DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros que constituem este Tribunal Arbitral acordam no seguinte:
I - RELATÓRIO
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Constituição do tribunal arbitral e tramitação do processo
A… S.A., com sede na Avenida … n.º…, …-… …, NIPC…, veio, nos termos legais, apresentar pedido de pronúncia arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente designou como árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais. O dirigente máximo da Administração Tributária designou como árbitro o Prof. Doutor Manuel Pires. Os árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Juiz Dr. José Poças Falcão como árbitro presidente.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 14/08/2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual invocou exceções.
Foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
Não foi requerida a produção de mais prova para além daconstante dos autos.
As Partes apresentaram alegações escritas, tendo a Requerente exercido aí o seu direito ao contraditório relativamente às exceções invocadas pela Requerida.
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Pedidos de pronúncia arbitral
B.1) A Requerente pede a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao período de 2013, com o n.º 2017…, consubstanciada no documento de compensação n.º 2017…, no montante total a pagar de € 934.409,87, dos quais € 83.462,75 correspondem a juros compensatórios.
B.2) Na parte final do seu Requerimento, a Requerente, além de “desenvolver” o seu pedido em razão das várias causas de pedir invocadas, peticiona a anulação, com todas as consequências legais, do procedimento de inspeção tributária quanto às correções das depreciações não aceites como gasto, por padecer do vício de violação de lei, por desrespeito do princípio da proporcionalidade, da justiça e da descoberta da verdade;
B.3) A Requerente peticiona, também, a condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação indevida da garantia bancária.
B.4) E, subsidiariamente, peticiona a anulação da liquidação relativa a juros compensatórios.
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Objeto do litígio
A Requerente insurge-se, apenas, contra três das correções efetuadas pela AT relativas ao montante do seu lucro tributável no exercício de 2013, as quais originaram parte da liquidação ora impugnada, a saber:
- Correção aos valores de quotas de amortização consideradas pela Requerente, por excederem os limites legais aplicáveis, sem que a AT tenha procedido, oficiosamente, à “correção simétrica” relativamente aos exercícios seguintes.
- tributação autónoma de despesas imputáveis a estabelecimentos estáveis (sucursais) no estrangeiro.
- não aceitação da dedução à coleta da derrama municipal de crédito de imposto por dupla tributação internacional.
D) Resposta da AT
Na sua Resposta, a AT invoca duas exceções: litispendência (ou existência de uma questão prejudicial que determinaria a suspensão da instância) e incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral para conhecer da parte do pedido acima referida em B.2).
No mais, sustenta a legalidade da liquidação adicional impugnada.
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Alegações
Nas suas alegações as partes mantiveram as posições inicialmente assumidas, concluindo ainda a Requerente pela improcedência das exceções.
II –FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1) A Requerente tem como atividade principal a realização de empreitadas no âmbito da construção civil;
2) Grande parte do seu volume de negócios deriva da atividade desenvolvida pelas suas oito sucursais, das quais a de Angola é a mais relevante, seguida das de Moçambique, Botswana, Marrocos, Cabo Verde, Senegal, Zâmbia e Malawi;
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A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo, relativo ao exercício de 2013, que deu origem à liquidação adicionalde IRC relativo a esse ano de 2013 e juros compensatórios na importância de €83.462,75:
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A Requerente, na sequência dessa liquidação adicional foi notificada para efetuar o pagamento, até 9-3-2017, do saldo apurado na importância de €934.409,87 de acordo com as demonstrações de compensação, acerto de contas e liquidação de juros compensatórios – Cfr documentação junta com o pedido de pronúncia arbitral;
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A Requerente havia considerado como gastos fiscais dedutíveis valores referentes a depreciações superiores às aceites fiscalmente [artigos 30º, 31º e 34º-1/c) do CIRC], pelo que lhe foi efetuada uma correção ao lucro tributável no montante de € 86.751,10;
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Segundo a AT, no cálculo do imposto a pagar a Requerente não liquidou a tributação autónoma [às taxas de 10%, 10% e 20%, respetivamente] incidente sobre: (i) encargos relativos a depreciações de viaturas da sucursal do Senegal, no valor de € 4.281,38 [artigos 88º e 34º-1/e), do CIRC]; (ii) encargos relativos a depreciações de viaturas, da sucursal de Angola, no valor de € 24.740,48 [artigos 88º e 34º-1/e), do CIRC] e (iii) despesas de representação, imputadas às suas várias sucursais, no valor de € 5.859,60 – Cfr Relatório da Inspeção Tributária junto;
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AT não aceitou a dedução, feita pela Requerente, do crédito de imposto por dupla tributação internacional [crédito resultante de impostos sobre os lucros pagos nos diferentes países onde se situam as suas sucursais – artigos 90º-2/a) e 91º, do CIRC/2013] ao montante da coleta da derrama municipal daí resultando uma correção no montante de €922.078,75 – Cfr Relatório, III-2.1;
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A Requerente interpôs, em 24/05/2017, uma ação administrativa especial (Proc. n.º …/17… BEPNF), com a qual visa a anulação da informação vinculativa datada de 24/03/17 e solicitada em 01/03/2017, a qual concluiu que «apenas nos casos em que estejam em causa rendimentos abrangidos por CDT (Convenção para Evitar a Dupla Tributação), a dedução correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional é efetuada à soma do IRC liquidado segundo as normas do CIRC e do montante da derrama municipal liquidada nos termos da legislação respetiva»;
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Nessa ação instaurada contra a ora Requerida, pede a Requerente a anulação da sobredita informação vinculativa e o reconhecimento do direito de incluir na fração do IRC, para efeitos do disposto no artigo 91º-1/b), do CIRC, a derrama municipal em relação aos rendimentos obtidos em territórios com os quais Portugal não tenha celebrado Convenção para Evitar a Dupla Tributação – Cfr. doc. 4, junto com a Resposta da AT;
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A liquidação ora impugnada é datada de 09/01/2017 (doc. 1 junto à p. i.), tendo a respetiva notificação sido recebida pela Requerente em 16 do mesmo mês (n.º 2 da p. i., facto não impugnado pela Requerida);
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O presente pedido de pronúncia arbitral foi recebido no CAAD em 24-5-2017
Factos não provados
Não se mostra provado:
- que tenha sido prestada garantia bancária para suspensão de ação executiva emergente da falta de pagamento voluntário da importância mencionada em 4), do elenco de factos provados.
Motivação
O Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) os pedidos formulados (cfr.artºs 596º, nº.1 e 607º, nºs 2 a 4, do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do CPPT, aplicável à arbitragem tributária ex vi artigo 29º, do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, das regras legais em matéria de ónus e meios admissíveis da prova e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas, do senso comum e da vida em geral (cfr. art.º607º-5, do CPC). A esta luz, somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v. g., força probatória plena dos documentos autênticos - cfr., v. g., artº.371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
In casu, para formar a sua convicção relativamente ao sobredito quadro factual, fundou-se o Tribunal na análise crítica da posição das partes nos respetivos articulados e alegações finais, bem como nos documentos juntos e não impugnados e na cópia do processo administrativo instrutor junto pela AT.
Obviamente que não foi considerado provada a prestação de garantia bancária por absoluta ausência de qualquer meio de prova. Aliás, nem sequer foi alegado, nem está documentado, que a Requerente tenha prestado garantia bancária para suspender execução fundada no não pagamento voluntário das liquidações objeto dos autos.
Saneamento do processo
Exceção: incompetência material do Tribunal Arbitral.
A Requerente, entre outros pedidos, peticiona “(...) a anulação, com todas as consequências legais, do procedimento tributário em apreço, quanto às correções das depreciações não aceites como gasto, porquanto padece do vício de violação de lei, por desrespeito do princípio da proporcionalidade, da justiça e da verdade material (art. 266.º, n.º 2, da CRP, art. 55 da LGT, art. 7.º e 8.º ambos dos CPA e art. 6.º e 7.º ambos do RCPITA)(...)” e pede ainda que “ (…) caso tal não proceda e a AT não seja capaz de fazer os ajustamentos nos períodos de tributação seguintes, deve abster-se de efetuar a correção no período de tributação de 2013 (...)”
Na sua resposta, a Requerida, AT, alega que a anulação de um procedimento tributário «extravasa as competências que a lei fixa aos tribunais arbitrais tributários, a qual se circunscreve, no essencial, ao conhecimento da legalidade de atos de liquidação, sendo que «a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT».
Por outro lado, o pedido de condenação da AT a ajustamentos nos anos posteriores ao do da liquidação ora objeto de pedido de pronúncia (2013), constitui manifestamente matéria excluída igualmente da competência material prevista no RJAT – Cfr artigo 2º, a contrario.
Vejamos:
Pretende a Requerente, além de outros pedidos, que a AT seja condenada a proceder a ajustamentos à matéria coletável nos anos posteriores ao do da liquidação adicional de IRC objeto da impugnação (2013) em consequência das correções determinadas relativamente a depreciações não aceites como gasto (cfr artigos 5º a 23º, do pedido de pronúncia e capítulo III 1.1, da cópia do relatório da inspeção tributária junto aos autos).
Resulta de toda a economia do pedido da Requerente, não ter esta posto em causa a posição da AT quanto à matéria referente às depreciações não aceites como gasto, ou seja, aceitou a posição da AT quanto a essas correções.
Certo que a Requerente pretende a anulação também o procedimento tributário, situação que a proceder, acarretaria certamente a anulação dessa correção.
Todavia, atento o disposto no art.º 2.º do RJAT, a contrario, um tribunal arbitral tributário não tem competência, em razão da matéria, para anular um procedimento tributário (de inspeção)[1], nem para apreciar um pedido de condenação da AT nos procedimentos de ajustamentos simétricos nas liquidações de rendimentos posteriores a 2013 conforme peticionado (sublinhado nosso).
Assim é que, para os pedidos de anulação do procedimento tributário e de condenação da AT às “correções simétricas” peticionadas das liquidações de IRC posteriores a 2013, é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para conhecer de tais pedidos.
E nesta mesma linha argumentativa e de conclusões se encontra o pedido de abstenção de correção da matéria tributável do ano de 2013 “em caso de dificuldade de ajustamentos correlativos ou simétricos nos exercícios posteriores”.
Em consequência do que, sem necessidade de outras considerações, vai a demandada absolvida da instância quanto a essas pretensões nos termos dos artigos 576º-2, 577º-a), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º-1/e), do RJAT.
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O Tribunal é assim, com as limitações supra, materialmente competente.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.
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Exceção: litispendência
A Requerida, AT, invoca a exceção de litispendência pelo facto, provado, de a Requerente ter interposto, em 24/05/2017, uma ação administrativa especial com a qual visa a anulação da informação vinculativa datada de 24/03/17, a qual concluiu que «apenas nos casos em que estejam em causa rendimentos abrangidos por CDT, a dedução correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional é efetuada à soma do IRC liquidado segundo as normas do CIRC e do montante da derrama municipal liquidada nos termos da legislação respetiva».
A litispendência (e também o caso julgado) têm um objectivo comum: evitar a repetição ou a contradição de julgados (art.ºs 580º e 581º, do CPC).
Repetir a decisão é inútil; contradizer uma decisão anterior é desprestigiante. Daí que aquelas duas exceções tenham esse objectivo bem definido que, na prática, se resolve ou com o cumprimento da decisão transitada em primeiro lugar (a situação do caso julgado – Cfr artigo 625º, do CPC) ou com o prosseguimento da ação proposta em primeiro lugar (a situação da litispendência – Cfr CPC, art.º 582º).
A litispendência pressupõe, por conseguinte, a repetição de causas sem decisão transitada.
A identidade de elementos que o citado art.º 581º elenca, aparece-nos assim como uma concretização legal destinada a obter o desiderato acima enunciado: o que significa, por conseguinte, que a tripla identidade imposta nessa norma tem que ser conexionada com a regra basilar expressa no citado art.º 580º-2, ou seja, evitar que um tribunal seja colocado em posição de repetir e/ou contradizer (ou vir a contradizer) uma outra decisão judicial.
É facto que entre as causas de pedir alegadas pela Requerente no presente processo se compreende, de algum modo, a mesma questão, uma vez que, na fundamentação da liquidação aqui impugnada, a Requerida, AT, seguiu o entendimento também por ela sufragado em tal informação vinculativa. Ou seja, a Requerente insurge-se, em termos no essencial idênticos, contra um entendimento da lei, feito pela AT neste processo e no que corre termos no TAF de Penafiel.
Não existe, porém, litispendência, pelo facto de não haver identidade nem nos pedidos nem na causa de pedir (na ação administrativa pede-se a anulação duma decisão vinculativa da AT; nesta ação arbitral pede-se a anulação de liquidação adicional de IRC; no primeiro caso, a causa de pedir é a emissão do parecer vinculativo alegadamente ilegal; nesta ação arbitral é a liquidação, alegadamente ilegal, de um tributo).
Por outro lado ainda, há também a diferença, não despicienda, do elemento temporal em que se projetarão as decisões a serem tomadas em cada um dos referidos processos: a sentença a ser proferida pelo TAF de Penafiel apenas produzirá efeitos relativamente a liquidações posteriores à data em que a informação vinculativa foi prestada - 28/03/2017 –[cfr n.º 6 da «resposta» da AT, ou – se assim não se entender – a partir da data em que tal informação foi solicitada, 01/03/2017 – n.º 4 da resposta da AT].
Ora a liquidação impugnada é anterior a qualquer uma dessas datas, uma vez que foi emitida em 09/01/2017 (doc. 1 junto à p. i.), tendo a respetiva notificação sido recebida pela Requerente em 16 do mesmo mês (n.º 2 da p.i., facto não impugnado pela Requerida).
Uma vez que as informações vinculativas não têm (não podem ter) eficácia retroativa, ou seja, não são aplicáveis relativamente a decisões administrativas (liquidações) que tenham ocorrido em momento anterior, o efeito da sentença a ser proferida pelo TAF de Penafiel, seja qual for ou venha a ser o conteúdo dessa decisão judicial, deixará intocada a liquidação em causa nos presentes autos e a decisão arbitral a proferir. Aliás as informações não revestem, como é óbvio, qualquer natureza vinculativa para o Tribunal, estadual ou arbitral.
Ou seja: o risco de contradição que se assinalou supra, não existe nem subsiste no caso.
Daí a improcedência da exceção que assim vai indeferida.
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Questão prejudicial
Alega ainda a AT, em sede subsidiária, que a não ser aceite a exceção de litispendência, sempre existirá uma relação de prejudicialidade entre o pedido de pronúncia arbitral e a citada ação administrativa que justificaria a suspensão da instância a decretar neste processo arbitral.
Não lhe assiste razão.
Para efeitos do disposto no art. 272º, do CPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta quando a decisão desta pode afetar e/ou prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a ser apreciada uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito. Para além disso, pode ainda tratar-se de questão prévia não suscetível de ser decidida ou apreciada noutro Tribunal, por este não ser materialmente competente para tal (v. g., uma questão de natureza criminal essencial para uma decisão de natureza civil, administrativa, fiscal, etc).
Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
Tal como acontece nas situações de litispendência ou caso julgado, visa-se também aqui também, embora não só, evitar o risco de incompatibilidade de fundo entre as decisões a proferir em ambas as acções e que poderia decorrer do seu prosseguimento simultâneo.
A possibilidade de suspensão da instância na causa prejudicial – como forma de evitar a incompatibilidade de julgados – é reforçada nas situações em que os fundamentos invocados para a pretensão deduzida na causa prejudicial são os mesmos que já haviam sido invocados na contestação da causa dependente, para obstar à procedência da pretensão aí deduzida ou, na situação mais recorrente, de estar a ser discutida no Tribunal competente para o efeito (v. g., um tribunal criminal, tributário, arbitral, do trabalho) uma questão com manifesto interesse para a decisão de um litígio pendente noutro Tribunal. Ora no caso específico dos autos não se antolha necessidade/utilidade na suspensão da instância porquanto ambas as ações – a arbitral e administrativa - com fundamentos e pedidos diversos, não constituem, reciprocamente, causa prejudicial uma da outra na medida em que a decisão (seja ela qual for ou vier a ser) de uma dessas ações não vai acarretar quaisquer consequências para a outra, designadamente em termos de uma decisão contrariar a outra em termos diferentes daqueles que diariamente ocorrem adentro da liberdade de julgamento de todos os Tribunais, sem que as suas decisões constituam, salvo as exceções (que não é a situação dos autos) caso julgado fora da concreta relação material controvertida.
Por outro lado, aguardar o desfecho duma ação em que se pede uma decisão sobre a legalidade de um ato administrativo com repercussões ou natureza vinculativa futura no sentido da interpretação vinculante para a AT duma norma em situações ocorridas posteriormente à situação dos autos, seria pouco mais que um ato inútil e que atrasaria grave, desnecessária e inevitavelmente a decisão num processo todo ele enformado, entre outros, pelo princípio da celeridade como é o processo arbitral.
Vai assim e sem mais indeferido o pedido de suspensão da instância formulado pela AT.
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Ineptidão parcial da petição de pronúncia arbitral por falta de causa de pedir para o pedido de condenação da AT em indemnização por prestação, pela Requerente, de garantia (indevida).
A Requerente formula um pedido de condenação da AT em indemnização por prestação de garantia indevida.
Dispôe a LGT:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.
Desta disposição decorre o direito do sujeito passivo do tributo liquidado e sob impugnação, demonstrar: (i) que foi demandado em ação executiva decorrente da falta de pagamento voluntário duma liquidação de imposto e (ii) que, para suspender essa execução, prestou garantia bancária.
Reunidos estes dois pressupostos e determinada, judicialmente, a anulação da liquidação que serviu de base á execução, o impugnante terá então direito a exigir indemnização pela (indevida) prestação daquela garantia.
Tem entendido a doutrina, a propósito do citado preceito legal, que «a razão que justifica a atribuição do direito a indemnização é o presumível prejuízo provocado ao particular por uma actuação ilegal da administração tributária, ao efectuar erradamente uma liquidação» (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 3.ª Edição, Vislis Editores, p. 230).
E, conforme observou o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 21 de novembro de 2007 (processo de recurso n.° 633/07), «o fundamento do direito à indemnização reside no facto, complexo, integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessário prestar».
Reconhecendo embora que quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata dos danos (Cfr artigo 569º, do C. Civil), a verdade é que se torna sempre indispensável (causa petendi) a alegação e prova quer da instauração e pendência da execução, quer da suspensão desta decorrente da prestação da garantia bancária para esse efeito.
Ou seja: é preciso essencialmente alegar e provar os factos que consubstanciam o direito a indemnização, embora sem necessidade de a quantificar.
Ora é essa falta de alegação e ausência de prova que, no caso sub juditio, se surpreendem na análise da petição de pronúncia.
Na verdade, não tendo a Requerente alegado factos concretos que possam integrar a causa de pedir, verifica-se a falta desta e, consequentemente, a ineptidão da petição inicial [Cfr artº 193 – 1 e 2/a), do CPC, diploma aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT] por verificação de exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa (nessa parte) e dá lugar à absolvição da instância (artºs 493º, nºs 1 e2 e 494º- b), do CPC), sendo de conhecimento oficioso do tribunal (artº 495º, CPC).
Daí que se conclua pela ineptidão da petição para o pedido de condenação em indemnização por prestação indevida de garantia bancária e se absolva da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
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Não há outras exceções, nulidades e/ou questões prévias a apreciar e decidir.
Cumpre então decidir sobre o mérito relativamente às demais questões
II FUNDAMENTAÇÃO (cont)
O Direito
As questões que o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, são, em síntese e abreviadamente, as seguintes:
1 - Depreciações não aceites pela AT como gasto à luz do disposto nos artigos 30º, 31º e 34º, do CIRC[2] – Abstenção de correção da matéria tributável do ano de 2013 em caso de dificuldade de ajustamentos correlativos ou simétricos nos exercícios posteriores;
2 - Tributação autónoma de despesas imputáveis a estabelecimentos estáveis, no estrangeiro, de residentes, designadamente encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas (artigos 34º e 88º, do CIRC) e despesas de representação [artigos 34º-1/e),e 88º-7, do CIRC];
3 - Se na expressão “fração do IRC”, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 91.º do CIRC, se deve ou não incluir a coleta da derrama municipal e
4 – Se tem fundamento o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios.
Vejamos, pela sobredita ordem, estas questões.
1 - Depreciações não aceites pela AT como gasto à luz do disposto nos artigos 30º, 31º e 34º, do CIRC – Abstenção de correção da matéria tributável do ano de 2013 em caso de dificuldade de ajustamentos correlativos ou simétricos nos exercícios posteriores
Sem prejuízo da declaração supra de incompetência material do Tribunal, sempre se reafirmará que a Requerente não questiona a legalidade desta correção, mas tão só o facto de a AT não ter procedido, oficiosamente, à “correção simétrica” nos anos seguintes (ou seja, não ter corrigido as liquidações a eles referentes, considerando como gasto fiscal desses exercícios o valor correspondente ao excesso de amortizações efetuado pela Requerente no ano ora em causa).
É certo que a melhor doutrina considera que existe um dever de, em situações deste tipo, a AT proceder, oficiosamente, às correções simétricas que se mostrem necessárias, de forma a obstar à ocorrência de situações de tributação por um rendimento líquido superior ao real, quando considerados, na globalidade, os diferentes exercícios em causa.
Como bem salienta a Requerente, os princípios da proporcionalidade e da eficiência (e os da celeridade e da economia processual, acrescentaríamos nós) exigiriam uma tal atuação da AT, desde logo como forma de evitar os custos acrescidos, para os sujeitos passivos e para a AT (ou seja, para os contribuintes), implicados pela necessidade de novos processos, administrativos ou judiciais, visando lograr os necessários ajustamentos correlativos.
Porém, a violação deste dever não implica, só por si, a ilegalidade da liquidação adicional resultante das correções efetuadas em determinado exercício e que deveriam, oficiosamente, projetar-se em correções relativas a outros exercícios. No entender do STA (proc. 269/12, de 9 de Maio, reproduzindo o Acórdão do mesmo Tribunal n.º 0325/08, de 19-11-2008) – cuja visão partilhamos –, apenas há que aceitar a violação do princípio da especialização dos exercícios, por invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado.
De todo o modo, não existem nos autos elementos que permitam ao Tribunal apurar se a correção simétrica das amortizações em causa ainda seria ou não possível, nomeadamente através de um pedido de revisão oficiosa das liquidações de imposto relativas aos exercícios posteriores a 2013; apenas pode cogitar que, dado o período máximo pelo qual se normalmente se estende a amortização dos bens do ativo não corrente, tal correção simétrica, mesmo que por iniciativa do contribuinte, poderá ainda ser possível.
A dificuldade ou mesmo a impossibilidade dos ajustamentos ou correções em liquidações posteriores de correções efetuadas anteriormente, não é, como se viu anteriormente, sindicável neste processo.
Por outro lado, sempre se acrescentará que não se antolha como é que a violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça pode ser trazida à colação para fundamentar um pedido de anulação liquidação com fundamento na eventual ou hipotética impossibilidade futura de não repercussão da correção/liquidação de IRC de 2013.
Assim sendo, também por não terem sido alegados elementos factuais que permitam concluir que as correções às amortizações efetuadas pela AT ofendem o princípio da justiça (e os da proporcionalidade e verdade material, também invocados pela Requerente) e por não estar em causa a legalidade de tais correções à luz dos normativos legais diretamente aplicáveis, improcederá o assim peticionado pela Requerente.
2 - Tributação autónoma de despesas imputáveis a estabelecimentos estáveis, no estrangeiro, de residentes
A Requerente entende que, ao tempo, só eram sujeitos a tributações autónomas, nos termos do artigo 88º do Código do IRC/2014, os encargos imputáveis a estabelecimentos dos sujeitos passivos residentes localizados em território português.
Em defesa desta tese alega ter sido este o entendimento que o legislador veio a adotar no n.º 16 do artigo 88º do Código do IRC, redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, segundo o qual “o disposto no presente artigo não é aplicável relativamente às despesas ou encargos de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à atividade exercida por seu intermédio”.
Entende a Requerente que tal alteração legislativa, apesar de nela expressamente constar que apenas é aplicável aos períodos de tributação que se iniciem ou aos factos tributários que ocorram em ou após 1 de janeiro de 2014 (cfr artigo 14º, da citada Lei nº 2/2014), tem, substancialmente, natureza interpretativa, por a questão ser, anteriormente, incerta, não havendo orientações genéricas da AT sobre a matéria.
Por seu lado, a AT sustenta, em resumo, que, anteriormente à Lei 2/2014, não estava prevista na lei (nomeadamente no art. 88º do CIRC) a situação das sucursais relativamente às tributações autónomas, donde a solução era a resultante das normas gerais relativas à sujeição das sucursais a IRC.
A questão da sujeição a tributações autónomas de despesas imputáveis a estabelecimentos estáveis no estrangeiro de residentes foi suscitada na doutrina, ao que cremos pela primeira vez, por Carlos Abreu na sua obra A Tributação dos Estabelecimentos Estáveis, publicada em meados de 2012, aliás citada por ambas as partes. Da leitura dessa obra, destacamos as seguintes conclusões do Autor: (i) a lei antiga (a vigente à data dos factos sub judice) não continha qualquer norma que permitisse sustentar a não aplicação das regras gerais do art. 88.º do CIRC às despesas (à tributação de despesas) relativas a estabelecimentos estáveis no estrangeiro; (ii) segundo os defensores da tese da não tributação, tal entendimento não se poderia retirar“de uma interpretação da legislação portuguesa prevista no CIRC, mas está relacionada com uma interpretação da filosofia subjacente à sobredita norma segundo a qual as tributações autónomas foram criadas, em que o objetivo seria tributar encargos que poderão ser usados fora do domínio da atividade da empresa, sendo que, nesse caso, tratando-se de encargos suportados noutro país com regras e filosofias fiscais diferentes, não fará sentido a tributação a aplicação de limitações e tributações adicionais a tais gastos”; (iv) o Autor estranha que, “tanto quanto tenhamos conhecimento, não existe qualquer posição sobre estas questões por parte da administração tributária, o que significa que, provavelmente, também nesta matéria, têm vindo a ser aceites as opções do sujeito passivo”.
Relativamente à introdução do novo n.º 16 do art.º 88.º do CIRC (redação atual, introduzida pela Lei nº 42/2016, de 28/12), apesar ter tido lugar na Lei que aprovou a “Reforma do IRC”, o certo é que tal alteração legislativa não consta do projeto apresentado pela respetiva Comissão, não sendo conhecidos textos oficiais que a expliquem.
Como o refere Baptista Machado, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, 1983, pág. 246:
“É de considerar como lei interpretativa (por natureza) aquela que, com o fim de pôr cobro à controvérsia (ou pelo menos à incerteza) sobre o sentido de certa regra jurídica, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado: não necessariamente uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior que, até pode nem existir -, mas um sentido que os operadores jurídicos poderiam ter extraído da norma”.
E ali acrescentando, a pág. 247:
“Para que uma LN (Lei Nova) possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.
Daqui resulta, pois, que a função de uma lei interpretativa é a de fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior, com o que os interessados podiam e deviam contar, sem violar expectativas jurídicas e legitimamente fundadas.
A diferença entre uma lei interpretativa e uma lei inovadora reside em que a primeira visa pôr termo a reais dificuldades de interpretação, que motivaram controvérsia doutrinal e jurisprudencial, enquanto a segunda, existindo interpretação uniforme pela doutrina e pelos tribunais, da qual discorda o legislador, em função do que, com a lei nova, impõe uma interpretação diferente – cf. Rodrigues Bastos, Das Leis, sua Interpretação e Aplicação, Segundo o Código Civil de 1966, 2.ª edição (do autor), 1978, (pgs. 49 e 50).
À luz do exposto, conclui-se que, em rigor, não se está perante uma questão interpretativa (saber se o atual n.º 16 do art.º 88º do CIRC constitui uma norma inovadora ou se lhe deve atribuir caráter de interpretação autêntica) pela razão singela de que na lei antiga inexistia uma qualquer norma que pudesse ser interpretada como excluindo as tributações autónomas relativamente a despesas imputáveis a estabelecimentos estáveis no estrangeiro não existindo, que se conheça, controvérsia relativamente à questão do entendimento de que a regra geral era a da sujeição dos residentes a uma tributação de âmbito universal, feita nos mesmos termos, independentemente da origem de parte do seu rendimento (Cfr., nomeadamente, os art.º 4.º e 55.º- n.º 1, do CIRC/2012.
A questão será pois, outra: a AT nunca terá tomado posição sobre este tema, “aceitando implicitamente” a não tributação autónoma de despesas imputáveis a estabelecimentos estáveis no estrangeiro, só passando a estar atenta a este tipo de situações e a exigir tal tributação desde um passado recente, porventura desde a publicação da citada obra de Carlos Abreu. Mas, em 2016, o legislador obstou a tal atuação da AT, consagrando legislativamente o que, eventualmente, seria antes “prática generalizada”.
Neste contexto é bom de ver que, no plano estritamente jurídico, não assiste razão à Requerente. A AT tem o dever de fazer cumprir a lei vigente, no seu melhor entendimento, mesmo que, aqui e ali, apenas o faça tardiamente, muitos anos após a entrada em vigor das normas em causa[3].
À luz do exposto, terá de improceder este pedido da Requerente.
3. - Dedução de crédito por dupla tributação internacional à coleta da derrama municipal.
Traduz esta questão o saber se na expressão “fração do IRC”, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 91.º do CIRC, se deve ou não incluir a coleta da derrama municipal.
A Requerente sustenta o entendimento afirmativo com base, essencialmente, nos seguintes argumentos:(i) a derrama municipal tem a mesma natureza que a derrama estadual (que a AT, para este efeito, considera ser “fração do IRC”); (ii) a dedução à coleta da derrama municipal do imposto pago no estrangeiro ser imposta por todas as CDT celebradas por Portugal, sendo que o MOCDE (modelo OCDE), nas quais se baseiam, “serve de elemento interpretativo nas relações jurídicas internacionais constituídas por Portugal, mesmo em relação a países com os quais Portugal não celebrou CDT”; (iii) a discriminação tributária, no tocante à eliminação da dupla tributação internacional entre países com os quais existe e não existe uma CDT em vigor, seria contrária à cláusula da nação mais favorecida, a que Portugal está obrigado em razão, nomeadamente, da sua pertença à OMC e, em especial, relativamente a Angola, pelo disposto no Acordosobre a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos[4] vigente entre os dois países; (iii) o entendimento da AT resultaria em violação do princípio da justiça e o princípio da capacidade contributiva, o conduziria à inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 91º do Código do IRC numa interpretação segundo a qual a fração do IRC exclui a derrama municipal do cálculo do valor do IRC.
A Requerida, AT, por seu lado, entende, em suma, que o IRC e a derrama municipal são impostos distintos e que essa autonomia não permite incluir a coleta desta na expressão “fração do IRC” utilizada pela lei.
Vejamos:
Temos, em primeiro lugar, que a derrama municipal é um imposto acessório do IRC (atualmente, um adicionamento), incidindo sobre o lucro dos sujeitos passivos deste imposto. Assim sendo, o texto da lei (“fração” do IRC) é suscetível de abranger a derrama municipal (desde logo, por aplicação do princípio accessorium sequitur principale), ou seja, não exclui (função negativa do elemento gramatical[5]) a interpretação sufragada pela Requerente
Importará agora atentar na evolução do texto da norma (elemento histórico da interpretação), ou seja, na utilização, pelo legislador, da expressão “fração do IRC”.
Há que começar por assinalar que esta expressão permanece inalterada no texto legal desde a primitiva redação do CIRC[6]. O que assume particular relevo interpretativo porquanto, inicialmente, o crédito de imposto por dupla tributação internacional apenas era conferido aos rendimentos oriundos de países com os quais Portugal tivesse em vigor uma CDT[7].
Ou seja, na redação inicial da norma, a expressão “fração de imposto” tinha, necessariamente e em todos os casos, que ser interpretada em conformidade com os textos convencionais, os quais, no seu n.º 2 (impostos visados), independentemente da formulação em concreto utilizada[8], abrangem a derrama municipal.
Quando, mais tarde, o legislador decidiu que Portugal, enquanto país da residência, passaria a atribuir, unilateralmente (ou seja, independentemente da existência de uma CDT) um crédito de imposto por dupla tributação internacional, não alterou a expressão “fração do IRC”. Ou seja, a análise da evolução do elemento literal não permite, em momento algum, surpreender uma vontade legislativa de distinguir entre a efetivação (as coleta às quais pode ser deduzido) do crédito de imposto nas situações em que existe uma CDT e aquelas em que não existe (em que a concessão de tal crédito é unilateral, resultante da lei interna).
O elemento teleológico da interpretação também não aponta no sentido defendido pela Requerida. A decisão de Portugal passar a conceder, unilateralmente (i. e., na ausência de uma CDT que o imponha), aos seus residentes com rendimentos oriundos do estrangeiro, um crédito em razão do imposto pago nos países da fonte dá expressão ao chamado princípio da neutralidade na exportação: “os sujeitos passivos que obtenham rendimentos noutros estados devem ficar abrangidos por um tratamento fiscal similar ao aplicável àqueles cujos rendimentos sejam obtidos exclusivamente no estado de residência” [9]. Está pois em causa uma igualdade entre residentes, que não deve resultar limitada por interpretações restritivas da lei, por interpretações que restrinjam a possibilidade efetiva de dedução de um tal crédito[10].
Por último, haverá que considerar o elemento sistemático da interpretação que se traduz em apurar qual a interpretação que se afigura mais coerente com o sistema jurídico em que a norma se insere, considerado no seu todo[11]. Ora não há dúvida que as obrigações assumidas por Portugal, nomeadamente no quadro da OMC quer, em especial, no Acordo sobre a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos celebrado com Angola (país onde, como provado, se situa o principal estabelecimento estável da Requerente no estrangeiro) - as quais vão no sentido da eliminação de restrições à livre concorrência internacional em matéria de investimento - resultarão mais cabalmente cumpridas se, no plano fiscal, se evitarem diferenciações entre os residentes que invistam no exterior, consoante o país onde tais investimentos aconteçam. Ou seja, mesmo que se possa entender que tais compromissos internacionais não vinculam diretamente o legislador fiscal, o intérprete não poderá deixar de os ter presentes, em nome da unidade do sistema jurídico, considerado no seu todo. A interpretação que assegura a coerência do sistema jurídico é, certamente, a que corresponde “à solução legal mais acertada”que é suposto ter sido acolhida pelo legislador (n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil)
Finalmente, e ainda no quadro do elemento racional/teleológico da interpretação, não se poderá deixar de se ponderar o absurdo que consiste em pretender manter intacta a coleta da derrama municipal em situações em que tal conduziria a uma dupla tributação internacional do rendimento. Diríamos mesmo que, racionalmente, seria esta a coleta relativamente à qual deveria ser efetivada, em primeiro lugar, a dedução correspondente ao crédito por dupla tributação internacional. Na realidade, a derrama municipal visa dotar as autarquias de recursos financeiros próprios, obtidos através de impostos incidentes sobre aqueles que realizam atividades lucrativas na área de determinado município. Assim sendo, indo além da questão concreta em análise, parece destituído de fundamento razoável exigir o pagamento de um tal imposto relativamente a atividades exercidas fora do território nacional. O que, por maioria de razão, reforça o entendimento de que o pagamento deste tributo deve ser “eliminado” por dedução de créditos por dupla tributação internacional sempre que a coleta de IRC, stritcto sensu, não se mostre suficiente para os absorver na totalidade, como acontece no presente caso.
Assim é que, na expressão “fração do IRC” constante da então (2012) al. b) do n.º 1 do art.º 91.º se deve incluir a coleta da derrama municipal. O mesmo é dizer que o crédito por dupla tributação internacional pode ser deduzido à fração da coleta de tal imposto originado por rendimentos obtidos no estrangeiro.
À luz do exposto, procederá o peticionado pela Requerente.
4. - Anulação da liquidação de juros compensatórios
A exigência ou exigibilidade de juros compensatórios pressupõe um juízo de censura relativamente ao comportamento do sujeito passivo, ou seja, culpa deste no retardamento da liquidação.
Assim o Ac. do STA (PLENO), proc. n.º 01490/13, de 22-01-2014: “ a responsabilidade por juros compensatórios depende, portanto, de nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência) ”.
O mesmo acórdão esclarece, citando o ac. do STA, de 18/2/98, rec. n° 22.325, que “a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa”.
Na realidade, num sistema assente na autoliquidação do imposto, o sujeito passivo assume o risco que a interpretação da lei sempre implica. Daí que tenha que existir uma exigência reforçada no cabal cumprimento do dever de esclarecimento que a lei faz incidir sobre a AT (art.º 59º, n.º 3, al. c) da LGT e art.º 48.º do CPPT). Desde logo, um esclarecimento preventivo a, ser logrado, entre outros meios, pela sistemática emissão de orientações genéricas (art.º 55.º do CPPT), sempre que tal se mostre, objetivamente, necessário.
Reportando-nos ao caso concreto, verificamos que, relativamente às correções efetuadas relativamente às quotas de amortização contabilizadas em excesso pelo sujeito passivo, o valor máximo que deveria ter sido considerado resulta diretamente da lei (nomeadamente do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro), pelo que nenhumas dúvidas interpretativas se podiam suscitar. O sujeito passivo não cumpriu com prescrições legais que são claras e que tinha obrigação de conhecer, pelo que a sua conduta é, manifestamente, reprovável, culposa.
A questão da liquidação dos juros compensatórios relativamente ao crédito por dupla tributação internacional decorre diretamente do decidido quanto à liquidação principal. Anulada, nesta parte, a liquidação do imposto resulta, consequencialmente, anulada a liquidação dos juros compensatórios a ela referente.
Relativamente à liquidação das tributações autónomas, assiste, como se viu, razão à Requerente. Independentemente da clareza que pudesse ter a lei vigente à data dos factos, o certo é que existiam entendimentos divergentes sobre a sujeição a tributações autónomas das despesas imputáveis a estabelecimentos estáveis no estrangeiro, sem que a AT tivesse tomado posição expressa sobre esta questão, nomeadamente pela emissão de uma orientação genérica, ou seja, a AT incumpriu com o dever de informação a que, legalmente está obrigada. Assim sendo, compreende-se que o sujeito passivo tenha agido na convicção da licitude do seu comportamento.
Mais, há que aceitar que o entendimento da Lei feito pela Requerente era plausível, era razoável, tanto assim que foi, posteriormente, acolhido pelo legislador. Pelo que o comportamento da Requerente não se afigura, objetivamente, passível de censura.
Razão pela qual será de anular a liquidação de juros compensatórios impugnada na parte que decorreu da não autoliquidação pela Requerente das tributações autónomas incidentes sobre despesas a tal sujeitas relativas à atividade dos seus estabelecimentos estáveis no estrangeiro.
5. – Questões de conhecimento prejudicado
A procedência, ainda que parcial, dos pedidos formulados pela Requerente é de molde a tornar inútil o conhecimento de todas as demais questões de legalidade e constitucionalidade suscitadas, cuja apreciação fica prejudicada à luz do disposto no artigo 130º, do CPC.
III - DECISÃO
Pelas razões expostas, acordam neste Tribunal, sem prejuízo da decisão, nos termos supra, das exceções suscitada, em:
a) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC objeto dos autos na parte relativa às correções decorrentes de tributação autónoma nos termos peticionados em b), da petição inicial;
b) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC mencionada quanto às correções do crédito de imposto por dupla tributação internacional, conforme peticionado em c), da petição inicial, e
c) Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação formulado em h), da petição inicial, por ilegalidade, parcial, da liquidação de juros compensatórios objeto da presente impugnação, nos termos mencionados supra, em 4.;
d) Julgar inepta a petição inicial para o pedido de condenação em indemnização por prestação indevida de garantia bancária e, em consequência, absolver da instância, quanto a esse pedido, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
e) Julgar prejudicada a apreciação dos pedidos e demais questões suscitados ou formuladas e
f) Condenar a AT a reformular, em conformidade com o ora decidido, a liquidação adicional de IRC/2013 com o nº 2017… e o documento de compensação nº 2017… .
VALOR DO PROCESSO
Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 934.409,87.
CUSTAS
Não há lugar a fixar taxa de arbitragem e custas (cfr artigo artigo 2º, do Regulamento de Custas respetivo mencionado infra), considerando o disposto nos artigos 6º-2/b), do RJAT e 4º-1, a contrario, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 10 de janeiro de 2018
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Rui Duarte Morais
(Árbitro Adjunto)
Manuel Pires, vencido conforme declaração de voto anexa.
(Árbitro Adjunto)
Declaração de voto
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Na apreciação da problemática relativa à submissão a dois julgamentos, foi acolhida concepção excessivamente formalista, desconsiderando uma visão que atenda ao objectivo último do invocado.
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Relativamente à consideração da derrama municipal como importância a incluir no crédito do imposto como método para evitar/eliminar a dupla tributação internacional, a decisão não teve em consideração o carácter dessa derrama – que não é IRC – quer no respeitante ao sujeito activo, consequência do poder local, da autonomia financeira consagrada constitucionalmente (artigos 6º nº1, 238º n.º4 e 264.º CRP) quer no relativo a aspectos objectivos, porque existente ou modelada nos seus elementos essenciais pelo ente local, implicandoa sua natureza impura de acessório, concretamente de adicionamento, não coincidindo necessariamente o quid sobre que incide com o do IRC, até podendo existir sem haver lugar a IRC, desde que, como antes, se aceite o reporte de prejuízos sem limitações, não tendo ainda sido atendido no acórdão o elemento conexão residência na respectiva disciplina legal. Daí o cuidado que, no caso sob julgamento, deve ser tido na invocação de o acessório seguir o principal. Acresce ter a decisão acolhido a posição de desprezar resultarem as soluções convencionais de vantagens obtidas e cedências aceites, isto é, do equilíbrio encontrado, o que torna inapropriada a sua “importação” em contextos diferentes, o law in action rejeita-a. Neste quadro, ocorre, inequivocamente a rejeição da cláusula da nação mais favorecida, quando não expressamente estabelecida nas CDTs, não havendo, portanto, lugar a qualquer discriminação (as situações são diferentes e o intérprete não pode assumir a posição do judge made treaties) e, a fortiori, quando não se trate de tributação do rendimento e da fortuna, escopo material das CDTs celebradas pelo País. É que, no âmbito das duplas tributações, como, aliás, em todos os quadros, existem visões próprias que têm de ser apreendidas, que não podem ser desconsideradas, visto imporem-se. Aliás, inexiste princípio que rejeite a dupla tributação internacional. Quanto ao CEN (capital export neutrality), na sua consagração, apresenta-se com carácter tendencional, bastando lembrar as consequências da modalidade crédito normal face à total, dependendo, assim, da respectiva configuração legal. De todo o escrito, resulta a impossibilidade de se interpretar da mesma maneira “a fracção do IRC” em contextos diversos, não sendo vedada a interpretação restritiva, se necessária.
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Embora concordando com as decisões no atinente à correcção das depreciações e à tributação autónoma, a fundamentação incluída suscita não convergência no referente a deveres que, segundo ela, recaíram sobre a AT.
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Dado o escrito no acórdão e nesta declaração, não deveria proceder-se à anulação dos juros compensatórios (no caso dos relativos à não liquidação das tributações autónomas, não se antolha a existência de disciplina legal justificadora).
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Quanto à condenação constante da decisão, foi excedida a competência dos tribunais arbitrais fiscais (cfr. Acórdãos da arbitragem tributária n.ºs 52/2012, 244/2013, 587/2014 e 30/2015).
10.01.2018
(Manuel Pires)
[1] Aliás, mesmo que o tribunal arbitral fosse competente, o princípio da impugnação unitária sempre obstaria a tal pretensão.
[2]O CIRC (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) a que nos referiremos sem outra menção é o sobredito compêndio legislativo com a redação vigente em 2012, designadamente com a redação introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12.
[3] Recorde-se que a tributação autónoma das despesas em questão foi introduzida pela Lei n. 3-B/2000, de 4 de Abril.
[4] O artigo 3º do Acordo entre a República Portuguesa e a República de Angola sobre a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos preceitua que: “1 – Os investimentos realizados por investidores de qualquer Parte Contratante no território da outra Parte Contratante, bem como os respetivos rendimentos, serão objeto de tratamento justo e equitativo e não menos favorável do que o concedido pela última Parte Contratante aos seus próprios investidores ou a investidores de terceiros Estados”. [sublinhado nosso].
[5] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, reimp.2016, pág. 182.
[6]Artigo 73.º do CIRC (versão do DL 442-B/88, de 30 de novembro, que aprovou o CIRC):A dedução a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 71.º é apenas aplicável quando resultar de convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal e corresponderá à menor das seguintes importâncias: a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro; b) Fracção do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados.
[7] A diferença de redação entre o texto inicial e o atual (art.º 91.º, n. 12 do CIRC, igual à do art.º 85.º, vigente em 2013) consistiu na substituição da expressão “é apenas aplicável quando resultar de convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal” pela “é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro” ou seja, o legislador alargou a concessão do crédito por dupla tributação internacional aos rendimentos, sujeitos a este imposto, obtidos em países com os quais não tenha sido celebrada uma CDT sem alterar a menção à coleta a que seria deduzido.
[8] MARIA MARGARIDA CORDEIRO MESQUITA, As Convenções sobre Dupla Tributação, 1998, pág. 68 ss.
[9] PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios de Direito Fiscal Internacional, 2010, pág.71
[10] A única limitação é a resultante da adoção do método da imputação ordinária ou limitada, que fixa o valor do imposto estrangeiro dedutível no montante que seria devido se os rendimentos em causa tivessem tido origem em território nacional.
[11] O elemento sistemático da interpretação compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico (BAPTISTA MACHADO, cit., pág. 183)