Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 241/2017-T
Data da decisão: 2018-01-19  IRC  
Valor do pedido: € 128.837,85
Tema: IRC – tributações autónomas e SIFIDE.
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Acórdão Arbitral

 

Os Árbitros José Poças Falcão (Presidente), José Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves (Adjunto) e Raquel Franco (Adjunta), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral coletivo constituído em 21 de junho de 2017, decidem nos termos que se seguem:

 

  1. RELATÓRIO

 

No dia 05-04-2017, a sociedade “A…, LDA.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-04-2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação em 05-06-2017.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 21-06-2017, tendo-se seguido os pertinentes trâmites legais.

 

  1. Posições das Partes

 

Através do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicita o seguinte:

  1. Em primeiro lugar, que seja corrigido um erro na autoliquidação do IRC dos períodos de 2013, 2014 e 2015, que entende decorrer do facto de ter sido liquidado um montante de tributação autónoma que ascende a um total de € 128.837,85, referente a despesas que foram inteiramente redebitadas à B…, (entidade sediada nos Estados Unidos da América), ao abrigo de um contrato celebrado entre as partes (“Contract for Design Services”), no âmbito dos quais a A… se compromete a prestar serviços à entidade Norte-Americana;
  2. Subsidiariamente, a Requerente solicita que caso no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral se considere que o erro supra não justifica a anulação do montante pago a título de tributação autónoma, seja então deferido o seu pedido de dedução do benefício fiscal apurado nos termos do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”) à coleta das tributações autónomas dos períodos de tributação em apreço.

 

Quanto ao primeiro pedido, refere a Requerente que, de acordo com o contrato celebrado com a B…, esta deveria pagar à A…, como compensação única pelos serviços de design prestados, honorários iguais aos seus custos, multiplicados pelo markup contratualmente estabelecido de 107% dos gastos definidos no contrato. Entende a Requerente que este contrato significa que as despesas autónomas por si suportadas em primeiro lugar foram posteriormente redebitadas à empresa norte-americana, o que, em seu entender, se deveria traduzir na não imputação à sua esfera jurídico-tributária das referidas despesas e, consequentemente, na sua não tributação em sede de tributações autónomas.

 

Quanto ao pedido subsidiário, pressupondo que o anterior não teve acolhimento, admite a imputação à esfera jurídico-tributária da Requerente das despesas acima aludidas, e, portanto, a respetiva sujeição a tributação autónoma, mas com a desagravante de ser deduzido à coleta assim apurada o montante do benefício fiscal apurado nos termos do SIFIDE. Alega, a esse propósito, o seguinte:

- A jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a coleta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a coleta das tributações autónomas em IRC, pelo que se deverá entender que a coleta do IRC prevista no artigo 90.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e c) do CIRC, na redação em vigor em 2013, abrange também a coleta das tributações autónomas em IRC;

- Concretamente quanto ao SIFIDE, cita também jurisprudência no sentido de o mesmo ser dedutível à coleta das tributações autónomas;

- Com efeito, mesmo que a previsão do crédito de imposto se expresse em termos de “dedução à coleta do IRC”, por oposição a “dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, o resultado prático final é o mesmo, porquanto o montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC outro não é senão o IRC.

- Da análise das diversas decisões arbitrais proferidas a propósito desta matéria (por exemplo, processos n.º 769/2014-T e n.º 219/2015-T), a Requerente retira, sumariamente, as seguintes conclusões:

a)         As tributações autónomas relativas a encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custo, bónus de gestores e indemnizações a gestores por cessação de funções consubstanciam IRC;

b)         Essas tributações tributam ainda o rendimento, por serem um substituto da medida alternativa de aumentar o rendimento tributável via indedutibilidade da despesa ou encargo sobre que incide a tributação autónoma;

c)         Por serem IRC, deve-se-lhes aplicar a norma dirigida à coleta (imposto apurado) do IRC constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC;

d)        Aplica-se-lhes, pois, igualmente, a norma dirigida à coleta do IRC contante das alíneas c) e d) (até 2013, alíneas b) e c)) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC), por não se vislumbrar obstáculo a tanto na “sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis”.

e) Quanto à eventual natureza interpretativa do artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC, prevista no artigo 135.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016, entende que a norma constante do novo artigo 88.º, n.º 21 do Código do IRC não cumpre os requisitos para poder ser considerada interpretativa, tendo necessariamente que se qualificar como uma norma inovadora. Em primeiro lugar porque não existia uma norma incerta ou controversa na sua aplicação, em segundo lugar, porque a jurisprudência nunca poderia ter chegado à interpretação que se pretende atingir com a introdução do artigo 88.º, n.º 21 do Código do IRC. Conclui, assim, que, se se admitir a natureza interpretativa da norma em causa se estará a violar o princípio da não retroatividade da lei fiscal.

- Entende, em consequência, que deve ser ressarcida do montante de imposto pago em excesso, em virtude da não dedução dos créditos apurados a título de SIFIDE à coleta da tributação autónoma, o que, tendo em consideração que, no que respeita aos períodos de tributação em apreço, foram apurados os montantes de € 45.166,03, € 20.968,92 e € 62.702,90 a título de tributações autónomas, e que o crédito apurado a título de SIFIDE e passível de ser deduzido em cada um dos períodos de tributação foi, em 2013 de € 3.985.267,29, em 2014 de € 2.551.890,22 e, em 2014, de € 3.240.571,05, ou seja, sempre superior ao montante registado a título de tributação autónoma, o que significará que deve ser deduzido até à sua concorrência, devendo a Requerente ser ressarcida do montante total de € 128.837,85 relativo à soma dos montantes referentes à tributação autónoma apurada nos períodos em causa.

- Por fim, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios porque, apesar de as liquidações terem sido efetuadas com base na liquidação do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da AT, verificando-se, portanto, o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

 

Em Resposta, a Requerida pronunciou-se no seguinte sentido:

 

  1. Quanto ao redébito de despesas:

- Como a própria Requerente reconhece, a exclusão dos encargos faturados a clientes consta do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, portanto abarca apenas os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal.

- Quanto a Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, procedeu ao alargamento do âmbito de incidência das tributações autónomas a este tipo de despesas, também introduziu no artigo 42.º (atual artigo 23.º-A) do CIRC, as condições da dedutibilidade dos encargos com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal.

- Ao ter estabelecido na lei que o critério de dedutibilidade de encargos baseado na respetiva “faturação a clientes” é relevante quando se trata de encargos a que se refere a atual alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A e, concomitantemente, dos previstos no n.º 9 do artigo 88.º, ambos do CIRC, ficou vedado ao intérprete extrapolar a aplicação do mesmo critério para outros domínios, como sejam, o dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, despesas de representação e despesas não documentadas.

- Refere ainda que a empresa à qual a Requerente alega fazer o “redébito” é a sua única cliente, pelo que nem se trataria de um verdadeiro “redébito”, mas sim do natural e normal processo de formação do preço no mercado.

- Assim, não estamos perante um redébito, mas sim perante uma contraprestação cobrada à empresa norte-americana, não devendo proceder o pedido principal formulado pela Requerente.

 

  1. Quanto ao pedido subsidiário (dedução dos benefícios fiscais do SIFIDE à coleta das tributações autónomas)

- O caráter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou a adaptação das regras gerais do IRC.

- A integração das tributações autónomas no Código do IRC conferiu uma natureza dualista ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente no quadro da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes; ou seja, não há uma liquidação única de IRC, mas sim dois apuramentos.

- Por outro lado, o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC reside no facto de respeitaram a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados de imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.

- No que tange à dedução relativa a benefícios fiscais [alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º], quando se trata de benefícios ao investimento – como é o caso do SIFIDE -, tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com a rendibilidade dos investimentos, pois quanto mais elevado foi o lucro/matéria coletável do IRC, maior será a capacidade para efetuar a dedução.

- Verifica-se, portanto, uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir- entre os objetivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria coletável e da coleta - o lucro.

- Quanto ao SIFIDE, os valores que traduzam este benefício fiscal são deduzidos "aos montantes apurados nos termos do artigo 90.0 do Código do IRC, e até à sua concorrência" e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de coleta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas «poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato».

- A coleta a que se refere o artigo 90°, quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte, é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação/autoliquidação [cf. artigo 90.°, n.° 1, alínea a) do CIRC]. 

- Sendo o crédito em que se traduz o SIFIDE deduzido apenas à coleta assim apurada, ou seja, à coleta apurada com base na matéria coletável [é o disposto no artigo 5.º, alínea a), da Lei reguladora do SIFIDE, impedindo esta expressamente que os créditos dele decorrente sejam deduzidos quando o lucro tributável seja determinado por métodos indiretos]. 

- Relativamente às tributações autónomas, reitera que estas são apuradas de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90° do CIRC, pelo que não decorre do mecanismo de imposto criado pelo legislador, quer no CIRC, quer no regime das tributações autónomas, qualquer forma de atender às pretensões formuladas pela Requerente.

- Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a AT limitou-se a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correção efetuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

A) A Requerente é uma sociedade de direito português que se encontra abrangida pelo regime geral de tributação em sede de IRC.

B) A Requerente submeteu as seguintes declarações de rendimentos, nas datas que se referem de seguida:

- Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com a identificação …-… -…, referente ao período tributário de 2013, submetida em 1 de agosto de 2016;

- Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com a identificação …-… -…, referente ao período especial de tributação de 2014 (decorrido entre 1 de julho e 31 de Outubro de 2014), submetida em 1 de agosto de 2016;

- Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com a identificação …-… -…, referente ao período de tributação de 2014 (decorrido entre 1 de novembro de 2014 e 31 de outubro de 2015), submetida em 1 de agosto de 2016.

C) A submissão das mesmas visou atualizar a informação constante do Quadro 7 do Anexo D referente ao crédito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), suscetível de reporte para períodos seguintes, de forma a refletir o montante deferido em 1 de outubro de 2015 pela Comissão Certificadora para Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial relativamente ao período de tributação de 2013.

D) Das referidas declarações de rendimentos resultou o apuramento de lucro tributável nos seguintes termos:

- Declaração Modelo 22 do período de 2013 – € 1.439.462,82 (um milhão quatrocentos e trinta e nove mil, quatrocentos e sessenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos);

- Declaração Modelo 22 do período especial de 2014 – € 550.958,66 (quinhentos e cinquenta mil, novecentos e cinquenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos);

- Declaração Modelo 22 do período de 2014 – € 465.030,36 (quatrocentos e sessenta e cinco mil e trinta euros e trinta e seis cêntimos).

E) Das referidas declarações resultou ainda um montante de tributação autónoma que ascende a um total de € 128.837,85, o qual se subdivide nos seguintes termos:

- Declaração Modelo 22 do período de 2013 – € 45.166,03 (quarenta e cinco mil, cento e sessenta e seis euros e três cêntimos);

- Declaração Modelo 22 do período especial de 2014 – € 20.968,92 (vinte mil novecentos e sessenta e oito euros e noventa e dois cêntimos);

- Declaração Modelo 22 do período de 2014 – € 62.702,90 (sessenta e dois mil setecentos e dois euros e noventa cêntimos).

F) Os valores dos benefícios fiscais inscritos no Quadro 7 do Anexo D das declarações de rendimentos Modelo 22 submetidas pela Requerente com referência aos períodos de tributação em apreço foram os seguintes:

- Período de tributação de 2013 – € 2.641.856,65

- Período especial de tributação de 2014 - € 3.985.267,29

- Período de tributação de 2014 - € 3.240.571,05.

G) Em 5 de agosto de 2016 a Requerente apresentou três reclamações graciosas distintas relativamente a cada um dos atos tributários acima referidos:

- Reclamação graciosa referente à Declaração Modelo 22 do período de tributação de 2013;

- Reclamação graciosa referente à Declaração Modelo 22 do período de tributação especial de 2014;

- Reclamação graciosa referente à Declaração Modelo 22 do período de tributação de 2014.

H) Em 5 de janeiro de 2017, a Requerente foi notificada das decisões de indeferimento das reclamações graciosas, emitidas no âmbito dos processos n.º …2016…, …2016… e …2016… .

I) Em 09.05.2009, a Requerente celebrou um contrato de prestação de serviços com a B…, entidade do Grupo, com sede nos Estados Unidos da América.

J) As cláusulas 1.ª e 3.ª do referido contrato estabelecem o seguinte:

Article 1: Definitions

1.5 Markup shall mean the 107% of Contractor’s cost as defined herein

Article 3: Compensation

Company shall pay Contractor in the functional currency of the contractor, as sole compensation for the Design Services, a service fee equal to Contractor´s costs multiplied by the Markup. For purposes of this Agreement, Contractor´s costs shall be considered to equal all direct costs and standard overhead. Direct costs are defined as wages and salaries paid by the Contractor and materials and other direct costs. Standard overhead costs are defined as rent, utilities and other indirect costs incurred by the Contractor. To the extend that Contractor´s direct costs and standard overhead are note directly associated with the Design Services, the direct costs and standard overhead costs shall be prorated such that the service fee is based only upon that portion of the direct costs and standard overhead directly associated with the Design Services. Such Services fee as set forth in this Paragraph 3.1 shall be the sole and full compensation from Company to Contractor for all Design Services rendered under the Agreement”.

 

K) Em 01.11.2014 foi celebrado entre as partes um Contrato de Investigação e Desenvolvimento, com o intuito de substituir o contrato referido no parágrafo anterior.

L) As cláusula 5.1 e o Anexo A do referido contrato, que é parte integrante do mesmo, estabelecem o seguinte: (cláusula 5.1)“In consideration for the R&D Services performed by Developer under this Agreement, Company shall pay to developer the fees set forth in Exhibit A (the “Service Fees”) attached hereto and made a part hereof. The parties agree to review periodically the Service Fees and to make adjustments to the Service Fees deemed appropriate to maintain an arm’s length compensation.”;  (Anexo A) “Pursuant to Section 5.1 of the Agreement, the Service Fees payable hereunder shall be equivalent to developer’s Costs, plus an eight percent (8%) markup hereof”.

 

  1. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e nos factos enunciados pelas Partes nas respetivas peças processuais relativamente aos quais não existe controvérsia.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

De acordo com o pedido apresentado pela Requerente, impõe-se, no presente processo, uma análise sobre dois aspetos distintos:

  1. Em primeiro lugar, o de saber se tem impacto na tributação em sede de IRC da Requerente o alegado redébito de despesas à B…, (entidade sediada nos Estados Unidos da América), ao abrigo de um contrato celebrado entre as partes (“Contract for Design Services”), no âmbito do qual a A… se compromete a prestar serviços à sociedade norte-Americana;
  2. Em segundo lugar, o de saber se assiste razão à Requerente quando pede a dedução do benefício fiscal apurado nos termos do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”) à coleta das tributações autónomas dos períodos de tributação em apreço.

 

Vejamos, então.

 

Quanto ao alegado redébito de despesas:

 

Nos termos do “Contract for Design Services” celebrado entre a Requerente e a B..., esta comprometeu-se a pagar à Requerente, “… pelo Serviço de Design prestado, honorários iguais aos seus custos [da Requerente], multiplicados pelo markup contratualmente estabelecido …”.

 

Decorre do contrato que a A… presta um serviço (“Serviço de Design”) à sua contraparte, não se limitando a efetuar despesas por conta do destinatário ou utilizador dos bens ou serviços (situação em que as despesas efetuadas deveriam ser registadas em contas de terceiros apropriadas, o que poderia justificar o “redébito de despesas”, mas que não corresponde ao caso). Assim, as despesas efetuadas estão na base dos “seus custos”, sendo que a A… obtém uma margem comercial ao aplicar o “markup contratualmente estabelecido”.

 

Deste modo, as despesas realizadas para a prestação do serviço são uma referência para o cálculo dos honorários devidos, não existindo propriamente um redébito, mas sim um acordo das partes quanto ao valor do pagamento devido, que se rege pela conjugação de duas variáveis: (i) despesas realizadas; e (ii) markup contratualmente definido.

 

Alega a Requerente que, tendo em conta o facto de a tributação autónoma incidir integralmente sobre despesas e encargos que, de acordo com o alegado, foram redebitados a outra entidade no decurso dos períodos de tributação em apreço, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, não deveria ter sido liquidada tributação autónoma sobre os mesmos, pelo que considera estar perante um erro na autoliquidação e, consequentemente, que o valor do imposto em causa (i.e. tributação autónoma liquidada) deveria ser-lhe devolvido.

 

A argumentação expendida não colhe, porém. Com efeito, tendo sido suportadas despesas, por um sujeito passivo sujeito a IRC, que, nos termos do Código do IRC, concorrem para a formação da coleta de tributações autónomas, a lei determina a respetiva sujeição a esta forma de tributação – tendo sido essa a operação realizada nas liquidações dos períodos em questão. Acresce que, no entender deste tribunal, é apenas o valor das despesas realizadas que é tido em conta para calcular os honorários devidos pela contraparte da Requerente, sendo um markup acrescido àquelas, não configurando essa situação um redébito propriamente dito, menos ainda com o impacto fiscal pretendido.

 

Assim, quanto ao primeiro pedido formulado, o Tribunal entende não assistir razão à Requerente.

 

Vejamos, então, o pedido subsidiário, relativo à dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à coleta gerada pelas tributações autónomas.

 

A resposta à questão colocada pela Requerente pressupõe, desde logo, que se analise a evolução da figura das tributações autónomas com vista a averiguar se o seu regime jurídico (compreendendo natureza e razão de ser) é compaginável com a pretensão apresentada.

 

A natureza das tributações autónomas tem sido debatida na jurisprudência e na doutrina, sendo corrente a visão de que as mesmas visam tributar a despesa e não o rendimento. Neste sentido, veja-se, por exemplo, o voto de vencido do Exmo Senhor Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010 do Tribunal Constitucional, em que afirma, referindo-se às tributações autónomas: “embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula (….)”.

 “Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma (…) e isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta”. E acrescenta que “deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC” (sublinhado nosso).

 

No mesmo sentido, foi igualmente reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) “que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efetuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC. Refira-se, contudo, que já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) art. 81.º n.º 3 do CIRC e ajudas de custo estão afetas à atividade empresarial e indispensáveis pelo que são fiscalmente aceites nalguns casos ainda que dentro de certos limites”.

 

No que diz respeito à posição que era assumida pelo Tribunal Constitucional, veja-se o Acórdão n.º 18/11, nos termos do qual se refere que “existem factos sujeitos a tributação autónoma, que correspondem a encargos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos e (…) isto significa que a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas”.

 

Mais recentemente, o Tribunal Constitucional vem reformular a doutrina do Acórdão n.º 18/11, aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes e do Acórdão do STA n.º 830/11, no sentido de entender que “contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação. Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo”.

 

Ora, ainda segundo este Acórdão do Tribunal Constitucional “esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa”.

 

No que diz respeito à doutrina, constatamos que, no essencial, o conceito e a natureza das tributações autónomas não se afasta substancialmente do entendimento da jurisprudência produzida pelo Tribunal Constitucional. Na verdade, como refere Rui Morais, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento”[1].

 

Também Casalta Nabais considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (in “Direito Fiscal”, 6.ª Ed., p. 614) e, no mesmo sentido se pronuncia também Ana paula Dourado (in “Direito Fiscal, Lições”, 2015, p. 237).

 

Em suma, alguma doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores nacionais e do Tribunal Constitucional consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos, que incidem sobre a despesa pelo que, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.

 

Adicionalmente, refira-se que é também aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas de remuneração de trabalhadores, gerentes e sócios/acionistas da sociedade. Como refere Saldanha Sanches, “neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida de taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal.”[2] Nestes termos, “trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam (…)”[3].

 

É pacífico que as tributações autónomas radicam, como se aflorou, na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objeto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são suscetíveis de configurar, formalmente, um gasto de uma pessoa coletiva, mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto. Face à dificuldade de se efetuar uma separação rigorosa destas duas realidades, foi sucessivamente “enxertado” no regime de tributação do lucro real e efetivo do IRC, como padrão geral, um regime autónomo de tributação de certos gastos. Assim pode dizer-se que as tributações autónomas surgem integradas no regime do IRC, são apuradas e devidas no âmbito da relação jurídica de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e é neste quadro que se efetua o seu apuramento.

 

Contudo, não se trata, tout court, de IRC. Com efeito, para que fossem assim consideradas teriam, desde logo, que tributar o rendimento e isso, como vimos, não é o que sucede, em momento algum. Na verdade, embora exista uma instrumentalidade evidente entre o IRC e o modelo de tributação da renda em Portugal e as tributações autónomas (facto de resto bem evidenciado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e, em especial, do Tribunal Constitucional), prevalece o entendimento de que as tributações autónomas tributam despesas.

 

Neste âmbito, vale a pena ainda recordar que, nem os sistemas fiscais, nem os modelos de imposição concreta correspondem a modelos puros, isentos de elementos de extraneidade ao próprio sistema fundacional, de valores, ou ao próprio regime geral de um qualquer imposto abstratamente considerado. Com efeito, todos os impostos possuem caraterísticas ou soluções que, quando vistas isoladamente, podem representar objetivamente uma descaraterização do modelo tal como na pureza dos conceitos foi concebido, mas que, quando articuladas com o modelo, se verifica que concorrem para a sua efetividade, e lhe conferem ou reforçam a sua coerência.

 

No caso em análise, embora a opção da lei fundamental e da lei ordinária, por consequência, haja sido claramente no sentido de tributar o rendimento das pessoas coletivas e, nas formas possíveis de apuramento deste, se haja escolhido a tributação do rendimento real e efetivo como manifestação do mais elevado padrão de justiça fiscal, a verdade é que o sistema sempre conheceu desvios mais ou menos relevantes, seja porque certos gastos não são considerados como tal pela lei fiscal (embora objetivamente possam ser imputáveis a uma atividade comercial), seja porque a lei fiscal, reconhecendo essa essencialidade, teme a ocorrência de abusos (como é o caso das tributações autónomas, genericamente falando).

 

Por outro lado, importa ter presente (porque isso releva para efeitos da decisão a tomar) que as tributações autónomas configuram normas anti-abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes (face ao dever de imposto) pelos quais, tradicionalmente, conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efetivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada, com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva. Consequentemente, faz sentido admitir que se façam deduções gerais à coleta do imposto, que são permitidas por lei para dar sentido efetivo ao princípio da tributação do rendimento real e efetivo. Contudo, no que diz respeito à coleta devida por tributações autónomas, essa dedução geral deixa de fazer sentido porque, não tributando os lucros, mas sim despesas, não se coloca, quanto a elas, a questão da justiça na repartição do encargo geral do imposto, pelo que seria ilógico permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti-abusivo que as impregna; o desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.

 

Como oportunamente referiu Saldanha Sanches (citado na Decisão Arbitral n.º 187/2013-T, pp. 28), as tributações autónomas constituem uma forma de obstar a atuações abusivas: “(...) que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis. Este caráter anti abuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita. Elas terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)”. 

 

Dentro deste espírito, fica claro que as tributações autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação do IRC de acordo com uma raiz e uma dogmática próprias que levam a que a coleta total do imposto não seja uma realidade unitária mas composta.

 

Assim, é nela possível descortinar a coleta de imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). A esta coleta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a coleta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adoção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do código, que configura uma norma anti abuso, o que nos permite convocar aqui toda a dogmática própria em que se fundamenta.

 

Neste caso, por se tratar de cumprir finalidades que extravasam os fins puramente reditícios do imposto, para se situar no campo dos comportamentos que a lei considera abusivos e/ou não desejados, parece claro que não faz sentido que se lhe efetuem deduções, sob pena de se esvaziar, na prática, de qualquer sentido, o regime anti abusivo criado.”

 

Aqui chegados, estamos em condições de analisar o pedido da Requerente, quanto à legalidade da dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC relativa às tributações autónomas.

 

O SIFIDE, criado pela Lei n.º 40/2005 (com as alterações dadas pela Lei n.º 10/2009 e pelo DL n.º 82/2013) é um sistema de Sistema de Incentivos Fiscais ao Investimento em Investigação e Desenvolvimento Empresarial. Atualmente, este tipo de sistema de incentivos encontra-se previsto no Código Fiscal do Investimento (SIFIDE II). A dedução à coleta, conforme o n.º 2 do artigo 4.º da Lei nº 40/2005, destina-se a permitir que os lucros tributáveis que venham a ser obtidos em resultado dos investimentos objeto de incentivos fiscais, determinados de acordo com o artigo 17.º do CIRC, contribuindo positivamente para a matéria coletável, possam ser tributados a uma taxa efetiva de imposto mais baixa, em resultado da dedução à coleta dos benefícios fiscais do SIFIDE. A alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC prevê que “Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste”.

 

De acordo com o artigo 3.º do CIRC:

“1 - O IRC incide sobre:

a) O lucro das sociedades comerciais

(...)

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código”.

 

Nos termos do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

(...)

3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de interpretação analógica.”

 

Nos termos do artigo 9.º do Código Civil:

“1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Concluímos acima, seguindo a jurisprudência aí mencionada e outra não aludida explicitamente, que a coleta das tributações autónomas tem uma raiz diferente da do IRC, que não pode, sob pena de subversão da ordem de valores que presidiu à criação da tributação por via das tributações autónomas, permitir a dedução de benefícios fiscais à coleta por estas gerada, sob pena de descaraterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir. Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas incentivos fiscais – como pretende a Requerente -, porquanto essa possibilidade poderia resultar, no limite, na eliminação da coleta resultante das tributações autónomas, propiciando a dedução de certo benefício fiscal a imposto que tem uma função especificamente anti-abuso, isto é, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados. Tome-se como exemplo o caso das tributações autónomas sobre encargos com viaturas ligeiras, destinadas a tributar encargos que possam traduzir-se em benefícios em espécie para os utilizadores das viaturas, mas cuja tributação em IRS, com rendimento em espécie, depende de acordo celebrado entre o funcionário (utilizador da viatura) e a empresa. No caso de existir acordo celebrado, os encargos com viaturas ligeiras não são tributados em tributação autónoma em sede de IRC (cf. o artigo 88.º do CIRC), ocorrendo antes tributação em IRS na esfera do respetivo beneficiário (utilizador da viatura). Assim, só ocorre tributação autónoma dos encargos com viaturas ligeiras quando, relativamente a estas viaturas, não ocorreu tributação em IRS do respetivo beneficiário (utilizador da viatura). Ora, caso se permitisse a dedução de um benefício fiscal à coleta gerada por tributação autónoma sobre as despesas com veículos ligeiros, estar-se-ia, no quadro do mesmo sistema fiscal, a desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adoção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.º do Código do IRC).

 

Importa ainda notar, tal como consignado no voto de vencido junto à Decisão Arbitral n.º 5/2016-T, embora referindo-se aos regimes do SIFIDE e RFAI, que também não subsiste “qualquer erro conceptual nem tão pouco qualquer contradição entre o acabado de expor e o facto de os regimes do SIFIDE e do RFAI estabelecerem que os mesmos são concretizados em deduções à coleta do IRC. Ao fazer essa referência expressa está o legislador a reportar-se à coleta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas, precisamente porque não entram no apuramento nem do lucro tributável, nem da matéria coletável, e, como consequência, não concorrem para a coleta do IRC, nem mesmo do IRC liquidado ou do IRC a pagar/recuperar (cfr. CASALTA NABAIS, Idem, p. 541). O resultado das tributações autónomas, repete-se, apurado de forma autónoma, não concorre para a coleta do IRC, pelo contrário, há-de acrescer ao IRC liquidado para efeitos de apuramento do valor a pagar ou a recuperar, o que consubstancia um resultado bem diferente.”

 

Acresce que o entendimento arbitral ora sufragado, no sentido da orientação seguida, por exemplo, nos Acórdãos Arbitrais n.ºs 722/2015-T e 443/2016-T, encontra-se em sintonia com o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efetuadas quaisquer deduções». Também neste caso, o legislador se limitou a acolher, clarificando-o, uma solução que os tribunais, com recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica estavam em condições de extrair do regime a aplicar, o que se limitou a fazer este coletivo, no caso dos autos.

 

Acresce ainda, no entendimento da não dedutibilidade do SIFIDE à coleta das tributações autónomas o argumento de que, relativamente às tributações autónomas, conforme decorre do aditamento dos n.º 11 e 12 do anterior artigo 81º do CIRC (atual artigo 88º) pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro, embora tanto a coleta de IRC determinada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90º do CIRC (tendo por base a matéria coletável determinada nos termos do artigo 15º do CIRC) como as coletas dos diversos factos sujeitos a tributações autónomas (determinadas nos termos das diversas disposições constantes do artigo 88º do CIRC) constem da liquidação de IRC, regra geral “feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º”, estas coletas são independentes, sendo admissíveis deduções a uma das coletas, mas não sendo admissível deduções ao conjunto das coletas, seja ao conjunto das coletas de tributações autónomas, seja do conjunto destas com a coleta determinada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90º do CIRC (tendo por base a matéria coletável determinada nos termos do artigo 15.º do CIRC), pelo que, ao n.º 21 do artigo 88º, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, foi dado carácter de norma interpretativa, não havendo razões para contestar esse carácter uma vez que não representa legislação inovadora.

        

Dispunha a redação dos n.º 11 e 12 do anterior artigo 81º do CIRC (atual artigo 88º) dada pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro, o seguinte:

“11 -  São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.

12 -  Ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º”.

 

Fica assim expresso o entendimento de que é possível existir dedução a coleta de uma determinada tributação autónoma ao mesmo tempo que essa dedução não pode simultaneamente ser efetuada à coleta determinada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90º do CIRC (tendo por base a matéria coletável determinada nos termos do artigo 15º do CIRC), assim como o seu simétrico.

 

No caso, sendo as deduções do SIFIDE benefícios fiscais, e atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que estabelece que “Consideram-se  benefícios fiscais as medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, há que aferir, no caso em particular qual a “tributação que impedem”, sendo que, considerando o preâmbulo do Decreto-Lei nº 292/97, de 22 de Outubro, que estabelece um regime de incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento empresarial precursor do SIFIDE, no preâmbulo deste diploma legal é referido “introduzir um crédito fiscal para investimento em I&D, de que poderão vir a beneficiar os sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, e que se traduzirá numa dedução à coleta daquele imposto”, pelo que, o facto deste crédito fiscal se destinar a entidades com fim lucrativo, bem como ser precursor aos n.º 3 a 6 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 192/90, aditados pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, que passam a prever a tributação autónoma de “despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”, quando anteriormente apenas se encontrava prevista a tributação autónoma de “despesas confidenciais ou não documentadas” (n.º 1 e 2 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 192/90), decorre que as deduções do SIFIDE, no sentido de os lucros gerados pelas atividades de Investigação e Desenvolvimento poderem ser tributados a uma taxa de imposto efetiva inferior à taxa geral de IRC, apenas poderão ser efetuadas à coleta determinada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90º do CIRC (tendo por base a matéria coletável determinada nos termos do artigo 15º do CIRC), não sendo admissíveis as deduções do SIFIDE a coletas de tributações autónomas.

 

Atento o acima exposto, conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE à coleta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”

 

Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal em causa (relativos ao SIFIDE) à coleta das tributações autónomas relativas ao IRC dos exercícios em questão, termos em que improcede o pedido da Requerente, sendo de manter o indeferimento das reclamações graciosas que lhes corresponderam.

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)         Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC relativas a 2013 e 2014, objeto de impugnação, absolvendo-se a Requerida deste pedido;

b)         Manter a decisão de indeferimento expresso das reclamações graciosas;

c)         Absolver a Requerida do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 128.837,85 (cento e vinte e oito mil, oitocentos e trinta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

 

VI. Custas

O montante das custas é fixado em € 3.060.00 (três mil e sessenta euros), ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 19 de janeiro de 2018.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

 

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

José Eduardo Gonçalves

(Árbitro Vogal)

 

 

Raquel Franco, vencida conforme declaração de voto anexa.

 

(Árbitro vogal)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

Declaração de voto

 

Discordo da tese que fez vencimento pelos seguintes fundamentos:

Para dar resposta às questões colocadas a este Tribunal Arbitral entendo, desde logo, ser fundamental saber se, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, o respetivo montante é “apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”. Se o for, entendo que se deverá concluir que, para se determinar o limite das deduções atendíveis em sede deste imposto, se deve atender à coleta proveniente das tributações autónomas.

O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela AT, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código. Assim, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, uma vez que não existe qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se, aliás, às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável – o que não justifica, a nosso ver, que se deva efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC.

O argumento de que a natureza anti-abuso das tributações autónomas justifica a não dedutibilidade à respetiva coleta não vale, em meu entender, pelo simples, mas decisivo facto de que tal argumento não encontra suporte em qualquer norma do sistema jurídico-tributário português.

Parece-nos, a partir da análise do Código do IRC, que, independentemente do entendimento que se tenha quanto à natureza das tributações autónomas em sede de IRC – discussão que não tem que ser suscitada para se dar resposta à questão concreta que aqui se suscita – não se duvida que a quantia arrecadada por via daquelas tributações autónomas o é a título de IRC. Recorrendo ao que se diz, a este propósito, no Acórdão proferido no processo 775/2015-T, “(…) as tributações autónomas são indissociáveis dos sujeitos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, da atividade económica por eles levada a cabo, o que é ainda mais evidente quando se pensa na ligação que, embora tenha variado nas sucessivas alterações legislativas, as tributações autónomas tinham e ainda têm alguma ligação com a dedutibilidade – e a efetiva dedução – das despesas tributadas. Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.”

Considerando-se – como se considera - que as tributações autónomas integram o regime do IRC, importa, então, saber o que é dedutível à respetiva coleta. Ora, quanto a este aspeto, de novo se recorre às palavras utilizadas no Acórdão Arbitral proferido no processo 775-2015-T:

“Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do art.º 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC.

Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a coleta das tributações autónomas no art.º 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração. E assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira terá porventura errado, ao não permitir a dedução dos montantes relativos ao PEC que a Requerente tinha o direito de deduzir à coleta.

Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do art.º 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do SIFIDE prevista na alínea c) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu art.º 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.

De onde se segue idêntica conclusão: a de que, não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas distinta daquela que regula a liquidação em geral do IRC, tem que se aceitar que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90.º, n.º 1 do CIRC e sendo, portanto, dedutíveis, nomeadamente, os incentivos fiscais em causa no presente processo. No mesmo sentido aponta a inexistência de limites à dedutibilidade destas realidades à coleta resultante das tributações autónomas – o que o legislador poderia ter feito, tal como fez ao enunciar várias exceções e limites às regras da dedutibilidade do número 2 do artigo 90.º do CIRC.

Quanto à alteração introduzida pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de Março), em concreto no que respeita à introdução do n.º 21 do artigo 88º do CIRC: foram aditados por esta Lei vários números ao artigo 88.º do CIRC, que se refere às tributações autónomas, entre eles o número 21, segundo o qual “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.” No artigo 135.º dispõe o legislador que “a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos números 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”

O artigo 90.º não foi alterado, continua a referir-se à coleta de IRC e, por tudo o que atrás se deixa dito, a coleta que resulta da aplicação das normas do artigo 88.º é coleta de IRC. O que o número 21 do artigo 88.º proíbe agora é que, a esta coleta, se efetuem quaisquer deduções até ao momento em que, apurada a coleta global de IRC, se efetuam as deduções do artigo 90.º. Note-se que, se o legislador quisesse, de facto, proibir que as deduções previstas no artigo 90.º fossem efetuadas à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, o poderia ter feito diretamente em vez de alterar o artigo 88.º - mas não o fez.

No presente caso, estando em causa os períodos de tributação correspondentes aos anos de 2013 e 2014, importa analisar qual o efeito da alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 e, sobretudo, do caráter interpretativo que lhe foi atribuído.

Nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil (CC), “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.”

O efeito mais relevante que o legislador retira da caraterização de uma norma como interpretativa é, pois, o da sua aplicação no tempo, em concreto, o da não aplicação, nesses casos, do princípio da não retroatividade da lei. Sendo esse um efeito, é necessário, porém, que primeiro se proceda à identificação das caraterísticas que fazem de uma determinada norma uma norma interpretativa e que, desse prisma, as diferenciam das normas inovadoras.

Para que uma lei nova – como é, no caso em apreço, o número 21 do artigo 88.º do CIRC - possa ser realmente interpretativa, são necessários dois requisitos: (i) por um lado, que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; (ii) por outro lado, que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Assim, se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

Norma interpretativa, portanto, é aquela que não altera qualquer conteúdo ou elemento da norma interpretada, vem tão só traduzir o seu significado – estando, por conseguinte, obrigada a respeitar os direitos adquiridos sob a vigência da norma interpretada, particularmente em questões relativamente às quais a proibição de retroatividade está especialmente prevista, como é o caso da matéria do princípio da não retroatividade fiscal, prevista no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.

Voltando ao caso concreto, já se disse que se entende que o texto da lei antes desta alteração não permitia que se concluísse que estava vedada a dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC resultante das tributações autónomas. Por outro lado, essa solução não resulta ainda de forma clara do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC. Assim, quanto à amplitude das deduções previstas no artigo 90.º, continua a não existir razão para se considerar excluída a coleta das tributações autónomas.

Em suma, quanto ao efeito da alteração operada pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, entendo que o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC não tem caráter interpretativo no que respeita à questão em discussão, não se aplicando a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, ao período de tributação e factos relevantes no presente processo,

Por estes motivos, julgaria procedente o pedido de declaração de ilegalidade das autoliquidações em causa no presente processo, na parte referente à não dedução dos montantes do SIFIDE à coleta das tributações autónomas.

 

Lisboa, 19 de janeiro de 2018

 

Raquel Franco

 



[1] Cf. Rui Duarte Morais, in “Apontamentos ao IRC”, Almedina, 2009, pp. 202-203.

[2] Cf. “Manual de Direito Fiscal”, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406.

[3] Cf. Casalta Nabais, Idem, p. 614.