Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 344/2017-T
Data da decisão: 2018-01-31  IRS  
Valor do pedido: € 24.241,89
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – Falta de fundamentação de liquidação adicional e de indeferimento de reclamação graciosa.
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

  1. pedido  

A…, contribuinte nº …, com o número de identificação civil …, residente na Travessa …, porta…, …-… Cascais, doravante designada por Demandante, apresentou, em 26-05-2017, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Demandada a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada Demandada), com vista a:

  • A declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, número 2016…;
  • A condenação da Demandada ao reembolso do montante caucionado em garantia;
  • A condenação da Demandada ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Fundamento do pedido

Para sustentar o seu pedido, o Demandante alega, em síntese:

  • No decurso de 2016 o Demandante foi notificado de um projeto de alterações à sua declaração de rendimentos de 2012, na qual se referia que, de acordo com a informação transmitida ao abrigo da diretiva poupança, o Demandante havia auferido, no ano 2012, juros no valor de 88.622,80 euros, de contas bancárias localizadas na Suíça, que não teriam sido incluídos na sua declaração anual de rendimentos.
  • O Demandante efetivamente auferiu nesse ano rendimentos de capitais de fonte suíça, concretamente dividendos no valor de 84.907,22 euros e mais-valias no valor de 43.514,53 euros que foram, no entanto, totalmente e atempadamente declarados ao fisco.
  • Após conversa telefónica com técnico da administração tributária, julgando existir apenas uma pequena divergência quanto aos valores apresentados, o Demandante submeteu declaração de substituição, em que substituiu o valor de 84.907,22 euros, anteriormente declarado, pelo valor de 88.622,80 euros.
  • Veio a verificar-se, porém, que não estava em causa uma divergência de valores quanto aos rendimentos declarados. No entendimento da administração tributária, ao valor de 84.907,22 euros deveria acrescer o valor de 88.622,80 euros.
  • O Demandante foi notificado em 22 de novembro de 2016 de liquidação adicional de IRS no valor de 24.068,64 euros, referentes ao rendimento alegadamente não declarado de 88.622,80 euros.
  • Telefonicamente, o Demandante obteve a informação de que o rendimento acrescido – de 88.622,80 euros – eram provenientes de uma conta no Banque B… (Suisse).
  • O Demandante não é titular de qualquer conta bancária nesta instituição, porém.
  • Tendo apresentado reclamação graciosa da liquidação adicional referida, esta foi objeto de indeferimento, por o Demandante não ter logrado provar o facto constitutivo do direito por si alegado, com base no disposto no art. 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária (doravante LGT).
  • Tal documento não pode ser considerado válido, pois o ónus da prova pertence à Autoridade Tributária e Aduaneira e esta não provou que o Demandante auferiu os rendimentos em causa.

 

  1. Resposta

Na sua Resposta, a Requerida AT – Autoridade Tributária e Aduaneira contesta o pedido, dizendo:

  • As correções em causa nos autos têm a sua origem numa troca de informações entre Portugal e a Suíça, ao abrigo da Diretiva Poupança, na qual se verificou a obtenção de rendimentos de juros no valor de € 88.622,80, por parte do Requerente, os quais não foram indicados na declaração Modelo 3 de IRS.
  • Tendo o Demandante sido notificado para exercício de audiência prévia do projeto de alteração à declaração de rendimentos de 2012, o mesmo não exerceu o direito de audiência prévia mas procedeu à substituição da declaração de rendimentos, tendo apenas retirado os rendimentos do campo 407 (dividendos ou lucros – com retenção em Portugal) do anexo J da Modelo 3, no montante de € 84.907,22, para introduzir o montante de € 88.622,80 no campo 422 (rendimentos da Diretiva Poupança n.º 2006/48/CE – restantes países não abrangidos pelo período de transição).
  • Contudo, o que estava em causa não era uma errónea qualificação dos rendimentos, mas sim uma lacuna declarativa de rendimentos, no referido anexo J da declaração Modelo 3, de 2012, o que motivou a emissão de uma declaração oficiosa.
  • Com efeito, na sequência de troca de informação enviada pelas autoridades fiscais suíças, no âmbito da Diretiva Poupança, verificou-se que o Requerente auferiu de um montante de € 88.622,80, a título de juros, provenientes daquele Estado.
  • As autoridades fiscais suíças informaram a AT de que o Requerente auferiu naquele Estado os montantes de CHF 106.878,00 do C… (Suisse) SA e de € 89,00 do Banque B… (Suisse) SA, a título de juros.
  • Da leitura conjugada do artigo 76.º, n.º 1 e n.º 4 da LGT, “1 – As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.
  • 4 – São abrangidas pelo no 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”
  • Ora, o Requerente em momento algum, apresentou prova de que não auferiu os rendimentos que lhe foram imputados, em resultado da troca de informações prestadas pelas autoridades tributárias suíças.
  • Isto porque, perante as informações prestadas pela administração tributária suíça à AT, competia ao Requerente provar o contrário, ou seja, ilidir a prova.
  • O que estava em causa na declaração inicial do Requerente era a ausência de declaração dos rendimentos mencionados cuja natureza era “juros” – campo 422 do anexo J.
  • Assim, quando o Requerente apresentou uma declaração de substituição a incluir os referidos rendimentos de juros obtidos na Suíça, no campo 422, do anexo J da declaração Modelo 3 de 2012, a AT aceitou tal declaração, pois estava conforme à informação disponibilizada pelas autoridades fiscais suíças.
  • O mesmo já não acontece quanto ao facto de ter retirado os rendimentos de dividendos ou lucros, com retenção em Portugal.
  • Ora, analisado o ppa do Requerente bem como a reclamação graciosa, este em parte alguma nega que auferiu os referidos rendimentos de dividendos ou lucros com retenção em Portugal.
  • Aliás, até reafirma que recebeu esses rendimentos, em sede de reclamação graciosa, ao mencionar que os mesmos eram originários do “C… Suisse declarados de acordo com a informação dessa instituição no montante € 84.907,22 campo 407”, conforme fl. 10 do PA.
  • Portanto, nunca poderia o Requerente ter alterado a declaração de rendimentos no sentido que o fez.
  • a AT em momento algum violou os artigos mencionados pelo Requerente, nomeadamente os artigos 74.º e 75.º da LGT, uma vez que esteve sempre na posse de elementos apresentados pelas autoridades fiscais suíças que comprovam o por nós alegado, não tendo por sua vez o Requerente apresentado prova em sentido contrário ou diverso.
  • Em momento algum o Requerente apresentou “declaração emitida pela autoridade fiscal suíça (Origina) ou documento autenticado em que se encontre discriminado os rendimentos obtidos (a sua natureza), o montante dos rendimentos obtidos (a sua natureza), o montante dos rendimentos obtidos, bem como se for caso disso o imposto pago no estrangeiro”, prova essa que lhe permitiria ilidir a informação prestada pelas autoridades tributárias suíças.
  • Atendo ao exposto, conclui-se que as correções levadas a cabo pelos serviços da AT não padecem de nenhum dos vícios que a Requerente lhes pretende assacar, o que determina, no nosso entender, a legalidade das subsequentes liquidações de IRS.

 

  1. Tramitação subsequente

Com a concordância das Partes, o Tribunal determinou a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por despacho proferido a 21-12-2017, tendo sido concedidos às Partes prazos sucessivos para apresentarem alegações finais escritas.

  1. Alegações da Demandante

Nas suas alegações, a Demandante alega em síntese, com relevância para a decisão da causa:

  • Na sua resposta, a Demandada sustenta uma nova versão dos factos para fundamentar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa no sentido de que o que estava em causa não era uma errónea qualificação dos rendimentos, mas sim uma lacuna declarativa de rendimento.
  • Essa lacuna corresponderia ao valor anteriormente declarado pelo Demandante no campo 407, o qual correspondia aos seus rendimentos de fonte suíça, e que depois foram transpostos para o campo 422 sob indicação da Requerida.
  • A liquidação em crise deixou de resultar de rendimentos comunicados por autoridades estrangeiras, para, supostamente, resultar do facto de ter retirado os rendimentos de dividendos ou lucros com retenção em Portugal.
  • Esta versão é completamente díspar da notificada pela Demandada ao Demandante, e que a Demandada  reconheceu e manteve em sede de reclamação graciosa;
  • [Mas] caso a liquidação respeitasse a “rendimentos de dividendos ou lucros” com retenção em Portugal, tal deveria constar da decisão da reclamação graciosa.
  • De facto, para que fossem rendimentos sujeitos a retenção em Portugal, atendo o disposto nos artigos 71º e 101º do CIRS, teriam que ser pagos ou colocados à disposição por intermédio de entidades que estivessem mandatadas por devedores ou titulares ou agissem por conta de uns ou outros.
  • Assim, qualquer retenção a existir, teria sido comunicada e constaria nos dados informáticos do sistema central da Demandada – e não foi nunca apresentada qualquer informação desta natureza como fundamento da liquidação.
  • Em momento algum a Demandada identificou a fonte dos supostos rendimentos sujeitos a retenção em Portugal, a entidade obrigada a retenção, ou o incumprimento das obrigações tributárias da entidade obrigada à retenção.
  • A existir um rendimento sujeito a retenção, o imposto devido já teria que ter sido entregue à Demandada pela entidade obrigada à retenção.
  • E nos termos dos artigos 20º e 28º da LGT, e art.º 103º, nº 1 do CIRS, seria a essa entidade, única e exclusivamente que, na qualidade de substituto tributário, seria exigível o imposto.
  • A Demandada não poderia apresentar um fundamento desta natureza para a liquidação, pois sabe da consulta do seu sistema que nenhum rendimento lhe foi comunicado como de fonte estrangeira e sujeito a retenção em Portugal.
  • A obrigação de fundamentação é transversal – e a liquidação notificada foi fundamentada e sustentada com base na necessidade de declarar no campo correto (422) os rendimentos percebidos pelo Demandante e por si declarados no campo 407, que foi informado não ser o adequado.
  • Apesar de a Requerida alegar em sede arbitral a suposta obtenção de rendimentos de fonte estrangeira que deveriam ter sido sujeitos a retenção em Portugal, não é indicado nem apresentado qualquer elemento no sentido de identificar o devedor dos mesmos, a entidade obrigada à retenção, a origem do rendimento a tributar ou a sua natureza.
  • Aliás, os pretensos rendimentos são indicados como de dividendos ou lucros, o que implica uma imprecisão incompatível com o dever de fundamentação.
  • Pelo que, também na nova aceção dos factos apresentada pela Demandada, a fundamentação é legalmente inadmissível, devendo a liquidação ser julgada ilegal.
  • Para uma boa análise da questão controvertida releva a norma legal quanto ao ónus da prova e ao valor das declarações produzidas em sede de procedimento tributário.
  • Prevê o art.º 74º da LGT que a prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
  • Por seu lado, de acordo com o art.º 75º LGT, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações apresentadas nos termos da lei.
  • As duas normas devem ser articuladas entre si, valendo como regra geral um princípio de in dúbio contra fisco;
  • Assim, tendo o Demandante apresentado declaração de substituição nos termos legalmente aplicáveis, cabia à administração tributária o ónus de provar que a declaração de rendimentos deste não correspondia à realidade.
  • Tal ónus não foi cumprido.
  • Ao afirmar que é ao Demandante que incumbe provar que não auferiu os rendimentos que lhe são imputáveis, a Demandada viola o disposto nos arts. 74º e 75º LGT.
  • A Demandada pretende aplicar a pretensos rendimentos sujeitos a retenção na fonte em Portugal o valor probatório previsto no art. 76º, nº 1 e 4 LGT.
  • Todavia, a norma em questão apenas tem aplicação quanto a informações prestadas ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado.
  • E mesmo que se aplicasse, seria sempre prejudicada pela apresentação de prova em contrário, como a amplamente carreada pelo Demandante.
  • Perante prova em contrário, não pode a Demandada assentar uma liquidação adicional unicamente sobre informações recebidas de autoridades estrangeiras, que necessita de ser devidamente fundamentada e baseada em critérios e pode não preencher os requisitos necessários à atribuição do necessário valor probatório.

 

  1. Alegações da Demandada

Nas suas alegações, a Demandada argumenta, com interesse para a decisão:

  • Numa primeira declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS (adiante DRM 3), de 06-05-2013, o Demandante declarou no Campo 407 (Dividendos ou lucros – com retenção em Portugal) do Quadro 4 do anexo J rendimentos no montante de € 84.907,22.
  • Por ofício n.º … de 04-10-2016, o Demandante foi notificado pela AT de que “de acordo com a informação que nos foi transmitida, ao abrigo daquela Diretiva, pelo Estado/País/território Suíça, o sujeito passivo A auferiu no ano de 2012 rendimentos de juros no valor de € 88.622,80, que não foram indicados na declaração Modelo 3 de IRS, pelo que se irá proceder à inclusão dos mesmos no quadro 4 do anexo J da referida declaração de rendimentos”.
  • A notificação não indicava qual a entidade pagadora.
  • O Demandante não logra provar o alegado nos artigos 11 a 15 e 17 a 19, relativamente as conversas com o técnico D…, no mesmo sentido já a Demandada se havia pronunciado em sede de indeferimento da reclamação graciosa: “... não sendo provado o alegado não pode o mesmo ser tomado em consideração a seu favor”.
  • Perante a notificação da AT, o Demandante, a 12-10-2016, apresenta uma DRM 3 de substituição, na qual retira os rendimentos do Campo 407 e acrescenta o rendimento no valor de € 88.622,80 ao campo 422 – Rendimentos da Diretiva Poupança n.º 2003/48/CE – Restantes países não abrangidos pelo período de transição.
  • Reiterando o artigo 10.º da Resposta “a 14-11-2016 os serviços da AT procederam à emissão duma declaração de rendimentos oficiosa na qual fizeram constar os rendimentos auferidos no campo 407 e no campo 422, da qual resultou a liquidação nos autos sindicada”, ou seja na declaração oficiosa a AT fez constar os rendimentos no montante de € 84.907,22 no Campo 407 (Dividendos ou lucros – com retenção em Portugal), que o Requerente havia retirado na DRM 3 de substituição, bem como o rendimento de juros no montante de € 88.622,80 ao Campo 422 – Rendimentos da Diretiva Poupança n.o 2003/48/CE – Restantes países não abrangidos pelo período de transição.
  • De seguida, o Demandante apresentou uma reclamação graciosa à qual foi atribuído o n.º de processo …2016… .
  • Conforme se verifica da reclamação graciosa apresentada pelo Demandante, este assume, não entendemos com que base, que “a proveniência dos 88 622.80 são do Banque B… (Suisse) SA”.
  • Analisado o documento 1, verificamos que da troca de informações resulta que o rendimento de juros no montante de € 88.622,80 teve origem no C… (Suisse) SA (CHF…) e do Banque B… (Suisse) SA (apenas € 89,00).
  • Ora, nem em sede de reclamação graciosa, nem em sede arbitral, o Demandante contesta a correção da AT, através da qual esta reintroduz o montante de € 84.907,22 no Campo 407, o tal que prevê dividendos ou lucros com retenção em Portugal.
  • Na realidade, o que o Demandante contesta é o montante de € 88.622,80 que ele próprio acresceu ao Campo 422, na sua DRM 3 de substituição: “Recebeu agora nova notificação e liquidação do imposto, que reclama, em que a AT lhe informa que lhe acresce os valores acima referidos porque a proveniência dos 88.622,80 euros são do Banque B… (Suisse) SA do qual não obteve qualquer tipo de rendimentos”.
  • Convém esclarecer que, em momento algum dos autos o Demandante logra provar que a AT lhe informou que a proveniência dos € 88.622,80 é do Banque B… (Suisse) SA.
  • Como se retira da reclamação graciosa, o Demandante está a reclamar dos rendimentos de juros no montante de € 88.622,80 (Campo 422), e não dos rendimentos de dividendos ou lucros no montante de € 84.907,22 no Campo 407.
  • Por essa mesma razão a Demandada arguiu em sede de resposta, cf. artigo 9.º, que “Contudo, o que estava em causa não era uma errónea qualificação dos rendimentos, mas sim uma lacuna declarativa de rendimentos, no referido anexo J da declaração Modelo 3, de 2012”.
  • Ora, uma vez que os montantes de rendimentos de juros (€ 88.622,80 – Campo 422) tiveram origem numa troca de informações com as autoridades fiscais da Suíça, a AT decidiu, em sede de reclamação graciosa que “não sendo provado o alegado não pode o mesmo ser tomado em consideração a seu favor”.
  • E a AT clarificou: “Efetivamente, o sujeito passivo não apresenta nenhuma declaração emitida pela autoridade fiscal suíça (original) ou documento autenticado em que se encontre discriminado os rendimentos obtidos (a sua natureza), o montante dos rendimentos obtidos, bem como se for caso disso o imposto pago no estrangeiro”.
  • E entende-se que assim seja, pois se a informação dos rendimentos de juros teve origem em troca de informação com as autoridades fiscais suíças, prevê o artigo 76.º, n.º 1 e n.º 4 da LGT, que

“1 – As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.

(...)

4 – São abrangidas pelo no 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”

  • Tal declaração “emitida pela autoridade fiscal suíça” iria esclarecer e clarificar a totalidade dos rendimentos obtidos pelo Demandante na Suíça, independentemente da sua origem e/ou natureza, contudo, este optou por não fazer essa prova, ou sequer diligenciar no sentido de a obter.
  • Logo, nunca poderia o Demandante pôr em causa a correção referente aos rendimentos de juros no montante de € 88.622,80 – Campo 422, com base em mera declaração do banco, nem poderia a AT aceitar tal documento como prova bastante em face da informação resultante da troca de informações providenciada pelas autoridades fiscais suíças.
  • Como facilmente se conclui, a argumentação da Demandada em nada se compadece com “versões distintas”, ou de “uma segunda versão dos factos” conforme acusa o Demandante em sede de alegações.
  • E diga-se ainda, a respeito dos artigos 36 e ss. das alegações, que a Demandada esteve bem, em sede de Resposta, ao esclarecer os autos que: (cf. artigos 33.º a 37.º)

«quando o Demandante apresentou uma declaração de substituição a incluir os referidos rendimentos de juros obtidos na Suíça, no campo 422, do anexo J da declaração Modelo 3 de 2012, a AT aceitou tal declaração, pois estava conforme à informação disponibilizada pelas autoridades fiscais suíças.

O mesmo já não acontece quanto ao facto de ter retirado os rendimentos de dividendos ou lucros, com retenção em Portugal.

Ora, analisado o ppa do Demandante bem como a reclamação graciosa, este em parte alguma nega que auferiu os referidos rendimentos de dividendos ou lucros com retenção em Portugal.

Aliás, até reafirma que recebeu esses rendimentos, em sede de reclamação graciosa, ao mencionar que os mesmos eram originários do “C… declarados de acordo com a informação dessa instituição no montante € 84.907,22 campo 407”, conforme fl. 10 do PA.

Portanto, nunca poderia o Demandante ter alterado a declaração de rendimentos no sentido que o fez.»

  • E quando a Demandada afirma no final deste trecho que “nunca poderia o Requerente ter alterado a declaração de rendimentos no sentido que o fez” refere-se ao facto de o Demandante ter retirado os rendimentos do campo 407.
  • Esclarecendo, se o Demandante se tivesse limitado a acrescer os rendimentos de juros no montante de € 88.622,80 ao Campo 422, conforme notificado para o efeito, não haveria necessidade de a AT corrigir oficiosamente a DRM 3 no sentido que o fez, ou seja, acrescer os rendimentos inicialmente declarados pelo Requerente no montante € 84.907,22 ao campo 407 da sua DRM 3 inicial.
  • Pelo que todo o expedido em sede de alegações pelo Demandante, nos seus artigos 66 a 97, deverá ser considerado improcedente, porquanto tais alegações configuram uma inversão do ónus de prova sem qualquer arrimo legal, e por se basear única e exclusivamente numa interpretação enviesada dum artigo doutrinário sem qualquer suporte legal.
  • Ademais, atendendo ao alegado pelo Demandante nos seus artigos 88 e ss., recordamos o douto tribunal arbitral que a Demandada, tendo tomado conhecimento dos rendimentos de “juros” auferidos por aquele, através de informação oficial transmitida pelas autoridades fiscais da Suíça por via da Troca de Informação, a Demandada não se limitou a corrigir os rendimentos do Demandante “tout court” conforme aparenta alegar.
  • Na verdade a Demandada, seguindo os trâmites legais, deu sempre a possibilidade ao Demandante de exercer o contraditório em relação à informação obtida juntos das autoridades fiscais da Suíça, o que este não logrou provar.
  • A Demandada informou ainda ao Demandante, em sede de exercício de audição prévia (da reclamação graciosa), com vista ao apuramento da verdade material, que “Efetivamente, o sujeito passivo não apresenta nenhuma declaração emitida pela autoridade fiscal suíça (original) ou documento autenticado em que se encontre discriminado os rendimentos obtidos (a sua natureza), o montante dos rendimentos obtidos, bem como se for caso disso o imposto pago no estrangeiro”.
  • Já quanto ao artigo 52 e ss. das alegações, aí sim nos deparamos com “narrativas alternativas”, “versões distintas”, ou de “uma segunda versão dos factos”, em relação à defesa do Demandante.
  • Nunca se tendo o Demandante questionado e/ou reclamado perante a AT, em sede administrativa e/ou arbitral, quanto aos montantes inscritos no campo 407, em sede de correção oficiosa, lembrou-se agora, depois de clarificado nos autos pela Demandada, em sede de Resposta, de pôr em causa essa mesma correção.
  • Ora, todo o vertido nas alegações desde o artigo 52 ao 65 é “ex novo” e constitui alteração e/ou ampliação da causa de pedir.
  • Conforme decorre do disposto nos artigos 264.ºe 265.º, ambos do CPC, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho:

 

«Artigo 264.º - Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo

Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

 

Artigo 265.º - Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo

1 — Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2 — O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

3 — Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.

4 — O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º -A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.

5 — Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.

6 — É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.»

 

  • Recorta-se de forma clara e evidente que inexiste base legal para o Demandante ampliar a causa de pedir, pois nos termos do CPC apenas é permitido a complementaridade da causa de pedir, tendo o legislador apenas consagrado a alteração e modificação da causa de pedir, mas desde que seja efectuada por acordo das parte ou por confissão do Réu e aceite pelo autor.
  • No caso vertente não é possível qualquer alteração e/ou modificação, não se encontrando verificados os pressupostos de que depende, ou seja, o acordo ou a confissão.
  • Logo, é entendimento da Demandada que o referido pela Requerente nesta sede deverá improceder por carecer de base legal, devendo para tanto ser considerado o alegado como não escrito e inadmissível para efeitos de prolação da decisão.
  • Em face do exposto, a Demandada conclui pela improcedência de tudo quanto é peticionado pelo Requerente em sede arbitral, conforme já o havia feito em sede de Resposta.

 

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 31-07-2017, tendo sido o Árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III. QUESTÕES A DECIDIR

São questões a decidir nos autos:

  1. Se a fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa é válida e de molde a sustentar a respetiva decisão;
  2. Se o ato de liquidação adicional efetuada sobre os rendimentos de 2012 do Demandante obedece aos requisitos legais relativos à fundamentação do ato tributário.

 

IV – FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS

  1. FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão da causa:

1º facto: O Demandante entregou declaração de rendimentos do ano 2012, em que inscreveu, no quadro 407 (“dividendos ou lucros com retenção em Portugal”) do anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro), o montante de 84.907,22 euros;

2º facto: O Demandante foi notificado, para o exercício do direito de audiência prévia, de um projeto de decisão de alterações a efetuar à declaração de rendimentos referente ao ano 2012;

3º facto: Na fundamentação desse projeto de decisão, dizia-se que:

  • As alterações consistiam em incluir, na declaração, rendimentos de juros no valor de 88.622,80 euros, que, de acordo com informação transmitida pelo Estado suíço, o Demandante tinha auferido no ano 2012;
  • Esse montante deveria ser incluído no campo 422 (“rendimentos da Diretiva Poupança nº 2003/48/CE”) do anexo J;
  • Se o Demandante não procedesse, até ao prazo de exercício do direito de audiência prévia, ele próprio, às alterações que eram especificadas seria efetuada uma liquidação corrigindo as anomalias existentes.

4º facto: Em 12-10-2016, o Demandante entregou uma declaração de substituição de IRS, na qual, relativamente à declaração inicial, foi eliminado o montante de 84.907,22 euros do campo 407 do anexo J e se acrescentou o valor de 88.622,80 no campo 422 do anexo J;

5º facto: O Demandante foi notificado de liquidação adicional de IRS relativa aos rendimentos de 2012, emitida em 15-11-2016, na qual não consta nem o montante de 88.622,80 euros, nem o montante de 84.907,22 euros.

6º Facto: O Demandante interpôs reclamação graciosa da liquidação adicional referida, em 28-11-2016.

7º facto: Na reclamação graciosa, o Demandante dizia:

“Em 16/11/2016 recebi uma notificação (DF Lisboa … 04.10.2016) onde era notificado de não ter declarado rendimentos obtidos na Suíça no montante de 88.622,80 euros no campo 422. Aquando do contacto com o técnico D…, onde disse só ter rendimentos do C… declarados de acordo com a informação dessa instituição no montante de 84.907,22 campo 407. Foi-me indicado que em virtude e (sic) e o valor em posse da AT ser a correta, teria de fazer uma declaração de substituição corrigindo o montante e o campo. Recebi agora nova notificação e liquidação do imposto, que reclamo, em que a AT me informa que me acresce os valores acima referidos porque a proveniência dos 88.622,80 são do Banco B… (Suisse) SA do qual não obtive qualquer tipo de rendimentos. Sou nessa instituição apenas o representante da minha mãe, contribuinte …,  - E…, sendo ela a única detentora desses rendimentos, e tendo a mesma na sua declaração modelo 3 ter (sic) declarado esses rendimentos e liquidado o respetivo imposto.

Assim não tendo obtido esses rendimentos, já terem sido declarados pelo contribuinte que os obteve e liquidado o imposto, venho solicitar que a liquidação 2016… em meu nome seja anulada e a minha dexclaração (sic)de substituição anulada, uma vez que a verdadeira foi a enviada em 06/05/2013”.

 

8º facto: Em 21-02-2017, foi indeferida a reclamação graciosa, com o seguinte fundamento:

“Após análise aos autos tem-se que, nos termos do nº 1 do art. 74º da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre eles, pelo que não sendo provado o alegado não pode o mesmo ser tomado em consideração em seu favor. Efetivamente, o sujeito passivo não apresenta nenhuma declaração emitida pela autoridade fiscal suíça (Original) ou documento autenticado em que se encontre discriminado os rendimentos obtidos (a sua natureza), o montante dos rendimentos obtidos, bem como se for caso disso o imposto pago no estrangeiro. Apesar de identificar a sua mãe, alegando ser seu representante não comprova essa representação, e a declaração identificada (a da sua mãe) não contém no quadro 4, campo 422 do Anexo J, qualquer montante”.

 

V – FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do art. 65º, nº 4 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), a Autoridade Tributária e Aduaneira pode proceder à alteração dos elementos declarados pelos contribuintes sempre que devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

Analisado todo o procedimento que esteve na origem na liquidação impugnada, começando pela notificação para exercício de projeto de alterações à declaração de rendimentos, verifica-se que, num primeiro momento, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que o Demandante tinha omitido determinados rendimentos na sua declaração de rendimentos do ano 2012.

Tais rendimentos, como se retira literalmente da notificação do mesmo projeto, consistiam em “juros”, no montante de 88.622,80 euros, que deveriam - segundo a Demandada – ser incluídos no campo 422 (“rendimentos da Diretiva Poupança nº 2003/48/CE”) do anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro).

Portanto a Demandada considerou existir, na primeira de declaração de rendimentos submetida, uma omissão de juros obtidos no estrangeiro, mais concretamente na Suíça, como se dizia expressamente na notificação do projeto de alterações.

De acordo com o art. 60º, nº 1, al. a) da Lei Geral Tributária (LGT), conjugado com o art. 121º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo, a decisão de “alteração da declaração de rendimentos”, na medida em que é uma decisão que determina uma liquidação de imposto, deve ser notificado ao contribuinte em fase de projeto, para facultar àquele o exercício do direito de audiência prévia.

Foi o que aconteceu.

Na notificação para exercício de audiência prévia, era dito ao Demandante que ele podia pronunciar-se acerca do projeto de alterações. Mas dizia-se também que, em alternativa, o Demandante podia proceder à entrega de declaração de substituição, com as alterações determinadas pela Demandada.

O Demandante, baseado em erro, é certo, quanto às razões na base das alterações determinadas, procedeu à entrega de declaração de substituição, incluindo nela os rendimentos que a Demandada pretendia que deviam ser incluídos, e no campo indicado por esta.

Resulta, efetivamente, notório, da análise da reclamação do Demandante, que este, ao submeter declaração de substituição, estava convencido de que o que estava em causa era uma errada qualificação e quantificação dos rendimentos de capitais por si auferidos na Suíça.

O Demandante, ao submeter a declaração de substituição, agiu convicto de que, em primeiro lugar, tinha indicado os seus rendimentos de capitais de fonte suíça erradamente no campo 407 do anexo J, quando o campo certo para esses rendimentos era o campo 422 do mesmo anexo; e que, em segundo lugar, a administração tributária atribuía aos seus rendimentos de capitais provenientes da Suíça o valor de 88.622,80 euros, quando ele tinha indicado o montante de 84.907,22 euros.

É, portanto, notório que o Demandante não compreendeu o que estava em causa no projeto de alterações que lhe foi notificado para audiência prévia, e muito menos os seus fundamentos.

Também é certo que, nessa notificação para audiência prévia, a Autoridade Tributária não informou o Demandado sobre a identidade das instituições bancárias de onde provinham os rendimentos que se pretendiam imputar. E aconteceu, por coincidência, que, para além dos rendimentos que a Autoridade Tributária pretendia imputar, o Demandante tinha outros rendimentos provenientes de instituições financeiras suíças.

Essa coincidência originou um equívoco.

Mas esse equívoco tinha sido evitado se a Autoridade Tributária tivesse, como lhe competia, na notificação do projeto de alterações, informando sobre as entidades das quais provinham os rendimentos a imputar. O que não fez, podendo facilmente fazê-lo.

Daí que, ao mesmo tempo que, na declaração de substituição, inscreveu o montante indicado pela administração tributária no campo indicado, o Demandante eliminou outro montante, de um outro campo da declaração.

Em face deste procedimento, a Demandada efetuou uma liquidação definitiva, que notificou ao Demandante.

Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia proceder a liquidação, sem notificar o Demandante de novo projeto de alterações.

Na verdade, estava em causa nova declaração, sobre a qual pesa presunção de veracidade, nos termos do art. 75º da Lei Geral Tributária, e o que a Autoridade Tributária fez foi afastar essa presunção, alterando os dados declarados pelo Demandante, sem exteriorizar qualquer fundamento nem dar ao Demandante a possibilidade de se pronunciar.

Nessa liquidação, a Demandada procedeu a alterações à declaração de substituição entretanto apresentada pelo Demandante.

Tal conclusão retira-se, indiretamente, apenas, do montante de imposto liquidado, já que um aumento de rendimento tributável de 84.907,22 euros para 88.622,80 euros não poderia nunca determinar um imposto acrescido a pagar no valor de 24.241,89 euros.

Porém, a liquidação notificada ao Demandante e a respetiva fundamentação não permitem compreender com segurança quais as alterações que foram efetuadas.

Nesta liquidação definitiva, na medida em que a mesma se baseia em alterações que não tinham sido comunicadas anteriormente ao Demandante, era necessário, no mínimo e já que se optou por avançar para uma liquidação definitiva sem audição prévia, que as mesmas fossem explicitadas na fundamentação do ato, de forma a permitir ao Demandante exercer os seus direitos de defesa, nos termos do art. 268º da Constituição da República Portuguesa, do art. 152º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e do art. 77º da LGT.

Ora, tal não aconteceu. A ATA nunca explicitou, em momento algum, quais as alterações à declaração de substituição que estiveram na base da liquidação.

Aliás, não se pode dizer que essa notificação contenha uma fundamentação.

A liquidação é hermética e ininteligível para um cidadão comum.

Com isso, a Demandada violou o dever de fundamentação, consagrado no art. 268º da Constituição da República Portuguesa, no art. 152º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e no art. 77º da LGT, ferindo o ato de invalidade por vício de falta de fundamentação.

Ainda assim, ie apesar da falta de fundamentação da liquidação, que lhe permitiria compreender as razões da administração tributária e impugnar o ato com base nas mesmas, o Demandante, baseando-se no que conjeturou serem as razões da administração tributária, deduziu reclamação graciosa.

Na reclamação graciosa, o Demandante, sem estar de posse das razões que motivaram o ato, como deveria e era suposto estar, tornou claro não ter entendido qual a origem dos rendimentos que lhe estavam a ser imputados.

Na reclamação, o Demandante levanta a hipótese de estar a ser tributado por rendimentos de que a sua mãe era a verdadeira e única titular. Evidentemente, o Demandante não tinha que levantar qualquer hipótese. O Demandante estava perante um vício de falta de fundamentação do ato. Poderia, com inteira propriedade, ter usado o expediente previsto no art. 37º do CPPT.

Mas os contribuintes não têm que conhecer todos os meandros da lei tributária para tratarem dos seus assuntos com a administração tributária.

Além disso, era a administração tributária quem tinha que enunciar claramente quais os rendimentos que estavam a ser imputados ao Demandante, o que não fez.

O Demandante, na reclamação graciosa, expressou, de modo confuso, o seu desconhecimento sobre quais os rendimentos que lhe estavam a ser imputados. Mas a reclamação graciosa é regida pelos princípios da simplicidade de termos e da informalidade, nos termos do art. 69º do CPPT. A administração tributária não pode, ainda para mais tendo faltado de forma flagrante ao seu dever de fundamentação, esperar que os sujeitos passivos sejam exímios no manejo nas normas de procedimento tributário.

De qualquer modo, era claro, a partir da reclamação graciosa, que o Demandante desconhecia quais os rendimentos que lhe estavam a ser imputados.

Perante a evidência de que o Demandante desconhecia, e por razões imputáveis à própria administração tributária, a uma violação do dever de fundamentação, que rendimentos lhe estavam a ser imputados, impunha-se que a Demandada, suprindo – no plano material que não formal, pois o ato primário continuaria a enfermar de vício de falta de fundamentação - o seu anterior incumprimento do dever de fundamentação, esclarecesse o sujeito passivo sobre quais as alterações efetuadas à declaração de substituição, e quais os rendimentos que estavam a ser imputados ao Demandante, fundamentando, dessa forma, a sua decisão de manter o ato de liquidação.

Essa seria a única fundamentação válida para a decisão de manutenção do ato reclamado.

Uma resposta sobre as conjeturas, extemporâneas, do Demandante sobre a hipotética origem dos rendimentos imputados e tributados, tecendo considerações sobre a falta de prova e fundamentação dessas mesmas conjeturas, quando tais conjeturas não tinham, desde o início, qualquer pertinência para a decisão da questão controvertida, não é uma fundamentação adequada para a decisão de manutenção do ato reclamado.

É, como alega o Demandante, uma postura evasiva e que conduz o contribuinte a enredar-se no meio dos procedimentos administrativos, por não ter a informação que lhe permitiria impugnar objetiva e eficazmente a liquidação. A Autoridade Tributária não pode valer-se da ignorância que ela própria provocou no Demandante.

Termos em que haverá que concluir que é ilegal a (diretamente impugnada) decisão sobre a reclamação graciosa, por falta de fundamentação material, na medida em que a fundamentação explicitada não é de molde a sustentar a mesma decisão. Nomeadamente, não se diz, nessa fundamentação, claramente, que rendimentos estão a ser imputados ao contribuinte e tributados, o que era o mínimo exigível.

Da mesma forma, e também pelas razões já desenvolvidas, há que concluir que é ilegal o ato de liquidação indiretamente impugnado por falta de fundamentação, desta vez formal, na medida em que a notificação do ato não contém, na verdade, qualquer fundamentação por mais sucinta que fosse.

O Demandante argui a falta de fundamentação do ato de liquidação no artigo 62º da petição inicial, pelo que este vício se encontra compreendido na causa de pedir.

Sendo certo que, de entre os vícios que conduzem à anulação do ato impugnado, se deve dar prioridade aos vícios atinentes à sua legalidade interna ou material, em detrimento dos vícios relativos à sua legalidade externa ou meramente formal, a fim de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas, nos termos do art. 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, casos há em que tal não é possível.

No caso vertente, o Tribunal arbitral vê-se impossibilitado de se pronunciar sobre o mérito dos atos impugnados, precisamente por a sua falta de fundamentação não permitir saber quais as alterações efetuadas à declaração (de substituição) apresentada pelo Demandante, quais os rendimentos que lhe foram imputados e muito menos sobre que bases tais rendimentos foram imputados ao Demandante.

 

VI – APRECIAÇÃO DO REQUERIMENTO DO DEMANDANTE DE CONDENAÇÃO DA DEMANDADA POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

Em requerimento datado de 20-12-2017, a Demandante acusa a Demandada de litigância de má fé e pede ao Tribunal que a condene com essa base.

 Dispõe o art. 542º do CPC:

2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

No caso concreto, não ficou demonstrada nenhuma destas condutas, nem o Demandante se esforçou por especificar e demonstrar que conduta destas se verificou.

É certo que todo o procedimento gracioso que antecede e procede a liquidação oficiosa é marcado por uma atitude “evasiva” da Demandada, que é o oposto de “cooperação”, mas essa atitude evasiva verifica-se em sede de procedimento administrativo e não no âmbito do processo arbitral.

Deste modo, considera-se não provado qualquer pressuposto para condenação da Demandada ao abrigo do art. 542º do CPC.

 

VI. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julga-se:

1) Procedente o pedido de anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo Demandante perante a Demandada, à qual foi atribuído o número de processo …2016…, tendo por objeto a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2016…, por vício de falta de fundamentação;

2) Procedente o pedido de anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2016…, por vício de falta de fundamentação.

Condena-se a Requerida, nos termos do art.  24º, nº 1 al. b) do RJAT, e do art. 100º da LGT, a praticar todos os atos necessário ao restabelecimento da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

 

Valor da utilidade económica do processo

Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 24.241,89 euros.

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 530.00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Demandada.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às Partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 31 de janeiro de 2018

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Nina Aguiar)