Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 179/2017-T
Data da decisão: 2018-01-30  Selo  
Valor do pedido: € 11.057,99
Tema: IS - Verba n.º 28 da TGIS.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

            I – Relatório

 

            1.1. A…, contribuinte n.º …, B…, contribuinte n.º …, C…, contribuinte n.º…, D…, contribuinte n.º …, e E…, contribuinte n.º …, tendo sido notificados do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações de IS em causa, no montante total de €11.057,99, apresentaram, a 17/3/2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 99.º do CPPT e nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), 3.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, relativos aos andares e divisões com utilização independente do prédio urbano sito na Avenida …, n.º … a …, distrito e concelho de Lisboa e freguesia do …, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … (artigo ... da extinta Freguesia de…), e ao ano de 2015”. Os ora Requerentes pedem, também, “a restituição aos Requerentes dos montantes pagos indevidamente, acrescidos dos competentes juros indemnizatórios calculados nos termos legais.”

 

            1.2. Em 29/5/2017 foi constituído o Tribunal Arbitral Singular com a Árbitro Senhora Dra. Andrea Firmino.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta (e o processo administrativo) em 27/6/2017, tendo argumentado, em síntese, a total improcedência do pedido dos ora Requerentes.

 

            1.4. Nos termos do Despacho de 20 de Dezembro de 2017, do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a Árbitro em funções sido notificada para prestar informação e nada tendo dito, e uma vez que a Árbitro visada “não respeitou os prazos legal e regularmentarmente fixados, determin[ou]-se [...] a cessação do mandato da Senhora Dra. Andrea Firmino como árbitro no processo em epígrafe, e a sua substituição, nessas mesmas funções, pelo Senhor Professor Doutor Miguel Patrício.”

           

            1.5. A nomeação do novo Árbitro ocorreu a 4/1/2018.

           

            1.6. Por despacho datado de 17/1/2018, o Tribunal considerou, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, alínea c), do RJAT, ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT, e que o processo deveria prosseguir para decisão. Nestes termos, o Tribunal fixou a data de 30/1/2018 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vêm os ora Requerentes alegar, na sua petição inicial, que: a) “a questão material controvertida subjacente à aferição da legalidade dos actos sob reclamação – actos referentes ao ano de 2015 –, e, consequentemente, da verificação ou não da errónea qualificação do facto tributário na liquidação, reconduz-se a saber se o valor patrimonial relevante para efeitos de apuramento da aplicabilidade da Verba 28 da TGIS, em vigor à data dos factos, quando esteja em causa um prédio não constituído em propriedade horizontal, é o de cada unidade autonomamente considerada ou o somatório do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma dessas unidades”; b) “nada dispondo o CIS ou a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, sobre o que entender por «prédio urbano com afectação habitacional», deve o sentido daquele conceito ser interpretado em conformidade com o artigo 67.º do CIS, o qual impõe que «Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI», obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do referido código”; c) “adicionalmente, o n.º 6 do artigo 1.º do CIS aponta em semelhante direcção ao dispor que o conceito de prédio para efeitos de Imposto do Selo é o definido no CIMI”; d) “sendo o IMI liquidado individualmente em relação a cada uma das partes, não se vislumbram razões, face à remissão resultante do citado artigo 67.º do CIS, para que o critério legal para definir a incidência da verba 28 não seja o mesmo. Aliás, é a própria AT que implicitamente reconhece essa inevitabilidade, ao emitir as notas de cobrança daquele imposto individualmente para cada parte, andar ou divisão com utilização independente com base no VPT fixado de acordo com as regras do IMI (Cf. cit. Documentos n.ºs 2 a 45). O que, coerentemente, deveria determinar que, quando estivesse em causa um prédio em propriedade vertical, só haveria lugar a incidência da verba 28 da TGIS se alguma das divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a €1.000.000,00”; e) “a interpretação e aplicação que a AT vem fazendo da norma em apreço colide ainda, manifestamente, com aquele que, se bem o apreendemos, consiste no espírito do legislador”; f) “a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência desta Verba 28 da TGIS, apenas se o VPT de cada uma das partes ou fracção for igual ou superior a €1.000.000,00”; g) “no caso presente, o prédio em causa encontra-se em propriedade total e contém 10 divisões com utilização independente. Considerando que nenhuma das referidas unidades independentes destinadas à habitação apresentam um VPT igual ou superior a €1.000.000,00, o prédio em causa não está, simplesmente, sujeito ao IS da Verba 28 da TGIS”; h) “sendo, por isso, manifesto o erro de Direito, imputável aos serviços, sobre os pressupostos da norma de incidência, de que enfermam as liquidações objecto do presente pedido de revisão, que devem por isso ser, de imediato, anuladas”; i) “não obstante a plena convicção da ilegalidade das liquidações sindicadas, os ora Reclamantes, ponderadas as consequências assacadas ao não pagamento dos impostos liquidados, procederam, à cautela, ao pagamento da totalidade do imposto e juros liquidados [...]. Nessa medida, procedendo a presente [...] deverão os Reclamantes ser reembolsados do que indevidamente pagaram”; j) “acresce que, decorrendo as liquidações em crise de manifesto erro imputável aos serviços da Administração Tributária, cujo reconhecimento expressamente se requer, assiste ainda aos Reclamantes, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, o direito a juros indemnizatórios computados sobre aquele montante”; l) “deste modo, sendo revogados [...] os actos de liquidação objecto da presente reclamação, devem os montantes indevidamente pagos serem restituídos aos Reclamantes, acrescidos de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, contados desde a data em que ocorreu aquele pagamento até integral reembolso.” 

 

            2.2. Em conclusão, pedem os ora Requerentes que proceda o presente pedido, “sendo, consequentemente, anulados os actos de liquidação de IS identificados no artigo 2.º do presente [pedido] e juntos como Documentos n.ºs 2 a 46, e segundas e terceiras prestações referentes ao mesmo imposto, com as necessárias consequências legais, designadamente, a restituição aos Requerentes dos montantes pagos indevidamente, acrescidos dos competentes juros indemnizatórios calculados nos termos legais.” 

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “a sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00”; b) “o imóvel encontra-se descrito na matriz no regime de propriedade total, constituído por divisões ou andares susceptíveis de utilização independente”; c) “o que está aqui em causa são liquidações que resultam da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”; d) “para o cálculo do VPT, o coeficiente varia consoante o seu destino, e sendo o valor patrimonial tributário total do imóvel referente às divisões destinadas a habitação superior a €1.000.000,00 o coeficiente de afectação aplicado foi o de 1,00. Sendo esta a informação matricial, de acordo com o artigo 23.º, n.º 7, do CIS, a liquidação de imposto do selo em causa, foi efectuada, pela Administração tributária, tendo em conta a natureza do prédio urbano, nomeadamente as suas divisões afectas à habitação, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”; e) “assim, tendo em conta a informação matricial constante da caderneta predial, não logram os Requerentes com os documentos que presentemente juntam aos autos, fazer prova que contrarie a natureza das divisões com carácter habitacional. Logo, as liquidações de imposto de selo contestadas foram emitidas de acordo com a informação que consta da caderneta predial do prédio, portanto, são válidas e não enfermam de qualquer ilegalidade”; f) “à data os Requerentes detinham a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente», com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000.000,00. Em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efectuada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 e cuja respectiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, afectação habilitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança para o pagamento das liquidações em causa”; g) “tratando-se de prédios em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo será indiscutivelmente o VP que o ora Requerente define como «valor global do prédio». Em cumprimento do disposto no artigo 119.º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios”; h) “estando correcta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a actuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal”; i) “muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba n.º 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber, aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2.º do CIMI”; j) “o que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária”; l) “encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI”; m) “do exposto, deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos”; n) “não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade”; o) “é [...] consequência de o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto ser, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente”; p) “a verba 28.1 incide pois sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00”; q) “as notificações efectuadas do pagamento de prestação do imposto não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim ser mantidas”; r) “o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado da anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração tributária. O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais. Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.”

 

2.4. Em síntese, a AT considera que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

            3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

            i) Estão em causa as liquidações de Imposto do Selo (IS) identificadas nos Docs. 2 a 46 apensos aos presentes autos (e que se consideram, dada a sua extensão, aqui reproduzidos) – sendo todas relativas a andares e divisões com utilização independente do prédio urbano sito na Avenida …, n.º … a …, distrito e concelho de Lisboa e freguesia do …, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … (artigo … da extinta Freguesia de …), e ao ano de 2015.

 

            ii) O prédio urbano em causa, conforme se observa pela respectiva caderneta predial (vd. fls. 130 a 133 do PA apenso) é um prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente. É composto por 6 pisos, com 10 divisões, todas com utilização independente (vd. fl. 130). Todas as 10 divisões são funcional e economicamente independentes. A cada uma dessas 10 divisões corresponde um artigo matricial próprio.

 

iii) Através da leitura dos Docs. 2 a 46 apensos (e de fls. 130 a 133 do PA apenso), pode verificar-se que o VPT atribuído a cada uma das referidas 10 fracções não supera, para nenhuma delas, o milhão de euros constante da verba n.º 28 da TGIS.

           

            iv) Os ora Requerentes foram notificados das liquidações supra referidas (emitidas a 5 de Abril de 2016), todas por referência ao ano de 2015, no montante de €7744,29 (o qual foi pago pelos Requerentes: v. PA apenso aos autos). A esse montante acresce, ainda, o valor de €3313,70, referente às segundas e terceiras prestações – perfazendo, assim, o montante global ora em causa de €11.057,99 (vd. Docs. 1 a 46 apensos aos presentes autos).

 

            v) Os Requerentes deduziram reclamação graciosa n.º …2016… contra as liquidações supra identificadas (vd. PA apenso aos presentes autos), tendo sido notificados da decisão que foi proferida a 12/12/2016 (vd. fl. 147 do PA apenso), e que indeferiu totalmente a mencionada reclamação graciosa. Inconformados, os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral em 17/3/2017.

           

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.

 

            IV – Do Direito

 

            No caso ora em análise, as questões essenciais que se colocam são as de saber: 1) se a sujeição a IS, nos termos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares ou unidades independentes que o compõem; 2) se são devidos os peticionados juros indemnizatórios.

 

            Vejamos, então.

 

            1) Na origem da primeira questão está a verba n.º 28 da TGIS, aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que dispõe o seguinte:

 

            “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%. 28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

 

            A Lei n.º 55-A/2012, que entrou em vigor em 30/10/2012, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de «prédio com afectação habitacional». Contudo, observando o que dispõe o art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, verifica-se que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.» Existindo dúvida quanto ao alcance da referida verba, justifica-se, portanto, observar o que diz o CIMI.

           

            Da leitura do CIMI percebe-se que o conceito de «prédio com afectação habitacional» remete, naturalmente, para o conceito de «prédio urbano» que está definido nos arts. 2.º e 4.º. Por seu lado, constata-se que a determinação do VPT obedece aos artigos 38.º e ss. do CIMI.

 

            Entre as várias espécies de «prédios urbanos» (art. 6.º), menciona-se, expressamente, os «prédios urbanos habitacionais» [v. n.º 1, al. a)], acrescentando, depois, o n.º 2 do mesmo artigo do CIMI, que estes “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

            Se é certo que o n.º 4 do art. 2.º do CIMI refere que, “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”, também é certo que nada há na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical no que se refere à sua identificação como «prédios urbanos habitacionais». Daqui se conclui que partes autónomas de prédios em propriedade vertical com afectação habitacional devem ser consideradas como «prédios urbanos habitacionais».

 

            Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Com efeito, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para aquela particular diferenciação. Note-se, a este propósito, o que dispõe o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

 

            O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00. Fixar como valor de referência, para a incidência do novo imposto, o VPT global do prédio em causa, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, considerando a remissão feita pelo acima referido art. 67.º, n.º 2, do CIS.

 

            Assim, e observando o caso em análise, verifica-se que, como notam os Requerentes, “nenhuma das [...] unidades independentes destinadas à habitação apresentam um VPT igual ou superior a €1.000.000,00” (vd. ponto iii) da factualidade provada). Daqui se conclui, em face do que foi supra exposto, que sobre os mesmos não deve incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, consequentemente, ilegais os actos de liquidação impugnados pelos ora Requerentes.

            Com efeito, e como bem refere a DA proferida no proc. n.º 552/2015-T, de 27/1/2016, em processo idêntico ao ora em análise, “a principal questão trazida aos autos [...] é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo (verba 28 da TGIS) de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das divisões de utilização independente e com afetação habitacional [...], ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o integram [...]. Efetivamente, do ponto de vista formal, bem anda a AT ao referir que um prédio constituído em propriedade horizontal é uma realidade jurídico-tributária distinta de um prédio urbano em propriedade vertical ou total. Porém, se o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI, estabelece a ficção legal de que cada uma das frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal consubstancia um prédio, daí não decorre, necessariamente, que uma parte de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal seja considerada prédio. Se o legislador utilizou, na norma da verba 28.1 da TGIS, a expressão «prédio urbano de afetação habitacional», não se afigura legítimo que a AT nela pretenda incluir os andares ou divisões de utilização independente de prédios não constituídos em propriedade horizontal que, como a própria reconhece, não são prédios, não podendo, por isso, ser equiparados às fracções autónomas de prédios constituídos em regime da propriedade horizontal. No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do CIMI, mas apenas quanto aos «prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior», caso em que, de acordo com a sua alínea b) «(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes». E é esta a única norma do CIMI em que se faz referência ao «valor [global] do prédio», sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto. Assim, da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do CIMI, resulta que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal integrar exclusivamente partes ou divisões destinadas a habitação, o valor do prédio não equivale à soma das suas partes.”

 

É de notar, por último, que este entendimento (de ordem infraconstitucional), que tem sido aqui defendido, tem sido sufragado pelo STA, como se pode ver pelo recente Acórdão n.º 47/15, de 9/9/2015, no qual se assinalou, de uma forma clara, que, “tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”

 

            Veja-se, ainda, a este respeito, o que foi pertinentemente observado no seguinte aresto recente do STA (Acórdão de 24/5/2016, proferido no rec. 1344/15): “a questão que incumbe decidir prende-se com a interpretação da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, no sentido de definir se ela tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros. Esta questão já não é nova neste Supremo Tribunal e tem merecido uma resposta uniforme no sentido propugnado na sentença recorrida [ou seja, e como sintetiza este aresto: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.»], por todos, o acórdão datado de 04.05.2016, recurso n.º 0166/16. Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a dimensão constitucional desta norma à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, tendo concluído que, a norma constante da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não é inconstitucional, por todos o acórdão 247/2016, datado de 04.05.2016. No presente recurso não se coloca a necessidade de apreciação da norma em apreço à luz de tais princípios e parâmetros constitucionais, antes se impondo uma interpretação teleológica e sistemática da mesma, pelo que, a orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelos Tribunais comuns, e que agora se seguirá, não belisca a boa doutrina imposta por aquele Tribunal Constitucional.”

 

2) À luz do que dispõe o n.º 5 do art. 24.º do RJAT – “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais. Justifica-se, assim, a análise do presente pedido.

   

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). É, por isso, condição necessária para a atribuição dos mencionados juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Ac. do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

 

Tendo havido – como decorre do que se disse acima, no ponto 1) – erro imputável aos serviços, tal determina a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes.

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação, assim como a devolução da quantia indevidamente paga pelos requerentes.

            – Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor dos requerentes.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €11.057,99 (onze mil e cinquenta e sete euros e noventa e nove cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 5 [anterior n.º 4], do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de Janeiro de 2018.

 

O Árbitro

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.