a culpa; (d) o dano.
No caso em apreço, ocorreu um retardamento das liquidações que deveriam ter sido feitas em 2009 e só o foram em 2013.
Nos termos do disposto no artigo 19.º do Código do IMT, a liquidação de IMT é da iniciativa dos interessados. Ora, não tendo o requerente tido essa iniciativa, o retardamento da liquidação é-lhe, em princípio, imputável.
Contudo, é necessário também que à omissão ou atraso no pagamento do imposto devido se associe um juízo de censura ou de culpa do contribuinte[1]. A este propósito, afirma Jorge Lopes de Sousa que“(…) é necessário que a conduta seja censurável, a título de dolo ou negligência.”[2] Assim, importa averiguar se, no caso concreto, a conduta do requerente merece ser censurada ou não.
No presente processo importa, então, decidir se (i) as alterações legislativas verificadas na redação do então artigo 46.º do EBF (atual artigo 49.º), pela incerteza e ambiguidade que introduziram no regime jurídico-tributário dos fundos de investimento imobiliário, foram de molde a provocar dúvidas interpretativas junto dos sujeitos passivos e dos aplicadores do direito em geral que (ii) justifiquem o não cumprimento atempado das obrigações fiscais dos primeiros, (iii) em termos tais que se possa dizer que os mesmos não tiveram qualquer culpa (dolosa ou negligente) no retardamento da liquidação do imposto, pelo que (iv) esse retardamento não procedeu de facto imputável ao sujeito passivo.
O então artigo 46.º (atual artigo 49.º) do EBF, tinha a seguinte redação antes de ter sido alterado pelo artigo 82.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro:
“Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.”
O artigo 82.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro alterou a redação do artigo 46.º do EBF, que passou a prescrever o seguinte:
“1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 - Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade.”
A alínea j) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro estabelecia que: “Às alterações introduzidas pela presente lei ao Estatuto dos Benefícios Fiscais aplica-se o regime transitório seguinte: j) O disposto no n.º 2 do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais é aplicável, a partir da entrada em vigor da presente lei, aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles constituídos após 1 de Novembro de 2006 ou que realizem aumentos de capital após esta data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação eram, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles;”
Assim, para que possa ser dada razão ao requerente terá que se considerar que:
(i) as alterações legislativas introduzidas ao artigo 46.º do EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, trouxeram incerteza e ambiguidade à interpretação das normas constantes dos números 1 e 2 do então artigo 46.º do EBF;
(ii) essa incerteza e ambiguidade justificam o incumprimento de obrigações fiscais motivado por dúvidas interpretativas;
(iii) os sujeitos passivos que incumpriram com base nessas dúvidas interpretativas o fizeram sem dolo ou negligência.
Vejamos então.
Os Fundos de Investimento Imobiliário têm beneficiado, no ordenamento jurídico português, da aplicação de um regime especial de tributação em sede de diversos impostos, designadamente o IRS, o IRC, o IMT e o IMI, previsto em várias disposições do EBF, mormente nos artigos 22.º e 46.º, actualmente 49.º.
Tal regime jurídico tem, porém, passado por um processo de significativa mutação, especialmente no que respeita ao regime de tributação dos imóveis integrados em Fundos de Investimento Imobiliário Mistos ou Fechados de Subscrição Particular, em função da qualificação dos investidores.
As alterações introduzidas no artigo 46.º do EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (OE para 2007), que entrou em vigor em 01.01.2007, modificaram o regime de isenção previsto naquela disposição legal. Assim, enquanto até aí se previa uma isenção de IMI para os “prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, a partir de 01.01.2007 a referida disposição legal passou a integrar dois números, sendo que, nos termos do n.º 1 se previa que “ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com legislação nacional”, e, nos termos do n.º 2 se previa que “os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daquelas não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade”.
Assim, a partir da entrada em vigor desta alteração ao artigo 46.º do EBF, os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam da isenção de IMI e de IMT, sendo-lhes, todavia, aplicável uma redução de 50% das taxas daqueles impostos.
Em 2008, o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, republicou o EBF, renumerando o artigo 46.º para artigo 49.º. Em 2010, o n.º 2 do artigo 49.º foi revogado pelo artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que deu também nova redação no n.º 1, que passou a prever que “Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.” Mais tarde, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterou o n.º 1 do artigo 49.º, que passou a determinar que “Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.”
O regime jurídico-tributário destes fundos, em particular no que concerne aos benefícios fiscais que lhes são aplicáveis, tem, portanto, sofrido mutações diversas, as quais são passíveis de introduzir incerteza na respetiva aplicação. No caso concreto da alteração ocorrida a 01.01.2007, a questão vai, porém, além da incerteza provocada pela alteração de regimes jurídicos, podendo ser descrita como um caso de ambiguidade da norma jurídica que determina a isenção a aplicar a cada tipo de fundos. Em particular, a norma do n.º 2 do então artigo 46.º pode considerar-se ambígua quanto à respetiva aplicação a fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular em que coexistam investidores qualificados e não qualificados, na medida em que a mesma apenas se refere a “fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados”.
Perante a então nova redação do artigo 46.º do EBF era, pois, objectivamente duvidosa a questão de saber se a isenção aplicável às aquisições efetuadas por fundos de investimento como o que é Requerente no presente processo era de 100% ou de 50%, sendo legítima a interpretação do requerente[3] no sentido de que a norma constante do n.º 2 da referida disposição legal apenas integrava na sua previsão os fundos de investimento mistos ou fechados de subscrição particular unicamente por investidores não qualificados.
Face a isto, importa questionar se o requerente, ao não liquidar o IMT na totalidade nas transmissões em causa, agiu com culpa, devendo essa culpa ser censurada através do pagamento de juros compensatórios.
A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstrato, pelo padrão de esmero do bonus pater familiae, hipoteticamente colocado na situação concreta. No caso concreto, a interpretação da norma que estabelecia o benefício fiscal aplicável não se nos afigura clara, tendo essa falta de clareza sido reconhecida pela doutrina[4].
Aliás, a própria Administração Fiscal, a pedido de um contribuinte interessado, solicitou ao Centro de Estudos Fiscais parecer onde se apreciasse qual o tratamento fiscal, em sede de IMT, a conferir às aquisições de imóveis, na sequência da limitação introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2007, tendo sido emitida informação vinculativa com despacho concordante datado de 02.06.2010 do Substituto Legal do Director- Geral. Significa isto que a própria AT sentiu a necessidade de refletir mais aprofundadamente sobre o caso, o que também indicia que tinha dúvidas interpretativas sobre o enquadramento legal da questão – de resto, o próprio Parecer sublinha a ambiguidade do texto legal em causa.
Acresce, ainda, que resulta do relatório final de Inspeção Tributária que o Requerente continuava, até ao final da ação de inspeção, a constar do cadastro fiscal como sendo beneficiário de uma isenção de IMI e IMT completa, ou seja, a 100%.
Todos estes factos apontam no sentido de que as dúvidas interpretativas suscitadas pela lei em causa levaram o ora Requerente a atuar sem consciência de, com isso, estar a violar a legislação vigente.
Porém, deve ainda questionar-se se essa falta de consciência é legítima ou se é possível, apesar dos factos elencados, dizer-se que o Requerente, ao aproveitar a isenção de 100%, atuou de forma negligente e, por isso, culposa.
A resposta a esta questão dependerá da apreciação que se fizer acerca da existência, ou inexistência, de um dever por parte do Requerente de se informar relativamente à correta aplicação da lei em causa junto da AT, tendo em conta os mecanismos de colaboração entre a AT e os contribuintes previstos na lei, nomeadamente, no artigo 67.º da LGT.
Ora, considera este Tribunal que impor ao contribuinte o ónus de solicitar informação sobre a sua situação fiscal e, nomeadamente, sobre a correta interpretação das normas fiscais das quais decorrem benefícios fiscais, antes de atuar, constituiria uma interpretação desproporcional da posição do contribuinte face à AT. Efetivamente, se fosse de exigir do contribuinte a previa solicitação de informações antes de cada atuação com potencial efeito fiscal, estar-se-ia a permitir a existência de um sistema fiscal francamente limitativo para os contribuintes. Mais: estar-se-ia a permitir que a complexidade das leis fiscais se tornasse num encargo do contribuinte, o qual, face à dificuldade frequente de interpretação do sentido normativo nelas previsto, teria que incorrer em custos significativos para ter a certeza de que o comportamento adotado não iria contra esse sentido.
Face ao exposto, considera este Tribunal que não era exigível qualquer comportamento prévio da parte do sujeito passivo que este não tivesse adotado no caso concreto, razão pela qual não pode atribuir-se qualquer qualificação de negligente à sua conduta. Neste sentido, entendemos que a atuação do contribuinte não é uma atuação censurável, devendo, por conseguinte, considerar-se não verificado o requisito da culpa e, como tal, não verificado o conjunto dos pressupostos de que depende a aplicação do regime de juros compensatórios previsto no artigo 35.º da LGT.
Quanto à questão da duplicação da coleta suscitada pelo requerente relativamente ao ato de liquidação notificado pelo Ofício n.º …, de 26.07.2013 na parte em que faz incidir IMT sobre o prédio urbano com o artigo matricial …, no valor de € 1.507,35, considera-se procedente, tendo a mesma sido admitida pela AT.
VI. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se julgar integralmente procedente a presente impugnação, quer no que respeita às liquidações de juros compensatórios, quer no que respeita à questão da duplicação da coleta suscitada pelo requerente relativamente ao ato de liquidação notificado pelo Ofício n.º …, de 26.07.2013 na parte em que faz incidir IMT sobre o prédio urbano com o artigo matricial …, no valor de € 1.507,35.
Fixa-se o valor do processo em € 123.885,15 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, integralmente a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de maio de 2014
Os Árbitros
Alexandra Coelho Martins
Guilherme d’Oliveira Martins
(vencido nos termos da declaração de voto anexa)
Miguel Patrício
Voto de vencido
Discordo da tese que fez vencimento pelas seguintes razões:
O requerente defende ser legítima a sua interpretação de que a norma em causa apenas integra na sua previsão os fundos de investimento mistos ou fechados de subscrição particular exclusivamente por investidores não qualificados. No entanto, entendo que é, pelo menos, tão legítima quanto aquela, a interpretação segundo a qual a norma incorpora na sua previsão não apenas os fundos em que todas as unidades de participação são subscritas por investidores não qualificados, mas também aqueles em que investidores não qualificados coexistem com investidores qualificados. Com efeito, não distinguindo a norma entre um tipo de fundo (cujas unidades de participação são subscritas apenas por investidores não qualificados) e o outro (cujas unidades de participação são subscritas por investidores não qualificados e por investidores qualificados), mandam as regras da interpretação jurídica que não deve o intérprete fazê-lo.
Assim, embora admita que a redação introduzida no artigo 46.º do EBF pela Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro, suscita dúvidas interpretativas legítimas, entendo também que o estado de dúvida assim criado não autoriza a conclusão inequívoca retirada pelo requerente na medida em que a outra interpretação da disposição legal em causa (a que lhe era desfavorável) era também plausível.
Face a isto, importa questionar se o requerente, ao não liquidar o IMT na totalidade nas transmissões em causa, agiu com culpa, devendo essa culpa ser censurada através do pagamento de juros compensatórios.
A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstrato, pelo padrão de esmero do bonus pater familiae, hipoteticamente colocado na situação concreta. No caso concreto, a interpretação da norma que estabelecia o benefício fiscal aplicável não se afigura clara, tendo essa falta de clareza sido reconhecida pela doutrina[5].
São pressupostos da liquidação de juros compensatórios aos contribuintes: (a) a existência de um facto ilícito (consubstanciado no retardamento da liquidação ou entrega de imposto devido ou no recebimento de reembolso superior ao devido); b) o nexo de causalidade adequada entre a actuação do contribuinte e o retardamento da liquidação; (c) a culpa; (d) o dano.
No caso em apreço, ocorreu um retardamento das liquidações que deveriam ter sido feitas em 2009 e só o foram em 2013.
Nos termos do disposto no artigo 19.º do Código do IMT, a liquidação de IMT é da iniciativa dos interessados. Ora, não tendo o requerente tido essa iniciativa, o retardamento da liquidação é-lhe, em princípio, imputável.
Contudo, é necessário também que à omissão ou atraso no pagamento do imposto devido se associe um juízo de censura ou de culpa do contribuinte[6]. A este propósito, afirma Jorge Lopes de Sousa que“(…) é necessário que a conduta seja censurável, a título de dolo ou negligência.”[7] Assim, importa averiguar se, no caso concreto, a conduta do Requerente merece ser censurada ou não. A este propósito, já se estabeleceu supra o entendimento de que as dúvidas interpretativas causadas pela nova redação dada ao artigo 46.º do EBF a partir de 01.01.2007 eram legítimas. Contudo, como também já se disse, o estado de incerteza criado por essa nova redação não autorizava a conclusão inequívoca defendida pelo requerente. Por outro lado, face à ambiguidade suscitada pela nova redação da norma em questão, o requerente tinha ao seu dispor mecanismos que lhe permitiriam conhecer a posição da AT sobre a matéria. Com efeito, nos termos do artigo 59.º da LGT, que prescreve e enuncia os termos do princípio da colaboração entre os órgãos da AT e os contribuintes, prevêem-se diversas formas através das quais os contribuintes podem obter informação da AT acerca dos seus direitos e obrigações (em concreto, no n.º 3 da referida disposição legal).
Assim, numa situação de dúvida interpretativa quanto aos pressupostos de aplicação de determinado benefício fiscal, afigura-se-nos que, dispondo o contribuinte cuja situação tributária fica afetada pela dúvida criada, de mecanismos de esclarecimento e de obtenção de informação por parte da AT, a conduta que lhe é exigível de acordo com o padrão de esmero do bonus pater familiae é a de pedir esclarecimentos antes da adoção das condutas em relação às quais se suscitam dúvidas. Neste sentido, entendemos que a atuação do contribuinte que age numa situação de potencial dúvida quanto à aplicação de um benefício fiscal sem se precaver – isto é, sem adotar os deveres de cuidado exigíveis - relativamente à interpretação que dela faz a administração fiscal é uma atuação censurável, devendo, por conseguinte, considerar-se verificado o requisito da culpa, na sua vertente de culpa negligente.
Por este motivo, entendo que estão verificados os quatro pressupostos de que a lei faz depender a liquidação de juros compensatórios: (a) o facto ilícito (consubstanciado no retardamento da liquidação e entrega de imposto devido); b) o nexo de causalidade adequada entre a atuação do contribuinte e o retardamento da liquidação; (c) a culpa; (d) o dano.
Lisboa, 02 de maio de 2014
Guilherme W. d’Oliveira Martins
[1] Neste sentido cf. os Acórdãos do STA de 16.12.2012, proc. 0587/10; de 19.11.2008, proc. 0325/08; de 11.03.2009, proc. 0961/08; e de 03.03.1999, proc. 020181, em que expressamente se refere que “a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo”.
[2] Cf. Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Juros nas Relações Tributárias, Vislis, 1999, pág. 148.
[3] Nesse sentido veja-se o por ex., o seguinte excerto do Ac. do STA de 23/4/2013 (proc. 1195/12): "A imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da LGT depende da existência de culpa (a título de dolo ou negligência), por parte do contribuinte. Quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se o preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respetivo. No entanto, consistindo a culpa na omissão reprovável de um bonus pater familias, não se pode formular um juízo de censura à atuação do contribuinte que [atuou] com base numa interpretação plausível das regras legais aplicáveis. [...]. Consequentemente, há que considerar como excluída a culpa do contribuinte pelo retardamento das liquidações e, assim, afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios."
[4] Cfr. Manuel Faustino, referindo que “a redação da norma suscita a dúvida legítima sobre qual o regime aplicável aos imóveis integrados num fundo fechado de subscrição particular em que coexistam investidores qualificados e investidores não qualificados.” in OE 2007 – Alteração ao IRS e Benefícios Fiscais, Revista Fiscalidade n.º 28, Outubro-Dezembro de 2006, pág. 88.
[5] Cfr. Manuel Faustino, referindo que “a redação da norma suscita a dúvida legítima sobre qual o regime aplicável aos imóveis integrados num fundo fechado de subscrição particular em que coexistam investidores qualificados e investidores não qualificados.” in OE 2007 – Alteração ao IRS e Benefícios Fiscais, Revista Fiscalidade n.º 28, Outubro-Dezembro de 2006, pág. 88.
[6] Neste sentido cf. os Acórdãos do STA de 16.12.2012, proc. 0587/10; de 19.11.2008, proc. 0325/08; de 11.03.2009, proc. 0961/08.
[7] Cf. Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Juros nas Relações Tributárias, Vislis, 1999, pág. 148.