Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 154/2017-T
Data da decisão: 2017-10-31  IVA  
Valor do pedido: € 14.904,39
Tema: IVA – Falta de fundamentação dos actos de liquidação – Operação simulada – Transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial.
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Decisão Arbitral [1]

 

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 17 de Maio de 2017, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.    A…, S.A., contribuinte nº…, com sede no …, nº…, em…, … (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular no dia 3 de Março de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    A Requerente tendo sido notificada “(…) do Despacho do Exmo. Senhor Director de Finanças de Portalegre, de 13 de Dezembro de 2016, que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nº 2016…, relativo ao período de 1303T, correspondente liquidação de juros compensatórios nº 2016…, acto de liquidação de IVA nº 2016…, relativo ao período de 1306T, acto de liquidação de IVA nº 2016…, relativo ao período de 1309T, correspondente liquidação de juros compensatórios nº 2016 … e, bem assim, contra o Documento de Correcção nº…, relativo ao período de 1312T (…)”, vem apresentar pedido de pronúncia arbitral relativamente àqueles actos de liquidação de imposto e juros compensatórios e(…) contra o Despacho do Exmo. Senhor Director de Finanças de Portalegre, de 13 de Dezembro de 2016 que indeferiu a Reclamação Graciosa que antecedeu (…)” (sublinhado nosso).

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 6 de Março de 2017 e notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 27 de Abril de 2017, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 17 de Maio de 2017, tendo sido proferido despacho arbitral, em 18 de Maio de 2017, no sentido de notificar a Requerida para, “(…) em 30 dias, responder, juntar cópia do processo administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional”.

 

1.7.    Em 22 de Junho de 2017, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação, solicitado a dispensa da produção de prova testemunhal bem como da prova por declaração de parte “(…) na medida em que, subjacente aos (…) autos, apenas se encontra em apreciação matéria de direito traduzida no reconhecimento da legalidade da correção com base na factualidade, apurada em sede de procedimento inspetivo e não infirmada”, e tendo ainda concluído que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

1.8.    Na mesma data, a Requerida anexou, ao processo arbitral, o processo administrativo.

 

1.9.    Por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 23 de Junho de 2017, “decidiu este Tribunal, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT”:

 

  1. Admitir a prova testemunhal e a prova por declaração de parte, requerida pela Requerente no pedido arbitral”;
  2. Agendar reunião para próximo dia 12 de Julho de 2017, pelas 14:00, a realizar nas instalações do CAAD, em Lisboa, para efeitos de inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, incluindo a declaração de parte, relativamente aos factos indicados (…) no pedido arbitral”;
  3. Decidir na reunião acima referida da possibilidade de dispensa da apresentação de alegações”.

 

  1. Em 3 de Julho de 2017 a Requerida apresentou requerimento no sentido de solicitar, “(…) devido à indisponibilidade total de agenda de ambos os juristas designados pela entidade Requerida no presente processo arbitral (…)”, “(…) o reagendamento da reunião (…)”, comunicando “(…) a disponibilidade de ambos os juristas designados para comparecer na diligência de inquirição de testemunhas nos dias 13 e 14 do presente mês”.

 

  1. A Requerente apresentou, em 4 de Julho de 2017, requerimento no sentido de “(…) indicar a matéria de facto sobre a qual dever incidir o depoimento das testemunhas arroladas (…)”.

 

  1. Por despacho arbitral de 4 de Julho de 2017 foi reagendada a data da reunião, previamente marcada para o dia 12 de Julho de 2017, para o dia 13 de Julho de 2017, pelas 14:00, nas instalações do CAAD, em Lisboa.

 

  1. Em 10 de Julho de 2017, a Requerente apresentou requerimento no sentido de manifestar a total impossibilidade do seu mandatário para estar presente na reunião agendada para o dia 13 de Julho de 2017, propondo as datas de 5 ou de 6 de Setembro ou ainda outras de conveniência de todas as partes envolvidas.

 

  1. Na mesma data, por despacho arbitral, foi a Requerida notificada para, no prazo de 5 dias, manifestar a sua possibilidade de comparência numa das datas sugeridas pela Requerente, e foram ambas as Partes notificadas de que foi dada sem efeito a data de 13 de Julho de 2017 para a realização da reunião referida no ponto anterior.

 

  1. A Requerida veio apresentar requerimento no dia 14 de Julho de 2017, no sentido de manifestar a sua possibilidade de comparência no CAAD, para efeitos da realização da reunião acima identificada, em ambos os dias propostos pela Requerente.

 

  1. Assim, por despacho arbitral datado de 15 de Julho de 2017, foi reagendada a data da referida reunião para o dia 6 de Setembro de 2017, pelas 14:30, nas instalações do CAAD, em Lisboa.

 

  1. Em 6 de Setembro de 2017 foi realizada no CAAD, nos termos do artigo 18º do RJAT, a reunião arbitral agendada para inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, bem como para a produção de prova por declaração de parte, com reprodução sonora dos depoimentos prestados e da qual foi lavrada a corresponde acta, que faz parte integrante do presente processo.

 

  1. No âmbito da referida reunião, o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar da data da notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo concedido para o efeito (no caso daquela não apresentar alegações).

 

  1. Por outro lado, em cumprimento do disposto no artigo 18º, nº 2 do RJAT, o Tribunal designou o dia 31 de Outubro de 2017 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

  1. Por último, o Tribunal advertiu a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a fazer em 10 de Outubro de 2017).

 

  1. Em 21 de Setembro de 2017, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, no sentido de reiterar a argumentação apresentada no pedido arbitral, alicerçada na prova testemunhal produzida na reunião de 6 de Setembro de 2017 e concluindo que “(…) deverá o (…) pedido de pronúncia arbitral ser julgado (…) provado com as necessárias consequências legais (…)”.

 

  1. Em 10 de Outubro de 2017, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, no sentido de reiterar que “as conclusões de direito constantes da Resposta prestada pela Requerida se mantêm in totum” e de que “não logrou a Requerente, com a prova produzida, provar que o contrato tivesse sido celebrado com a B…, ou que o serviço tenha por esta sido prestado, bem como, não logrou também provar, que tenha procedido à locação paredes nuas (…)”, concluindo que “(…) face à prova produzida (…) o pedido de pronúncia arbitral não pode proceder”, entendendo que deverá “(…) o pedido arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida, nos termos (…) peticionados, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

Da falta de fundamentação dos actos de liquidação de IVA

 

2.1.    Começa por referir que “(…) foi notificada do acto de liquidação de IVA nº 2016…, relativo ao período de 1303T, da correspondente liquidação de juros compensatórios nº 2016…, do acto de liquidação de IVA nº 2016…, relativo ao período de 1306T, do acto de liquidação de IVA nº 2016…, relativo ao período de 1309T, da correspondente liquidação de juros compensatórios nº 2016… e, bem assim, do Documento de Correcção nº…, relativo ao período de 1312T, que constituem o objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral (…)”.

 

 

2.2.    Contudo, segundo a Requerente, “da análise feita aos referidos actos tributários não resulta suficiente, clara e congruente a sua fundamentação, quer de facto, quer de direito” porquanto “nos actos tributários notificados não são explicitados os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que determinaram a sua emissão (…)”, “(…) sendo apenas indicado um conjunto de valores (…) imperceptíveis para um destinatário normal (…)”, “(…) sem se identificarem (…) as concretas disposições legais em que assenta aquela (…) liquidação”.

 

2.3.    Com efeito, alega a Requerente que “(…) impende sobre a Administração Tributária o dever legal de fazer referência expressa às disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente, e tem por consequência a anulabilidade do acto”, pelo que considera “(…) curial que se conclua que os actos de liquidação de imposto ora contestados foram praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (…), devendo ser anulados em conformidade (…)”.

 

Dos Factos

 

2.4.    Neste âmbito, a Requerente esclarece que “é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste na exploração florestal da Herdade …”, sendo que “uma das actividades desenvolvidas (…) consiste na valorização de um montado de sobro tendo em vista a extracção de cortiça dos sobreiros para posterior venda”.

 

2.5.    Prossegue a Requerente referindo que “em 2013, perante a necessidade de realizar o trabalho de retirada da cortiça na herdade (…), contactou uma pessoa em quem depositava confiança (…)”, “(…) com vista à extracção de cortiça (…), tendo negociado “(…) os respectivos termos (…)” “(…) para efeitos de formalização correspondente contrato (…)”.

 

2.6.    Assim, “em 1 de Julho de 20l3, a Requerente celebrou um contrato de tiragem de cortiça com a sociedade B…, Lda. (…) que, no acto, foi representada pelo Sr.C…, tendo este referido que aquela era a sua sociedade, tendo (…) criado a convicção nos representantes da Requerente que seria aquela a sociedade pela qual o serviço iria ser facturado”.

 

2.7.    Continua referindo que “nos termos do referido contrato, com início em 1 de Julho de 20l3 a Requerente comprometeu-se a pagar a quantia de € 3,45 por arroba, sendo o pagamento realizado de acordo com as pesagens e descontos feitos pelo comprador da cortiça (…)”, tendo o serviço contratado sido “(…) efectivamente prestado pelo Sr. C… e por uma equipa sob a sua coordenação”.

 

2.8.    Ora, segundo a Requerente, “prestado o serviço contratado, a Requerente foi confrontada (…) com a correspondente factura (…), no montante € 56.891.00, acrescido de € 13.085,00 a título de IVA (…), emitida pela sociedade B…, Lda. (…), conforme contrato e conforme o trabalho efectivamente realizado”, tendo a Requerente procedido “(…) ao pagamento do referido montante em duas tranches, através de dois cheques, ambos emitidos à ordem da sociedade (…)”.

 

2.9.    Por outro lado, refere a Requerente que “(…) acessoriamente à sua actividade principal, a Requerente celebrou (…), em 23 de Fevereiro de 2010, um contrato de sublocação tendo por objecto o imóvel correspondente ao rés-do­chão direito do prédio urbano sito no …, nº…, freguesia de …, concelho de…, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº… e inscrito na matriz sob o artigo … da referida freguesia (…)”.

 

2.10.  Adicionalmente, refere a Requerente que “conforme consta da cláusula 1.3 do contrato de sublocação, o imóvel identificado (…) foi previamente dado em locação financeira à Requerente pelo Banco D…, S.A. no âmbito de um contrato de Locação Financeira Imobiliária (…)”, sendo que “entre outros aspectos, ficou estipulado (…) que a Segundo Contraente e Sublocatário [se] obriga[va] a proceder da sua responsabilidade de todas as despesas de beneficiação do espaço do café, pinturas, substituição de balcões e louças sanitárias, mudanças de portas, ficando nos dois primeiros anos de contrato, isenta de pagamento ao Primeiro Contraente e Locatário da renda de € 250,00 (…), mensais”.

 

2.11.  Esclarece ainda a Requerente que “estas obrigações ficaram a cargo da sublocatária porque embora o imóvel estivesse licenciado (…) desde 6 de Janeiro de 2010 para o efeito (…), a Requerente não o explorava como um café”.

 

2.12.  Com efeito, segundo a Requerente, “à data da celebração do contrato de sublocação não havia qualquer estabelecimento comercial a funcionar no espaço em causa”, sendo que “à data da sublocação, não se encontrava no locado qualquer tipo de material que fosse adequado à exploração de um café, designadamente máquinas e mobiliário (…)”, “nem nunca tais equipamentos alguma vez figuraram no mapa de amortizações ou no rol dos elementos que compunham o activo da Requerente”, nem “(…) tinha a Requerente trabalhadores no locado que se dedicassem à exploração de um café ou de outro tipo de estabelecimento comercial”.

 

2.13.  Na verdade, reitera a Requerente, “dado que a actividade (…) estava centrada na exploração agrícola da Herdade … e a Sra. E… tinha experiência no ramo da hotelaria e restauração, decidiu sublocar o espaço para que esta última aí pudesse instalar um café e assim desenvolver a sua actividade”, sendo que “ao longo do ano de 2013 (…) a Requerente emitiu recibos das rendas mensais pagas pela subarrendatária, cada um no valor total de € 250,00 (…)”.

 

2.14.  Ora, esclarece a Requerente que “no seguimento de um procedimento de Inspecção Tributária a que foi sujeita a sociedade B…, Lda., a Administração Tributária encetou, igualmente, um procedimento da mesma natureza à Requerente (…)”, tendo esta sido notificada, “(…) por Ofício de 30 de Novembro de 2015 dos Serviços de lnspecção Tributária da Direcção de Finanças de Portalegre, do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, no qual a Administração Tributária alegou que o IVA relativo à factura emitida pela sociedade (…) não poderia ser objecto de dedução por (alegadamente) corresponder a uma operação que não foi realizada entre o emitente do documento e a Requerente”.

 

2.15.  Por outro lado, refere ainda a Requerente que, no âmbito do procedimento de inspecção acima referido, “mais alegou a Administração Tributária que o subarrendamento do imóvel (…) identificado estava sujeito a IVA por se tratar de uma transferência onerosa da exploração de um estabelecimento comercial (…)”.

 

2.16.  Prossegue a Requerente referindo que notificada para exercer o direito de audição, o fez por escrito, tendo sido “posteriormente (…) notificada do Relatório de lnspecção Tributária (…), nos termos do qual foi mantido o entendimento anteriormente veiculado em sede de Projecto de Relatório” tendo a Requerente sido notificada, “findo o procedimento inspectivo (…) dos actos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios ora contestados (…)”

 

2.17.  Por não se conformar com as liquidações referidas, “a Requerente apresentou, em 10 de Maio de 2016, (….), Reclamação Graciosa contra aqueles actos (…)”, tendo a Requerente sido notificada “(…) para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Decisão da Reclamação Graciosa apresentada, tendo optado por não exercer o referido direito de audição”.

 

2.18.  Assim, refere a Requerente que “(…) foi notificada (…) do Despacho do Exmo. Senhor Director de Finanças de Portalegre, de 13 de Dezembro de 2016, que indeferiu a Reclamação Graciosa (…)”:

 

2.18.1.   “Por entender que existiam indícios credíveis de que o serviço de tiragem de cortiça não foi efectuado pela entidade emissora da factura, considerando, por isso, ter havido simulação de negócio e, por conseguinte, que a dedução do IVA constante da factura emitida estava vedada (…)” e,

2.18.2.   “Relativamente à incidência de IVA sobre as rendas pagas pelo sublocatário, entendeu a Administração Tributária que não se tratava de uma sublocação paredes nuas, atendendo a que supostamente o referido espaço se encontrava equipado de modo a proporcionar ao sublocatário um valor acrescentado, o que, por sua vez, colocava tal operação fora do âmbito da isenção do IVA”.

 

2.19. Ora, “(…) a Requerente não pode conformar-se com o teor da referida Decisão, nem com os fundamentos que presidiram à emissão dos actos tributários ora contestados” porquanto entende, no que diz respeito à prestação de serviços facturada pela sociedade B…, Lda., que não se verificou qualquer operação simulada e não houve o intuito de enganar terceiros e, no que diz respeito ao subarrendamento do imóvel identificado, entende que se verifica a inexistência de transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial, pelos motivos que desenvolve ao longo do pedido arbitral.

 

Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

 

2.20.  Neste âmbito, entende a Requerente que “sendo de anular, por ilegalidade, os actos de liquidação de imposto ora em apreço serão, igualmente, de anular os actos de liquidação de juros compensatórios (…), por ausência de um dos seus fundamentos ou pressupostos legais essenciais: retardamento de liquidação de imposto devido”, acrescentando que “(…) há um outro pressuposto legal da liquidação de juros compensatórios que carece de ser devidamente demonstrado pela Administração Tributária em sede de fundamentação dos actos tributários de liquidação: que o retardamento da liquidação do imposto se deveu a facto imputável ao contribuinte (…)”, concluindo que “(…) os actos de liquidação de juros compensatórios (…) contestados são ilegais, devendo ser anulados em conformidade”.

 

Da ilegalidade do Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa

 

2.21.  Nesta matéria, defende a Requerente que “por reflectir uma incorrecta apreciação dos factos e do direito (…), o Despacho (…) que indeferiu a Reclamação Graciosa enferma de ilegalidade”, acrescentando que “este mesmo Despacho padece de vício de forma, por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, devendo ser anulado em conformidade (…)”.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

2.22.  Neste âmbito, “embora a ora Requerente não se conforme com os actos tributários de IVA e juros compensatórios sub judice, promoveu o seu pagamento em 14 de Março de 2016 (…)”, pelo que entende que “(…) serão devidos juros indemnizatórios (…) no seguimento da anulação dos actos de liquidação ora contestados”.

 

2.23.  Adicionalmente, a Requerente requer ainda a inquirição das testemunhas que apresenta no pedido arbitral, bem como a audição do depoimento de Parte.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu, defendendo-se por impugnação e sustentando que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

3.2.    Começa a Requerida por referir que as motivações subjacentes ao procedimento inspetivo, levado a cabo na Requerente, são as descritas no Relatório de Inspecção Tributária (RIT), para o qual remete, sendo que, no decorrer da acção inspetiva, os serviços de inspeção da Direção de Finanças de Portalegre apuraram factos com relevância face ao peticionado pela Requerente.

 

3.3.    Ora, esclarece a Requerida que “atendendo ao expendido no RIT (…) os serviços de inspeção tributária efetuaram (…) correções, em sede de IVA” no exercício de 2013, que identifica.

 

3.4.    Esclarece ainda a Requerida que “após notificação do relatório final de inspeção (…)” foram “emitidas as liquidações adicionais aqui sindicadas”, sendo que “por não se conformar com as mesmas, a Requerente (…)” apresentou “um pedido de reclamação graciosa (n.º …2016…), (…) no Serviço de Finanças de … a 11/05/2016 (…)”, o qual foi indeferido, a 13 de Dezembro de 2016, pelo Diretor de Finanças de Portalegre, sendo “a referida decisão de indeferimento (…) notificada, por ofício, através de carta registada com aviso de receção (…)”.

 

3.5.    Acrescenta a Requerida que, “a 03/03/2017, por não se conformar com a decisão proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, a Requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral” relativamente ao qual “a AT pugna pela manutenção na ordem jurídica das liquidações controvertidas, nos termos (…) a explicitar”.

 

Quanto à alegada insuficiência de fundamentação dos actos de liquidação

 

3.6.    Neste âmbito, defende a Requerida que “(…) não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação dos atos impugnados” porquanto “(…) no que respeita à fundamentação dos atos administrativos (…) o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão”.

 

3.7.    Ora, entende a Requerida que “resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato”, “como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que fez quer através da reclamação graciosa, quer através do presente pedido de pronúncia arbitral”.

 

3.8.    Assim, defende a Requerida que “(…) não se pode deixar de concluir (…) que não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido[2], entendendo que “(…) é manifesto e inquestionável que a Requerente demonstra, ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, uma perfeita compreensão do ato ora em crise”.

 

3.9.    Neste âmbito, refere ainda a Requerida que “a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação (…) podia a Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade”, pelo que “(...) não tendo a Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os atos aludidos continham (…) todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que eventualmente padeciam ficou sanado”.

 

Da alegada inexistência de operação simulada

 

3.10.  Nesta matéria, defende a Requerida que não assiste razão à Requerente porquanto entende não existir qualquer operação simulada dado que  “(…) a Requerente assume [que] contactou o Senhor C… para lhe prestar os serviços de extração de cortiça por já o ter feito no passado e com sucesso (…)” mas depreendeu a Requerida, da análise que efectuou, “(…) que a Requerente bem sabia que o serviço estava a ser prestado pelo Senhor C…, e seus funcionários devidamente segurados, e não pela sociedade B…, LDA.”.

 

3.11.  Com efeito, segundo a Requerida, “(…) numa (vã) tentativa de justificar esta diferença entre efetiva prestação de serviço e a formalização do mesmo a Requerente admite ter sido o serviço prestado por entidade diversa da que o faturou, argumentando que tal facto se deve a uma subcontratação que, no entanto, não logra provar”.

 

3.12.  Na verdade, segundo a Requerida “a própria Requerente assume ser-lhe indiferente formalizar o negócio de extração de cortiça com a sociedade B…, LDA ou com o Sr. C… (…)”, sendo que, a este respeito, “(…) a Requerida assume um entendimento diferente da Requerente”, porquanto para “a Autoridade Tributária e Aduaneira fazer constar dos documentos (contrato e fatura) que determinado serviço foi prestado por uma entidade quando na verdade foi prestado por outrem consubstancia simulação por alteração dos sujeitos (…)”, “(…) pelo facto do prestador do serviço não coincidir com a sociedade emissora da fatura em causa”.

 

3.13.  Assim, defende a Requerida que “não confere direito à dedução imposto mencionado em faturas que não correspondam a verdadeiras operações tributáveis” e “como tal, cabia, no âmbito do procedimento inspetivo, verificar (como se verificou) se existiam indícios sérios de as faturas não corresponderem a tais operações efetivas, como decorre do sistema comum do IVA, e foi (corretamente) transposto para a ordem jurídica nacional”.

 

3.14.  Reitera a Requerida que “à AT incumbia apenas colocar em questão a veracidade das operações tituladas pelas facturas, pela recolha de factos indiciários da falta de credibilidade das mesmas”, citando para o efeito, nomeadamente, o teor do Acórdão do STA de 23 de Maio de 2007 (recurso nº 128/07), nos termos qual se afirma que “(…) ao contribuinte cabe provar a existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, isto é, a efectiva existência das alegadas transacções”, concluindo a Requerida no sentido de que “(…) pretendendo a Requerente o reconhecimento do direito à dedução, inequivocamente estava onerada com a prova dos factos constitutivos desse direito”, “o que não logrou fazer no âmbito do procedimento inspetivo nem no procedimento de reclamação graciosa (…)”.

 

3.15.  Assim, para a Requerida deverá “(…) resolver-se contra a pretensão da Requerente (…) toda a indefinição probatória sobre os factos constitutivos do direito a que se arroga”.[3]

 

3.16.  Nestes termos, conclui a Requerida que “em face de tudo o que foi exposto, torna-se indesmentível que as correções efetuadas se encontram perfeitamente escudadas na lei e são conformes à interpretação desta feita, quer pelo Tribunal de Justiça, quer pelos tribunais superiores da jurisdição tributária nacional”.

 

3.17.  Mas também “em termos de Direito da União, tem-se por consolidada a jurisprudência no sentido de que há necessidade de se manter a exigência quanto à verificação dos pressupostos do direito à dedução”, “sob pena de frontal violação do princípio da neutralidade, logo, da subversão do funcionamento do sistema comum do IVA e de total capitulação face à fraude e evasão fiscais”.

 

Da alegada inexistência de transferência onerosa da exploração de um estabelecimento comercial

 

3.18.  Nesta matéria, alega a Requerida que “para além do já expendido na factualidade (…) cabe apenas realçar que (…) o estabelecimento encontrava-se licenciado como café, em toda a correspondência da Requerente com a locadora financeira, bem como no contrato celebrado com a sua arrendatária, é feita a referência ao estabelecimento comercial e na cópia do CONTRATO DE SUBLOCAÇÃO datado de 23 de Fevereiro de 2010, entre o locatário A…, S.A e o sublocatário E…, (…) pode ler[-se] na CLÁUSULA QUARTA (…) Como contrapartida da presente sublocação o Segundo Contraente e Sublocatário obriga-se a proceder de sua responsabilidade de todas as despesas de beneficiação do espaço do café, pinturas, substituição de balcões e louças sanitárias, mudança de portas, ficando nos dois primeiros anos de contrato isenta de pagamento ao Primeiro Contraente e Locatário da renda de €250,00 (…) mensais. (…) O pagamento referido no número anterior só deverá ser efectuado pelo segundo Contraente, a partir do 25º mês da abertura do café”.

 

3.19.  Assim, para a Requerida, “(…) facilmente se depreende que embora tenha ficado a sublocatária responsável pela adaptação do espaço ao regular funcionamento como café o fez a expensas da Requerente”.

 

3.20.  Para a Requerida, “é absolutamente irrelevante que ao momento da celebração do contrato o espaço já se encontrasse completamente equipado ou não, sendo certo que o veio a ser a expensas da Requerente, bem como irrelevante é que o custeamento por parte desta fosse efetuado antes da celebração do contrato ou por via do não recebimento de 24 meses de renda”, “tal como irrelevante é que tais elementos figurem nos ativos fixos tangíveis da Requerente, pois como é pacífico a realidade contabilística não se sobrepõe, para efeitos de tributação, à realidade material” pois, “acompanhando o enquadramento legal feito pela Requerente e discordando apenas de um facto (o estabelecimento foi equipado a custas da Requerente), como bem observaram os SIT, a operação em apreço é sujeita a imposto (IVA) e dele não isenta”.

 

Da inexistência de fundamento legal para o pedido de juros indemnizatórios

 

3.21.  Nesta matéria, segundo a Requerida, “no caso em apreço e como já se demonstrou, não se verifica a situação que a lei configura como sendo de erro imputável aos serviços” pelo que pelo conclui a Requerida que deverá improceder, “(…) por infundado, o peticionado pagamento de juros indemnizatórios”.

 

Da alegada ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa

 

3.22.  A este respeito, reitera a Requerida que “quanto à pretendida declaração de ilegalidade da decisão que indeferiu a reclamação graciosa ora em apreço, deve a mesma ser julgada improcede por todas as razões de facto e de direito a que (…) se aludiu”.

 

Da prova testemunhal

 

3.23.  Neste âmbito, segundo a Requerida, tendo a Requerente vindo “(…) solicitar a produção de prova testemunhal bem como a prova por declaração de parte (…)”, entende a Requerida que as mesmas “(…) deverão ser dispensadas na medida em que, subjacente aos presentes autos, apenas se encontra em apreciação matéria de direito traduzida no reconhecimento da legalidade da correção com base na factualidade, apurada em sede de procedimento inspetivo e não infirmada”.

 

3.24.  Ora, para a Requerida, “sendo esta a questão controvertida nos autos, a inquirição de testemunhas não passaria de um ato inútil para o desempenho da tarefa de determinação do sentido e alcance em que a lei deve ser aplicada, sendo proibida a prática de atos processuais inúteis (…)”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.    A cumulação de pedidos é legal, por se verificarem os pressupostos exigidos no artigo 3º, n 1 do RJAT, ou seja, a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.5.    Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

Dos factos provados

 

5.1.    Consideram-se como provados os seguintes factos:

 

5.1.1.     A Requerente é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste na exploração florestal da Herdade da …, sendo que uma das actividades aí desenvolvidas “(…) consiste na valorização de um montado de sobro tendo em vista a extracção de cortiça dos sobreiros para posterior venda”.

5.1.2.     A Requerente está registada, desde 1 de Dezembro de 1996, em IRC e em IVA, com a actividade de “exploração florestal” (CAE 002200), encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e, para efeitos de IRC, no regime de determinação da matéria colectável.

5.1.3.     A Requerente era, em 2013, ao abrigo de contrato de locação financeira imobiliária, celebrado com o Banco D… (nº…), Locatária do imóvel correspondente ao rés-do-chão direito do prédio urbano sito no…, nº…, …, Concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de … .

5.1.4.     O referido imóvel estava licenciado para a actividade comercial de café, pela Câmara Municipal de …, desde 6 de Janeiro de 2010.

5.1.5.     A Requerente celebrou, em 23 de Fevereiro de 2010, com a Sra. E…, um Contrato de Sublocação tendo por objecto o imóvel descrito no ponto 5.1.3., mediante o pagamento de uma renda mensal de EUR 250,00.

5.1.6.     De acordo com o contrato referido no ponto anterior, a responsabilidade por todas as despesas de beneficiação do espaço, pinturas, substituição de balcões, louças sanitárias e mudança de portas era da Sublocatária, ficando esta isenta do pagamento de rendas nos dois primeiros anos de contrato (24 meses).

5.1.7.     A Requerente celebrou, em 1 de Julho de 2013, com a sociedade B…, Lda., um contrato de tiragem de cortiça, nos termos do qual se comprometeu a pagar a quantia de EUR 3,45 por arroba, sendo o pagamento realizado de acordo com as pesagens e descontos feitos pelo comprador da cortiça.

5.1.8.     O serviço contratado (descrito no ponto anterior) foi materialmente executado pelo Sr. C… e pela sua equipa.

5.1.9.     A Requerente obteve relativamente à sociedade B…, Lda., certidão emitida pela Chefe do Serviço de Finanças de Alenquer, datada de 1 de Julho de 2013, bem como declaração da Segurança Social, de 19 de Junho de 2013, nas quais se atestava que a referida sociedade tinha a sua situação tributária e contributiva regularizada.

5.1.10.   A Requerente pagou o serviço contratado, facturado através da factura nº 0005-B, de 8 de Agosto de 2013, no montante total de EUR 69.976,00 (EUR 56.891,00, acrescido de IVA no montante de EUR 13.085,00), através da emissão de dois cheques – o nº…, de 3 de Agosto de 2013, no montante de EUR 15.000,00 e o nº…, de 16 de Agosto de 2013, no montante de EUR 54.976,00).

5.1.11.   A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção efectuada no cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2015… (de 10 de Agosto de 2015, da Direção de Finanças de Portalegre), de âmbito geral e incidente sobre o ano 2013, cujos actos de inspecção tiveram início em 22 de Setembro de 2015 e fim em 27 de Novembro de 2015.

5.1.12.   Da referida acção de inspecção resultaram, em matéria de IVA, correcções no exercício de 2013 no montante de EUR 14.371,19.

5.1.13.   A Requerente foi notificada através do Ofício nº…, de 30 de Novembro de 2015, da Direção de Finanças de Portalegre, do projecto de Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e para exercer o direito de audição relativo ao teor do mesmo.

5.1.14.   A Requerente apresentou, em 16 de Dezembro de 2015, o respectivo direito de audição.

5.1.15.   A Requerente foi notificada através do Ofício nº…, de 6 de Janeiro de 2016, da Direção de Finanças de Portalegre, do RIT no qual foi mantido o entendimento anteriormente defendido pela Requerida (vide ponto 5.1.13., supra).

5.1.16.   Em consequência, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais de IVA, de imposto no montante total de EUR 14.371,19 e de juros, no montante total de EUR 1.174,14 [montante global de
EUR 15.545,33, dos quais EUR 14.905,86 (EUR 14.904,39 segundo a Requerente) dizem respeito às correcções objecto do pedido arbitral (imposto e juros)]:

 

LIQUIDAÇÃO Nº

PERÍODO

NATUREZA

MONTANTE TOTAL

MONTANTE INCLUÍDO NO PEDIDO[4]

2016 014486868

201303T

IVA

392,64

172,50

2016 …

201306T

IVA

172,50

172,50

2016 …

201309T

IVA

13.500,15

13.257,50

2016 …

201312T

IVA

305,90[5]

172,50

2016 …

201303T

JUROS

40,87

17,96

2016 …

201309T

JUROS

1.133,27

1.112,90

TOTAL

15.545,33

14.905,86

 

5.1.17.   A Requerente efectuou o pagamento de todas as liquidações identificadas dentro do prazo limite para pagamento voluntário das mesmas (14 de Março de 2016).

5.1.18.   A Requerente apresentou, em 11 de Maio de 2016, reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de imposto e juros identificadas no ponto 5.1.16., supra.

5.1.19.   A Requerente foi notificada através do Ofício nº…, de 17 de Novembro de 2016, da Direção de Finanças de Portalegre, do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada bem como para se pronunciar no âmbito do direito de audição.

5.1.20.   A Requerente não exerceu o direito de audição relativo ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada.

5.1.21.   A Requerente foi notificada de Ofício de 14 de Dezembro de 2016 relativo ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa (nº …2016…), porquanto a Requerida entendeu que:

 

a)    Havia “fundamentação suficiente das correções que originaram as liquidações adicionais de IVA, cujo conteúdo consta do relatório do procedimento de inspeção, no qual a reclamante participou escrita e oralmente”;

b)    “Existiam indícios credíveis de que o serviço de tiragem de cortiça não foi efectuado pela entidade que emitiu a fatura, havendo deste modo uma simulação de negócio entre pessoas, cabendo à reclamante o ónus da prova de que tal prestação de serviços havia sido efetuada pela empresa B…, Lda., o que não logrou alcançar”, pelo que, consequentemente, verificou-se a “impossibilidade da reclamante proceder à dedução do IVA constante da fatura 05-B emitida pela B…, Lda. (…) tendo-se concluído que o serviço foi efetivamente prestado por outra entidade que não a emissora da fatura”;

c)    “O arrendamento do imóvel sito no …, … –…, não consiste de paredes nuas, estando no local presentes outros equipamentos (balcões) que proporcionam ao locatário um valor acrescentado, colocando deste modo tal operação fora do âmbito da isenção preconizada no nº 29 do art. 9º do CIVA. Desta forma, encontra-se tal prestação de serviços sujeita e não isenta de IVA, devendo, por conseguinte, ser liquidado imposto à taxa normal a incidir sobre o valor da contraprestação obtida (…)”;

d)    Existia “fundamentação bastante da liquidação dos juros compensatórios, sendo indicadas todas as normas legais aplicáveis, existindo a culpa do contribuinte por no mínimo ter uma ação negligente ao não averiguar os contornos de um negócio que celebrou com uma entidade distinta da que prestou o serviço, tendo conhecimento prévio que o mesmo iria ser realizado pelo Sr. C… e não pela empresa B…, Lda.”.

 

5.2.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.3.    No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, na análise do processo administrativo anexado pela Requerida, bem como na prova produzida em sede de inquirição de testemunhas e audição de depoimento de Parte.

 

Dos factos não provados

 

5.4.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Como acima foi descrito, na génese do pedido de pronúncia arbitral estão os actos tributários de liquidação de IVA, conforme identificados no ponto 5.1.16., supra, os quais tiveram na sua origem nas correcções que a Requerida efectuou, no âmbito de um inspecção tributária realizada na Requerente, ao ano 2013, conforme acima referido nos pontos 5.1.11. e 5.1.12.

 

6.2.    No pedido arbitral em análise, estão em causa as correcções respeitantes:

 

6.2.1.     À alegada dedução indevida de IVA (mencionado em factura emitida pela sociedade B…), no ano 2013, no montante de EUR 13.085,00, porquanto o mesmo resulta, segundo a Requerida, de operação simulada, e,

6.2.2.     À alegada falta de liquidação de IVA, pela Requerente, no ano de 2013, no valor total de EUR 690,00, relativamente ao valor mensal das rendas
(EUR 250,00/mês) debitadas à Sra. D. E…, com respeito à locação do bem imóvel descrito nos pontos 5.1.3. e 5.1.4., supra.

 

6.3.    Em consequência, por não concordar com as referidas liquidações de imposto e de juros, a Requerente apresentou reclamação graciosa (a qual foi objecto de despacho de indeferimento, conforme ponto 5.1.21., supra), seguida de apresentação de pedido de pronúncia arbitral, nos termos do qual peticiona que seja o mesmo julgado procedente, porque provado e, em consequência:

 

6.3.1.     Sejam anulados “(…) o despacho do (…) Director de Finanças de Portalegre, datado de 13 de Dezembro de 2016, que indeferiu a reclamação graciosa nº …2016… e, bem assim, o acto de liquidação de IVA nº 2016…, relativo ao período 1303T, e correspondente liquidação de juros compensatórios nº 2016…, o acto de liquidação de IVA nº 2016 …, relativo ao período de 1306T, o acto de liquidação de IVA nº 2016 …, relativo ao período de 1309T, e correspondente liquidação de juros compensatórios nº 2016 …, e o documento de correcção nº…, relativo ao período 1312T (…)”;

6.3.2.     Seja ordenado “o reembolso do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios”.

 

6.4.    Relativamente aos fundamentos que a Requerida apresenta para suportar a alegada dedução indevida de IVA referida no ponto 6.2.1., supra, a Requerente refere que “em 1 de Julho de 2013, (…) celebrou um contrato de tiragem de cortiça com a sociedade B…, Lda. (…) que, no acto, foi representada pelo Sr. C…, tendo este referido que aquela era a sua sociedade, tendo, assim, criado a convicção nos representantes da Requerente que seria aquela a sociedade pela qual o serviço iria ser facturado”, pelo que “nos termos do referido contrato (…) a Requerente comprometeu-se a pagar a quantia de € 3,45 por arroba (…)”, tendo o serviço contratado sido “(…) efectivamente prestado pelo Sr. C… e por uma equipa sob a sua coordenação” (vide pontos 2.6. e 2.7., bem como pontos 5.1.7. e 5.1.8., supra) (sublinhado nosso).

 

6.5.    Assim, segundo a Requerente, “prestado o serviço contratado, a Requerente foi confrontada (…) com a correspondente factura (…), no montante € 56.891.00, acrescido de € 13.085,00 a título de IVA (…), emitida pela sociedade B…, Lda. (…), conforme contrato e conforme o trabalho efectivamente realizado”, tendo a Requerente procedido “(…) ao pagamento do referido montante (…), através de dois cheques, ambos emitidos à ordem da sociedade (…)” (vide pontos 2.8. e 5.1.10., supra).

 

6.6.    Por outro lado, e no que diz respeito aos fundamentos apresentados pela Requerida para suportar a alegada falta de liquidação de IVA relativamente ao valor mensal das rendas facturadas, em 2013, à Sra. D. E…, com respeito à locação do bem imóvel descrito no ponto 5.1.3., supra, refere a Requerente que “(…) celebrou (…), em 23 de Fevereiro de 2010, um contrato de sublocação tendo por objecto o imóvel (…) descrito (…)” mas como, “à data da celebração do contrato de sublocação não havia qualquer estabelecimento comercial a funcionar no espaço em causa” [porquanto aí “(…) não se encontrava (…) qualquer tipo de material que fosse adequado à exploração de um café, designadamente máquinas e mobiliário (…)”, “nem “(…) tinha a Requerente trabalhadores no locado que se dedicassem à exploração de um café ou de outro tipo de estabelecimento comercial”], “(…) a Requerente emitiu recibos das rendas mensais (…), cada um no valor total de € 250,00 (…)”, enquadrando a operação como uma operação isenta de IVA (vide pontos 2.9. e 2.12., supra).

 

Da alegada existência de operação simulada

 

6.7.    Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, e no que diz respeito à primeira das correções referidas (ponto 6.2.1., supra), importa determinar:

 

6.7.1.     Se a Requerida apresentou indícios suficientemente fortes de simulação na operação de retirada de cortiça, titulada na factura emitida pela sociedade B…, Lda., identificada nos autos;

6.7.2.     O ónus da prova;

 

6.7.3. Se a Requerente demonstrou a veracidade da operação titulada pela referida factura e se, sendo o acto legal o acto de liquidação em apreço, é também legal a dedução do IVA pago pela Requerente, à luz do disposto no artigo 19º, nº 3, do Código do IVA.

 

6.8.    Preliminarmente, refira-se que o IVA (introduzido no sistema tributário português pelo Decreto-Lei nº 394-B/84, de 26/12), pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico, como de um ponto de vista económico, repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental.

 

6.9.    Com efeito, o IVA é um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide (em princípio) sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr. artigo 1º do Código do IVA) e caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, não sendo cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto.

 

6.10.  Para além das características apontadas nos dois pontos anteriores, o IVA apresenta ainda a característica da neutralidade dado que, mercê do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico.

 

6.11.  Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo-se utilizar o método subtractivo indirecto na determinação do valor acrescentado, de acordo com o disposto no artigo 19º do Código do IVA.[6]

 

6.12.  Nestes termos, a acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista, abstracta e tipicamente, na lei fiscal como geradora do direito ao imposto, sendo que essa situação factual e concreta se define como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal.

 

6.13.  Com efeito, as normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real (as quais definem os seus elementos objectivos), pelo que só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto.[7]

 

6.14.  Assim, a existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.

 

6.15.  No que diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, o facto tributário que lhe é fundamento consubstancia-se em qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, a título oneroso, que seja efectuada no território nacional (cfr. artigo 1º do Código do IVA).

 

6.16.  Ainda nos termos do Código do IVA a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artigo 28º, nº 1, alínea g), assim se explicando que os sujeitos, que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar também certas obrigações contabilísticas com o objectivo de obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.[8]

 

6.17.  Ainda no que diz respeito ao específico regime do IVA, igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo.[9]

 

6.18.  Por último, atendendo mais uma vez à especificidade do IVA, será também de referir que não pode a Administração Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa.[10]

 

6.19.  No caso em análise, e no que diz respeito à primeira das correcções acima referidas (ponto 6.2.1.), importa, em primeiro lugar, delimitar o conceito de “negócio simulado” sendo que, posteriormente, haverá que analisar e distribuir o ónus da prova de forma a aquilatar se as Partes lograram demonstrar os factos por si invocados, nos termos legalmente adequados.

 

6.20.  Nos termos do disposto no nº 3, do artigo 19º do Código do IVA, “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente” (sublinhado nosso).

 

6.21.  De acordo com o disposto no artigo 11º, nº 2, da Lei Geral Tributária (LGT), “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”.

 

6.22.  Assim, atenta a referida disposição legal, se outro sentido não decorrer da lei fiscal, deve entender-se que o Direito Tributário utiliza os conceitos elaborados por outros ramos de direito no mesmo sentido que aquele aí têm, não tendo o intérprete-aplicador a faculdade geral de os alterar.

 

6.23.  Dado que a lei fiscal nada estatui relativamente ao conceito de “simulação”, deve entender-se que o legislador fiscal acolheu o termo ou conceito no mesmo sentido que tem no ramo de direito que o elaborou, ou seja, no Direito Civil.

 

6.24.  Ora, o conceito de simulação vem definido no artigo 240º, nº 1, do Código Civil, nos termos do qual se pode ler que “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado” (sublinhado nosso).[11]

 

6.25.  Assim, do exposto decorre que são três os elementos característicos da simulação, como a seguir se indica:

 

6.25.1.   A divergência entre a vontade e a declaração;

6.25.2.   O acordo ou conluio entre as partes e,

6.25.3.   A intenção de enganar terceiros.[12]

 

6.26.  Assim, em primeiro lugar, a simulação pressupõe que o lado externo da declaração negocial (a declaração) e o seu lado interno (a vontade) não coincidam.

 

6.27.  Em termos gerais, esta divergência entre a vontade e a declaração pode ser:

 

6.27.1.   Absoluta, nos casos em que o declarante, não querendo celebrar qualquer negócio jurídico, diz querer fazê-lo e celebra um negócio jurídico qualquer, ou,

6.27.2.   Relativa, quando o declarante, querendo celebrar um negócio jurídico, diz querer e celebra um negócio jurídico diferente.

 

6.28.  Com efeito, a identificação da divergência, quer absoluta, quer relativa, pressupõe a identificação da vontade real do declarante e a sua comparação com a declaração negocial produzida.

 

6.29.  Nestes termos, na simulação absoluta, sob a capa da declaração não se esconde nenhuma vontade negocial, mas sim a ausência de qualquer vontade negocial e, na simulação relativa, pelo contrário, sob a capa da declaração esconde-se uma declaração negocial com ela divergente, o negócio jurídico que corresponde à vontade real do declarante, designado negócio dissimulado.

 

6.30.  Por outro lado, a simulação pressupõe também que (i) não haja erro na declaração, (isto é, que o declarante conheça a divergência entre a sua declaração e a sua vontade) e que (ii) não haja reserva mental (ou seja, que o declaratário também a conheça).

 

6.31.  Contudo, o conceito de simulação exige, porém, mais do que a simples consciência ou representação do declarante sobre a divergência entre a sua vontade e a sua declaração porquanto, para que se possa falar de simulação é também necessária a existência de um acordo ou de um encontro de vontades sobre a própria simulação entre os dois sujeitos (declarante e declaratário).

 

6.32.  Assim, é ainda elemento constitutivo do conceito de simulação um acordo fraudulento sobre a própria divergência entre um e outro, acordo esse que se designa por pacto simulatório que se manifesta, paradigmaticamente, numa contra-declaração na qual as Partes declaram a sua vontade real ou a sua vontade de se querer vincular nos termos do negócio simulado.

 

6.33.  Por último, e uma vez que seja verificada a divergência entre declaração e vontade, bem como o acordo sobre ela, para que se possa falar de simulação é ainda necessário verificar se há ou não uma intenção fraudulenta no pacto simulatório, destinada a enganar e prejudicar terceiros.

 

6.34.  Neste âmbito, quando o pacto simulatório visa apenas enganar, mas não prejudicar terceiros, a simulação diz-se inocente, mas a simulação será qualificada como fraudulenta quando o pacto simulatório se destina não só a enganar mas também a prejudicar esses terceiros.

 

6.35.  Analisados que estão todos os requisitos exigidos por lei para a configuração de uma operação como sendo simulada, importa perceber se, no caso em análise, se encontram esse mesmos requisitos preenchidos.

 

6.36.  Na verdade, no caso, importa aferir se a Requerida coligiu, em matéria de inspecção tributária, indícios de simulação que sejam aptos a colocar em causa a presunção de veracidade de que goza a escrita da Requerente.

 

6.37.  Com efeito, a Requerida invoca no Relatório de Inspecção Tributária diversos factos para suportar o entendimento de que “o serviço constante da factura nº 0005-B de 2011-08-08 de B…, Lda. foi executado por uma terceira pessoa, que não o B…, Lda.”, concluindo “(…) pela existência de fortes indícios, objectivos e credíveis de que, as partes tendo celebrado determinado negócio jurídico (…) celebraram outro diferente daquele”, tendo entendido a Requerida que se tratou “(…) de uma simulação relativa (…)”, ou seja, aquela na qual sob a capa da declaração se esconde uma declaração negocial com ela divergente, o negócio jurídico que corresponde à vontade real do declarante, designado negócio dissimulado (vide ponto 6.29., supra) (sublinhado nosso).

 

6.38.  Para efeitos do descrito no ponto anterior, a Requerida fundamenta a sua posição com base nos seguintes factos:

 

6.38.1.   “Da consulta ao sistema informático da AT, verifica-se que, em 2014-12-29, a sociedade B… Lda. foi (…) cessada em IVA (…) com efeitos à data de 2012.12.11, correspondente à data do seu início de actividade” e,

6.38.2.   Por outro lado, “(…) na declaração da F…– Companhia de Seguros, SA, apresentada (…) consta como tomados do seguro, o Sr. C… (…) e não a sociedade B…, Lda.

 

6.39.  Nestes termos, concluiu a Requerida no Relatório de Inspecção Tributária que “existem fortes indícios objectivos e credíveis de que ocorreu a celebração de um negócio simulado por substituição de pessoas, uma vez que (…) reuniu indícios claros, congruentes e suficientes de que o negócio foi realizado entre (…)” a Requerente e o Sr. C…, e não entre a Requerente e a B…, Lda. (sublinhado nosso).

 

6.40.  Assim, no entender da Requerida, os indícios recolhidos apontam no sentido de ter sido praticada, pela Requerente, uma operação simulada conducente à prática de fraude fiscal.

 

6.41.  Vejamos, então, se os factos descritos constituem “(…) fortes indícios objectivos e credíveis (…)”da existência de operação simulada.

 

6.42.  Neste âmbito, conforme é referido em Acórdão do TCAN de 11 de Abril de 2014 (nº 00142/08.4BEBRG), quando os indícios referentes ao emitente das facturas vão no sentido de que não ter sido ele a prestar os serviços, existindo assim indícios da falsidade das facturas, tal circunstância não permite, por si só, que se conclua pela existência de simulação (sublinhado nosso).

 

6.43.  “Nesta matéria, crê-se pertinente (…) o contributo do Ac. deste Tribunal de 31-01-2014, Proc. nº 01380/05.7BEBRG (…), referindo-se que (…) não constitui requisito do direito à dedução, nas operações internas, que tenha sido o emitente da fatura a (…) prestar os serviços”, sendo que “o que constitui requisito desse direito é que tenha sido o utilizador a adquirir esses (…) serviços”, conforme “(…)  resulta do nº 1 do artigo 20º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, segundo o qual só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre (…) serviços adquiridos” (sublinhado nosso).

 

6.44.  Prossegue-se ainda nos termos do referido Acórdão, referindo que “assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro” (sublinhado nosso).

 

6.45.  Na verdade, “pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura)”, “mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente”.

 

6.46.  “Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente (…)” e “(…) isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução”.[13]

 

6.47.  Assim, “não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão” e, neste âmbito, “o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19º”, “porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas” (sublinhado nosso).

 

6.48.  “E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente”.

 

6.49.  Ora, no caso em análise, a entidade visada pela referida norma é a adquirente dos serviços prestados (ou seja, a Requerente), sendo esta o sujeito passivo que o legislador pretende que não distorça operações económicas, com o intuito único de exercer o direito à dedução.

6.50.  Neste âmbito, e em sua defesa, repita-se, a Requerente alega no pedido arbitral que “(…) celebrou um contrato de tiragem de cortiça com a sociedade B…, Lda. (…)”, “que, no acto, foi representada pela Sr. C…, tendo este referido que aquela era a sua sociedade, tendo, assim criado a convicção nos representantes da Requerente que seria aquela a sociedade pela qual o serviço iria ser facturado”, esclarecendo que “o serviço contratado foi efectivamente prestado pelo Sr. C… e por uma equipa sob a sua coordenação” (vide ponto 6.4., supra) pelo que, “(…) em caso algum a Requerente desconfiou que a sociedade que o Sr. C… materialmente representava, não estivesse a agir de boa-fé”.

 

6.51.  Nestes termos, “prestado o serviço contratado, a Requerente foi confrontada pelo Sr. C… com a correspondente factura (…) emitida pela sociedade B…, Lda. (…) conforme contrato e conforme o trabalho efectivamente realizado”, tendo a Requerente procedido “(…) ao pagamento do referido montante em duas tranches, através de dois cheques, ambos emitidos, à ordem da sociedade B…, Lda. (…)”, conforme ponto 5.1.10., supra.

 

6.52.  Ora, neste âmbito, em matéria tributária, será crucial a questão da repartição do ónus probatório entre ambas as Partes na aferição da legalidade do exercício à dedução.

 

6.53.  Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74º, nº 1, da LGT, nos termos do qual “o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.[14]

 

6.54.  Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação de imposto da iniciativa da Administração Tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo (a Requerente) terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

 

6.55.  Todavia, o Acórdão do STA de 2003-05-07 (processo nº 01026/02), seguindo o entendimento de um outro Acórdão do mesmo Tribunal de 2002-04-17 (processo nº 026635), “firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado” sendo que, “a razão de ser deste entendimento é (…)” a de que “(…) ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência” (sublinhado nosso).

 

6.56.  Contudo, como refere Acórdão do TCAN acima identificado (ponto 6.42.), “deve salientar-se (…) que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura) (…)”, “pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido (...)” (sublinhado nosso).

 

6.57.  Assim, considerando a situação em apreciação nos autos, terá de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas (a Requerente) com o esquema de fraude, ou seja, que tivessem sido reunidos indícios de que a utilizadora das facturas (Requerente) participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro prestador dos serviços contratados (na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba, nem tenha possibilidade de saber, da falsidade).

 

6.58.  Com efeito, “a aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento” (sublinhado nosso).

 

6.59.  Nestes termos, dir-se-á que tais utilizadores inocentes sempre poderão fazer prova da veracidade das transacções, cabendo à administração tributária o ónus de demonstrar indícios da falsidade, sendo que, cumprido tal ónus, passará a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções.

 

6.60.  “Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade”.

 

6.61.  Com efeito, “se houve fraude e o utilizador das facturas desconhecer não pode provar que as mercadorias foram adquiridas aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que as adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor”.[15]

 

6.62.  Nesse caso, o que pode o utilizador das facturas fazer, nestas circunstâncias, é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram, conforme se verificou ao longo da exposição do pedido arbitral, bem como durante a audição dos depoimentos de Parte, prestados pelo Sr. Eng. G… (Administrador, inicialmente apresentado como reformado no pedido arbitral, como testemunha, mas ouvido como Parte na reunião havida a 6 de Setembro de 2017), pelo Dr. H… (Presidente do Conselho de Administração da Requerida) e com a inquirição da testemunha Sr. I… (apresentado como tractorista, no pedido arbitral mas identificado como responsável pela Herdade da …, em sede de inquirição).

 

6.63.  Com efeito, no caso em análise, o Tribunal entendeu como provado, faça à prova produzida na referida reunião, que a Requerente não tinha conhecimento, à data a que se reportam os factos, que o Sr. C… era distinto da sociedade B…, sendo esta uma mera emitente de facturas com propósitos dúbios porquanto, este sempre foi encarado pela Requerente como o coordenador do trabalho de extracção de cortiça dos sobreiros que havia sido contratado, reputando-o como pessoa experiente nesse serviço, nele confiando.

 

6.64.  Conforme referiu o Dr. H…, se soubessem do “problema” em 2013 não teriam contratado o serviço, sendo que após conhecimento do mesmo, nunca mais o contrataram devido à perda de confiança verificada.

 

6.65.  Neste caso, a aceitar-se que o utilizador da factura (a Requerente) veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça e poria em causa a confiança nas relações comerciais.

 

6.66.  Aliás, este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça da União Europeia que, no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013 (processo C-642/11 relativo a uma questão de dedutibilidade de IVA), reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, se pronunciou nos seguintes termos:

 

6.66.1.   “Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37)” (sublinhado nosso).

6.66.2.   “Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito à dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41)” (sublinhado nosso).

6.66.3.   “Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito à dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura, referente (…) aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido, dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito” (sublinhado nosso).

6.66.4.   “Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada (…) do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem” (sublinhado nosso).

 

6.67.  Ora, conforme alega a Requerente, esta obteve evidência que a sociedade B…, Lda. (com a qual celebrou, em 1 de Julho de 2013, contrato de tiragem de cortiça e que veio a emitir factura, em 8 de Agosto de 2013, pelo serviço prestado), tinha a sua situação tributária e contributiva regularizada, em conformidade com a certidão emitida pela Chefe do Serviço de Finanças de Alenquer (em 1 de Julho de 2013), bem como em conformidade com a declaração da Segurança Social de 19 de Junho de 2013 (cujas cópias foram anexadas aos autos com o pedido arbitral – doc. nº 16).[16]

 

6.68.  No caso em análise, repita-se, estando demonstrado que a Requerente adquiriu os serviços em causa, teria a Requerida que recolher indícios bastantes de que a aquela sabia ou devia saber que quem lhe estava a prestar o serviço não era a entidade emitente da factura (sociedade B…, Lda.).

 

6.69.  E não tendo tal acontecido, concluímos que a Requerida não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado na factura identificada nos autos, emitida pela sociedade B…, Lda., porquanto não cumpriu com o ónus que sobre si impendia estando assim feridas de ilegalidade as liquidações objecto do pedido arbitral, impondo-se aqui acompanhar a posição defendida pela Requerente.

 

6.70.  Daí que, face à improcedência das conclusões apresentadas pela Requerida, tendo em consideração o exposto nos pontos anteriores, se impõe declarar a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto e de juros (subjacentes à correção aqui em análise), por violação do disposto no artigo 19º, nº 3 do Código do IVA, com a sua consequente anulação.[17]

 

Da alegada existência de transferência onerosa da exploração de um estabelecimento comercial

 

6.71.  Neste âmbito, no que diz respeito à segunda das correções referidas (ponto 6.2.2., supra), importa decidir se assiste:

 

6.71.1.   Razão à Requerente quando refere que “(…) celebrou (…), em 23 de Fevereiro de 2010, um contrato de sublocação tendo por objecto o imóvel (…)” identificado nos autos, sendo que “à data da celebração do contrato de sublocação não havia qualquer estabelecimento comercial a funcionar no espaço em causa” e que “à data da sublocação, não se encontrava no locado qualquer tipo de material que fosse adequado à exploração de um café, designadamente máquinas e mobiliário (…)”, “nem nunca tais equipamentos alguma vez figuraram no mapa de amortizações ou no rol dos elementos que compunham o activo da Requerente”, nem “(…) tinha a Requerente trabalhadores no locado que se dedicassem à exploração de um café ou de outro tipo de estabelecimento comercial” (sublinhado nosso), ou,

6.71.2.   Razão à Requerida quando refere que “(…) o estabelecimento encontrava-se licenciado como café, em toda a correspondência da Requerente com a locadora financeira, bem como no contrato celebrado com a sua arrendatária (…)” no qual pode ler-se que “como contrapartida da presente sublocação o Segundo Contraente e Sublocatário obriga-se a proceder de sua responsabilidade de todas as despesas de beneficiação do espaço do café, pinturas, substituição de balcões e louças sanitárias, mudança de portas, ficando nos dois primeiros anos de contrato isenta de pagamento ao Primeiro Contraente e Locatário da renda de €250,00 (…) mensais”, sendo que “o pagamento referido no número anterior só deverá ser efectuado pelo segundo Contraente, a partir do 25º mês da abertura do café” (sublinhado nosso).

 

6.72.  Para a Requerida, “(…) facilmente se depreende que embora tenha ficado a sublocatária responsável pela adaptação do espaço ao regular funcionamento como café o fez a expensas da Requerente”, sendo “absolutamente irrelevante que ao momento da celebração do contrato o espaço já se encontrasse completamente equipado ou não, sendo certo que o veio a ser a expensas da Requerente (…)” (sublinhado nosso).

 

6.73.  “Tal como irrelevante é que tais elementos figurem nos ativos fixos tangíveis da Requerente, pois como é pacífico a realidade contabilística não se sobrepõe, para efeitos de tributação, à realidade material”.

 

6.74.  Neste âmbito, é pois crucial analisar as posições assumidas pelas Partes de modo a dar resposta à questão de se saber se o contrato designado como contrato de sublocação (celebrado pela Requerente com a sublocatária Sra. E…), relativo ao imóvel identificado no processo (vide ponto 5.1.3., supra), é:

 

6.74.1.   Um contrato de locação de bem imóvel e, como, tal abrangido pela isenção de IVA prevista no artigo 9º nº 30, do Código do IVA, como defende a Requerente ou se é, pelo contrário,

6.74.2.   Um contrato de prestação de serviços sujeitos a IVA, e dele não isento, nos termos do disposto no artigo 1º, nº 1, alínea a) do Código do IVA, como defende a Requerida.

 

6.75.  Preliminarmente, refira-se que a regra geral do Código do IVA, quanto à incidência objectiva de imposto, é a constante do seu artigo 1º, nº 1, onde se lê, nomeadamente, que “estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, a) as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal (…)” (sublinhado nosso).

 

6.76.  Por outro lado, o conceito de transmissão de bens é-nos dado pelo artigo 3º, nº 1 do Código do IVA, nos termos do qual, “considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade” bem como as transacções elencadas no seu nº 3.

 

6.77.  O conceito de prestação de serviços é dado pelo artigo 4º, nº 1, do Código do IVA, de forma residual, ao referir que “são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições comunitárias ou importações de bens”.

 

6.78.  Ora, sendo o contrato em análise celebrado a título oneroso, e não cabendo na definição de transmissão de bens do artigo 3º do Código do IVA, terá de ser considerado, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 4º do Código do IVA, de prestação de serviços e, numa primeira análise, dir-se-ia enquadrável como sendo sujeito a IVA, nos termos do disposto no artigo 1º, nº 1 daquele Código.

 

6.79.  Contudo, no artigo 9º do Código do IVA (isenções nas operações internas), prevê-se a isenção de IVA de determinadas operações enquadráveis no conceito de prestação de serviços, entre elas, a locação de bens imóveis (nº 29), sendo nesta previsão do artigo 9º do Código do IVA que a Requerente fundamenta a sua pretensão de não ser, sujeito a IVA, o contrato de subarrendamento do espaço comercial identificado nos autos (e a que respeita uma parte das liquidações objecto do pedido arbitral)

 

6.80.  Mas, estaremos na situação em análise, verdadeiramente perante um contrato de sublocação imobiliária, conforme defende a Requerente ou estaremos perante uma transferência onerosa da exploração de um estabelecimento comercial, como defende a Requerida?[18]

 

6.81.  Como acima já referido, no ponto 6.21., nos termos do disposto no artigo 11º, nº 2, da LGT, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

 

6.82.  No nº 3 daquela norma é referido que, persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, atender-se-á à substância económica dos factos tributários.

 

6.83.  Nesta matéria, o conceito de locação consta do artigo 1022º do Código Civil, aí se definindo como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, designando-se por arrendamento se versar sobre coisa imóvel (artigo 1023º do Código Civil).

 

6.84.  E, quanto ao seu âmbito, dispõe o artigo 1067º do Código Civil que “o arrendamento urbano pode ter fim habitacional ou não habitacional”, sendo que “quando nada se estipule, o local arrendado pode ser gozado no âmbito das suas aptidões, tal como resultem da licença de utilização” e que “na falta de licença de utilização, o arrendamento vale como habitacional se o local for habitável ou como não habitacional se o não for, salvo se outro destino lhe tiver vindo a ser dado”.

 

6.85.  Na versão actual do artigo 1060º do Código Civil, “a locação diz-se sublocação, quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo”.

 

6.86.  Na esteira do preconizado pelo acima exposto, defende a Requerente que estando, no caso em análise, perante um contrato de sublocação, este se encontrará isento de IVA, nos termos do disposto no artigo 9º, nº 29 do Código do IVA.

 

6.87.  Neste âmbito, e com referência ao normativo acima descrito e à isenção em apreço, Clotilde Celorico Palma defende que a isenção do pagamento de IVA relativamente a locação de imóveis no sentido que lhe é dado pelo artigo 1022º do Código Civil, no caso de prédios urbanos, só se aplica caso se trate de paredes nuas, independentemente do arrendamento ser para fins habitacionais, comerciais, industriais ou agrícolas (sublinhado nosso).[19]

 

6.88.  Conforme refere Acórdão do TCAS de 7 de Maio de 2013 (processo nº 6275/2013), “(…) em face do âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea i) do nº 1 do artigo 135º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, transposta (…) para o nº 29 do artigo 9º do CIVA (…)”, “(…) vem sendo sedimentado pelo TJUE, que o conceito de locação de imóveis para efeitos de isenção de IVA não comporta as situações em que a par da colocação à disposição do espaço, são ainda integradas prestações de serviços conexas à fruição do imóvel que impliquem uma exploração activa daquele” (sublinhado nosso).[20]

 

6.89.  Com efeito, conforme se escreve no Acórdão do TCAS acima referido, “tal como vem sendo decidido pelo referido TJUE, as características do contrato de locação que constituem os seus elementos essenciais – obrigação assumida por uma das partes de proporcionar a outrem o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição - deve não só estar presente na operação económica considerada como um todo incindível, como ser a prestação preponderante dessa mesma operação”.[21]

 

6.90.  No caso em análise, estamos perante um contrato, celebrado em 23 de Fevereiro de 2010 (“Contrato de Sublocação”), pelo prazo de cinco anos, através do qual foi acordado que “(…) o Primeiro Contraente dá em sublocação ao Segundo Contraente que aceita R/C Dto. do imóvel identificado (…) destinado a café e comércio (…)”, sendo que “como contrapartida (…) o Segundo Contraente (…) obriga-se a proceder de sua responsabilidade de todas as despesas de beneficiação do espaço do café, pinturas, substituição de balcões e louças sanitárias, mudanças de portas, ficando nos dois primeiros anos de contrato, isenta de pagamento ao Primeiro Contraente (…) da renda de €250,00 (…) mensais”.

 

6.91. Ora, considerando a lei substantiva em vigor, aplicável quanto à determinação da sua natureza e conteúdo (Código Civil de 1966 e o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redação em vigor à data a que se reportam os factos), verifica-se que o artigo 1109º, nº1 do Código Civil dispõe que “a transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações”.

 

6.92.  Neste âmbito, entendem alguns autores que o artigo 1109º, n.º 1 do Código Civil é a mais enigmática das novas disposições introduzidas pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, porquanto faz inverter a proposição do antigo artigo 111º, nº 1 do RAU, deixando cair a definição “contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem (…) a exploração de um estabelecimento para passar a mandar aplicar à transferência do gozo do prédio envolvida pela locação do estabelecimento as regras do arrendamento não habitacional”.[22] [23]

 

6.93.  Ora, numa primeira análise, poderá entender-se que “o preceito pretende dizer o contrário do art. 111.º, n.º 1, do RAU (manifestamente o seu antecessor)” que “(…) estatuía que não era havido como arrendamento o contrato de locação de estabelecimento”, ou seja, que “a locação de estabelecimento não envolve um arrendamento do prédio onde aquele está instalado (…) sempre que nela se inclua a cedência de um imóvel onde o estabelecimento funciona (…)”.[24]

 

6.94.  Não obstante o ensaio interpretativo, e “(…) ainda que não deva ignorar o elemento gramatical do preceito, entendo coincidir com a prudência encetar um compromisso entre ele e a história do preceito, iluminado paralelamente pelo móbil essencial de tutela do estabelecimento”.

 

6.95.  Com efeito “as estatuições do art. 1085.º, n.º 1, na versão de 1966 do Código Civil, e do art. 111.º, n.º 1, do RAU depreendiam que o estabelecimento locado implicava o gozo de bens imóveis”, pelo que “sendo transferido temporariamente o gozo do estabelecimento, seria automática a aplicação das normas restritivas do arrendamento e tais disposições afastavam-na (…)”.

 

6.96.  Ora, “o NRAU (na continuidade do RAU depois de reformado em 1995) deixou cair tais restrições em nome do primado da vontade das partes (em particular, na duração do contrato): não há, por isso, a preocupação em subtrair da locação um regime que com ele deixou, em princípio, de ser incompatível”.

 

6.97.  Assim, a usualmente denominada cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil.[25]

 

6.98.  Nestes termos, o cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da actividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário, sendo que o objecto da cessão de exploração não é o imóvel em si, mas sim o estabelecimento como um bem unitário, compreendendo a globalidade dos elementos que o integram e a sua destinação ao desenvolvimento de uma dada actividade mercantil.[26]

 

6.99.  Atente-se ainda ao disposto no nº 2 do artigo 115º do RAU (já revogado), nos termos do qual se dispunha que a cessão de exploração do estabelecimento comercial pressupunha que se verificassem, cumulativamente, os seguintes requisitos:[27]

 

6.99.1.   Acordo entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito, tendo por objecto a transferência para este da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;

6.99.2.   Feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente;

6.99.3.   Tendo essa transferência um carácter ou uma duração temporariamente delimitada ou fixada;

6.99.4.   E feita a título oneroso, ou seja, mediante o pagamento de uma contraprestação.

 

6.100.  Mas, para efeitos do acima exposto, qual o conceito de estabelecimento comercial?

 

6.101.  A lei refere-se em várias normas ao estabelecimento mas não o caracteriza expressamente, sendo indubitável que lei trata o estabelecimento comercial unitariamente, quando permite que seja objecto de trespasse e de locação, de penhora e de penhor e até de hipoteca.

 

6.102.  A reivindicação do estabelecimento, então muito discutida, acabou por ser admitida e é hoje pacífica porquanto dir-se-á, então, que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrando, em regra, uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, coisas móveis e/ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento, organizados com vista à realização do respectivo fim.

 

6.103.  Nestes termos, “o estabelecimento é, assim, um bem mercantil” que “na sua globalidade funcional, é um bem (…) que se distingue de cada um dos seus componentes”.

 

6.104.  “Na locação do estabelecimento, há uma transmissão global unitária, para o mesmo ramo do comércio, sem prejuízo de alguns dos bens que compõem o estabelecimento poderem ser excluídos da transmissão por estipulação das partes”.

 

6.105.  Assim, “poder-se-á, pois, definir o estabelecimento comercial como um bem mercantil, que engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente”.

 

6.106.  “Por outro lado, tal como aponta o Cons. Aragão Seia (…), a doutrina e a jurisprudência considera que pode haver cessão de exploração de estabelecimento comercial cuja exploração ainda se não tenha iniciado, ou esteja interrompida, pois o que tem de existir é um estabelecimento, ou seja, um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia, com vista a realização de uma actividade produtiva, de natureza comercial ou industrial” (sublinhado nosso).[28]

 

6.107.  Assim, em função deste conjunto de elementos, é manifesto que a factualidade apurada nos autos é reveladora no sentido que o contrato em análise não configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial (como defende a Requerida), porquanto, apesar das instalações estarem licenciadas para a exploração comercial de um café desde Janeiro de 2010, a Requerente aí não dispunha, à data da celebração do referido contrato, dos meios materiais indispensáveis à sua utilização como café, designadamente, móveis, máquinas, equipamentos e utensílios que tornassem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial daquele estabelecimento para os fins para os quais se encontrava licenciado.[29]

 

6.108. Neste âmbito, de acordo com os relatos da testemunha inquirida e dos dois depoimentos de Parte, resultou a convicção para este Tribunal de que no espaço havia apenas “paredes nuas” que, por si só, não possibilitavam o exercício de uma actividade comercial (no caso, a exploração de um café), porquanto naquele espaço não se encontrava uma estrutura montada para tal (não obstante ter sido referida a existência de um balcão “em tosco” que veio a ser demolido por não servir para a finalidade desejada).

 

6.109.  E ainda que o locado, ao abrigo do contrato celebrado, se destinasse ao exercício de uma actividade comercial, a instalar e a desenvolver pela sublocatária (Sra. E…), ou seja, a exploração comercial de um café, o facto da Requerente lhe ter facultado determinadas contrapartidas financeiras (período de carência de 24 meses no pagamento das rendas), as mesmas não configuram, por si só, uma alteração na natureza do contrato celebrado (de sublocação), porquanto a adaptação do espaço às necessidades comerciais da Sra. E… eram da sua responsabilidade, a desenvolver em momento posterior ao da celebração do referido contrato.[30]

 

6.110.  Em resumo, como ficou dito, para haver um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial (independentemente dessa exploração ainda não se ter iniciado ou ter sido interrompida), o que tem de existir é um estabelecimento entendido como um conjunto de bens organizados, com estabilidade e autonomia, com vista a realização de uma actividade produtiva, de natureza comercial ou industrial, o que no caso em análise não se vislumbra.[31][32]

 

6.111.  Assim, face ao acima exposto, não configurando o contrato em análise um contrato de cedência de exploração comercial, estaremos perante um contrato de sublocação de um espaço (comercial), sendo negativa a resposta a dar à questão colocada no ponto 6.74.2., supra e afirmativa a resposta a dar à questão colocada no ponto 6.74.1., supra e, nessa medida, o contrato estará isento de IVA, nos termos do diposto no artigo 9º, nº 29º do Código do IVA.

 

6.112.  Daí que, face à improcedência das conclusões apresentadas pela Requerida, tendo em consideração o exposto nos pontos anteriores, se impõe declarar a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto e de juros (subjacentes à correção aqui em análise), por violação do disposto no artigo 9º, nº 29 do Código do IVA, com a sua consequente anulação.

 

6.113.  Em face das conclusões apresentadas nos pontos 6.70. e 6.112., supra, fica prejudica, porque inútil, a análise da questão, suscitada pela Requerente, da alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação de IVA.

 

Do reembolso do imposto pago, com juros indemnizatórios

 

6.114.  Tendo em consideração as conclusões referidas nos pontos 6.70. e 6.112., supra, bem como o facto de o valor associado com actos de liquidação de IVA e de juros compensatórios terem sido atempadamente pagos (vide acima o ponto 5.1.17.), a Requerente tem direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas.

 

6.115.  Ora, no que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.116.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.117.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[33] [34]

 

6.118.  Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.119.  Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.120.  Na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação acima já identificados e, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso do montante pago pelo Requerente, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

6.121.  Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia paga, no âmbito das liquidações de imposto e juros objecto do pedido de pronúncia arbitral, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.122.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.123.  Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC, [ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT], deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.124.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.125.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária impõe-se que seja atribuída à Requerida a responsabilidade integral por custas.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Assim, face ao supra exposto, decide este Tribunal Arbitral:

 

7.1.1.     Julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, mandando-se revogar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativa aos actos de liquidação em crise e, em consequência, anulando-se as referidas liquidações de imposto e juros, por enfermarem de vício de ilegalidade;

7.1.2.     Em consequência, condenar a Requerida no reembolso das quantias indevidamente pagas (imposto e juros), acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

7.1.3.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 299º e 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 14.904,39.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Outubro de 2017.

 

O Árbitro,

 

 

Sílvia Oliveira

 



[1] Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revisto, e respeitando a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas, em que se manteve a ortografia do original.

[2] Neste sentido, cita a Requerida Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Janeiro de 2013, proferido no âmbito do processo nº 0105/12.

[3] Neste sentido, cita a Requerida parte do expendido “(…) no douto – e recente - Acórdão do STA proferido no proc. 0587/15, em 16.03.2016 (…)”, no Acórdão do TCA Norte (processo nº 00383/08.4BEBRG,) de 28.02.2013, no recente Acórdão do TCA Sul prolatado no proc. nº 08848/15 em 13.10.2016, no Acórdão do TCA Sul de 19.05.2009 (proc. nº 03026/09) e no Acórdão do mesmo TCA Sul (proc. nº 07169/13) de 06/18/2015.

[4] Nesta coluna, foram inscritos os montantes respeitantes a imposto e juros resultantes das correcções objecto do pedido arbitral, sendo imaterial a diferença de EUR 1,47 face ao valor do pedido que a Requerente quantifica.

[5] Documento de correcção nº…, anexado pela Requerente (doc. nº 7), relativo ao período de 201312T, e respeitante à correcção efectuado ao valor do excesso a reportar existente, à data, na conta de IVA da Requerente, repercutindo-se para os períodos de imposto seguintes.

[6] Neste âmbito, vide Nuno de Sá Gomes, in “Manual de Direito Fiscal I”, Editora Rei dos Livros (1996), pág. 240 e seg., Soares Martínez, in “Direito Fiscal”, 8ª Edição, Livraria Almedina (1996), pág. 618 e seg e J. L. Saldanha Sanches, in “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora (2007), pág. 24 e seg. e 411 e seg.).

[7] Cfr. Alberto Xavier, in “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 324, Nuno de Sá Gomes, in “Manual de Direito Fiscal II”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (1996), pág. 57 e A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, in “Código de Processo Tributário”, Anotado e Comentado, 3ª Edição (1997), pág. 269.

[8] Neste âmbito, vide artigos 44º a 52º do Código do IVA e António Borges e Martins Ferrão, in “A Contabilidade e a Prestação de Contas”, 8ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114.

[9] Vide artigo 80º do Código do IVA e J. L. Saldanha Sanches, in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª Edição, Lex (2000), pág. 314 e seg.

[10] Nesta matéria, cfr. Acórdão do STA de 26/11/97 (rec. 21676), Acórdão do STA de 28/10/98 (rec. 20568) e Acórdão TCA de 16/3/1999 (proc.280/97).

[11] Neste âmbito, o Ilustre Professor Luís A. Carvalho Fernandes (in “Teoria Geral do Direito Civil”, volume II, pág. 369) refere que “a simulação consiste no acordo entre declarante e declaratário no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real, no intuito de enganarem terceiros”.

[12] Neste sentido, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Março de 2008 (processo nº 412/2008-8), do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Dezembro de 1998 (processo nº 9821113) e do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Fevereiro de 2008, (sob o número 08B180), entre outros.

[13] A este respeito, vide José Guilherme Xavier de Basto, in “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais (1991), pág. 140, nos termos do qual se entende que “cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um cheque sobre o Tesouro”.

[14] Sobre a concreta aplicação desta disposição legal já se pronunciou sobejamente a jurisprudência, designadamente, do Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0591/15, proferido em 17 de Fevereiro de 2016, nos termos do qual foi decidido que “basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações e realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução”.

[15] Válido, com as necessárias adaptações para a aquisição de serviços, como no caso em análise.

[16] Neste âmbito, refira-se que no pedido arbitral a Requerente vem alegar que “os únicos factos invocados pela Administração tributária para sustentar a conclusão de que a referida factura não titula uma operação verdadeira são a existência de uma declaração de uma seguradora na qual o Sr. C… consta como tomador do seguro e os seus trabalhadores como pessoas seguras e, bem assim, uma declaração de remunerações da qual consta como entidade empregadora o Sr. C…”.

[17] Neste sentido, vide decisão arbitral nº 254/2015-T, de 24 de Junho de 2016, cuja orientação aqui se seguiu por se concordar com o teor da mesma.

[18] E a este propósito, cite-se o Acórdão do TCAN de 14 de Junho de 2006 (processo nº 00395/01), nos termos do qual “(…) a qualificação jurídica de determinado contrato não depende do que lhe for atribuída pelas partes, antes havendo que o qualificar em face da lei (…)”.

 

[19] Vide “Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado”, Cadernos IDEFF, nº 1, pág. 162-163.

[20] Neste sentido, vide Acórdão do TJUE de 12 de Setembro de 2000 (procs. C-358/97 e C-359/97).

[21] Neste sentido, vide Acórdão do TJUE de 18 de Janeiro de 2001, caso Lindopark (Proc. C-150/99).

[22] A nova disposição “(…) manda aplicar à transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, feita em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial nele instalado, as regras do arrendamento para fins não habitacionais, com as necessárias adaptações”.

[23] Vide Ricardo Costa inO Novo Regime do Arrendamento Urbano e os Negócios sobre a Empresa”.

[24] Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro e revogado pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro.

[25] Neste âmbito, vide Acórdão do STJ de 11 de Abril de 2014 (processo nº 139/09.7TCGMR.G1.S1), nos termos do qual se refere que “todos conhecemos a diferença entre um contrato de cessão da exploração ou de locação de um estabelecimento (…) instalado num determinado imóvel, de que é proprietário o titular do estabelecimento, e um contrato de arrendamento de um imóvel com a finalidade de nele funcionar um estabelecimento (…). Em ambos os casos, o direito de gozo do imóvel é transferido temporariamente para pessoa diversa do respectivo proprietário. No primeiro, porque o gozo do imóvel integra o estabelecimento locado, cuja titularidade se mantém no locador; no segundo, porque, por virtude do arrendamento do local, o gozo vai integrar-se no estabelecimento de que é titular o arrendatário do prédio”.

[26] Neste âmbito, vide Acórdão do STJ de 19 de Abril de 2012 (processo nº 5527/04.2TBLRA.C1.S1), nos termos do qual se refere que “o estabelecimento comercial, como um bem mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente. “Configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, o contrato pelo qual uma das partes cede à outra por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial (…), transferindo para esta última o mobiliário e equipamento indispensáveis ao seu funcionamento, apesar de ainda não ter havido aí clientela nem até então ter sido aí exercida qualquer actividade”. (…). “Confrontando o arrendamento comercial e a cessão de exploração ou locação de estabelecimento, constituem pontos de contacto e de comunhão a existência de uma transferência com carácter oneroso e de feição temporária, mas ocorre uma distinção essencial e definidora que se radica no seguinte facto: enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial. Assim, haverá arrendamento comercial se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação, ou seja, uma configuração física apta ao exercício da actividade mercantil visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis à sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial mas não será indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração” (sublinhado nosso).

[27] Em conformidade com o defendido no Acórdão do STJ de 19 de Abril de 2012, citado no ponto anterior.

[28] Vide “Arrendamento Urbano”, Almedina, 6ª edição, página 624.

[29] Note-se que o simples licenciamento do espaço para fins comerciais não transforma o contrato celebrado em contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial.

[30] Na verdade, a inserção de cláusula relativa a período de carência no pagamento de rendas é prática habitual nos contratos de arrendamento (habitacionais ou não habitacionais), nomeadamente, naqueles que se destinam ao comércio ou indústria (não habitacionais), sem que tal, por si só, os converta em contratos de cessão de exploração comercial ou industrial.

[31] Neste âmbito, refira-se que a Requerida, na Resposta, ora afirma que “é absolutamente irrelevante que ao momento da celebração do contrato o espaço já se encontrasse completamente equipado ou não, sendo certo que o veio a ser a expensas da Requerente, bem como irrelevante é que o custeamento por parte desta fosse efetuado antes da celebração do contrato ou por via do não recebimento de 24 meses de renda”, ora refere que “acompanhando o enquadramento legal feito pela Requerente e discordando apenas de um facto (o estabelecimento foi equipado a custas da Requerente) (…)” entende que, independentemente do facto (que reconhece) “(…) de o café não estar a ser explorado no momento imediatamente anterior ao contrato celebrado (…)” (facto que até considera como irrelevante), “o estabelecimento estava licenciado como café”. Contudo, nas alegações que apresentou, a Requerida já veio referir que “ceder o espaço completamente equipado, ou custear o seu devido equipamento por forma a cumprir as exigências das ASAE, para funcionar como café, é exactamente o mesmo”. Ora, esta argumentação apresentada pela Requerida parece até divergir do propugnado pela jurisprudência (acima transcrita) quanto àquilo que se deverá entender por contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial (sublinhado nosso).

[32] Como se refere no Acórdão do STJ de 28-06-2007 (nº 07B1532), “o contrato de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento é aquele pelo qual uma pessoa transfere, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial, industrial ou de serviços nele instalado. O estabelecimento configura-se como uma estrutura material e jurídica em regra integrante de pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respectivo fim”.

[33] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).

[34] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).