Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 242/2013-T
Data da decisão: 2014-04-30  Selo  
Valor do pedido: € 51.563,63
Tema: Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

 

O árbitro Guilherme d’Oliveira Martins, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 27 de dezembro de 2013, decide nos termos que se seguem:

I. Relatório

1. A Sociedade Imobiliária A… NIPC …, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo datados de 21.03.2013, com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), no montante global de € 51.563,63, e relativos ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na competente matriz predial urbana sob os artigos … e ….

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 29.10.2013.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 11.12.2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27.12.2013.

6. No dia 05.03.2014 teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada ata da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

7. Iniciada a reunião, foi dada a palavra à Representante da Requerida para se pronunciar sobre a manutenção do ato, que a mesma declarou manter.

8. De seguida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, foi dada a palavra às representantes da Requerente e da Requerida para, por esta ordem, se pronunciarem sobre a necessidade de marcação de uma nova reunião para a realização de alegações orais.

9. No uso da palavra, a representante da Requerente declarou prescindir das alegações e solicitou a pronúncia do Tribunal sobre os documentos remetidos ao CAAD em 07.11.2013.

10. Igualmente no uso da palavra, o representante da Requerida declarou prescindir das alegações e nada ter a opor à junção aos autos dos referidos documentos.

11. O Tribunal admitiu a junção dos documentos e designou o dia 02.05.2014 para a prolação da decisão arbitral.

I2. Os fundamentos do pedido da Requerente são os seguintes:

A Requerente foi notificada de vários documentos de pagamento referentes àquele imposto, mas nenhum deles indica o número da liquidação que lhes está subjacente, apenas identificando o número do documento relativo a cada notificação para pagamento do Imposto do Selo, não se encontrando qualquer referência ao número da liquidação em apreço.

Considera que, uma vez que as notificações não identificam o elemento essencial consubstanciado no número da liquidação, se verifica a ausência da fundamentação legal devida, a qual, sendo um vício que inquina o ato de ilegalidade nos termos da alínea c) do artigo 99.º do CPPT, motiva o pedido de declaração de ilegalidade dos atos com este fundamento.

Acrescenta ainda que as liquidações se encontram inquinadas por um erro sobre os pressupostos de Direito pelos seguintes motivos:

As liquidações dizem respeito a terrenos para construção que não têm qualquer edificação ou construção erigida sobre o solo, sendo, por isso, considerados “terrenos para construção”.

No entanto, aquando da realização das avaliações patrimoniais, a AT entendeu aplicar coeficientes de afetação a cada um dos artigos matriciais, tendo ficado a constar da respetiva matriz e caderneta predial a afetação “habitação”.

Atendendo aos valores patrimoniais tributários e à afetação dos imóveis, entendeu a AT que estavam verificados os pressupostos objetivos para a liquidação do imposto do selo nos termos da Verba 28.1 da TGIS, da qual decorre uma obrigação fiscal em sede daquele imposto para: a) prédios com afetação habitacional e b) prédios que, independentemente do tipo de afetação, tenham como sujeitos passivos pessoas residentes em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável constante da lista aprovada por Portaria do Ministro das Finanças.

Aduz que “a teleologia da norma foi a de tributar as habitações de maior valor patrimonial, numa lógica de equidade social na partilha dos encargos fiscais atualmente exigidos aos cidadãos”.

Continua dizendo que, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o qual é aplicável por remissão do artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS):

“3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.”

Assim, o conceito de terreno para construção para efeitos fiscais não é um conceito formal, mas antes um conceito material que traduz uma destinação potencial à construção.

Invoca as palavras de José Maria Fernandes Pires quando explica, em “Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo”, Almedina, p. 104, que “o valor de um terreno para construção corresponde a uma espetativa juridica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas caraterísticas e com determinado valor”.

Neste sentido, conclui que um terreno para construção ainda não é um prédio afeto à habitação e que, quando a verba 28.1 da TGIS refere “afetação habitacional”, isso pressupõe uma abordagem funcional, devendo ser visto como um prédio direcionado para a habitação, não sendo um terreno para construção, de per si, um prédio habitável, havendo apenas uma mera expetativa potencial ou meramente virtual de tal vir a acontecer.

A Requerente invoca ainda a pronúncia arbitral proferida no processo 53/2013, em que se pode ler o seguinte: “Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante.”

Continua dizendo que a qualificação de um prédio ou a sua afetação dependem da utilização normal que lhe pode ser dada face às suas caraterísticas atuais e reais sendo que, num terreno para construção, a utilização normal não pode ser a habitação porque não existe um prédio edificado que permita tal utilização.

Refere ainda que do alvará de loteamento também não se pode retirar a suposta afetação habitacional porque a construção autorizada também prevê para o mesmo edifício a construir a sua utilização para fins comerciais e porque o licenciamento não é por si só uma garantia de concretização da obra, existindo sempre uma incerteza na verificação da efetiva utilização habitacional (no documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, que corresponde ao alvará de loteamento, pode ler-se que o destino dos lotes é para “habitação coletiva e comércios”)

Assim, alega que não decorre de nenhum dos documentos municipais referentes ao imóvel que o mesmo se destina exclusivamente a habitação. Daí que considere não estar em conformidade com a Lei a atribuição de coeficientes de afetação a terrenos para construção e muito menos que esse coeficiente seja utilizado para a delimitação da base tributável objetiva para efeitos de liquidação do Imposto do Selo.

Invoca também a pronúncia arbitral proferida no processo 49/2013: “Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com "afectação habitacional", sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.”

Acrescenta que o artigo 41.º do CIMI determina que o que releva para a determinação do coeficiente de afetação é “o tipo de utilização dos prédios edificados” e que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não há lugar à consideração de coeficientes de afetação e de qualidade e conforto porque os mesmos não estão previstos no artigo 45.º do CIMI que refere que “o  valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação. “

Invoca também a ilegalidade por duplicação da coleta, por ter sido liquidado imposto do selo, por duas vezes, com referência ao ano de 2012 (uma com referência a 31.10.2012 a outra com referência a 31.12.2012).

Invoca ainda a teleologia do Imposto do Selo enquanto imposto que tributa operações que revelem rendimento ou riqueza, o que não sucede com a tributação operada in casu que tem uma dimensão meramente estática.

Por fim, invoca a violação do princípio da igualdade pelo tratamento desigual em que se traduz a interpretação que a AT faz da verba 28.1 da TGIS, nomeadamente por tratar de forma distinta um prédio no valor de € 1 milhão com afetação habitacional e não tributar um prédio do mesmo valor com afetação comercial.

13. Na sua Resposta, a AT pronuncia-se pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção dos questionados atos de liquidação, com os seguintes fundamentos:

a) Quanto à ausência de fundamentação devida

Não é verdade que as notificações não identifiquem o ato de liquidação que lhes serve de suporte porque identificam a disposição legal aplicável, a qualificação e quantificação do facto tributário, bem como o apuramento do imposto, o ano a que respeita e a data da liquidação.

b) Quanto à duplicação da coleta

Não existe porque as liquidações em crise respeitam ao ano de 2012, referem-se à 1.ª, à 2.ª, à 3.ª e à 4.ª prestações, foram efetuadas em 21.03.2013 e respeitam aos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana do concelho de ..., freguesia de ..., inscritos sob os artigos … e …, com o VPT, respetivamente, de € 2.542.473,50 e € 2.613.888,90.

c) Ilegalidade por violação dos pressupostos da incidência tributária

Considera a AT não existir qualquer violação dos pressupostos da incidência tributária, pelos motivos que se seguem:

- Resulta da expressão “...valor das edificações autorizadas”, constante do artigo 45.º, n.º 2, do CIMI, que o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no artigo 41.º do CIMI.

- Cita o Acórdão n.º 04950/11, de 14.02.2012, do TCA Sul, em que o Tribunal conclui que na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, (...) nomeadamente o coeficiente de afetação previsto no artigo 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção.

- Invoca ainda que a atribuição da afetação habitacional é feita com base em iniciativa do contribuinte ou decorre da avaliação geral que tem por base os elementos fornecidos pela câmara respetiva. Os erros de avaliação apenas são passíveis de reclamação nos termos previstos no artigo 130.º, n.º 3 do CIMI, sendo que uma eventual correção apenas produz efeitos a partir da retificação e não desde sempre.

Refere ainda que, no caso concreto, a Requerente foi notificada do resultado das avaliações e não apresentou reclamação. Porém, a AT não retira conclusões desta alegação.

Quanto ao conceito de afetação habitacional para efeitos da verba 28.1, a AT entende que tal designação se aplica a prédios edificados e a terrenos para construção, notando que o legislador não se refere a “prédios destinados a habitação”, mas sim a prédios com “afetação habitacional”, o que justifica com a necessidade de integrar outras realidades além da constante do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI.

d) Quanto à violação do princípio da igualdade

Não existe porque estamos perante realidades distintas, distintamente valoradas pelo legislador; a diferente aptidão dos imóveis sustenta o respetivo tratamento fiscal diferenciado.

 

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não enferma de nulidades.

 

4. Estão, pois, reunidas as condições para se apreciar o mérito do pedido.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

iii.a fACTOS PROVADOS

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na competente matriz predial urbana sob os artigos ... e ....
  2. O referido prédio não tem qualquer edifício ou construção erigida sobre o seu solo.
  3. Segundo o respectivo alvará de loteamento é autorizada, nos terrenos em causa, a edificação de imóveis destinados a habitação colectiva, comércio e escritórios.
  4. Para efeitos de inscrição matricial, em avaliação efectuada ao abrigo das normas pertinentes do CIMI, os prédios foram classificados como tendo afetação habitacional.
  5. Considerando o valor patrimonial tributário dos prédios e o respetivo coeficiente de afetação, entendeu a AT estarem verificados os pressupostos de incidência do imposto do selo previsto na Verba 28 da respectiva Tabela, operando a corresponde liquidação pelos montantes supra referidos, atendendo ao regime transitório estabelecido no art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

III.B FACTOS NÃO PROVADOS

Não há, alegados ou de conhecimento oficioso, factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

III. C MOTIVAÇÃO

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial e em afirmações da Requerente que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

III.D Da cumulação de pedidos

Considerando que os questionados actos de liquidação de imposto do selo se reportam a um mesmo período de tributação e se suportam numa mesma base factual e de direito, a Requerente, invocando o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, optou por pedir a sua apreciação conjunta.

Considerada a identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos arts. 104.º do CPPT e 3.º do RJAT, à pretendida cumulação de pedidos.

III.E do direito

Antes de mais, importa apreciar o vício de falta de fundamentação apontado pela Requerente aos atos de liquidação de imposto do selo relativo a 2012 que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

As notificações em causa, juntas ao processo como documentos 1 e 2 da petição inicial, contêm a indicação da disposição legal aplicável, a qualificação e quantificação do facto tributário, o apuramento do imposto, o ano a que o mesmo respeita e a data da liquidação.

A Requerente assaca aos atos o vício de ausência de fundamentação, por considerar que dos mesmos não consta “o elemento essencial que é a identificação do ato de liquidação” e que “apenas se encontra identificado o número do documento relativo a cada notificação para pagamento do Imposto do Selo, não se encontrando qualquer referência ao número da liquidação em apreço”.

Vejamos se o vício invocado tem fundamento.

A exigência legal da fundamentação tem em vista colocar o contribuinte em condições de conhecer e compreender o “iter” cognoscitivo, valorativo e volitivo do respectivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do acto. A administração pública tem o dever de fundamentar os atos administrativos em geral de modo claro, suficiente e congruente – nos termos dos artigos 268.º n.º 3 da Constituição e 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo - bem como os atos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes – nos termos do disposto no artigo 77.º da LGT, com os efeitos previstos no artigo 37.º do CPPT.

Ora, no caso concreto, face aos elementos que constam dos atos notificados ao sujeito passivo, resulta que o propósito da imposição deste dever legal de fundamentação foi alcançado, porquanto a partir dos mesmos e dos elementos que os integram foi possível à Requerente tomar conhecimento dos fundamentos que estão na base dos atos tributários, inclusive dos factos que determinaram a incidência das normas de tributação, da fonte destas normas, do imposto que resulta da aplicação das segundas aos primeiros, do exercício a que se reporta a liquidação, da data em que esta foi efetuada e do número do documento que a contém.

Neste sentido, decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 06.10.2010, no processo n.º 667/10, do qual se transcreve o seguinte excerto: “A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (...) Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.”

 Nestes termos, no que concerne ao vício de ausência de fundamentação invocado, entendemos que os atos impugnados não padecem do mesmo, pelo que improcede o pedido quanto a esse aspeto.

Prossigamos, então, a análise dos fundamentos invocados pela Requerente no pedido formulado.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente sustenta, no essencial, que um terreno para construção, onde não existem quaisquer edificações, não tem, por natureza, a afetação habitacional exigida pela norma de incidência então prevista na Verba 28.1 da TGIS[1].

Através da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28, nos termos da qual ficaram sujeitos a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000.

A base tributável é constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI e, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do CIMI, o Imposto do Selo é liquidado anualmente pela AT relativamente a cada prédio urbano, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras previstas no CIMI.

As taxas de imposto eram, à data dos factos, as seguintes:

- 1%, por prédio urbano com afetação habitacional;

- 7,5%, por prédio, quando os sujeitos passivos, que não sejam pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

Relativamente ao ano de 2012, era aplicável o regime transitório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, nos termos do qual:

a) O facto tributário se considerava verificado no dia 31 de outubro de 2012;

b) O valor patrimonial a considerar na liquidação correspondia ao que resulta das regras previstas no CIMI, por referência ao ano de 2011;

c) A taxa aplicável era de 0,5%, 0,8% ou 7,5%, consoante se tratasse, respetivamente, de prédios urbanos com afetação habitacional avaliados nos termos do CIMI, de prédios urbanos com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do referido Código ou de prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

São sujeitos passivos, e devedores do imposto, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de dezembro do ano a que o tributo respeita (e, relativamente a 2012, a 31 de outubro).

No tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos arts. 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS. Além disso, em geral, por remissão do art. 67.º, n.º2, do mesmo Código, são de aplicação supletiva às matérias não especialmente reguladas nos CIS as disposições do CIMI.

Para efeitos do IMI, os prédios são classificados como rústicos, urbanos ou mistos (cf. artigos 2.º a 6.º do CIMI).

O CIMI estabelece, no seu art. 3.º, uma definição positiva de prédio rústico, definindo prédio urbano e misto, nos seus arts. 4.º e 5.º, em termos meramente residuais - são assim classificados todas aquelas realidades que, integrando o conceito fiscal de prédio, não sejam de classificar como prédios rústicos.

De acordo com aquele preceito, são prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano[2] que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos de IRS;

b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.

São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agropecuários, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores; 

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º. 

Nos termos do artigo 4.º do CIMI, um prédio que não reúna os requisitos acima referidos é classificado como urbano.

De acordo com o artigo 5.º do CIMI, se um prédio for composto de partes rústica e urbana, é classificado de acordo com a parte principal. Não sendo possível classificar uma das partes como principal, o prédio é considerado misto.

Tendo em conta os conceitos acima referidos pode, assim, concluir-se que um terreno para construção é um prédio urbano e, qualquer que seja a afetação ou uso que esteja a ter, no caso de terrenos expectantes, é expressamente excluído do conceito de prédio rústico.

De acordo com o n.º 1 do art. 6.º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

Esta distinção assume particular relevância para aplicação das regras de determinação do respetivo valor patrimonial tributário – artigos 38.º e ss. do CIMI – sendo para o efeito considerados como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços” os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cf. o artigo 6.º, n.º 2, do CIMI); como “terrenos para construção” os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos. (cf. o artigo 6.º, n.º 3, do CIMI); por fim, são considerados na categoria de “outros” os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cf. o artigo 6.º, n.º 4, do CIMI).

Do enquadramento que acaba de se expor podem, para já, extrair-se as seguintes conclusões:

a) O critério relevante para a distinção entre prédios rústicos e urbanos assenta, em especial, na sua afetação efectiva ou, na falta desta, no destino normal (cf. o artigo 3.º, n.º 1, do CIMI);

b) Os terrenos para construção são expressamente excluídos do conceito de prédios rústicos constituindo uma espécie autónoma de prédios urbanos, de acordo com o conceito especificamente previsto no n.º 3 do art. 6.º do CIMI.

O conceito de terreno para construção, delineado naquele preceito, assenta em pressupostos de natureza objectiva e subjectiva. Independentemente de estarem situados dentro ou fora de um aglomerado urbano são considerados terrenos para construção todos aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de loteamento ou de construção ou, ainda, quando relativamente a essas operações tenha sido admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável. Além disso, são também classificados como terrenos para construção os terrenos que, no título aquisitivo (escritura, documento particular autenticado ou outro documento que titule a aquisição) sejam como tal declarados. A classificação por via da declaração do sujeito passivo é, contudo, afastada nos casos em que as autoridades competentes vedem toda e qualquer daquelas operações.

Ocorrendo qualquer dos factos indicados, o prédio sofre uma alteração da sua anterior classificação - geralmente como prédio rústico – o que tem como efeitos a alteração da inscrição matricial, nos termos previstos no artigo 13.º, n.º 1, alínea b) do CIMI, e a realização de nova avaliação, nos termos dos artigos 37.º e 45.º do CIMI.

Mais tarde, quando – e se - se verificar a conclusão das obras de edificação, é o prédio construído inscrito na matriz predial respetiva, sendo determinado o respectivo valor patrimonial tributário de acordo com as regras previstas no art. 38.º e ss. do CIMI (cf. o artigo 13.º, n.º 1, alínea d), do CIMI). Nessa altura, o prédio classificado como “terreno para construção” deixa de existir autonomamente, sendo eliminada da matriz a corresponde inscrição nos termos do disposto no artigo 106.º, alínea h), do CIMI.

Do exposto conclui-se que um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime de jurídico que regula as edificações urbanas ou o fracionamento de prédios rústicos, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir, salvo nos casos em que, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efetiva concretização.

Na definição do âmbito da tributação a que se refere a Verba 28 da TGIS, o legislador utiliza o conceito de prédios urbanos “com afetação habitacional”, sem, contudo, estabelecer o seu conteúdo e remetendo, antes, para as normas do CIMI. Ora, na definição das diferentes espécies de prédios urbanos, o CIMI prevê, no n.º 1 do seu artigo 6.º, a distinção clara entre prédios “habitacionais” e “terrenos para construção”, sendo os primeiros classificados em função do respetivo licenciamento, ou, não existindo este, de acordo com o seu uso normal. Os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal (são aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações).  

Quer o licenciamento pelas entidades competentes, quer o uso normal de um prédio para efeitos habitacionais pressupõem que os prédios edificados para fins habitacionais reúnam as caraterísticas exigíveis para como tal serem classificados, nomeadamente um mínimo de condições aptas a permitir a garantia da intimidade e da privacidade familiar.

Ora, um terreno para construção, qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal.

Constatando-se que a norma de incidência em análise no presente processo se refere a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se a previsão de uma potencialidade futura em função de um prédio que, eventualmente, venha a ser construído sobre o solo que, nesse momento existe. Pelo contrário, a expressão “com afectação habitacional” denota uma ideia de funcionalidade real e presente, não apontando para um futuro ainda não materializado. Assim, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser considerado um terreno para construção. Nestes termos, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como “prédios com afetação habitacional”.

De resto, a recente alteração operada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 na norma constante da verba 28.1 da TGIS é ilustrativa disso mesmo, na medida em que, se o conceito de terrenos para construção estivesse incluído no conceito de prédios com afetação habitacional, o legislador não teria sentido necessidade de passar a prever as duas categorias, de forma autónoma, na norma em causa (recorde-se que a norma em causa prevê, desde a predita alteração, que a taxa de IS incida “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

Nestes termos, sendo o prédio urbano em questão no presente processo um terreno para construção, o mesmo não cai no âmbito da norma de incidência objetiva da Verba 28.1 da TGIS, o que fere de ilegalidade as liquidações que são objeto do presente processo arbitral, e torna procedente, nessa parte, o pedido da Requerente.

 

Deste modo, fica prejudicada a apreciação da questão da ilegalidade das liquidações que constituem objeto do presente processo por duplicação da coleta, assim como o pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado subsidiariamente pela Requerente, uma vez que este dependia de se considerar que a norma prevista na verba 28.1 da TGIS incluía na sua previsão os “terrenos para construção”.

 

IV. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações questionadas.

Valor do processo: € 51.563,63

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2.142,00, a cargo da Requerida (AT).

Lisboa, 30 de abril de 2014

O árbitro,

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins



[1] Note-se que, entretanto, a Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, alterou a redação da Verba 28.1, que passou a prever “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

[2] Nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do CIMI, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.