Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 237/2017-T
Data da decisão: 2018-01-22  IRS  
Valor do pedido: € 29.815,84
Tema: IRS - Contrato de exploração turística - Natureza dos rendimentos.
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 4.04.2017, a Requerente, A…, contribuinte fiscal nº …, residente na rua …, …, …, Espanha, requereu ao CAAD a constituição de Tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  do ato de liquidação adicional de IRS nº 2016… relativa ao ano de 2012, assim com o do ato de liquidação adicional de de IRS nº 2016…, do ato de liquidação de juros compensatórios nº 2016…, e da demonstração de acerto de contas nº 2016…, todos referentes ao ano de 2013, e, ainda, do ato de liquidação adicional de IRS nº 2016…, do ato de liquidação de juros compensatórios nº 2016… e da demonstração de acerto de contas nº 2016…, referentes ao ano de 2014.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 22-06-2017.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

  1. A fundamentação do relatório final de inspeção tributária, que consubstancia a motivação dos atos tributários que constituem o objeto do presente pedido arbitral, não é congruente, nem tão-pouco clara sendo que, sobre a AT impende o dever legal de, não só indicar todos os factos, de forma clara e coerente, mas também de indicar e sustentar as suas conclusões com as correspondentes disposições legais.
  2. Só com a indicação de todas as razões, de facto e de direito, pode a impugnante, em consciência, aferir da legalidade dos atos praticados pela Administração Tributária e, assim, optar pela sua contestação ou acatamento.
  3. No caso em apreço, a AT entendeu que a atuação da Requerente é passiva e por essa razão os rendimentos que ela declarou como sendo rendimentos da categoria B deverão ser tributados como rendimentos da categoria F, nos termos da Circular nº 5/2013 de 2 de Julho de 2013.
  4. Sendo o falecido marido da Requerente titular da exploração turística do apartamento e tendo cedido a exploração do mesmo à B… SA, NIPC … (doravante apenas referida por “B…”), mantendo, no entanto, na sua esfera o risco de exploração, não se compreende em que medida a Requerente exerce de forma passiva a exploração turística.
  5. Verifica-se da leitura do Relatório de Inspeção Tributária que o entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária não passa de um juízo conclusivo que não tem qualquer suporte nos factos nem na lei, mas apenas numa circular, que não está acima da lei devendo concluir-se que a AT não deu cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos tributários contestados.
  6. Por outro lado, salvo melhor entendimento, é manifesto que os rendimentos auferidos pela Requerente são rendimentos da categoria B do Código de IRS e não rendimentos da categoria F.
  7. Em 29 de Outubro de 2010, a Requerente e seu marido, entretanto falecido, assinaram com a C…, S.A. um contrato de cessão de exploração turística da … acima identificada, nomeando esta entidade, a sociedade B…, para as funções de gestora.
  8. Deste contrato, resulta que a gestora atuou sempre por conta e no interesse da Requerente e do seu marido enquanto exercia as operações necessárias à concretização da exploração turística do apartamento acima identificado.
  9. É jurisprudência firmada que “desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade  económica (mesmo que expressa num só ato) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se as necessidades económicas deste, saia aumentado o património  (mediação entre a oferta e a procura) haverá uma actividade comercial” (Ac. do STA, de 24.02.2016, proc. Nº 580/15).
  10. É manifesto que são tributadas na categoria B todos os rendimentos apurados no âmbito das atividades geradoras de rendimentos de atividades comerciais, designadamente as resultantes das atividades hoteleiras e similares.
  11. Embora a AT pugne, em sede de inspeção tributária, por uma interpretação restritiva do  conceito de “atividade”, considerando que para efeitos de tributação em sede de categoria B só são admissíveis os lucros decorrentes da exploração direta da Unidade, a Requerente entende que esta interpretação não encontra qualquer suporte no teor literal da alínea a), do nº 1, do art. 3º, do Código de IRS, razão pela qual  devem ser considerados  todos os resultados obtidos ao longo do exercício imputáveis à atividade de exploração de empreendimento turístico, quer sejam resultados decorrentes da exploração direta, quer sejam através da contratação de serviços de uma entidade para explorar a unidade.
  12. Se o legislador pretendia excluir do âmbito da alínea a), do nº 1, do artigo 3º, do Código do IRS os rendimentos resultantes da exploração decorrente da contratação de serviços, como entende a Administração tributária, impunha-se que este determinasse expressamente que só os resultados decorrentes da exploração direta estavam sujeitos a tributação no âmbito da categoria B do Código do IRS, o que não acontece, pelo que, os rendimentos em causa devem ser tributados no âmbito da al. a), do nº 1, do art. 3º, do Código de IRS.
  13. A Circular nº 5/2013 de 2 de Junho de 2013, invocada pela Requerida, como qualquer outra orientação administrativa apenas vincula os órgãos da Administração Tributária e não é considerada fonte de direito fiscal, pelo que não tem qualquer eficácia externa vinculativa própria, não sendo sequer objeto de publicação, pelos que os sujeitos passivos não estão de modo algum obrigado a cumprir o disposto na mesma, nem os Tribunais.
  14. Assim, porque os atos tributários contestados vêm fundamentados numa circular contra legem, deverão os mesmos ser anulados por manifestamente ilegais.
  15. Ainda  que se admitisse – o que se faz por mera cautela e dever de patrocínio -, que os rendimentos obtidos pela Requerente são efetivamente rendimentos da categoria F do Código do IRS, a realidade é que a matéria coletável do Requerente  jamais seria no valor apurado  pelos Serviços de Inspeção Tributária  em sede de inspeção tributária, pois ao contrário da posição da AT, nos termos e para efeitos  do art. 41º do Código do IRS, deverão  ser  entendidas como despesas dedutíveis aos rendimentos da categoria F do IRS as despesas de manutenção e conservação referentes a mulher de limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, água e gás, gastos com o aluguer de casa com equipamentos, reparação e pinturas, prémios de seguro e custos de administração do prédio, na medida em que são essenciais para a obtenção dos rendimentos em causa.

 

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

  1. Quanto à alegada falta de fundamentação das correções ora sindicadas, tem que se discordar de tal entendimento, desde logo porque, da leitura do relatório inspetivo resulta que um homem médio, colocado na posição de destinatário, consegue apreender o seu sentido e conclusão.
  2. No caso vertente, a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral, não só demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua atuação,
  3. Como na realidade, também, já havia cabalmente compreendido o mesmo quadro fáctico e legal em sede de audição prévia pelo que se tem por não verificado o vício de falta de fundamentação.
  4. Entre a ora Requerente e a sociedade vendedora foi assinado um contrato de cessão de exploração turística da unidade …, nos termos do qual a sociedade C… SA ficou com o direito de constituir uma sociedade comercial para a gestão do “…”, situação que veio a concretizar com a constituição da empresa B… SA, NIPC… .
  5. Deste modo, a Requerente assegura a exploração turística do imóvel em questão, através dos serviços da empresa B…, concedendo à mesma, autorização exclusiva, para explorar turisticamente e por sua conta, o apartamento de que a Requerente é proprietária.
  6. Assim sendo, a Requerente mandatou a sociedade B… para em nome próprio e por sua conta receber a remuneração relativa à exploração do seu imóvel, ficando a mesma com o direito a reter 25% da receita bruta da respetiva exploração.
  7. Os rendimentos auferidos pela Requerente derivam pois da disponibilização a terceiros dos imóveis, os quais são geridos e mantidos pela empresa B…, que também gere os arrendamentos de curta duração, cobrando os montantes devidos e prestando todos os outros serviços associados, como por exemplo limpeza.
  8. Por fim, esta empresa disponibiliza à proprietária os montantes contratualmente acordados.
  9. De salientar que a proprietária não teve qualquer intervenção na obtenção do licenciamento.
  10. Desta forma os rendimentos que a Requerente aufere advêm de forma meramente passiva, em resultado da prossecução de uma atividade comercial por parte da sociedade B… .
  11. A Requerente não demonstrou ter qualquer organização de carácter empresarial para a obtenção do mesmo.
  12. A lei refere expressamente que são entendidos como rendimentos empresariais os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial.
  13. E, atentando-se quer no significado do conceito utilizado nas normas legais em causa, quer na interpretação que do mesmo tem feito a jurisprudência dos tribunais superiores, não se pode senão concluir que não assiste qualquer razão à Requerente.
  14. Efetivamente, pesquisando no dicionário de português o significado da palavra “exercício”, verifica-se que este corresponde ao ato de exercer ou de exercitar, à prática e ao uso de algo, logo, para o que aqui nos importa, ao desempenho de uma atividade profissional.
  15. Ou seja, o uso da palavra “exercício” na redação dada à norma, por contraposição às palavras usadas, no artigo 8º do CIRS, para definir quais são os rendimentos de categoria F, tem subjacente a prática de atos com um determinado propósito que, no caso, será o da obtenção de lucro.
  16. Assim, pretender, como faz a Requerente no pedido de pronuncia arbitral, que o facto de se ter declarado início de atividade, afirmando a intenção de exercer uma atividade de exploração turística (quando, efetivamente, nada mais se fez para além de adquirir um imóvel), deva ser valorado como suficiente para a qualificação dos rendimentos como imputáveis à categoria B, quando depois efetivamente não se exerce a atividade declarada, seria dar primazia à forma sobre a substância, contrariando os mais elementares princípios do direito fiscal.
  17. Da leitura do contrato de cessão de exploração, resulta claramente que a Requerente nunca assume as funções de responsável pela exploração do alojamento, sendo essas assumidas pela Gestora nas suas diferentes vertentes.
  18. Por isso mesmo, consideraram os Serviços de Inspeção Tributária (doravante SIT) que os rendimentos em apreço correspondem a rendimentos prediais enquadráveis na categoria F do IRS (artigo 8.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares).
  19. Pois que, estando em causa rendimentos relativos à cedência do uso do prédio ou de parte dele, as importâncias recebidas pelos proprietários, como contrapartida da cedência do uso dos apartamentos, são consideradas rendimentos prediais, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 8. º do Código do IRS independentemente do facto da importância recebida não ser fixa.
  20. Quanto à pretensão, por parte da Requerente, de que sejam aceites a totalidade das despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, nos termos do art.41º nº1 do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.(Redação dada pela lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro).”
  21. Pelo que, tem que se avaliar se aquelas despesas referidas em abstrato pela Requerente, e não demonstradas em sede arbitral, revestem o carácter de despesas de conservação e/ou manutenção que incumbam ao sujeito passivo.
  22. Assim, mediante estes conceitos, verifica-se, desde logo, que as despesas mencionadas pela Requerente não consubstanciam despesas de conservação nem, tão pouco, de manutenção.
  23. Por outro lado, e no que concerne às despesas com salários e com a limpeza, ressalta das secções 5 e 6 do contrato de cessão que esses encargos estão a cargo da Gestora o que significa que nem são da responsabilidade da Requerente, aqui senhoria.
  24. Pelo que, também neste ponto, falece razão à Requerente no peticionado.

 

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. Por despacho de 10.12.2017, tendo em conta que a Requente identificou  no pedido de pronúncia arbitral, a  liquidação referente ao ano de 2012, como“ato de liquidação adicional de IRS nº 2016… relativa ao ano de 2012, da qual resultou uma coleta total de € 6.091,25 (Cfr. Documento 1 que se junta e dá por integralmente reproduzido)” e que do documento 1 consta uma coleta total e liquida de € 9702,3, a menção a retenções na fonte no valor de € 15.501,35 e cópia de uma cheque não à ordem, no valor de € 6091,25, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira a favor de A… e D…, o Tribunal notificou a Requerente para em dez dias, esclarecer os aspetos referidos designadamente, se fosse caso disso, retificando o valor do ato tributário em causa.

 

7.  Na sequência do despacho em causa veio a Requerente alegar que:

 

a) A Requerente declarou, em sede de IRS, referente ao ano de 2012, o seguinte:

Categoria B

Rendimento para

determinação da taxa 2.852,32 €

Coleta (25%) 713,08 €

Retenções na fonte 17.541,01 €

Reembolso a favor da

Requerente 16.827,93 €

 

b) Na sequência das correções operadas pela inspeção tributária ocorrida em 2016, a AT procedeu às seguintes correções:

 

Categoria F

Rendimento para determinação da taxa 58.801,80 €

Coleta (25%) 9.702,30 €

Retenções na fonte 17.541,01 €

Reembolso a favor da

Requerente 7.838,71 €

 

 

c) O referido reembolso de € 7.838,71 foi efetuado, parcialmente, através de cheque (no montante de € 6.091,25) e, parcialmente, efetuado através de transferência bancária para a conta da Requerente (€ 1.747,46).

 

d)  Atento o acima exposto, verifica-se que a Requerente pretende, com a presente ação, ser reembolsada, quanto ao ano de 2012, no valor de € 8.989,22 (correspondente à diferença de reembolso apurado em sede de Categoria B - de € 16.827,93 - e ao reembolso apurado em sede de Categoria F - de € 7.838,71)

 

e) Nessa medida, atendendo ao acima exposto, verifica-se que a Requerente pretende contestar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2016… relativa ao ano de 2012, no que concerne a falta de reembolso do montante de € 8.989,22.

 

f) Constata-se, assim, que o valor do ato tributário aqui contestado é de € 8.989,22.

 

Assim sendo, fixa-se o valor do processo em € 29815,84 que corresponde ao valor inicialmente indicado (€2691787) adicionado da diferença (€ 2.897,97) entre o valor agora indicado (€ 8.989,22) e o inicialmente apontado ( € 6.091,25)

 

8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

9. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Ilegalidade dos atos tributários objeto do processo por falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação.

b) Ilegalidade dos atos tributários objeto do processo, por vício de violação de lei.

 

II – A matéria de facto relevante

 

10. Consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 18.08.2016, pela Ordem de Serviço número 2016…/…/…, determinada por despacho do Diretor de Finanças de Faro, foi aberta ação de inspeção interna com vista ao controlo de arrendamento de imóveis, sendo inspecionados a Requerente e o entretanto falecido marido D… e teve âmbito parcial em IRS, conforme prevê a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), com extensão aos anos de 2012, 2013 e 2014.

 

2. Em resultado do procedimento inspetivo, a Requerida determinou correções ao rendimento tributável de IRS, de natureza meramente aritmética, nos montantes de 55.949,48€, 32.729,98 e € 11.754,12€, nos anos de 2012, 2013 e 2014, respetivamente, as quais deram origem aos seguintes atos tributários:

a)Respeitante ao ano de 2012:

Ato de liquidação adicional de IRS nº 2016…,  da qual resultou uma coleta total e líquida de € 9702,30, constando da mesma o valor de 15,501,35 € de retenções  na fonte efetuadas pelos sujeitos passivos.

b)Respeitante ao ano de 2013:

Ato de liquidação adicional de IRS de IRS nº 2016…, da qual resultou  uma coleta, total e líquida, de 16.579,25; ato de liquidação de juros compensatórios nº 2016…, e demonstração de acerto de contas nº 2016…, da qual tendo em conta as liquidações adicional e de juros compensatórios, retenções na fonte efetuadas e o reembolso feito aos sujeitos passivos em consequência da primitiva liquidação,  resulta  um    valor a pagar de € 15.907,46.

c)Respeitante ao ano de 2014:

Liquidação adicional de IRS nº 2016…, da qual resultou  uma coleta, total e líquida de € 16.343,31; ato de liquidação de juros compensatórios nº 2016… e da demonstração de acerto de contas nº 2016…, da qual tendo em conta as liquidações adicional e de juros compensatórios, retenções na fonte efetuadas e o reembolso feito aos sujeitos passivos em consequência da primitiva liquidação,  resulta  um    valor a pagar de  € 4.919,76.

 

3.Do relatório de inspeção tributária que antecedeu e serve de fundamento aos atos tributário de liquidação objeto do presente processo consta, designadamente, o seguinte:

 

 

 

 

 

(…)

 

 

 

 

 

 

 

 

4. A Requerente encontra-se registada para o exercício da atividade “Apartamentos turísticos sem restaurante” CAE 55123 desde 2010-11-05, encontrando-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime da contabilidade organizada, por opção, em IRS.

 

5. A ora Requerente é sujeito passivo não residentes em território nacional e de acordo com o sistema informático da AT, tem como seu representante, a sociedade «E… Lda.» NIF…, com sede em Rua das…, …, … –…, sendo sujeito passivo B é D… NIF… .

 

 

11. Factos não provados.

Com interesse para a decisão da causa não se provaram as clausulas contratuais do contrato de exploração turística, porquanto o contrato em causa não foi junto aos autos. Com efeito, a este título, a Requerente começou por juntar um  alegado  contrato, não assinado em que figurava como outorgante o falecido marido da Requerente  D…, com a menção de ser casado com esta. Notificada a Requerente para juntar aos autos o contrato devidamente assinado, veio juntar um alegado contrato, por si assinado, bem como pelos demais outorgantes, em que, diferentemente do alegado contrato inicialmente junto, figura a própria como outorgante com a menção de ser casada com D… . Nestas circunstâncias, não se pode considerar que a Requerente tenha juntado o contrato objeto da notificação uma vez que os signatários do documento não coincidem inteiramente com o  do alegado contrato inicialmente junto aos autos, motivo pelo qual o mesmo não pode ser considerado.

Todavia, atento o discurso fundamentador do relatório de inspeção tributária que, no essencial, quanto ao conteúdo do contrato, não se afasta da minuta contratual junta, a  prova das clausulas do contrato  pela Requerente não se revela absolutamente essencial à decisão da causa.

 

12. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto considerada provada, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

13. Tendo a impugnante imputado diversos vícios aos atos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. a) do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2017, Almedina, pag. 205).

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela requerente conduzirá à anulação do ato tributário. No entanto, o vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do ato, o que não sucede com a anulação decorrente do vício de falta de fundamentação.

Em conformidade, o Tribunal irá apreciar em primeiro lugar do vício de violação de lei, formulado a titulo principal pela Requerente.

 

14.O problema jurídico a solucionar em primeiro lugar prende-se com a questão de saber se a atividade comercial de hotelaria em causa, exercida com referência ao apartamento de que a Requerente era proprietária com seu falecido marido, é exercida pela empresa B… SA, como sustenta a AT ou, diferentemente, pelos proprietários da fração, como sustenta a Requerente.

 

A Requerida sustenta que os rendimentos obtidos pelos proprietários o eram de forma meramente passiva e que o exercício direto da atividade era efetuado pela empresa B…, não suportando aqueles o risco do negócio, nem dispondo de organização empresarial.

 

A Requerente, pelo contrário, entende que a atividade era por si exercida através da contratação da empresa B…, cujos serviços pagava, suportando os proprietários o risco do negócio.

Por outro lado, entende que a al. a), do nº 1, do artigo 3º, do Código do IRS prevê o exercício de atividade comercial mas não exige que tal exercício seja direto, podendo, portanto, tal exercício ser feito através da contratação duma outra entidade para o efeito.

Alega ainda que a  Circular nº 5/2013 de 2 de Junho de 2013, ao exigir que a atividade seja exercida diretamente, excluindo o exercício de modo indireto através da contratação de uma outra entidade para o efeito, procede a uma interpretação restritiva da mencionada norma, tendo carácter inovador e, como qualquer outra orientação administrativa, apenas vincula os órgãos da Administração Tributária e não é considerada fonte de direito fiscal, pelo que não têm qualquer eficácia externa vinculativa própria, não sendo sequer objeto de publicação, pelos que os sujeitos passivos não estão de modo algum obrigado a cumprir o disposto nas mesmas, nem os Tribunais.

Assim, porque os atos tributários contestados vêm fundamentados numa circular contra legem, deverão os mesmos ser anulados, por manifestamente ilegais.

 

Vejamos.

 

O art. 3º do CIRS estipula o seguinte:

“1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:

a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; […];”

 

 

Por sua vez, nos termos do art. 4º do CIRS:

“1 – Consideram -se atividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:

(…)

h) Atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como a venda ou exploração do direito

real de habitação periódica;”

 

 

Por outro lado, era a seguinte a redação do  art.º 8º do mesmo Código, à data dos factos, na parte relevante para o caso dos autos:

“1 - Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares.

2 - São havidas como rendas:

a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;

b) As importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no imóvel locado; […]”

 

O art. 8º, nº 1, do CIRS, na redação à data dos factos, enquadrava na categoria F, com carácter obrigatório, a retribuição (renda) emergente para o locador de prédios rústicos, urbanos e mistos.

 

Diz-nos José Guilherme Xavier de Basto que “A lei, no nº 2 do art. 8º, define renda, melhor dito, redefine renda, para efeitos do IRS.A redefinição é necessária, tanto mais que hoje, a Lei Geral Tributária, no seu artigo 11º, nº 2, contém o princípio segundo o qual, sempre que nas leis fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito (…) tais termos valerão com o sentido que têm nesse ramo do direito, salvo se da lei decorrer coisa diferente. O princípio conduz pois a que o legislador fiscal tenha de ser cauteloso quando usa palavras que possam ter um sentido técnico em outro ramo do direito, no caso presente em direito civil e proceda frequentemente a redefinições para efeitos fiscais.

Não vamos obviamente discutir aqui o conceito de renda no direito civil, no direito do arrendamento. O conceito fiscal de renda, o único que aqui nos interessa, é mais amplo do que o conceito civilístico.

As seis alíneas do nº 2 do artigo 8º delimitam o conceito fiscal de renda.”[1]

           

Em abstrato, a situação em causa só poderá ser enquadrada nas alíneas     a) e b) do nº 2 do art. 8º do CIRS, parecendo ser essa a posição da Requerida.

 

Sob  estas alíneas diz-nos, ainda, Xavier de Basto[2]:

 

“ A al. a) contém o conceito básico: renda é a importância  relativa à cedência do uso de prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência. Repare-se que a lei se refere à cedência do uso de prédio, sem curar de distinguir entre as diferentes causas da cedência. Na maioria dos casos, a causa será o contrato de arrendamento, mas a norma cobre, sem dúvida outras situações jurídicas.

(…)

A al. b) equipara a renda “as importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliário instalados no imóvel locado”. Trata-se de elementar cautela do legislador, destinada a evitar tentações de fraude, separando da renda, tributável na categoria F, o preço da locação de maquinismos e mobiliário.(…)”

 

No caso que nos ocupa, é manifesto que não estamos em presença dum contrato de arrendamento (nem tal é, sequer, alegado pela Requerida).

 

Vejamos, então, se os rendimentos  em causa resultam de  cedência do uso do prédio,   aos serviços relacionados com aquela cedência  e/ou a importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no imóvel locado.

 

A resposta não pode deixar de ser negativa.

 

Na verdade, está ínsito nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 8º que a cedência do uso do prédio ou o aluguer de maquinismo é feito a terceiro que paga ao cedente ou ao locador, em troca daquele uso.

 

Ora, a B…, de acordo com o Relatório de Inspeção Tributária, em substância,  nada paga aos proprietários, antes recebe destes uma remuneração pelos serviços que lhes  presta.

As importâncias que a B… disponibiliza aos proprietários não são de valores de que seja titular, mas sim que estão à sua guarda como mandatária daqueles.

 

O grau de sucesso do negócio reflete-se fundamentalmente na esfera jurídica dos proprietários e não da gestora, embora esta também seja interessada nos resultados do negócio na medida em que a sua retribuição pelos serviços que presta,  ascende a 25% da receita bruta de exploração.

Por outro lado, os custos com a atividade desenvolvida correm, também, essencialmente, por conta dos proprietários, têm componentes especificas, notoriamente muito distintas dos normais encargos com uma fração destinada a mera cedência de uso   e  são em valor significativamente superior.

As receitas são, também, em linha com o que acontece nas despesas, em valor significativamente superior ao que é comum na  retribuição pela simples cedência de uso.

 

Na verdade, segundo o RIT:

 

 

 

 

E

 

Constando ainda que:

 

 

E também que:

 

 

Por outro lado, também não se pode considerar que ocorra “cedência do uso do prédio ou  aluguer de maquinismos” aos clientes utilizadores do imóvel uma vez que  as quantias pagas pelos clientes respeitam  ao serviço de alojamento que lhes é prestado, estando os proprietários da fração vinculados a um conjunto alargado e oneroso de despesas com vista  à prestação de tais serviços, que suportam na sua esfera jurídica, nada impedindo, aliás, que qualquer atividade comercial seja exercida, mesmo integralmente, através da contratação de serviços externos à entidade o que,  aliás, decorre do princípio da liberdade de gestão, constitucionalmente consagrado.[3] [4]

 

Acrescente-se, aliás, que contrariamente ao sustentado pela Requerida, do clausulado contratual do contrato de exploração turística, emerge que os proprietários mantém na sua esfera o risco do negócio, como o demonstram as cláusulas contratuais invocadas pela Requerida no relatório de inspeção tributária, supra mencionadas.

 

Como escreve Pedro Pais de Vasconcelos “O contrato de exploração turística, como tipo social não legal, tal como reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina, tem tipicamente por objeto alojamentos. (…)

Os contratos de exploração turística afastam-se francamente da locação e aproximam-se da prestação de serviços, e têm um aspecto parciário, característico da associação em participação, que pode ser mais ou menos acentuado conforme os casos” [5]

 

 

É, pois, manifesto, que a situação em causa não se subsume nas alíneas a) e b), do nº 2, do art. 8º do CIRS, não podendo, em consequência deixar de ser enquadrados no arts. 4º, nº 1, al. h) e 3º, nº 1, al. a) do CIRS, pois que, como se pode ler no acórdão ac. do STA, de 24.02.2016, proc. Nº 580/15, citado pela Requerente:

 

 “Desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade económica (mesmo que expressa num só ato) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se as necessidades económicas deste, saia aumentado o património (mediação entre a oferta e a procura) haverá uma actividade comercial”

 

Assim, conclui-se que os acréscimos patrimoniais em questão constituem rendimentos da categoria B de IRS.

 

E tal conclusão  não é impedida, como é bom de ver e incontroverso,  pela Circular nº 5/2013 de 2 de Junho de 2013, pois como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-06-2017, proferido no processo 0364/14, em linha com jurisprudência e doutrina pacificas:

 

“Com efeito as orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária

não constituem disposições de valor legislativo (…).

Como esclarece CASALTA NABAIS (Direito Fiscal, 6.ª ed., Almedina, pág. 197), «as chamadas orientações administrativas, tradicionalmente apresentadas nas mais diversas formas como instruções, circulares, ofícios-circulares, ofícios-circulados, despachos normativos, regulamentos, pareceres, etc.”, que são muito frequentes no direito fiscal constituem “regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.
Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.[6]
 

Assim sendo, não podem as liquidações objeto do presente processo deixar de ser anuladas por vício de violação de lei, ficando, assim, prejudicados, o conhecimento dos demais  vícios invocados pela Requerente.

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular os atos tributários objeto do presente processo.

 

Valor da ação: € 29815,84 (vinte e nove mil oitocentos e quinze euros e oitenta e quatro cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de € 1530,00 (mil quinhentos e trinta euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 22 de Janeiro de 2018

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

 



[1] IRS INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS, Coimbra Editora, 2007, pags 343-344.

[2] Ob. cit. p. 344.

[3] Cfr. arts- 61º, nº 1, 80º, al. c) e 86º da Constituição da República Portuguesa.

[4] Explicam J.J. Gomes Canotilho-Vital Moreira que “A liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e actividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade  do empresário, liberdade empresarial). No primeiro sentido, trata-se de um direito pessoal (a exercer individual ou coletivamente); no segundo sentido  é um direito institucional, um direito da empresa em si mesma).” ( CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, Coimbra Editora, 4ª Ed., 2007, I vol., pag. 790)

[5] CONTRATOS ATÍPICOS, Almedina, 2ª Ed., 2009, pags. 201-202.

[6]http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c8eb7132b6a9c68f8025814c003198fb?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,orienta*,interpreta%C3%A7%C3%A3o,circula*#_Section1