Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 286/2017-T
Data da decisão: 2018-01-29  IRS  
Valor do pedido: € 13.881,62
Tema: IRS - Exploração de Habitação Periódica – Enquadramento de Rendimentos
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Decisão Arbitral

I - Relatório

A -Identificação Das Partes

Requerentes: A…, contribuinte fiscal n.º…, e B…, contribuinte fiscal n.º…, casados, com residência sita na …, Irlanda do Norte, doravante designada de Requerente ou Requerentes ou sujeito passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada por Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), adiante abreviadamente designado por RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, foi notificada a Autoridade Tributária em 2017-07-03.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, Rita Guerra Alves, tendo a nomeação sido aceite por esta nos termos legalmente previstos.

Em 2017-06-14, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de recusar a designação da árbitra, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 2017-07-03, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente foi notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, no dia 2017-07-03 conforme consta da respetiva ata.

Em 04-01-2018, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, e inquirição de testemunhas. Ambas as partes apresentaram alegações escritas sucessivas.

B – PEDIDO

  1. A Requerente, pretende que seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016…, n.º 2016… e 2016 … referente aos anos respetivamente de 2012, 2013 e 2014, no montante global de 13.881,62€ (treze mil oitocentos e oitenta e um euros e sessenta e dois cêntimos).

 

 

 

C – CAUSA DE PEDIR

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), já descritos no ponto 1 deste Acórdão, o seguinte:
  1. A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de IRS acima identificados e, em consequência, sejam os mesmos anulados, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
  2. A Requerente peticiona a anulação dos supra identificados atos de liquidação de IRS, por padecerem de vício de falta de fundamentação e vício de violação de lei, por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito na parte em que consideraram os rendimentos auferidos como enquadráveis na categoria F e não na categoria B, nos termos do artigo 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
  3. Alega a Requerente que: em 27 de Junho de 2006, celebraram um contrato-promessa de compra e venda com a sociedade C…, S.A. (NIPC …), doravante designada por "C…" tendo por objeto um imóvel designado "Apartamento …'', prédio mais tarde inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo …, sob a letra F, sito no empreendimento "…";
  4. Por opção, na mesma data, os Requerentes assinaram com a C…, S.A., um contrato de cessão de exploração turística da unidade acima identificada, reservando-se esta o direito de nomear uma entidade gestora, que veio mais tarde a concretizar com a constituição da sociedade D…, S.A., NIPC…;
  5. Em 8 de Fevereiro de 2008 foi depositado, junto da então Direção Geral do Turismo, o título constitutivo dos "…";
  6. Em 7 de Julho de 2008 foi atribuída, pela Câmara Municipal de …, licença de utilização turística ao empreendimento "";
  7. Desde 1 de Janeiro de 2008 que a Requerente esposa passou a exercer a atividade exploração de apartamentos turísticos, estando para o efeito registada com o CAE 55123 "apartamentos turísticos sem restaurante" e enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime de contabilidade organizada, por opção, em sede de IRS (Categoria 8);
  8. Nos termos do mencionado contrato de cessão de exploração turística, ficou   estabelecido que os Requerentes iriam assegurar a exploração turística através dos serviços da entidade gestora C… (D…) e de acordo com os termos do mesmo contrato;
  9. Defende a Requerente que a entidade gestora (D…) iria explorar os apartamentos turísticos da unidade por conta ("on behalf') dos respetivos proprietários prestando-lhes todos os serviços necessários à efetivação dessa exploração;
  10. A exploração do referido apartamento turístico era efetuada diretamente pelos Requerentes, recorrendo, porem, à entidade gestora (D…) para operacionalizar essa exploração turística dada a sua experiência e reputação consolidadas neste sector de atividade, recebendo esta uma renumeração pelos serviços prestados;
  11. Acordaram as partes no âmbito do referido contrato de cessão de exploração que a entidade gestora (D…) aceitou a nomeação e, consequentemente, aceitou prestar, em regime de exclusividade, os serviços compreendidos no âmbito do Contrato;
  12. Os Requerentes reconheceram e aceitaram que durante toda a vigência do Contrato, não explorariam, arrendariam ou por qualquer outro modo disponibilizariam a unidade a terceiro a troco de pagamento, renda, remuneração ou quaisquer outros meios de pagamento (inclusivamente de carácter gratuito), mais reconhecendo e aceitando não divulgar nem permitir que outra pessoa singular ou coletiva divulgue a unidade coma estando, entre outras, disponível para ocupação.
  13. Por sua vez, a entidade gestora (D…) aceitou a nomeação como gestora do apartamento turístico e em consequência aceitou prestar os serviços descritos nesta Secção 2.2 durante toda a vigência do Contrato, mais precisamente:
    1. Administrar o Programa de Exploração Turística ( ... ) descrito na Secção 3;
    2. Prestar os Serviços de Administração da Propriedade descritos na Secção 4;
    3. Prestar os Serviços de Manutenção da Propriedade descritos na Secção 5; e
    4. Prestar os Serviços de Limpeza e de Arrumação da Unidade descritos na secção 6.
  14. No âmbito do referido Programa de Exploração Turística, a entidade gestora (D…) ficou obrigada a gerir, em nome dos Requerentes, os aspetos operacionais (gestão corrente) inerente à exploração turística apartamento acima identificado designadamente, tratando da cobrança dos pagamentos devidos, cobrança de despesas, da gestão das reservas, determinação de tarifas.
  15. A Requerente mulher estava munida de todos os meios de controlo dos resultados da exploração do apartamento acima identificado, estando a gestora (D…) obrigada a facultar um relatório mensal das contas ao Requerente, num prazo de 15 (quinze) dias a contar do fim do mês em questão, para alem de um relatório anual auditado (relatório) da conta do Requerente identificando, para o ano civil anterior: todas as receitas da exploração turística de todas as unidades participantes no Programa, a retribuição da gestora, a receita líquida de exploração turística, a retribuição do Requerente; e todas as outras despesas e encargos da responsabilidade do Requerente, disponibilizadas de acordo com os termos deste Contrato;
  16. Defende a Requerente que das cláusulas contratuais acima transcritas a gestora atuou sempre por conta e no interesse da Requerente mulher enquanto exercia as operações necessários a concretização da exploração turística do apartamento acima identificado;
  17. Que os encargos e os rendimentos da referida exploração turística se repercutem diretamente na esfera dos Requerentes, sendo que a atividade de exploração dos apartamentos turísticos é desenvolvida pelos respetivos proprietários, não ocorrendo a transferência do "risco de negócio" para a entidade gestora (D…) nem participando esta na atividade exploratória com interesse próprio;
  18. Em cumprimento das suas obrigações declarativas, por referência aos anos de 2012, 2013 e 2014, os Requerentes entregaram, em conjunto, a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS;
  19. Os Requerentes foram, posteriormente, objeto de um procedimento de inspeção tributária, dirigido à análise do declarado em sede de IRS com referência aos anos de 2012, 2013 e 2014, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016…/…/… de 10 de Agosto de 2016, tendo o Requerente sido notificado, através do Oficio n.º…, datado de 7 de Outubro de 2016 do respetivo Projeto de Relatório;
  20. No referido Projeto de Relatório de Inspeção foram propostas correções ao rendimento tributável dos Requerentes, de €53.587,16 quanto ao ano de 2012, de € 22.430,78 quanto ao ano de 2013 e ainda de €32.571,99 quanta ao ano de 2014;
  21. A Requerente alega a falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação em geral do relatório da ação de inspeção;
  22. E defende a sua posição de enquadramento dos rendimentos em sede de Categoria B. Sustenta que a atividade exploratória turística por si exercida e os rendimentos gerados nesse âmbito eram auferidos no âmbito de uma atividade empresarial (ainda que resultem da exploração de um imóvel), os Requerentes trataram os mesmos no âmbito da Categoria B do CIRS, por força do princípio da preponderância desta Categoria em relação aos rendimentos que se enquadram nas outras categorias de rendimentos, mas que são obtidos em conexão com uma atividade empresarial (no caso, uma atividade comercial);
  23. Alega a Requerente que são tributados pela Categoria B todos os rendimentos apuradas no âmbito das atividades geradoras de rendimentos de atividades comerciais, designadamente as resultantes das atividades hoteleiras e similares;
  24. E para que os rendimentos sejam imputáveis, as atividades geradoras de rendimentos empresariais ou profissionais, estando o sujeito passivo registado com o respetivo CAE necessário será apenas que os rendimentos auferidos estejam relacionados com essa atividade;
  25. E que estando em causa rendimentos decorrentes da exploração turística, que é a atividade exercida pela Requerente mulher, não podem os mesmos ser tributados como rendimentos da Categoria F, completamente desfasados da referida atividade comercial exercida;
  26. Sustenta a Requerente que no âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 3º. do Código do IRS tendo o legislador utilizado a expressão "atividade" sem delimitar (restritivamente) a sua extensão, é evidente que pretendeu incluir todos os rendimentos obtidos, por qualquer forma, da exploração direta ou através da contratação de serviços para realizar os rendimentos em causa;
  27. Entende que se verifica que "atividade" para efeitos de tributação no âmbito da Categoria B não se deve cingir - quando o legislador não o fez - à consideração da atividade operacional, excluindo os titulares que obterá rendimentos na sequência da cessão da exploração e consequente contratação de serviços, como aconteceu no caso concreto;
  28. Para os Requerentes, o termo "atividade" compreende também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos e a escolha da forma adequada de questão, que no caso concreto se torna ainda mais pertinente, considerando que os Requerentes são sujeitos passivos não residentes, na medida em que para otimizar essa exploração da forma mais conveniente e com ela obter rendimentos, que seriam depois passíveis de serem tributados, optaram gerir a sua unidade pelo meio ora exposto;
  29. E por essa razão os rendimentos em causa alocados à atividade de exploração turística exercida pelos Requerentes devem ser tributados no âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 3º. do Código do IRS e não nos termos do nº 2 do art.º. 8º do CIRS;
  30. Mais peticiona quanto a outras despesas, que mesmo que por hipótese os rendimentos obtidos pelos Requerentes fossem efetivamente rendimentos da Categoria F do Código do IRS, contudo a matéria coletável do Requerente jamais seria no valor apurado pelos Serviços de inspeção tributaria em sede de inspeção tributária;
  31. Entende que ao contrario da posição assumida pelos serviços de inspeção Tributaria no Relatório de inspeção notificado aos Requerentes e subjacente aos atos tributarias aqui contestados deverão ser entendidas como despesas dedutíveis aos rendimentos da Categoria F do IRS, as despesas de manutenção e conservação referentes à mulher da limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, agua e gás, gastos com o aluguer de casa com equipamentos, reparações e pinturas, prémios de seguro e custos de administração do prédio;
  32. A posição assumida no Relatório de Inspeção não relevou para todos os efeitos legais, a totalidade das despesas suportadas pelos Requerentes com a manutenção da fonte de rendimentos em causa;
  33. Alega que deverão ser consideradas as despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, gás e agua, suportadas pelos Requerentes no ano de 2012, 2013 e 2014, nos termos e para os efeitos do artigo 41.0 do Código do IRS;
  1. A Requente, no âmbito das suas alegações escritas, alegou o seguinte:
    1. Com efeito, os Requerentes não se conformam com os atos tributários acima identificados, nem com as conclusões do procedimento de inspeção tributária subjacente aos mesmos, razão pela qual invocaram, em síntese, no âmbito do presente pedido arbitral e demonstraram plenamente - como se evidenciará - os seguintes argumentos: (i) A falta de fundamentação das liquidações adicionais efetuadas aos Requerentes, em virtude da falta de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária, no que concerne às correções à matéria tributável efetuadas aos Requerentes; (ii)A ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IRS, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014 e respetivos juros compensatórios, em virtude de a atividade exercida pelos Requerentes corresponder ao exercício de uma atividade comercial (i.e., Categoria B), nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 3.º e da alínea h), do n.º 1, do artigo 4.º do Código do IRS; (iii)Subsidiariamente, a ilegalidade parcial dos atos de liquidação adicional de IRS, em virtude de a Administração Tributária não ter atendido a todas as despesas dedutíveis em sede de Categoria F.
    2. Por não se conformar com as liquidações adicionais de IRS, relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, os Requerentes alegaram - e demonstraram documentalmente -, no âmbito do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral, em suma, que:
      1. as liquidações adicionais efetuadas aos Requerentes carecem de falta de fundamentação, em virtude da falta de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária, no que concerne às correções à matéria tributável efetuadas aos Requerentes, na medida em que os Serviços de Inspeção Tributária limitaram-se a apoiar as correções efetuadas na ideia de que os Requerentes obtêm os seus rendimentos de forma passiva (sendo que a tributação em sede da Categoria B não faz qualquer distinção quanto ao modo de obtenção dos rendimentos), e por essa razão requalifica os rendimentos da Categoria B como rendimentos da Categoria F, com base numa mera análise genérica da atividade dos Requerentes, sem que tenha recolhido um único indício concreto que fundamente esta requalificação;
      2. os serviços de exploração dos imóveis em questão, prestados pela sociedade D…, S.A., NIPC … (doravante “D…”) ao abrigo dos contratos de cessão da exploração turística celebrados com os proprietários dos apartamentos turísticos que integram o empreendimento turístico - nos quais se incluem os  Requerentes -, subsumem-se a prestações de serviços de alojamento em estabelecimento do tipo hoteleiro a terceiros, no âmbito de uma atividade hoteleira;
      3. os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo, decorrentes do contrato de exploração turística celebrado, são passíveis de serem subsumidos à tipologia de rendimentos da atividade hoteleira e similar conexos com o exercício de uma atividade comercial, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 3.º e da alínea h), do n.º 1, do artigo 4.º do Código do IRS;
      4. ainda que se entenda que a atividade do sujeito passivo se enquadra na Categoria F, o que admite cautelarmente, sempre deveriam ser atendidas todas as despesas suportadas pelos Requerentes, nos termos do processo n.º 1793/94 analisado pela Administração Tributária  no qual se referia que eram dedutíveis as despesas referentes a “mulher da limpeza, ordenado do jardineiro, electricidade, água e gás gastos, com o aluguer de casa com equipamentos, reparações e pinturas, prémios de seguro do prémio e de administração do prédio”,
      5. no mesmo sentido, veja-se o Acórdão proferido pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 435/2014-T, de 10.11.2014, no qual se defendeu que são dedutíveis as despesas de IMI, de fornecimento e instalação de equipamento de cozinha, de fornecimento de água, de seguros de acidentes de trabalho e de encargos com o pagamento das contribuições para a Segurança Social da empregada de limpeza e porteira.
      6. Conclui a Requerente: Os Serviços de Inspeção Tributária, ao não sustentarem nas Conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos em que se basearam para concluírem que os rendimentos auferidos pelos Requerentes eram rendimentos da categoria F não deram cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos tributários contestados;
      7. O facto de os Requerentes não se terem socorrido do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT, não determina que os Requerentes não possam alegar a falta de fundamentação do ato, porquanto o mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT consubstancia uma faculdade ao dispor do sujeito passivo e não um expediente obrigatório ou necessário;
      8. Da análise do n.º 1 do artigo 37.º do CPPT - designadamente da expressão “pode o interessado” -, é possível concluir que o legislador coloca a possibilidade de se obterem os elementos em falta na notificação como uma mera faculdade conferida ao sujeito passivo e não um ónus, pelo que a falta de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributário e, em consequência, dos atos de liquidação contestados, determina a ilegalidade dos atos tributários notificados;
      9. O ónus de notificar o sujeito passivo de todos os elementos da fundamentação não é precludido ou afastado pelo facto de o legislador ter colocado, à disposição do mesmo, um expediente para peticionar a notificação dos elementos em falta;
      10. Os Serviços de Inspeção Tributária não lograram cumprir o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação que sobre si recai, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes (artigo 75.º da LGT), não tendo demonstrado, relativamente aos Requerentes, especialmente no que concerne ao Requerente mulher, a existência de “indícios fundados” que demonstrem que os rendimentos em causa são rendimentos da Categoria F e não da Categoria B como declarado;
      11. O enquadramento como Categoria B por parte dos Requerentes foi, numa primeira fase, efetuado por orientação dos seus representantes fiscais e por parte da entidade gestora (C… e, posteriormente, D…), que adotou este mesmo enquadramento desde a abertura do empreendimento em 2006 e, posteriormente, pela Direção de Serviços do IVA. Com efeito, decorre do Código do IVA que a cedência de um apartamento mobilado e licenciado para serviços, a uma entidade terceira mediante retribuição, obriga o sujeito passivo a coletar-se como empresário em nome individual CAE 55123 - Categoria B e a liquidar IVA aos adquirentes dos serviços, passando o imóvel a estar afecto à esfera empresarial do sujeito passivo - daí o registo do mesmo como estabelecimento estável na declaração de início de atividade da Requerente mulher;
      12. A posição dos Requerentes - no que concerne ao IVA, uma vez que a Direção de Serviços do IRS nunca se tinha pronunciado sobre o tema antes da publicação da Circular n.º 5/2013 -, foi já apoiada pela Direção de Serviços do IVA no processo de informação vinculativa n.º 3626, de 09.10.2012, no qual se refere que um contrato de arrendamento com inclusão de serviços configura “assim, uma operação sujeita a liquidação de IVA à taxa definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Código”;
      13. Após a emanação da Circular n.º 5/2013, de 2 de julho de 2013 e já no decurso do ano de 2014, o representante fiscal dos Requerentes teve acesso a uma informação vinculativa, no qual a Direção de Serviços do IVA referente que o tipo de negócio em apreço configura uma “concessão de exploração de uma unidade de alojamento que integra um empreendimento turístico, enquadrada na alínea c) do mesmo normativo e, como tal, abrangida pelo conceito de prestação de serviços, de harmonia com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, conjugada com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, encontrando-se a "Remuneração da Cedente pela cedência da unidade de alojamento" sujeita a liquidação de imposto à taxa definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Código”;
      14. Por uma questão de coerência do sistema e de atuação de boa fé por parte da AT, terá de se concluir que (i) ou o rendimento da Requerente mulher é enquadrado como sendo um rendimento empresarial (Categoria B) e, como tal, está sujeito a IVA, (ii) ou o rendimento da Requerente mulher é enquadrado como sendo um rendimento predial e, por esse motivo, não está sujeito a IVA, pelo que sendo a AT una, sendo os mesmos alheios à sua (des)organização interna, o tratamento fiscal a dar aos seus rendimentos - em concreto aos factos tributários que a estes subjazem - também terá de ser uno e coerente, não podendo ser utilizado um critério para o IRS e outro critério para o IVA;
      15. A reforma do IRS, na qual se passou a consagrar a possibilidade de os sujeitos passivos optarem pela tributação dos rendimentos prediais nos termos e regras aplicáveis aos rendimentos empresariais e profissionais (categoria B) veio, apenas, clarificar a forma como o tema deveria ser tratado, resolvendo, pois, os conflitos que existiam entre a aplicação do IVA e do IRS nesta matéria, sendo que, em todo o caso, os Requerentes entendem que, por força das imposições previstas no Código do IVA, a cedência de um imóvel devidamente mobiliado e equipado, é uma prestação de serviços qualquer que seja a natureza do sujeito passivo (individual ou empresa) e, como tal, no caso de pessoas singulares, as mesmas sempre estarão sujeitas a um enquadramento em sede de Categoria B;
      16. Atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, os conceitos importados pelo direito fiscal de outros ramos de direito devem como princípio ser interpretados no mesmo sentido que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da Lei, razão pela qual, na ausência de uma definição nos códigos tributários da operação de “actividades hoteleiras e similares”, deve atender-se, ao disposto no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, que estabelece o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, sendo que a Unidade …, que integra os apartamentos turísticos em questão, foi constituída ao abrigo do regime jurídico dos empreendimentos turísticos, enquadrando-se as respetivas frações na tipologia de “apartamentos turísticos” que, nos termos do n.º 1, do respectivo artigo 14.º, são passíveis de serem reconduzidos a “(…) empreendimentos turísticos constituídos por um conjunto coerente de unidades de alojamento, mobiladas e equipadas, que se destinem a proporcionar alojamento e outros serviços complementares e de apoio a turistas.”;
      17. O imóvel em questão foi entregue pelos Requerentes (e demais proprietários) à D…, não para ser ocupados pela mesma, mas, ao invés, com a finalidade de esta assegurar a sua gestão e exploração, enquanto unidades de alojamento integradas num empreendimento turístico, sendo portanto a ocupação efetuada por terceiros em regime de alojamento, no âmbito de uma atividade hoteleira, sendo que essa entrega não tem como contrapartida o pagamento de uma renda pela D…, que, na verdade, se encontra na posição inversa, ou seja, a de entidade prestadora do conjunto de serviços necessários à exploração dos imóveis enquanto unidades de alojamento de uma unidade turística;
      18. No âmbito da alínea da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, tendo o legislador utilizado a expressão “atividade” sem delimitar (restritivamente) a sua extensão, é evidente que pretendeu incluir todos os rendimentos obtidos, por qualquer forma, da exploração direta ou através da contratação de serviços para realizar os rendimentos em causa. Em momento algum a lei faz qualquer limitação, pelo que não compete à AT fazer essa limitação;
      19. Tal como o conceito de rendimentos para efeitos de tributação em sede da Categoria B) do Código do IRS não se cinge aos resultados obtidos por via direta, estando excluídos os rendimentos do exercício da atividade através de serviços contratados. E se a lei não faz essa distinção, não compete à AT fazer;
      20. O termo “atividade” compreende também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos e a escolha da forma adequada de gestão, que no caso concreto se torna ainda mais pertinente, considerando que os Requerentes são sujeitos passivos não residentes;
      21. Atendendo ao teor da decisão arbitral proferida no processo n.º 271/2017-T e do caso em apreço, verifica-se que se tratam de situações similares, razão pela qual o Tribunal deverá aplicar, como está adstrito, o artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, no qual se estabelece que “[n]as decisões a proferir, o julgador terá em considerar terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”;
      22. No caso concreto, estamos perante processos judiciais que, embora respeitem a sujeitos passivos distintos, têm uma factualidade idêntica - a qualificação de um rendimento como Categoria B e a correção efetuada pela Administração Tributária para a Categoria F -, pelo que deverão os mesmos ter um tratamento idêntico e uma interpretação e aplicação uniforme do direito, nos termos do citado artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, mas, ainda, em cumprimento do disposto no artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quanto à garantia do processo equitativo e da segurança jurídica;
      23. As orientações administrativas - e em particular a citada Circular n.º 5/2013, de 2 de julho de 2013 - apenas vinculam os órgãos da AT e não são consideradas fonte de direito fiscal, pelo que não têm qualquer eficácia externa vinculativa própria, não sendo sequer objeto de publicação, pelo que os sujeitos passivos não estão de modo algum obrigados a cumprir o disposto nas mesmas, nem os Tribunais (incluindo o Tribunal Arbitral);
      24. As circulares administrativas, apesar de, quando divulgadas, terem em vista esclarecer a posição assumida pela AT, estão fragilizadas do ponto de vista da sua constitucionalidade e oponibilidade aos contribuintes, sobretudo a partir do momento em que acrescentem ou tenham caráter inovador relativamente ao que consta do texto da lei (como se verifica no caso sub judice), pelo que se afigura ilegítimo e ilegal que a AT pretenda tributar os rendimentos auferidos pelos Requerentes no âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS (Categoria B) nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do mesmo diploma (Categoria F), através de uma interpretação própria e contra legem do mesmo no que respeita ao exercício da atividade;
      25. Ainda que se entendesse que a Circular emanada pela AT poderia prevalecer na ordem jurídica, o que sem conceder se admite para efeitos de alegação, a realidade é que a mesma sempre apenas poderia ser aplicada para o futuro, isto é, a partir da sua publicação, sob pena de frustração das expectativas dos sujeitos passivos e, ainda, de violação do disposto no artigo 68.º, n.º 2 da LGT, que proíbe a aplicação retroativa de orientações genéricas;
      26. A atuação da AT, quer em sede de inspeção, quer em sede da posição assumida em sede da presente ação configura um abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium que viola o princípio da justiça e boa-fé a que aquela está vinculada nos termos do artigo 55.º da LGT, porquanto, na sequência da emanação da Circular n.º 5/2013, de 2 de julho, os representantes dos Requerentes solicitaram esclarecimentos junto do Serviço de Finanças de Loulé - … - que validou o seu entendimento com a Direção de Finanças de Faro -, tendo obtido a informação de que o enquadramento legal que vinha fazendo estava correto, razão pela qual deveria manter o mesmo;
      27. A atuação da AT - quer pelos contactos com os seus funcionários, quer por força da posição assumida pela Direção de Finanças do IVA - criou no espírito dos Requerentes uma confiança (bastante) razoável, de caráter legítimo, uma vez que podia razoavelmente presumir que a posição assumida refletia, à data, o entendimento jurídico da AT perante todos os casos que merecessem tratamento análogo, em cumprimento do n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil. Ou seja, a atuação da AT constituiu uma atuação administrativa criadora de confiança, a situação de confiança verificou-se e os Requerentes investiram nessa confiança na medida em que agiu em conformidade com as orientações da AT (verbais quanto ao IRS e escritas relativas ao IVA);
      28. Em sede de no âmbito de uma inspeção tributária efetuada ao sujeito passivo E… (NIF…), a Direção de Finanças de Faro começou por recusar o reembolso do IVA - com base na informação de que o referido sujeito passivo estaria indevidamente enquadrado em sede de Categoria B -, para, posteriormente, vir autorizar o referido reembolso;
      29. A inspeção em causa não se trata de um caso isolado, na medida em que teve como alvo, pelo menos, 28 proprietários (pessoas singulares) do mesmo empreendimento turístico (“…”) e com o mesmo representante para efeitos de IVA e teve por base não só o IVA, mas também o IRS - incluindo o Requerente marido, quem, àquela data, exercia a atividade -, altura em que a AT propôs, numa primeira fase, o enquadramento dos rendimentos dos citados sujeitos passivos em sede de Categoria F (ao invés da Categoria B) - o que, como se viu, veio a ser alterado no relatório final de inspeção;
      30. Atendendo ao enquadramento (aceite pela AT) dos Requerentes em sede de cadastro, terá de se concluir que até 2016 - data da inspeção - a sua inscrição estava correta e, como tal, estar-se-á perante rendimentos tributáveis em sede de Categoria B em IRS e não isentos de IVA;
      31. E, ainda que se aceite a posição da AT quanto ao alegado incorreto enquadramento, a realidade é que tendo a AT pugnado pelo mesmo em 2016, apenas após essa data - e, ainda assim, após a alteração do registo dos Requerentes junto do Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes -, poderão ser aplicadas quaisquer correções;
      32. Ainda que se admitisse - o que se faz por mera cautela e dever de patrocínio -, que os rendimentos obtidos pelos Requerentes são efetivamente rendimentos da Categoria F do Código do IRS, a realidade é que a matéria coletável da Requerente mulher jamais seria no valor apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária em sede de inspeção tributária, porquanto sempre teria de se considerar as despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, gás e água, suportadas pelos Requerentes no ano de 2012, 2013 e 2014;
  2. Termina a Requerente sustentando a ilegalidade e anulabilidade dos ditos atos de liquidação em sede Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) por violação de lei.

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
  1. A 27-06-2011, na mesma data de aquisição do imóvel, foi celebrado entre o Requerente marido, a C… (Portugal) e a D…, SA, um contrato de cessão de exploração turística do referido imóvel;
  2. Resulta daquele contrato, que a exploração turística dos imóveis em questão é desenvolvida através dos serviços da empresa D…, SA, a qual detém a autorização exclusiva para explorar turisticamente, por sua conta, o imóvel em causa;
  3. Nestes termos, o Requerente mandatou a Gestora, a sociedade D…, SA para, em nome próprio e por sua conta receber a remuneração relativa à exploração do seu imóvel, ficando aquela com o direito a reter 25% da receita bruta da respetiva exploração;
  4. Decorre ainda do contrato que, o imóvel é gerido e mantido pela empresa D…, SA, que também gere os arrendamentos de curta duração, cobrando os montantes devidos, e prestando todos os outros serviços associados, como sejam a manutenção, limpeza e pintura, detendo o controlo das chaves do imóvel.
  5. Sendo que, à Gestora cabe, inclusivamente, a alocação mensal de 5% da receita bruta obtida com a exploração turística para a constituição de um fundo comum (o “Fundo de Reserva”), por forma a facilitar o financiamento das benfeitorias da unidade (cláusula 3.13 do Contrato de cessão);
  6. A Gestora disponibiliza ao proprietário (o ora Requerente), os montantes contratualmente acordados, sendo que, nos termos da cláusula 20.4.2 do Contrato de cessão, nos primeiros cinco anos do referido contrato, a Gestora garante ao Requerente um retorno mínimo garantido, que consiste numa retribuição mínima anual de 5% calculada sobre o preço de compra do imóvel, ie, um milhão e vinte e cinco mil euros.
  7. Mais refere que, na cláusula 20 do mencionado contrato de cessão de exploração consta ainda que: «[…] O PRIMEIRO CONTRATANTE reconhece e acorda que a celebração deste Contrato e a sua participação de Exploração turística para a Unidade não são opcionais, constituindo um requisito para a propriedade da Unidade de acordo com a legislação aplicável.»;
  8. Os Requerentes não requereram o registo do empreendimento turístico no Registo Nacional de Empreendimentos Turísticos;
  9. Os Requerentes não detêm e não exploram, no âmbito desta atividade, qualquer imóvel;
  10. Quanto à alegada falta de fundamentação das correções ora sindicadas, discorda de tal entendimento, desde logo porque, da leitura do relatório inspetivo resulta que um homem médio, colocado na posição de destinatário, consegue apreender o seu sentido e conclusão.
  11. Mais alegam que o facto de ter declarado início de atividade, afirmando a intenção de exercer uma atividade de exploração turística (quando, efetivamente, nada mais se fez para além de adquirir um imóvel), não deva ser valorado como suficiente para a qualificação dos rendimentos como imputáveis à categoria B, quando depois efetivamente não se exerce a atividade declarada;
  12. Entende que o Requerente adquiriu um imóvel, pelo prazo de cinco anos, sem que nunca tendo praticado qualquer ato que indiciasse uma vontade de exercer algum tipo de exploração do mesmo, pois tão pouco estava na sua disponibilidade a possibilidade de não ceder essa exploração;
  13. Mais refere que o mero ato de compra de um imóvel e a sua consequente e imediata cessão de exploração a um terceiro, têm de ser subsumidos a simples atos de gestão de património particular, não constituindo, em si mesmos, sinais de exercício de atividade de exploração de um imóvel por parte de quem cedeu a exploração, como, erradamente, pretende o Requerente.
  14. Quanto à pretensão, por parte dos Requerentes, de que sejam aceites a totalidade das despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, gás e água (art.º 122.º do pedido de pronúncia arbitral), pois estas não foram aceites na análise efetuada no procedimento inspetivo, pugna por se avaliar se aquelas despesas referidas em abstrato pelo Requerente, e não demonstradas em sede arbitral, revestem o carácter de despesas de conservação e/ou manutenção que incumbam ao sujeito passivo;
  15. Concluindo que as despesas mencionadas pelo Requerente não consubstanciam despesas de conservação nem, tão pouco, de manutenção.
  16. Por outro lado, e no que concerne às despesas com salários e com a limpeza, alega que ressalta das secções 5 e 6 do contrato de cessão, que esses encargos estão a cargo da Gestora o que significa que nem são da responsabilidade dos Requerentes, aqui senhorios.
  1. Termina a Requerida sustentando pela legalidade dos atos de liquidação em sede Imposto de Rendimentos da Pessoas Singulares, e em termos de substância, entendem que não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica, pugnando pela improcedência do pedido com consequente absolvição da Requerida da Instância.

 

E-        FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

  1. Previamente a entrar, na apreciação das questões suscitadas, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão a proferir, tendo como base os factos alegados e a prova documental e testemunhal, produzida nos autos.
  2. Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal por assente os seguintes factos:
  3. A Requerente A…, casada com B… com o número de Identificação fiscal Português … e … respetivamente, encontra-se registada para o exercício da atividade “Apartamentos turísticos sem restaurante” CAE 55123, desde 2012-02-03, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime da contabilidade organizada, por opção, em IRS.
  4. Os Requerentes são ambos sujeitos passivos não residentes em território nacional e de acordo com o sistema informático a que a AT tem acesso, foi nomeado como representante fiscal de ambos a firma F…, Lda NIPC:… .
  5. Os Requerentes, em 2012, 2013, 2014, eram proprietários de um imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo…”, sito no “…”, que adquiriram à C… SA NIPC… .
  6. O referido imóvel foi adquirido a 03-08-2011.
  7. Entre o Requerente marido e a Sociedade vendedora foi assinado um contrato de cessão de exploração turística da unidade “…”, nos termos do qual a sociedade C… SA ficou com o direito de constituir uma sociedade comercial para a gestão do “…”, situação que veio a concretizar com a constituição da empresa D… SA NIPC … .
  8. A 27-06-2011, foi celebrado entre os Requerentes e a sociedade C… (Portugal) e a D…, SA, um contrato de cessão de exploração turística do referido imóvel.
  9. Os Requerentes foram notificados dos seguintes atos:
    1. Quanto ao período fiscal de 2012, o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016 …, e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, dos qauis resultou um rendimento apurado no valor de 33.179,50€, e um valor global a pagar de 7.492,87€;
    2. Quanto ao período fiscal de 2013, o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016…, e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, dos quais resultou um rendimento apurado no valor de 3.528,45€, e um valor global a pagar de 1.075,76€;
    3. Quanto ao período fiscal de 2014, o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016…, e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, dos quais resultou um rendimento apurado no valor de 18.117,68€, e um  valor global a pagar de 5.313,79€.

            F-        FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

           

 

 

G-       QUESTÕES DECIDENDAS

  1. Atenta as posições das partes, assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas as seguintes, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
  1. A alegada pela Requerente:
    1. A declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016…, n.º 2016 … e 2016 … referente aos anos de 2012, 2013 e 2014, no montante global de 13.881,62€ (treze mil oitocentos e oitenta e um euros e sessenta e dois cêntimos).

H-        MATÉRIA DE DIREITO

  1. Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral, consiste em apreciar a legalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
  2. A Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral suscita dois pedidos principais, respetivamente:
    1. A falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação em geral do relatório da ação de inspeção;
    2. Vicio na determinação do enquadramento jurídico fiscal dos rendimentos obtidos pela Requerente nas notas de liquidação adicionais.
    3. A Requerente peticiona, subsidiariamente, caso o presente Tribunal entenda que não se verifica vício sobre os atos impugnados e a respetiva procedência dos pedidos supra referidos, que sejam consideradas as despesas incorridas pela Requerente para dedução aos rendimentos de categoria F, nos termos do artigo 41.º do CIRS.
  3. Passemos de imediato à apreciação sobre o primeiro pedido da Requerente, sobre a alegada falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação em geral do relatório da ação de inspeção.
  4. Peticiona a Requerente que a liquidação objeto do presente pedido arbitral sofre de falta de fundamentação, uma vez que o destinatário não consegue conhecer quais os fatos em que a mesma se fundamenta, em manifesta violação dos n.º 1 e 2 do artigo 77 º da LGT.
  5. Sobre o referido pedido, o presente tribunal, tem a dizer seguinte:
  6. A Administração Tributária, tem o dever de fundamentar os atos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT.
  7. Resulta do nº 1 e 2 do artigo 77º da LGT o seguinte: “1-A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.
  8. E quanto à questão da fundamentação decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 01674/13, de 03-12-2014, que: "A fundamentação a que se refere este normativo legal terá, pois, de assentar em razões de facto e de direito que suportem formalmente a decisão administrativa.

E, como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do ato, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato. E, por isso, a insuficiência, a obscuridade e a contradição da motivação equivalem a falta de fundamentação (art. 125º nº 2 do CPA), por impedirem uma cabal apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticar o ato com o sentido decisório que lhe conferiu.

No que se refere à fundamentação de direito, a jurisprudência deste Tribunal tem decidido que para que a mesma se considere suficiente não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o ato fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico. Como se dá nota no acórdão do Pleno desta Secção de 25/03/93, no proc. nº 27387, o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do ato, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram."

  1. Em sentido idêntico, diz-nos ANTÓNIO LIMA GUERREIRO em nota ao artigo 77.º da LGT: «Tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (seguida a partir do Acórdão de 11 de Dezembro de 1991, recurso 11897), que a falta de notificação da fundamentação não afecta a legalidade do ato. É um elemento exterior ao ato e não um requisito da sua perfeição. A falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência prevista no artigo 37º do CPPT, nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha isenta de qualquer pagamento, contando-se apenas a partir da notificação dos factos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha o prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial.»
  2. Resulta do exposto, que para a fundamentação exigida pelo artigo 77 º da LGT, é absolutamente fundamental que os atos contenham elementos suficientes para compreender os aspetos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.
  3. Esta valoração, é feita do ponto de vista de um destinatário normal, e conforme se pode colher dos atos emitidos pela AT, tornam-se compreensíveis para um destinatário normal, os aspetos de facto e de direito que permitem conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.
  4. Da leitura do relatório inspetivo, que esteve na base das correções ora em apreciação resulta que um homem medio, colocado na posição de destinatário consegue apreender o seu sentido e conclusão, e que dele decorrem elementos suficientes para compreender os aspetos de facto e de direito que permitem conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.
  5. Contudo e a existir falta de fundamentação, sempre podia a Requerente fazer uso do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT, o qual lhe permitiria “requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omissos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”.
  6. Sendo de concluir que a AT procedeu nos termos do disposto no artigo 77 º. da LGT, e como tal não se verifica o vicio de falta de fundamentação.
  7. Nestes termos e nos mais de direito, entende este Tribunal que o pedido da Requerente quanto ao vício de falta de fundamentação é improcedente.
  8. Passemos de seguida à apreciação do segundo pedido, o qual consiste em determinar o enquadramento jurídico fiscal dos rendimentos obtidos pela exploração do imóvel, a saber: se são os mesmos enquadráveis como rendimentos de Categoria B conforme a Requerente peticiona ou na Categoria F conforme pugna a AT.
  9. O cerne da presente questão cinge-se à análise dos fatos e da prova carreada para os autos, e com base nessa análise averiguar se os requisitos legais dos rendimentos no âmbito da Categoria B em sede de IRS se encontram preenchidos.
  10. Em primeiro lugar, vejamos, no que concerne à interpretação das Normas Tributarias, para o caso sub Júdice, o disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária:

“Artigo 11.º

Interpretação

Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetiveis de integração analógica.”

  1. A este preceito, é necessário igualmente recorrer aos princípios gerais da interpretação das leis, tal como o dispõe o artigo 9.º do Código Civil por remissão do n.º 1 do artigo 11.º da LGT, o qual estabelece o seguinte:

“Artigo 9.º

Interpretação da lei

A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

  1. Perante o dito normativo legal, referente à interpretação das Normas Fiscais, torna-se relevante efetuar uma breve referência e enquadramento jurídico-legal dos diferentes tipos de rendimentos à disposição de um sujeito passivo.
  2. O Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, foi introduzido pela reforma fiscal em 1 de Janeiro de 1989, com o objetivo de codificação e simplificação fiscal. Diz-nos SALDANHA SANCHES, sobre a reforma fiscal de 1989, que “As pessoas singulares passaram a ser tributadas enquanto pessoas singulares titulares de rendimentos diversos tipos e enquanto empresas de natureza pessoa, sem recurso a sociedades comerciais (J.L. Saldanha Sanches, Manuel de Direito Fiscal, 3º Ed. Coimbra Editora)”.
  3. E de acordo com o Preambulo do Código de IRS de 1 de Janeiro de 1989, a distinção entre as diferentes categorias de rendimentos, deveu-se ao seguinte:

“A inovação básica reside na substituição do actual sistema misto, com preponderância dos elementos cedulares, pela fórmula da tributação unitária, atingindo globalmente os rendimentos individuais, enformadora do modelo ora adoptado para a tributação das pessoas singulares.

 À luz das modernas exigências de equidade, a solução unitária é inequivocamente superior quer ao puro sistema cedular, consistindo este em impostos separados e entre si não articulados, incidentes sobre as diferentes fontes de rendimento, quer ao próprio sistema compósito, resultante, em regra, de evolução operada a partir de uma estrutura originariamente cedular, em que a um esquema de impostos parcelares se sobrepõe uma tributação de segundo grau com carácter global.”

“Mesmo nos sistemas de tributação global do rendimento persiste o tratamento diferenciado dos diferentes tipos de rendimento pessoal, não pode, na verdade, dispensar-se, como operação prévia, a análise ou identificação dos rendimentos segundo as suas diferentes origens; só depois de proceder à síntese dos rendimentos das várias categorias, sujeitando o seu valor agregado a uma única tabela de taxas.

O imposto global “único” comporta, assim, em maior ou menor medida, elementos analíticos que, na perspectiva da passagem dos sistemas cedulares para o do imposto “único”, constituem reminiscência do tratamento separado, que no anterior sistema se fazia em cédulas diferenciadas até final.

Toma-se, assim, possível, sem prejuízo do carácter globalizante da tributação, manter acentuadas características analíticas, que vão desde a discriminação qualitativa dos rendimentos por intermédio de deduções específicas em determinada categoria até à consagração da retenção na fonte apenas nas categorias em que este método se mostra tecnicamente possível.”

  1. Relativo às Categorias B e F, vejamos o que nos diz o referido preambulo:

“7 - As categorias A e B respeitam aos rendimentos do trabalho. Optou-se pela criação de duas categorias distintas para o trabalho dependente e independente, respectivamente, com regras próprias em matéria de incidência, determinação da matéria colectável e liquidação, prevendo-se uma dedução especial para os rendimentos da primeira destas categorias.

No que respeita à incidência, manteve-se a amplitude do conceito de rendimento do trabalho dependente, tal como resulta da legislação agora substituída.

Procedeu-se a uma formulação conceptual mais rigorosa do trabalho independente, em face da dificuldade da delimitação de fronteira dessa categoria de rendimentos, tendo-se elaborado uma lista de actividades susceptíveis de serem exercidas por conta própria, embora diferente da tabela anexa ao Código do Imposto Profissional.

Tributam-se como rendimentos imputáveis ao trabalho independente os direitos de autor sobre obras intelectuais e os rendimentos resultantes da concessão ou cedência temporária de patentes de invenção, licenças de exploração, modelos, marcas, etc., bem como os percebidos pela transferência de Know-how, uns e outros quando auferidos por titulares originários.

Inevitavelmente ficará sempre uma margem de indefinição no que concerne à delimitação dos rendimentos do trabalho como os auferidos pelos empresários, e daí que se incluam em sede de rendimentos comerciais e industriais (categoria C) os obtidos em certas actividades situadas em zonas de confluência.

 8 - A ideia de que rendimentos do trabalho deverão ser tributados menos pesadamente do que os provenientes do capital está na base da hierarquização das taxas aplicáveis aos diferentes impostos em sistemas cedulares.”

(…) 11 - No domínio dos rendimentos prediais (categoria F), incluem-se na base de incidência apenas os rendimentos efectivamente percebidos dos prédios arrendados, tanto urbanos como rústicos, e não já, como acontecia no sistema de contribuição predial, o valor locativo ou a renda fundiária dos prédios não arrendados, pois se visa tributar apenas os rendimentos realmente auferidos.

Tributam-se ainda os rendimentos decorrentes da cessão de exploração de estabelecimentos comerciais ou industriais.

Concomitantemente, é criada uma contribuição autárquica sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, devida pelos seus proprietários, sendo a colecta desta deduzida à colecta do IRS, na parte proporcional aos rendimentos englobados dos prédios e até ao montante desta.

Para além desta dedução, também se prevê nesta categoria de rendimentos a dedução de todas as despesas referentes aos prédios e não apenas os encargos presumidos previstos no actual regime da contribuição predial.”(nosso negrito)

  1. Do disposto no preambulo e no regime previsto no CIRS, decorre uma clara distinção das categorias, sendo que as categorias A e B, advém do trabalho do sujeito passivo, por conta de outrem ou mediante a sua “empresa individual”.
  2. A distinção dos rendimentos prediais ou rendimentos de Categoria F, surgem numa categoria à parte dos rendimentos de capitais (Categoria E).
  3. Atentemos a J.L. Saldanha Sanches, Manuel de Direito Fiscal, 3º Ed. Coimbra Editora: Os Rendimentos prediais têm natureza substancial de rendimentos de capital – decorrem da aplicação de capital imobiliário -, mas contam com uma previsão normativa autónoma. A justificação para a existência de uma tributação distinta dos rendimentos de capital no conceito do IRS reside no fato de serem necessárias despesas para a manutenção da fonte produtiva (os imoveis).
  4. Vejamos a legislação aplicável à situação ora em análise, em concreto, a al. a) do número 1 e al. a) do nº 2 do Artigo 3.º e  al. H) do nº 1 do art.º. 4º todos do CIRS:

 “Rendimentos da categoria B”:

1- Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:

 a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;

(…)

 “2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:

a) Os rendimentos prediais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais.”

  1. E por atividades comerciais e industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias, estabelece ainda a alínea h), do n.º 1, do artigo 4.º do CIRS:

1 - Consideram-se atividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes: h) Atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como a venda ou exploração do direito real de habitação periódica;”.

  1. E atendendo ao significado a conferir ao conceito de atividade comercial, industrial, previsto no número 1 do Artigo 3.º, já se pronunciou ampla jurisprudência de forma uniforme, mais recentemente, temos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo 0580/15 de 02/24/2016, e igualmente o Acórdão de 4-12-91, proferido no processo nº 13398, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-8-94, página 1430; de 29-11-1995, processo n.º 12130, publicado em Apêndice ao Diário da República de 14-11-97, página 2737; de 15-5-1996, processo n.º 20244, publicado em Apêndice ao Diário da República de 18-5-98, página 1646; de 23-10-1996, processo n.º 20381, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-12-98, página 3020; de 1-4-1998, proferido no processo n.º 20832, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-11-2001, pág. 1116; de 3-5-2000, processo n.º 22608, publicado em Apêndice ao Diário da República de 23-12-2002, página 1620; de 2-5-2005, processo n.º 371/04
  2. Atentemos o referido acórdão n.º 0580/15 de 02/24/2016 do Supremo Tribunal Administrativo:

“A lei fiscal não define o que é o exercício de uma actividade comercial ou industrial, sendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo há muito firmada, (…)  tem aceite que a actividade comercial se revela numa acção de mediação entre a oferta e a procura com susceptibilidade de gerar lucros, ganhos, rendimentos para quem nela se lança, susceptibilidade que pode não vir, no final, a concretizar-se e pode mesmo gerar perdas, enquanto a actividade industrial é uma actividade de construção ou alteração de bens. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, firmada na vigência da contribuição industrial, mantém em face do IRS, neste particular, toda a actualidade ao indicar que o conceito de comércio adoptado pelo legislador fiscal não se identifica com o conceito jurídico-privado do Código Comercial, sendo um conceito próprio, de natureza económica onde se inscreve toda a actividade (ainda que expressa em um só ato) que tenha por fim objectivo um lucro, como se disse no Ac. do S.T.A., de 12/05/65, in Ap. Diário do Governo, de 01/03/66 e de 03/12/91 e 26/02/92, in Recs. 13.398 e 13.529). Aponta-se, ali que, desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma actividade económica (mesmo que expressa em um só ato) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura) haverá uma actividade comercial e, se existir a incorporação de novas utilidades no bem objecto da actividade em questão, haverá uma actividade industrial.

Analisada, assim a actividade comercial e industrial fica fora dela toda a realidade económica em que existindo, embora, também um aumento de qualquer património por virtude de actividade consigo mesmo, de valorização fortuita de bens ou em que aquele aumento não seja o fim objectivo da relação com um terceiro.”

 

  1. Em consonância com o Acórdão supra transcrito e dos demais Acórdãos elencados, resulta a seguinte posição jurisprudencial: «o conceito de atividade comercial ou industrial há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros».
  2. Sucintamente, o conceito de atividade comercial, industrial é toda a atividade (ainda que expressa em um só ato) que tenha por fim objetivo um lucro.
  3. Podemos afirmar, que, em termos gerais, a atividade de exploração de um imóvel para habitação periódica e turística, é uma atividade comercial, e como tal insere-se na moldura legal do n.º 1 aliena a) do artigo 3º e n.º 1 aliena h) do artigo 4, ambos do CIRS.
  4. Contudo, e citando Manuel Pires “tratando-se, como se trata, de empresas individuais, o CIRS estabelece só serem “considerados proveitos e custos os relativos a bens ou valores que façam parte do ativo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afetos às atividades empresariais e profissionais por ele desenvolvidas”(artigo 29º). Assim, se um empresário é proprietário de um prédio que nada tem a ver com o exercício da sua atividade empresarial ou profissional, os respetivos rendimentos serão tributados na Categoria F e não na categoria B [cfr. Artigo 3.ºn, n.º 2, alínea a) a contrário].” (Manuel Pires, Rita Calçada Pires, 2012, 5º Ed., Almedina).
  5. Ora, e atendendo a posição das partes, a questão a dirimir pelo presente Tribunal, consiste em determinar se a Requerente desenvolve diretamente a atividade comercial de exploração do imóvel para habitação periódica inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo … fração “F”.
  6. Vejamos:
  7. Os Requerente adquiriram o imóvel supra referido, sito no “…”, à sociedade C… S.A., e celebraram com esta mesma sociedade um contrato de cessão de exploração turística da unidade … .
  8. Ficou previsto no contrato de cessão de exploração turística, que a sociedade C… S.A., iria constituir uma sociedade que ficaria responsável pela exploração turística da unidade … .
  9. Sociedade essa que foi constituída com o nome D… S.A..
  10. Note-se que sobre a matéria de facto e respetiva análise da prova documental e testemunhal apresentada, e em concreto da análise do contrato de exploração turística celebrada com a unidade “…”, em consonância com os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, cabe ao Tribunal apreciar livremente a prova, segundo a sua prudente convicção, (art. 607º, nº 5, do CPC).
  11. Sobre o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 607º, n.º5 do CPC, relevamos o acórdão do STA no processo 907/13.5TBPTG.E1.S1 de 02/11/2017 “Importa, mais uma vez, consignar que no julgamento da matéria de facto e na sequência dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, art. 607º, nº 5, do CPC (princípio da livre apreciação da prova), ou seja, depois da prova produzida, o tribunal tira as suas conclusões, em conformidade com as suas impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência, que forem aplicáveis, salvo previstos no nº 2 do mesmo artigo. E esta apreciação livre das provas tem de ser entendida como uma apreciação convicta do julgador, subordinada apenas à sua experiência e prudência e guiando-se sempre por factores de probabilidade e nunca de certezas absolutas, estas quase sempre intangíveis, nunca entendida num sentido arbitrário, de mero capricho ou de simples produto do momento, mas como uma análise serena e objectiva de todos os elementos de facto que foram levados a julgamento.”
  12. Da apreciação da prova produzida, do documento junto aos autos (contrato de exploração turística da unidade “…”), o qual parcialmente se transcreve:

 “3.4 “Reservas. Sujeito aos direitos do PROPRIETÁRIO conforme estabelecido na Seção 3.10 infra, o PROPRIETÁRIO autoriza o GERENTE a aceitar reservas para a ocupação da Unidade por Hospedes por qualquer período de tempo e em qualquer momento até, mas não além, da expiração do prazo do Contrato.

Todas as reservas são vinculativas para o PROPRIETÁRIO.

3.5 Rendas. O PROPRIETÁRIO, concede ao GERENTE a autoridade única e exclusiva para exploração turísticas (arrendar), em seu nome, a Unidade às rendas que o GERENTE deve estabelecer, a seu exclusivo critério, com base em uma série de fatores, incluindo, sem limitação, níveis de ocupação, classificação de exibição, demanda sazonal, mudanças nos custos operacionais, taxas de propriedades competitivas e outras condições aplicáveis em um mercado competitivo (tudo conforme determinado pelo GERENTE). Por solicitação por escrito do PROPRIETÁRIO, o cronograma de rendas pode ser fornecido ao PROPRIETÁRIO.

O GERENTE também terá o direito de introduzir alterações nas rendas aplicáveis, a seu exclusivo critério, e em circunstâncias tais como, mas não limitado a, prolongada duração, descontos de grupo, descontos de gerente ou corporativos, descontos de pacotes e / ou em situações semelhantes e quando o GERENTE considera que é vantajoso cobrar uma taxa reduzida.

3.6 Remuneração. O PROPRIETÁRIO concede um mandato à COMPANHIA DE GESTÃO para que, em nome próprio e em nome do PROPRIETÁRIO, o GERENTE ou os seus agentes (sendo aceite e entendido pelo PROPRIETÁRIO que não coletará parte dessa remuneração) podem cobrar todas as remunerações relativas à exploração da Unidade, sendo estas remunerações sujeitas aos pagamentos conforme especificado no Contrato e a outras despesas de responsabilidade do PROPRIETÁRIO conforme estabelecido neste Contrato.

O GERENTE deve coletar e remeter quaisquer valores relacionados à venda, uso e / ou outros custos associados à exploração da Unidade.

3.7 Uso gratuito. O PROPRIETÁRIO reconhece que o GERENTE deve ter autoridade, a seu critério e de tempos em tempos, para usar a Unidade para usos complementares em conexão com a promoção geral do Resort e.

3.8 Sem Exploração Turística (Arrendar) pelo PROPRIETÁRIO. O PROPRIETÁRIO aceita e concorda que, durante o período do Contrato, ele / ela não deve explorar, alugar, arrendar ou, de outra forma, disponibilizar a Unidade a terceiros em troca de uma taxa, aluguel ou outro pagamento (inclusive se for gratuito), e o PROPRIETÁRIO não deve, de forma alguma, anunciar ou permitir ou autorizar qualquer outra pessoa ou entidade a divulgar a Unidade como disponível.

Se o PROPRIETÁRIO violou esta Seção 3.8, o PROPRIETÁRIO terá incumprido no âmbito deste Contrato e será submetido ao previsto neste Contrato por situação de incumprimento.

3.9 Uso por hóspedes. As reservas para a Unidade pelos Hóspedes serão tratadas através do sistema de reservas mantido pela MANAGER de acordo com as políticas e procedimentos que regem esse sistema de reserva.

O GERENTE deve ter o direito de estabelecer políticas e procedimentos relativos ao controle de acesso e aos procedimentos de check-in e check-out, incluindo, sem limitação, o direito de exigir que todos os Hospedes que permaneçam na Unidade apresentem um cartão de crédito válido no check-in para pagar por taxas e despesas associadas à estadia.”

  1. Resulta das clausulas contratuais, que a Requerente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, (artigo 405.º do Código Civil), transferiu para a empresa D… SA, a exclusividade da exploração turística do seu imóvel, conforme decorre das clausulas supra transcritas e em concreto, vejamos o disposto na cláusula “3.8 - O PROPRIETÁRIO aceita e concorda que, durante o período do Contrato, ele / ela não deve explorar, alugar, arrendar ou, de outra forma, disponibilizar a Unidade a terceiros em troca de uma taxa, aluguel ou outro pagamento (inclusive se for gratuito), e o PROPRIETÁRIO não deve, de forma alguma, anunciar ou permitir ou autorizar qualquer outra pessoa ou entidade a divulgar a Unidade como disponível”.
  2. Com efeito, a Requerente além de transferir a gestão da exploração turística do seu imóvel, vinculou-se expressamente, sob pena de incorrer em penalizações, a não explorar turisticamente o imóvel.
  3. Pelo que, não pode vir agora a Requerente, invocar que se encontrava a explorar o imóvel, pois existe e juntou aos presentes autos, um contrato de exploração turística por si celebrado, desenvolvido em exclusivo por outra entidade.
  4. Na verdade a Requerente não demonstrou nos presentes autos, o desenvolvimento de uma atividade empresarial sobre este imóvel, a tal atividade de exploração de apartamentos, consagrada no CAE “55123”.
  5. Perante o exposto, da prova carreada para os autos, o presente Tribunal, não pode chegar a outra conclusão, se não a de que a sociedade D… SA, geriu nos períodos fiscais aqui em apreço 2012 a 214, a exploração turística do imóvel em regime de exclusividade.
  6. E atendendo à posição jurisprudencial e doutrinal supra citada, seria necessário para o enquadramento na Categoria B, que o sujeito passivo desenvolva uma atividade empresarial, como se de uma empresa individual se trate-se, porque não é suficiente deter um imóvel e declarar esses rendimentos na categoria B.
  7. Cabia ao sujeito passivo demonstrar que desenvolve uma atividade comercial e que essa atividade consiste na exploração para habitação periódica, de acordo com o CAE “55123”.
  8. Caso o sujeito passivo não desenvolva essa atividade, os rendimentos são, (e subscrevendo a posição de Manuel Pires), tributados em sede de categoria F, e nos presentes autos, não ficou demonstrado que os rendimentos ora em apreço estão relacionados com a sua atividade empresarial ou comercial.
  9. Nestes termos, improcede o pedido dos Requerentes de enquadramento dos rendimentos auferidos, na categoria B, por entender este Tribunal que os rendimentos auferidos pelos Requerentes decorrentes da exploração do imóvel, são enquadráveis no disposto no nº 1 e alínea a) do nº 2 do artigo 8.º do CIRS, respetivamente nos rendimentos prediais ou de Categoria F.
  10. Assim e atendendo a que o Tribunal considerou que o enquadramento efetuado pela Requerida nos atos de liquidação aqui impugnados não padece de vício quanto à sua correta inserção dos rendimentos na Categoria F, cabe ao presente Tribunal debruçar-se quanto ao pedido subsidiário da Requerente no que diz respeito à consideração de outras despesas, no âmbito do disposto no art.º. 41º. do CIRS, o que fará de seguida:
  11. Peticiona a Requerente serem consideradas as despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, gás e agua, suportadas pelos Requerentes no ano de 2012, 2013 e 2014, para efeitos de dedução ao abrigo do art.º. 8º do CIRS;
  12. Contudo para o Tribunal Arbitral analisar as alegadas despesas suportadas pela Requerente, cabia-lhe a esta elencar nos factos carreados para este Tribunal, o valor discriminado das despesas que pretendia ver apreciadas, assim como a respetiva prova documental comprovativa das referidas despesas.
  13. No caso em apreço, por não existirem factos carreados para os autos nem prova documental, impede o Tribunal de apreciar a legalidade e dedutibilidade de despesas nos rendimentos de categoria F tal como a Requerente o peticionou.
  14. Nestes termos, entende o Tribunal Arbitral que o pedido da Requerente quanto à dedutibilidade das despesas aos rendimentos de Categoria F, tal como o peticionou é considerado improcedente.
  15. O Tribunal Arbitral, os termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pela Requerente nem na resposta efetuada pela Requerida, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficam prejudicadas para a apreciação as restantes questões submetidas a pedido de pronuncia.

            H - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016…, n.º 2016… e 2016… referente ao anos de 2012, 2013 e 2014, no montante global de 13.881,62€ (treze mil oitocentos e oitenta e um euros e sessenta e dois cêntimos).
  2. Julgar improcedente o pedido de dedutibilidade das despesas aos rendimentos de Categoria F do CIRS.

Fixa-se o valor do processo em 13.881,62€, que é o equivalente ao valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo, aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 918,00€ (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerente de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2018

A Árbitra

Rita Guerra Alves