Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 149/2017-T
Data da decisão: 2018-02-09  IMI  
Valor do pedido: € 129.434,27
Tema: IMI – Arrendamento não habitacional – Regime de salvaguarda [DL 387/2003 – artigo 15º-N].
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Jorge Bacelar Gouveia e António Franco (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15 de maio de 2017, acordam no seguinte:

 

 

I – Relatório

 

A…, LIMITED. (“A…”), entidade inglesa residente em Portugal, titular do número de identificação fiscal … veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (“RJAMT”).

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado tem por objeto pronúncia sobre a legalidade da liquidação de IMI nº 2015-…, referente ao ano de 2013, no valor global de €129.459,50.
  2. A Requerente optou por não designar árbitro.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT no prazo e termos regulamentares.
  4. Os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitros do tribunal arbitral coletivo, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação dos encargos no prazo aplicável.
  5. As Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou formalmente constituído em 15 de maio de 2017.
  7. A Requerida foi notificada para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
  8. Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar cópia do processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
  9. A Requerida apresentou a sua Resposta em 19-6-2017, defendendo-se por impugnação após suscitar algumas questões relativas à forma e requisitos da petição inicial, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral com a consequente absolvição.
  10. Na mesma data apresentou cópia do processo administrativo.
  11. Em 27-7-2017, o presidente do Tribunal proferiu o seguinte despacho:

“(...)I - Analisado liminarmente o pedido de pronúncia arbitral (requerimento inicial), considera o Tribunal necessária uma clarificação do seu teor e da formulação do pedido [que não poderá ser o pedido administrativo de “solicitação de nota da liquidação”], nos termos do artigo 10º-2/b), c) e d)

Ponderando o sumariamente exposto e o princípio da autonomia do Tribunal [artº 16º-c)] e admitindo que possa vir a revelar-se inútil promover a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT, convida-se a Requerente a apresentar, no prazo de 10 (dez) dias,  nova peça processual corrigida [cfr artigo 18º-c), do RJAT], subscrita por advogado e donde transpareça, designada e concretamente, o ou os atos tributários impugnados, os vícios concretos que lhe(s) são assacados e suas consequências, bem como as disposições legais ou princípios jurídicos que se consideram violados.

Será assegurado sempre o princípio do contraditório através da oportuna notificação da Requerida para apresentar nova resposta.

II – Oportunamente e após pronúncia da Requerida no prazo de 10 dias, se apreciará o pedido de admissão do requerimento (e documentos), apresentado em 21-7-2017 (...)”.

  1. Em 9-8-2017 foi apresentada nova petição corrigida em cumprimento do despacho de 27-7-2017;
  2. Em 17-8-2017, foi determinada a notificação da AT para, querendo, apresentar resposta, no prazo de 30 dias, à nova petição, o que não aconteceu;
  3. Em 11-9-2017 veio a AT requerer à conferência do Tribunal Coletivo a prolação de despacho para revogação, por alegada nulidade e ilegalidade do ponto I despacho do presidente do Coletivo transcrito supra, em 11.;
  4. Por decisão de 3-11-2017, foi dispensada, por desnecessária ou inútil, a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT e notificadas as partes para apresentação de alegações finais;
  5. Considerando as vicissitudes do processo e o número excecional de incidentes que o atrasaram, o Tribunal decidiu, por despacho de 8-1-2018, prorrogar o prazo para a decisão nos termos do artigo 21º-2, do RJAT, fixando como data limite o dia 28-2-2018.
  6. As partes apresentaram alegações escritas finais, mantendo, no essencial, as posições defendidas nos respetivos articulados.
  7. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
  8. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  9. O processo não enferma de nulidades.
  10.  A demandada suscita uma questão prejudicial [artigos 101º e seguintes da Resposta] e as exceções seguintes: intempestividade do pedido de pronúncia arbitral [36º e seguintes do citado articulado de resposta] e impropriedade parcial do meio processual “(...) e da consequente parcial incompetência material do Tribunal Arbitral Coletivo (...)”[articgos 80 e seguintes do mesmo articulado].
  11.  No essencial e muito sinteticamente, alega a Requerente a fundamentar o pedido:
  1. Foi notificada da liquidação de IMI efetuada em 26-2-2016, relativa a imóveis sitos no Município de … de que é proprietária;
  2. Essa liquidação reporta-se aos anos de 2013 e 2014;
  3. Alega ilegalidade dessa liquidação por não ter tomado em linha de conta o regime especial de rendas previsto no nº 1, do artigo 15º-N, do DL nº 287/2003, aplicável ao caso;
  4. Tal aplicação resulta do seguinte:
  1. Os prédios em causa encontram-se abrangidos pela avaliação geral;
  2. Há contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado em 1953 que foi entregue;
  3. Foram cumpridos todos os trâmites legais para aplicação do regime e entregue toda a documentação relevante.
  1. O VPT para efeitos exclusivamente de IMI não podia exceder o valor que resultar da capitalização da renda anual através da capitalização do factor 15.

 

Resposta da Requerida

  1. Na Resposta apresentada nos termos e prazo legais – que foi mantida in totum após a apresentação da patição de pronúncia reformulado nos termos anteriormente referidos -, alega a Requerida, também muito sintética e no essencial, que:
  • O pedido é intempestivo porquanto a data limite para pagamento da liquidação ocorreu em 31-10-2016 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 28-2-2017;
  • Tendo sido apresentada a reclamação graciosa nº …2016…, indeferida por ato expresso, a reclamante não concretizou qualquer pedido de anulação dessa decisão administrativa;
  • Existindo alegada irregularidade nas matrizes prediais, tal não implica ilegalidade na liquidação porquanto tal nenhuma influência teve no apuramento da liquidação;
  • Por outro lado, a correção das matrizes é precedida de dedução de reclamação nos termos do artigo 130º, do CIMI, sendo a ação administrativa o meio judicial adequado para apreciação dessa matéria;
  • A aplicação do regime especial de salvaguarda previsto no artigo 15º-N, do DL nº 287/2003 pressupõe sempre a definitividade da avaliação dos prédios em causa;
  • Não tendo a Requerente concordado com o resultado da avaliação geral de dois prédios, deduziu um novo pedido de avaliação cujo resultado ainda se não consolidou na ordem jurídica;
  • Daí que o procedimento de nova avaliação dos dois prédios em causa nos autos, constitua uma questão prejudicial face ao pedido de pronúncia arbitral;
  • A avaliação dos dois prédios, atentas as suas especificidades [instalações petrolíferas] ficou, num primeiro momento, suspensa para determinação do seu valor patrimonial tributário (VPT);
  • Essa suspensão manteve-se até iníco de 2016, altura que foi decidido reativar os artigos matriciais … e … da freguesia da … (e não os artigos … e … da União de Freguesias de … e …, decorrentes da reorganização administrativa entretanto operada em 2013)
  • Foi apresentada reclamação graciosa relativa a liquidação de IMI nº…, emitida em 11-3-2016, que foi indeferida por despacho de 30-12-2016;
  • É pressuposto da aplicação do regime previsto no artigo 15º-N do DL nº 287/2003, aditado pela Lei nº 60-A/2011, que os prédios já se encontrem avaliados nos termos do CIMI, através da avaliação geral;
  • No caso, não foram validadas as participações de rendas efetuadas pela Requerente;
  • A liquidação de IMI impugnada, embora não atualizada, não padece de nenhum vício enquanto não for determinado o VPT dos prédios mediante o mecanismo do artigo 15º-N citado.

 

II – Fundamentação

A – Factos provados

  1. Consideram-se provados os seguintes factos essenciais (e alguns instrumentais) para o objeto do litígio:
  1. A Requerente (abreviadamente A…) foi notificada da liquidação de IMI nº 2015…, de 26-2-2016, relativa a prédios sedeados no Município de…, antiga freguesia de …, artigos matriciais ex-U-… e ex U-… ...
  2. ...  tendo a AT apurado IMI a pagar na importância de €129.437,27, relativo a 2013 e 2014, sendo a prestação de €83.892,58 a pagar durante outubro de 2016, a prestação de €45.541,69 durante abril de 2017 e a prestação de €25,64, durante outubro de 2017 – cfr doc 1, junto com a petição de pronúncia arbitral (PPA);
  3. Estes prédios correspondem atualmente [desde a reorganização das freguesias operada pela Lei nº 11-A/2013, de 28 de janeiro] aos artigos U-… e U-… da União de Freguesias de … e … e...
  4.  ...integraram o objeto de contrato de arrendamento para fins não habitacionais (instalações petrolíferas) que a A… (anteriormente B…) celebrou, como senhoria, em 1 de outubro de 1953, com a C…, SA (anteriormente denominada D…, SA);
  5. A A… apresentou em 21 de setembro de 2016 reclamação graciosa relativamente à liquidação mencionada supra, em a. e b.;
  6. A AT não se tinha pronunciado sobre essa reclamação até 28-2-2017, data em que foi apresentado o presento pedido de pronúncia arbitral;
  7. A sobredita reclamação fundou-se, em síntese, na circunstância de a AT não ter tido em conta o regime especial de atualização dos valores patrimoniais tributários aplicáveis aos prédios arrendados nos termos do DL nº 287/2003, em especial, no seu artigo 15º-N;
  8. Em 22-12-2016 a A… foi notificada em 22-12-2016 da primeira avaliação geral das matrizes, tendo a AT atribuído o VPT de €118.660,00 ao artigo 1451 e de €11.866.000,00 ao artigo 1021;
  9. Está ainda em curso nos respetivos Serviços da AT a tramitação de processo de avaliação, suscitada pela demandante, relativa aos prédios que serviram de base à liquidação de IMI ora impugnada.
  10. A Requerente procedeu à participação das rendas relativas aos prédios referidos em a. e b., entre 2012 e 2016;
  11. Em 21-6-2017 o perito avaliador enviou um mail de que se destaca o seguinte: “(...) Existndo a possibilidade de prescreverem os valores a pagar relativos ao IMI, em finais de 2016 optei por avaliar os referidos artigos com os valores até então inscritos nas cadernetas prediais (...)”;
  12. No processo arbitral do CAAD nº 722/2016-T, que teve por objeto as liquidações do mesmo IMI mas agora relativas ao ano de 2015 foi decidida a anulação dessas liquidações, por ilegalidade, com eliminação das matrizes prediais urbanas nºs … e … da extinta freguesia de …;
  13. A liquidação de IMI objeto dos autos reporta-se a artigos matriciais de freguesias extintas ao abrigo da Lei nº 11-A/2013, de 28 de janeiro
  14. O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 28-2-2017

B – Factos não provados

  1. Não há outros factos essenciais, provados e/ou não provados, relevantes para o objeto do litígio

C - Motivação

  1. Relembra-se preliminarmente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
  2.  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito.
  4. Para o estabelecer, ponderou o Tribunal, as posições das partes nos respetivos articulados bem como todo o acervo documental incorporado no processo na consideração de que, no âmbito do direito fiscal, o ónus probatório não tem a dimensão subjetiva doutros ramos do direito, mas sim objetiva, no sentido de que o que interessa para a decisão do mérito da causa, quer no procedimento administrativo quer no processo judicial, é o que relevar da verdade dos factos alcançados, independentemente da parte que tenha o ónus de tal prova, atenta a predominância do princípio do inquisitório constante dos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT; todavia, quando tal prova se não alcança e na impossibilidade de o tribunal ficar por um non liquet – cfr. art.º 8.º, n.º1 do Código Civil – então a causa tem de ser decidida contra a parte onerada com esse ónus probatório.
  5. Assim, tendo em consideração o exposto e as posições assumidas pelas partes, a prova documental consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
  6. Assinale-se, em passant, que foi o Tribunal confrontado com material probatório que nada tem a ver com a liquidação objeto dos autos.
  7. Assim é que, no processo administrativo instrutor encontra-se tratada uma reclamação graciosa que tem por objeto a anulação da nota de liquidação de IMI nº…, no valor de €14.782,60, relativa à primeira prestação de IMI do ano de 2015 e a nota de liquidação de IMI nº…, no valor de €14.782,60 relativa à 2ª prestação de IMI do ano de 2015.
  8. Também na Resposta da AT esta referida a liquidação de IMI nº … (artigos 23º e seguintes) que não é, manifestamente, a que é objeto da presente impugnação.
  9. Por outro lado, embora o processo administrativo junto pela AT o não revele, a verdade é que a Requerente alegou e documentou, sem impugnação da parte contrária, que apresentou em 21 de setembro de 2016 reclamação graciosa relativamente à liquidação mencionada supra, em a. e b., dos factos provados, e que a AT não se tinha pronunciado sobre essa reclamação até 28-2-2017, data em que foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.
  10. Esse silêncio da AT provocou, como melhor se verá infra, o denominado “ato de indeferimento tácito” da reclamação reportado a 21 de janeiro de 2017 (cfr artigo 57º, da LGT) e a consequente aabertura dos prazos para impugnação judicial ou pronúncia arbitral.

 

 

II FUNDAMENTAÇÃO (CONT)

O DIREITO

A – Exceção: intempestividade do pedido

  1. Alega a demandada AT que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado quando estava ultrapassado o prazo legalmente previsto no artigo 10º, do RJAT, porquanto e no essencial, o termo inicial ocorreu no limite do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária [31-10-2016 - artigo 102º-1/a), do CPPT] e a apresentação do pedido de pronúncia foi feita em 28-2-2017, ou seja, muito para além dos 90 dias a que alude o disposto no citado artigo 10º, do RJAT.
  2. Não lhe assiste razão.
  3. Com ficou demonstrado, a Requerente precedeu o PPA de reclamação graciosa e neste procedimento administrativo, formou-se o denominado “ato tácito de indeferimento” (ou mais exatamente, a presunção de indeferimento tácito[1]).
  4. Ora e como é sabido, perante o indeferimento de reclamação graciosa, expresso ou tácito, abre-se o prazo de 90 dias para se requerer a constituição do Tribunal arbitral (e 3 meses para o impugnar nos Tribunais estaduais). O dies a quo também é idêntico já que a alínea a) do nº 1 do artigo 10º, do RJAT remete para o nº 1 do artigo 102º, do CPPT.
  5. Consequentemente, formado o ato tácito de indeferimento em 21 de janeiro de 2017 (cfr artigo 57º, da LGT) e apresentado o pedido de pronúncia arbitral em 28 de fevereiro de 2017, a tempestividade deste é óbvia à luz dos citados artigos 10º-1/a), do RJAT e 102º, do CPPT.
  6. Improcede, por conseguinte, a alegação da exceção.
  7. Consequentemente, o pedido de pronúncia arbitral foi tempestivo.

 

B – Exceção: alegada “impropriedade parcial do meio processual e da consequente parcial incompetência material do Tribunal Arbitral”

  1. Na sua Resposta a AT suscita esta questão fundada no teor do pedido de pronúncia anterior à apresentação de novo pedido reformulado na sequência do despacho de aperfeiçoamento proferido pelo Tribunal.
  2. A demandada pretende o reconhecimento da necessidade de prévia e, alegadamente, necessária reclamação das matrizes, matéria para a qual será material incompetente o Tribunal Arbitral (artigo 97º-2, do CPPT).
  3. Não tem razão
  4. No pedido reformulado em 8-9-2017 evidencia-se que o objeto do processo é a liquidação de IMI nº 201… .
  5. E o pedido é de declaração de ilegalidade dessa liquidação, mantida na ordem jurídica com o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada em 21-9-2016.
  6. Ora se o pedido se restringe à apreciação da conformidade da liquidação com a Lei, a competência do Tribunal Arbitral é manifesta.
  7. Improcede assim a exceção.

 

C – Da alegada “questão prejudicial”

  1. Alega a AT que o segundo fundamento que preside ao pedido de pronúncia consiste na falta de aplicação do regime especial das participações de rendas (artigos 30º a 44º, do PPA) porquanto no respetivo cálculo não foi levado em linha de conta a aplicação do citado regime (artigo 15º-N do DL 287/2003, na redação da Lei nº 60-A/2011)
  2. Entende ainda a AT que a liquidação nunca poderia ter por base aquele regime especial de salvaguarda por uma razão que considera evidente: o artigo 15º-N do DL 287/2003 pressupõe sempre a definitividade da avaliação dos prédios em causa e, no caso, está ainda pendente a conclusão dos procedimentos de avaliação e consolidação na ordem jurídica do resultado da avaliação geral dos dois prédios em causa.
  3. Não tem razão a AT.
  4. Certo estar pendente o processo administrativo de avaliação dos prédios em causa na liquidação de IMI objeto destes autos.
  5. Se tal avaliação deve ser consolidada na ordem jurídica para acionamento de regime especial de salvaguarda, é matéria que este Tribunal irá decidir na apreciação do mérito do pedido de impugnação da sobredita liquidação, apreciando igualmente a questão de saber se essa avaliação não ocorreu porque, como alega a Requerente, a AT demorou quase 5 anos para notificar a A…, em 2016, da avaliação geral e como forma de evitar a caducidade do imposto.
  6. De todo o modo adianta-se que não resulta da Lei ou da interpretação desta a necessidade ou obrigatoriedade prévia da fixação na ordem jurídica do resultado da avaliação para que os contribuintes beneficiários do citado regime de salvaguarda do mesmo se possam prevalecer.
  7. E muito menos será admissível que, entretanto, suportem o IMI com base no VPT dos imóveis arrendados, com desconsideração, ainda que transitória, do regime de salvaguarda que os deveria beneficiar.
  8. Se assim fosse, tal constituiria um manifesto incremento de tesouraria para o erário público, com sacrifício financeiro para os contribuintes a quem o legislador havia reconhecido o legítimo direito de beneficiarem duma tributação especial em sede de IMI.
  9. Indefere-se, por isso, a reclamação de questão prejudicial.

 

D – Do mérito do pedido

  1.    Como abordagem preliminar para a fundamentação jurídica, assinale-se o que há muito vem sendo o entendimento da Jurisprudência quanto ao dever de apreciação dos argumentos apresentados pelas partes e que se traduz na não obrigatoriedade (sublinhado nosso) de os Tribunais apreciarem todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Sec – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
  2. A questão fundamental objeto dos autos é a de saber, por um lado, se estando extintas as freguesias e as matrizes constantes da liquidação de IMI e se, por outro, a liquidação de IMI relativa a dois imóveis dados de arrendamento pela demandante em 1953, enferma esse ato de ilegalidade por, para além da incidência sobre artigos matriciais de freguesias extintas, ter sobretudo desconsiderado na base de tributação o regime de salvaguarda previsto no artigo 15º-N, do DL nº 387/2003, de 12 de novembro, com a redação da Lei nº 60-A/2011, de 30 de novembro.
  3. A Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, com entrada em vigor em 1 de dezembro de 2011, aditou os artigos 15.º-A a 15.º-P ao Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que regulamentam o regime da Avaliação Geral de Prédios Urbanos.
  4. Este regime visou concluir a reforma dos impostos sobre o património imobiliário urbano, procedendo-se à avaliação geral de todos os prédios não avaliados no âmbito do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo que o valor patrimonial tributário (VPT) resultante desta avaliação geral, teve impacto no pagamento do IMI dos anos 2012 e seguintes e a cobrar a partir do ano de 2013.
  5. Foram abrangidos pela avaliação geral os prédios urbanos que, em 1 de dezembro de 2011, não tivessem sido ainda avaliados nos termos do CIMI e em relação aos quais não tivesse sido iniciado qualquer procedimento de avaliação nos termos desse Código.
  6. No caso de prédio ou parte de prédio urbano abrangido pela avaliação geral que esteja arrendado por contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, o valor patrimonial tributário, para efeitos exclusivamente do IMI, é apurado de acordo com um regime especial.
  7. Nestes casos, se o resultado da avaliação geral for superior ao valor que resultar da capitalização da renda anual através da aplicação do fator 15, será este último valor que servirá de base (VPT) para a liquidação do IMI.
  8. Trata-se aqui de consagrar um regime de salvaguarda destinado a suavizar a tributação em sede de IMI de alguns prédios arrendados nos casos em que a renda anual multiplicada pelo factor 15 se mostre inferior ao VPT apurado nos termos da avaliação geral.
  9. Nestas circunstâncias e para efeitos exclusivamente de tributação em sede de IMI, a base de tributação não é o VPT mas o valor da renda anual majorado pelo factor legal apontado.
  10. Daí que não possa a AT ignorar o artigo 15º-N do citado DL nº 387/2013 quando tenha e não possa ignorar – como é o caso dos autos - todos os pressupostos para a sua aplicação, designadamente com base no facto de não ter sido tratada a informação fornecida pelo contribuinte.
  11. Certo estar ainda em curso nos respetivos Serviços da AT a tramitação de processo de avaliação, suscitada pela demandante, relativa aos prédios que serviram de base à liquidação de IMI ora impugnada.
  12. Tal circunstância, não pode servir de fundamento a tributação com total desconsideração do regime de salvaguarda previsto, designadamente, com base no VPT tout court.
  13. Conforme se afirmou já em anterior Jurisprudência do CAAD (cfr., v. g., o acórdão proferido em 4-10-2017, no processo nº 96/2017, com cópia junta aos autos), “(...) ao liquidar o IMI ao arrepio do que estabelece o artigo 15º-N do DL nº 387/2003, de 12 de novembro, a Reqeurida admitiu poder dispor da relação jurídica tributária, da quantificação do imposto, concebendo, portanto, poder ser ela a escolher o momento a partir do qual a consagrada cláusula de sdalvaguarda passará a poder beneficiar os proprietários dos prédios arrendados (...)”
  14. Assim é que, sem outras, desnecessárias, considerações também se conclui, tal como no citado processo nº 96/2017-T, pela ilegalidade da liquidação sub juditio por esta enfermar ou assentar em erro sobre os pressupostos de direito.

 

III – DECISÃO

Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedentes as exceções e questão prejudicial suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
  2. Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IMI nº 2015 … de 26-2-2016, relativa aos anos de 2013 e 2014, na importância global de €129.434,27, com a consequente anulação e
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo

 

  • Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 129.434,27
  • Custas: Fixa-se o montante das custas em € 3.060,00 (Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 22º-4, do RJAT) conforme anteriormente decidido.

 

Lisboa e CAAD, 9 de fevereiro de 2018

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Jorge Bacelar Gouveia

(Vogal)

 

                                   

António Franco

(Vogal)

 



[1] Cfr supra, em factos provados:

“(...)e.     A A… apresentou em 21 de setembro de 2016 reclamação graciosa relativamente à liquidação mencionada supra, em a. e b.;

       f.      A AT não se tinha pronunciado sobre essa reclamação até 28-2-2017, data em que foi apresentado o presento pedido de pronúncia arbitral (...)”