Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 262/2017-T
Data da decisão: 2017-12-12  Selo  
Valor do pedido: € 24.200,20
Tema: Imposto do Selo - Terreno para construção.
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Decisão Arbitral

 

 

 

       O árbitro, Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 03 de Julho de 2017, acorda no seguinte:

 

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A… e B…, respectivamente, com os números de identificação fiscal … e …, doravante designados por “Requerentes”, requereram a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo melhor identificado sob os documentos de cobrança emitidos com os números 2016…, no valor de € 6.050,05, 2016…, no valor de € 2.016,69, 2016…, no valor de € 6.050,05, 2016…, no valor de € 2.016,68, 2016…, no valor de € 6.050,05 e 2016…, no valor de € 2.016,68, efectuados ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2015, e, bem assim, da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra esse referido acto.

 

1.3. A fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese, os seguintes vícios:

 

  1. Consideram que se está perante um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito de aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, porquanto sustentam que a AT sujeita a Imposto do Selo algo que não é um terreno para construção, uma vez que se trata de um terreno relativamente ao qual não foi concedida licença ou qualquer espécie de informação prévia favorável para uma operação de loteamento ou de construção.

 

  1. Pelo que a liquidação de Imposto do Selo em causa nos autos, dizem, não pode prevalecer pois não se encontra preenchida a norma de incidência objectiva (Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo) do imposto em causa.

 

  1.  E que como a matriz do terreno em causa é totalmente omissa relativamente ao tipo de edificação prevista para o terreno em causa, não se preenche o tipo de incidência objectiva prevista na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

  1. Concluindo, dizendo que só podia haver sujeição a Imposto do Selo se tivesse sido aprovada a licença de operação de loteamento para o terreno, o que dizem não ter sucedido no presente caso.

 

  1. Entendem que a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo interpretada no sentido de que é aplicável aos terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, quando não esteja prevista a construção de qualquer fracção susceptível de utilização independente com valor igual ou superior àquele, padece de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição.

 

  1. E que a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo aplicada a terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual a superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclua qualquer fracção susceptível de utilização independente com valor igual ou superior àquele, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade.

 

(vii)     Pugnam, assim, pelo reembolso das quantias já pagas, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde a data de pagamento de cada uma das mencionadas três prestações até integral reembolso destas importâncias.

 

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

 (i)       Vem defender-se suscitando matéria de excepção, por o que diz ser um caso de incompetência material do tribunal arbitral para sindicar actos de avaliação e de inscrição na matriz.

 

(ii)       E que se está perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

 

(iii)      E que está fora das competências materiais do Tribunal Arbitral, a sindicância e/ou análise de actos de avaliação e inscrição matricial, porquanto fazendo-o, estará a pronunciar-se-á indevidamente, fazendo tábua rasa das avaliações da AT, nunca antes questionadas pelos Requerentes, suprimindo-as da ordem jurídica.

 

(iv)      Verificando-se, no seu entendimento, uma excepção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a sua absolvição da instância, de acordo com os artigos 576º/1 e 577º, al.a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º/1, alínea e) do RJAT.

 

(v)       Quanto ao invocado erro nos pressupostos de facto e de direito, entende que a inscrição de que o terreno em causa é um terreno para construção, surgiu em virtude de informações prestadas pela Câmara Municipal de …, onde se conclui que o prédio é um terreno com viabilidade construtiva, localizado em zona abrangida pelo Plano de Urbanização da Unidade Operativa nº… de … .

(vi)      E que foi com fundamento nesta informação que, nos termos da lei, nomeadamente do artigo 13º al.b) do CIMI, o Requerentes deveria ter providenciado a apresentação da Modelo 1 do IMI, tendo 60 dias para o fazer.

 

  1. Não tendo procedido como tal, o SF de … submeteu oficiosamente a correspondente declaração, pelo que, sustenta, a liquidação em causa nos autos consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei que lhe é imputado pelos Requerentes.

 

  1. Quanto à violação do princípio constitucional da Igualdade, pugna pela constitucionalidade da Verba 28.1 da TGIS, porquanto o legislador ao estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, definiu uma sua legítima escolha quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.

 

  1. E que a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel, tratando-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.

 

  1. No que se refere, por fim, ao pedido de juros indemnizatórios, refere que como a Administração tributária está vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55.º da LGT, e que à data dos factos em causa, fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se podendo falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.

 

 (xi)     Pugna, assim, pelo reconhecimento da excepção dilatória invocada, devendo, diz, ser absolvida da instância; ou, se assim se não entender, deve o processo ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida nos termos peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.

 

 

1.5. Entendeu o Tribunal, considerando estar-se perante um caso em que se discute essencialmente questões de direito, dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT, o que não mereceu qualquer oposição das partes. Foi invocada em sede de Resposta matéria de excepção que será apreciada e decidida na presente decisão.

Os Requerentes apresentaram articulado de Resposta à matéria de excepção aduzida pela Requerida na sua Resposta.

Foram as partes notificadas para apresentar alegações, querendo, tendo ambas decidido não fazê-lo.

 

Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 20 de Dezembro de 2017.

 

* * *

 

1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

2.    QUESTÕES A DECIDIR

 

       Na petição arbitral os Requerentes formulam a seguinte questão essencial:

 

  1. O acto de liquidação em causa nos autos deve ser anulado, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito de aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

       Adicionalmente suscitam a inconstitucionalidade material da Verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 13 de Dezembro.

       Na sua Resposta, para além de se defender por impugnação, a Requerida vem invocar matéria de excepção, invocando a incompetência material do tribunal arbitral, pugnando pela absolvição da instância.

 

3.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) Os Requerentes são comproprietários (em 3/4 e 1/4, respectivamente) do imóvel sobre o qual incidiu o Imposto do Selo liquidado e em causa nos presentes autos, ao abrigo do disposto na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, e que se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia e município de … sob o actual artigo … (cfr. Documento n.º 4 junto pelos Requerentes).

B) Através do ofício n.º…, de 3 de Outubro de 2014, do Serviço de Finanças de …, foi a Requerente, B…, notificada, na qualidade de cabeça de casal da herança de C…, que “[n]a sequência das informações prestadas pela Câmara Municipal de … verifica-se que o prédio em causa é um terreno para construção com viabilidade construtiva, localizado em zona abrangida pelo Plano de Urbanização da Unidade Operativa n.º … de …” (cfr. Documento n.º 6 junto pelos Requerentes).

C) Os Requerentes passaram a ser comproprietários, para efeitos fiscais, de um terreno para construção com o valor patrimonial tributário de € 2.420.020,00. (cfr. Documento n.º 4 junto pelos Requerentes).

D) A matriz do terreno para construção em causa nos autos é omissa relativamente ao tipo de edificação prevista (cfr. Documento n.º 4 junto pelos Requerentes).

E) O anterior proprietário do imóvel apresentou na Câmara Municipal de … um pedido de licenciamento de operação de loteamento para o imóvel em causa nos autos, nunca tendo chegado a obter a licença de operação de loteamento, porquanto houve uma desistência do pedido no decorrer do procedimento, consubstanciado na carta registada com aviso de recepção datada de 17 de Julho de 2013, enviada pelo Senhor C… a informar o Presidente da edilidade de … da sua decisão em desistir da obtenção do licenciamento da operação de loteamento (cfr. Documento n.º 7 junto pelos Requerentes).

F) A Câmara Municipal de … enviou em 22 de Agosto de 2013 uma carta a informar que era necessário pagar uma taxa no valor de € 15,99 no âmbito da desistência apresentada (cfr. Documento n.º 8 junto pelos Requerentes).

G) A referida taxa foi paga (cfr. Documento n.º 9 junto pelos Requerentes).

H) A Câmara de …, em 25 de Outubro de 2013, informou que “[r]elativamente ao pedido de desistência do procedimento de licenciamento de operação de loteamento, sito na Rua …, zona entre Pontes Rodoviária e Ferroviária, …, proc. N.º …/10 e adt. n.º…/13, conforme despacho de 2013/10/24, do Sr.º Vice-Presidente D…, informo que não se vê inconveniente no mesmo” (cfr. Documento n.º 10 junto pelos Requerentes).

I) Os Requerentes foram notificados da liquidação de Imposto do Selo, com fundamento na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada em 5 de Abril de 2016, relativamente ao ano de 2015, ascendendo o valor ao total de € 24.200,20, tendo o imposto sido pago nos prazos fixados pela Administração Tributária (cfr. vinhetas comprovativas do pagamento da 1ª prestação apostas nos Documentos n.o 2 e 3 juntos pelos Requerentes e, relativamente à segunda e terceira prestação, Documentos n.ºs 12 e 13 igualmente juntos).

J) Os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa, a qual tramitou sob o n.º …2016…, destinada a obter a anulação da liquidação de imposto ora em crise, tendo a mesma sido indeferida pela AT e notificado ao seu representante legal em 11/01/2017 – (cfr. Documento n.º 1 junto pelos Requerentes e Informação constante do processo administrativo junto pela Requerida).

K) A AT, considerando o VPT atribuído aos terrenos para construção supra identificados, entendeu estarem verificados os pressupostos objectivos para a liquidação do Imposto do Selo, decorrentes do aditamento à TGIS da verba n.º 28, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

L) No dia 10-04-2017 os Requerentes apresentaram requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cfr. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

            Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelos Requerentes enquanto autores (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

           

            Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

6.    DO DIREITO

 

De acordo com as questões enunciadas, que constam do ponto n.º 2 da presente Decisão, e tendo em conta a matéria de facto fixada no ponto n.º 3, importa agora determinar o Direito aplicável.

 

Desde logo cumpre, primeiramente, apreciar a matéria de excepção invocada pela Requerida na sua resposta, porquanto, em caso de procedência, tal implica a sua absolvição da instância e o não conhecimento do pedido por parte do Tribunal.

 

6.1. Da Excepção invocada da Incompetência Material

 

Invoca a AT que, in casu, o Tribunal Arbitral não tem competência para decidir sobre o caso, porquanto se está perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

 

E que está fora das competências materiais do Tribunal Arbitral a sindicância e/ou análise de actos de avaliação e inscrição matricial, porquanto fazendo-o, estará a pronunciar-se-á indevidamente, fazendo tábua rasa das avaliações da AT, nunca antes questionadas pelos Requerentes, suprimindo-as da ordem jurídica.

 

Verificando-se, no seu entendimento, uma excepção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a sua absolvição da instância, de acordo com os artigos 576º/1 e 577º, al.a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º/1, alínea e) do RJAT.

 

Já os Requerentes vêm defender-se dizendo que o que pretendem e resulta expressamente do pedido formulado na petição arbitral é que o tribunal arbitral conheça das ilegalidades da liquidação de Imposto do Selo impugnadas e da ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve essas liquidações.

 

Vejamos.

 

Resulta do artigo 99.º do CPPT aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, que em sede de impugnação da legalidade da liquidação de um imposto é possível recorrer-se a um leque amplíssimo de vícios.

 

Resulta de um modo bastante claro que não pretendem os Requerentes discutir nos presentes autos a avaliação ao imóvel que resultou da declaração oficiosa “Modelo 1” entregue pela AT, nem sequer discutir a sua matriz predial, mas, tão somente, que se apure se a liquidação emitida, em crise nos presentes autos, está em conformidade com um dos elementos nucleares de um imposto, a sua incidência, neste caso objectiva.

 

Pelo que a razão está do lado dos Requerentes, improcedendo totalmente a invocada excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

 

Entrando, agora, na matéria de impugnação, e atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015.

 

Tendo a Requerente imputado diversos vícios ao acto tributário impugnado, importa determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do RJAT[1].

 

Analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos já que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá, tout court, a renovação do acto impugnado.

 

6.2. Do invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

 

Importa apreciar se o acto de liquidação em causa nos autos deve ser anulado, nos termos peticionados, por erro nos pressupostos, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 99.º do CPPT, e, consequentemente, fundamento de pedido de pronúncia arbitral, ex vi al. c) do n.º 2 do artigo 10.º do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

Vejamos.

 

Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a Verba n.º 28.1 da TGIS passou a ter a seguinte redacção, no que aqui interessa:

 

         “28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

         28.1 –- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %.”.

 

A justificação para o aditamento da verba 28 à TGIS (redacção original) foi indicada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se refere, para o que aqui interessa, o seguinte:

 

“A prossecução do interesse público, em face da situação económico- financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.

(…)

Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial  tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.”.

 

Na verdade, o conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário.

 

Aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a qual veio a dar nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração apenas tornou inequívoco e com efeitos para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).

 

O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre do previsto no Código do IMI quando aí se refere a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista.

 

Na verdade, referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios: «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI); «terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12); «Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

 

Fazendo incidir a tributação sobre prédios habitacionais ou terrenos para construção «com afetação habitacional», o legislador não estabeleceu na verdade, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI, as quais estabelecem clara distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção, sendo os primeiros assim classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal e os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

 

A esta luz, um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, incluindo a destinada habitação - não preenche por si só o requisito previsto nos pontos 28., e 28.1, da TGIS, ou seja, o de que “(...) a edificação “autorizada ou prevista, seja para habitação (...)”.

 

A expressão «cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente.

 

Nas condições referidas, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

 

Como tal, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre, por um lado, prédios urbanos habitacionais e, por outro lado, terrenos para construção, não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como «prédios com afectação habitacional».

 

Aliás, neste sentido se tem pronunciado de modo sistemático e constante a jurisprudência arbitral anterior à nova redacção da verba 28, da TGIS introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, tendo desta (redacção) a previsão de que a tributação em causa passou a incidir, à taxa de 1%, sobre prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

 

Esta alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzida pelo artigo 194.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, na parte em que adita à verba 28.1., da mesma Tabela, a referência a “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” e, em consequência, determina a incidência do imposto do selo, nos termos previstos nas verbas 28.,e 28.1, sobre a propriedade de terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não se traduz numa alteração normativa que justifique alteração substancial do entendimento que anteriormente à nova redacção dessa norma vinha sendo seguido pela Jurisprudência dos Tribunais Judiciais e Arbitrais.

 

 

Analisando os factos do caso sub judice, constata-se que em face da prova produzida resulta que no terreno em causa não chegou, em momento algum, a estar autorizada construção de edifício a afectar a habitação.

 

A questão de saber se um prédio integra o conceito de terreno para construção depende da verificação de um conjunto de condições, maxime, só é terreno para construção o prédio que se encontrar munido de um título administrativo que permita a edificação.

 

A circunstância de existir um plano de ordenamento do território que classifica o solo como urbano (ou urbanizável), não é apto a determinar a integração do prédio na espécie “terreno para construção” da classificação do prédio como urbano.

 

Os planos municipais de ordenamento do território não conferem o direito a urbanizar e edificar, direitos, esses, que apenas se constituem com a obtenção de um dos citados títulos. A aquisição das faculdades urbanísticas é sucessiva e gradual e depende do cumprimento de ónus urbanísticos (vide artigo 15.º da Lei de Bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio).

 

O requerimento para a emissão de uma licença de loteamento, que entretanto não foi emitida, por desistência expressa, não constitui fundamento para a alteração da espécie do prédio como Terreno para Construção, dado que apenas com a emissão do título se verifica a ocorrência de uma situação que justifica a referida alteração.

 

A verba 28.1 da TGIS afigura-se-nos - nessa parte, pelo menos - perfeitamente clara: estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais (os da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6,º do CIMI), os terrenos para construção (i.e., a espécie de prédio previsto na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo do CIMI), desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação.

 

Ora, não se tendo provado que o terreno para construção em causa nos presentes autos tivesse autorização, projecto ou previsão de edificação prevista para habitação, não preenche o mesmo a norma de incidência objectiva prevista na Verba n.º 28.1 da TGIS.

 

Procedendo integralmente o vício de violação de lei, assim se assegurando tutela mais eficaz dos direitos dos Requerentes, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados, designadamente o da inconstitucionalidade invocada.

 

 

6.3. Quanto ao pedido de Juros indemnizatórios

 

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, peticionado pelos Requerentes, cumpre referir que dispõe a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT que a Decisão Arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

 

Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100.º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

Dispõe, por sua vez, o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos é possível concluir que a Requerida tinha total e cabal conhecimento dos elementos factuais relevantes para proceder à correcta (não a mantendo) liquidação do imposto, não o tendo feito e optando por manter a liquidação inquinada de erro sobre os pressupostos, e por isso mesmo ilegal, estando, por isso, obrigada a indemnizar.

 

Assim sendo, atento o disposto no artigo 61.º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do artigo 43.º da LGT, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantias já pagas no valor de € 24.200,20, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso.

 

 

7.         DECISÃO

 

       Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 

            - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a anulação do acto peticionado de liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2015, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, melhor identificado sob os documentos de cobrança emitidos com os números 2016…, no valor de € 6.050,05, 2016…, no valor de € 2.016,69, 2016…, no valor de € 6.050,05, 2016…, no valor de € 2.016,68, 2016…, no valor de € 6.050,05 e 2016…, no valor de € 2.016,68, efectuado ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2015, e, bem assim, da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra esse referido acto, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tais pagamentos foram efectuados até à data do integral reembolso dos mesmos.

 

 

* * *

 

            Fixa-se o valor do processo em Euro 24.200,20, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas é fixado em Euro 1.530,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

            Notifique-se.

 

            Lisboa, 12 de Dezembro de 2017.

 

O Árbitro,

 

 

                                               Dr. Henrique Nogueira Nunes

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202