Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 137/2017-T
Data da decisão: 2018-01-29  IVA  
Valor do pedido: € 2.651.235,30
Tema: IVA – Locação - Cedência de espaço.
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Ricardo Rodrigues Pereira e Clotilde Celorico Palma, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 23 de Fevereiro de 2017, Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A…, NIPC …, com sede na …, n.º…, … …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IVA n.º 2014…, relativo o período de 201401 no valor de € 2.664.285,59, bem como da decisão da reclamação graciosa n.º …2014… e do recurso hierárquico n.º …2015…, que tiveram aquele como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que o entendimento da AT enferma de erro nos respectivos pressupostos de facto e de direito, uma vez que o argumento da AT, constante no Relatório de Inspecção Tributária e na decisão de indeferimento do recurso hierárquico, no sentido de que a alegada "atividade preponderante que B… exerce nos lotes 9 e 10 - arrendamento - caracteriza-se como uma actividade isenta que não confere o direito à dedução", não pode proceder, já que apenas por mero erro se poderia afirmar que se está in casu perante uma situação de "arrendamento puro", na acepção do artigo 1022.º do Código Civil e, consequentemente, da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, na medida que o modelo contratual em causa, e a realidade a que respeita, não encontra correspondência nas regras legalmente tipificadas para a situação tradicional de locação de imóveis, pelo que, encontrando-se demonstrado que se verifica, no âmbito daqueles espaços imóveis, a efectiva realização de operações tributadas para efeitos de IVA, pelo que será forçoso concluir que a renúncia à isenção do IVA realizada entre o Fundo e a B… foi validamente exercida, por, ao contrário do que alega a AT, por se encontrar cabalmente cumprido o pressuposto exigido pela alínea d) do no 2 do Decreto-Lei n. 21/2007, de 29 de Janeiro, que impõe que o "imóvel seja afecto a actividades que confiram o direito à dedução do IVA suportado nas aquisições".

 

  1. No dia 24-02-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 11-04-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 28-04-2017.

 

  1. No dia 02-06-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação e por excepção. Impugnou, ainda a Requerida o valor da causa.

 

  1. A Requerente, notificada para o efeito, pronunciou-se, por escrito, relativamente à matéria da Resposta da Requerida, susceptível de contraditório.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Foi facultada às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, o que nenhuma fez.

 

  1. Verificando-se que o PA junto pela Requerida, não dizia respeito à liquidação objecto da presenta acção arbitral, mas a um outro contribuinte, determinou-se o desentranhamento dos documentos juntos como PA, e notificou-se a Requerida para juntar ao processo o PA correcto e a Requerente para juntar ao processo o contrato a que se refere o art.º 16.º do requerimento inicial.

 

  1. Junta a documentação em falta foi facultado às partes o contraditório devido.

 

  1. Foi prorrogado duas vezes por 60 dias o prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, para a prolação de decisão final.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é um Fundo administrado, gerido e representado pelo C…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA. (C…), com o NIPC…, que se encontra registado na CMVM (Comissão de Mercados de Valores Mobiliários) como intermediário financeiro autorizado com o número …, desde 22 de Dezembro de 1999.
  2. A Requerente tem como objeto social a “gestão e administração, em representação dos participantes, de fundos de investimento imobiliário, abertos e fechados”.
  3. Em 18-07-2012, a Requerente adquiriu ao Fundo de Investimento Imobiliário Fechado D… (“D…”), NIPC …, os prédios urbanos sob os artigos matriciais … e … (actuais … e …), situados na …, freguesia de …, concelho de Loures, respectivamente, lote 9 e lote 10 do.
  4. As partes (D… e Requerente) optaram por exercer, em Julho de 2012, a renúncia à isenção do IVA, na transmissão dos dois imóveis.
  5. Foram emitidos Certificados de Renúncia à Isenção do IVA na Transmissão de Bem Imóvel, datados de 17-07-2012 e 16-07-2012, respetivamente para os lotes 9 (art. …) e 10 (art. …).
  6. Assim, a Requerente liquidou e pagou ao Estado o IVA respeitante à aquisição dos dois imóveis referidos.
  7. De acordo com o contrato de aquisição, o Lote 9 foi adquirido por €3.370.000 e o Lote 10 por €2.920.000, totalizando €6.290.000 (terrenos já com construção edificada).
  8. Foi liquidado IVA e entregue ao Estado o valor total de €1.446.700 (taxa de 23%).
  9. A Requerente realizou ainda, entre 2012 e 2014, diversas obras de conclusão dos dois armazéns localizados nos lotes acima descritos, que ascenderam ao valor total de € 5.836477,33, acrescido de IVA no valor de € 1.217.585,59.
  10. A Requerente não procedeu então, à dedução do IVA incorrido na aquisição nem na subsequente construção (acabamentos) dos Lotes 9 e 10.
  11. Em 01-12-2011, o D… celebrou um contrato com a sociedade B…, onde prometeu dar de arrendamento os lotes 9 e 10 (assim como os restantes lotes do mesmo empreendimento – Lote 5,6,7,8, e 11), que à data já se encontravam em construção, tendo ficado estabelecido que o arrendamento destes (dois) lotes seria para serem utilizados na actividade daquela empresa, e que teria início assim que a construção dos mesmos ficasse concluída e fosse emitida a respectiva licença de utilização, tendo sido indicada como data previsível para o efeito o dia 30 de Junho de 2013.
  12. Nos termos previstos no referido contrato de arrendamento, os armazéns arrendados à sociedade B… destinavam-se a ser utilizados "no exercício da actividade a ser levada a cabo no âmbito do objecto social das sociedades do grupo empresarial no qual se insere a arrendatária B…, designadamente a fiadora identificada como a sociedade E…, S.A.".
  13. Com a transmissão dos Lotes 9 e 10 para a Requerente, o D… cedeu também a sua posição contratual no referido contrato com a B… .
  14. Em 26-12-2012 a Requerente celebrou novo contrato com a B… no qual são re-expostas as cláusulas contratuais e mencionado o estado das obras em curso nos lotes 9 e 10.
  15. Nos termos do referido contrato celebrado, as partes acordaram que os imóveis em questão, objecto de arrendamento, seriam afectos pela arrendatária a operações tributadas em IVA.
  16. A B… celebrou, enquanto arrendatária, um contrato denominado de cedência de espaço com outras sociedades do grupo empresarial em que se insere, as empresas F…, S.A. ("F…") e a G…, Lda, ("G…").
  17. Nos termos definidos no referido contrato, o espaço cedido às cessionárias destinou-se ao desempenho dos seu objecto social, de acordo com as suas necessidades e disponibilidade do cedente.
  18. Os espaços encontravam-se devidamente preparados para o desenvolvimento da actividade de armazenagem e de logística, compreendendo espaços amplos e munidos de serviços de vigilância e limpeza.
  19. As referida entidades cessionárias podiam, nos termos contratuais, optar por alterar a área cedida, ou seja, os contratos de cedência de espaço permitem o ajuste de áreas em função das necessidades das respectivas cessionárias, as quais, face ao tipo de actividade em causa, podiam variar.
  20. A Requerente optou por exercer, em Janeiro de 2014, o direito à renúncia à isenção do IVA, na locação dos referidos Lotes 9 e 10.
  21. Solicitada à AT a renúncia à isenção pela Requerente, foram emitidos os Certificados de Renúncia à Isenção do IVA na Locação de Bem Imóvel datados de 21-01-2014 para ambos os Imóveis: Lote 9 (art. …, ex …) e lote 10 (art. …, ex …), ambos pertencentes à freguesia de … e … (Freg…).
  22. Iniciado em Janeiro de 2014 o arrendamento dos Lotes 9 e 10 entre o Fundo e a B…, foram encetados os efeitos da renúncia à isenção do IVA, porquanto o Fundo deduziu todo o IVA suportado (aquisição + construção no valor total de €2.664.285,59) e a B… iniciou o arrendamento com liquidação de IVA nas rendas às entidades locatárias (F…, SA, NIPC… e G…, Lda., NIPC…).
  23. Pela Requerente foi então apresentada a declaração de IVA relativa ao período 2014.01, na qual liquidou como total do imposto a favor do sujeito passivo o valor de €2.664.285,58, e como total do imposto a favor do Estado o valor de € 13.050,28, daí resultando um saldo a favor daquele no valor de € 2.651.235,30.
  24. Este valor foi totalmente originado pelo valor inscrito no mês de Janeiro de 2014 no campo 24 - Serviços, que reflecte o valor acumulado pela aquisição (em 2012), seguida de construção (obras de acabamento), de dois armazéns (destinados a armazém e/ou industria) situados em Loures, no denominado, especificamente lotes 9 e 10.
  25. A Requerente deduziu o valor referente à afectação real do IVA correspondente aos lotes 9 e 10 (que totaliza €2.664.285,59), abrangidos pelo supra mencionado Contrato de Arrendamento, relativamente ao qual optou pela renúncia à isenção do IVA.
  26. Esta dedução de IVA encontra-se na base do pedido de Reembolso no valor de €2.651.235,30.
  27. Na sequência do pedido de reembolso apresentado, a Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, em matéria de IVA, levada a efeito pela Divisão de Inspecção Tributária.
  28. Em Outubro de 2014, foi a Requerente notificada do respectivo Relatório da Inspecção Tributária com a decisão de indeferimento total do pedido de reembolso apresentado, propondo-se no âmbito do mesmo uma correcção em IVA no valor global de € 2.664.285,59, correspondente ao imposto considerado como deduzido em excesso pela Requerente.
  29. Do Relatório de Inspecção Tributária consta, para além do mais, que:
  • “..., a B… realiza a prestação de dois serviços distintos: a) a cedência de espaço e b) o redébito de despesas. A primeira constitui a prestação principal; e a segunda a prestação acessória que, não constituindo um fim em si mesma, constitui um meio de disponibilizar aprestação principal nas melhores condições. O elemento preponderante do negócio é a locação.”;
  • “(...) a operação de cedência de espaço dos lotes 9 e 10 configura um contrato de arrendamento puro uma vez que a característica predominante da operação económica é a colocação passiva do imóvel à disposição do seu utilizador, sem que lhe seja associado qualquer valor acrescentado. Assim, e voltando as exigências definidas pelo DL n.º 21/2007 para a validação da renúncia a isenção do IVA na locação dos Lotes 9 e 10, não se confirma que a B… (arrendatária) utilize esses imóveis na realização de operações tributadas (com direito a dedução). Muito embora tenha formalizado as suas operações activas como tributadas, tendo encetado a liquidação de IVA na cedência das instalações as empresas do grupo, em substância, está a desenvolver uma actividade isenta prevista no n.º 29 do art. 9º do CIVA”.
  • “...não se encontram, afinal, reunidas todas as condições impostas cumulativamente, à aceitabilidade da renúncia à isenção do IVA na operação de locação dos lotes 9 e 10, entre o Fundo A… e a B…, porquanto não se verifica o cumprimento da alínea d) do n.º 2 do DL 21/2007”, uma vez que “a actividade preponderante que a B… exerce nos Lotes 9 e 10 - arrendamento – caracteriza-se como uma actividade isenta que não confere o direito à dedução”.
  1. A AT considerou que a Requerente e o locatário, B…, reuniam as condições subjectivas legalmente estabelecidas para o exercício da renúncia à isenção do IVA respeitante á locação dos imóveis, considerando que eram sujeitos passivos cuja actividade tinha por objecto, com carácter de habitualidade, a construção ou aquisição de imóveis para venda ou para locação.
  2. Mais considerou a AT que os imóveis em causa (Lote 9 e 10) reuniam as condições previstas na alínea a), b), c) e e) do no 1 e c) do no 2 do Regime de Renúncia.
  3. Considerou, também, a AT que a B… não utilizava o imóvel na realização de operações tributadas que conferissem direito à dedução, porquanto entendeu que a B… realizava a prestação de dois serviços distintos, a cedência de espaço e o redébito de despesas por quantia igual à suportada e enquadramento igual ao suportado, sendo a primeira a prestação principal e a segunda a prestação acessória.
  4. Do Despacho DI2014… da Direcção de Finanças de Lisboa consta que:

«Em Janeiro de 2014, a B… efectuou contrato identificado como “cedência de espaço”, relativamente aos lotes 9 e 10 com as firmas F…, SA, NIF … e G…, Lda. NIF…, sendo que a primeira se dedica à prestação de serviços na área da logística, armazenagem, transporte e distribuição de mercadorias e a segunda ao transporte, logística, distribuição, armazenamento e comercialização de produtos alimentares e outros.

- Visitados os armazéns verificou-se que estão ocupados por mercadorias, sendo notória a existência de uma actividade de entrada e saída das mesmas. As máquinas de manuseamento das mercadorias (empilhadoras e outras) assim como os meios de transporte são propriedade dos arrendatários.

- A segurança do empreendimento é assegurada pela firma H…, e paga pela B…, SA. No entanto a B…, SA repercute o custo da segurança, integralmente aos seus clientes.

- A B…, SA suporta igualmente os consumos de água, electricidade, as despesas de manutenção dos espaços exteriores, jardinagem, gestão e reciclagem de resíduos e outras prestações de serviços. Estes serviços são repercutidos fatura a fatura aos clientes.

- A B…, SA emite mensalmente faturas com a descrição de “cedência de espaço” de acordo com o espaço utilizado pelos clientes, liquidando o respectivo IVA. O espaço efectivamente utilizado é facturado ao m2 encontrando-se evidenciado nas respectivas faturas.

- Os clientes principais da B…, são as já referidas empresas, F…, SA e G…, SA, todas integrando o grupo I…; No entanto, a B… fatura igualmente a outras firmas não pertencentes ao grupo, como a J…, Lda. e K…, SA.».

  1. Na sequência, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IVA, com o número de liquidação 2014…, e correlativos juros compensatórios e moratórios, referente ao período de Janeiro de 2014, a qual desconsiderou o valor autoliquidado deduzido pela Requerente, fixando-se, em consequência, no valor global de imposto, e juros moratórios, a pagar em € 9.942,60.
  2. A liquidação de IVA e juros compensatórios e moratórios foi paga no respectivo prazo legal.
  3. A Requerente deduziu, em 19 de Novembro de 2014, reclamação graciosa.
  4. Atendendo à falta de decisão da AT dentro do prazo legal para o efeito, operou-se, a formação de presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida, tendo a Requerente interposto, em 8 de Abril de 2015, recurso hierárquico reiterando a pretensão anteriormente pugnada.
  5. No decurso do mês de Outubro de 2016, foi a Requerente notificada, através do Ofício n.º … de 18 de Outubro de 2016 da Direcção de Serviços do IVA, do projecto de decisão da AT relativamente ao recurso hierárquico supra mencionado.
  6. Não tendo a Requerente exercido o direito de audição àquela proposta de indeferimento, em 5 de Dezembro de 2016 foi notificada da decisão final de indeferimento do referido recurso hierárquico, exarada pelo Director de Serviço Central.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[2], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

i. Da matéria de excepção

            Termina a Requerida a sua Resposta, suscitando a questão da incompetência do CAAD para decidir do pedido formulado pela Requerente na al. c) do seu Requerimento Inicial, no sentido de ser a Requerida condenada à restituição do montante de IVA de € 2.651.33530 correctamente inscrito na Declaração Periódica do IVA referente ao período de Janeiro de 2014.

            Quanto a esta matéria, considera-se assistir razão à AT, na medida em que, conforme dispõe o artigo 2.º/1/a) do RJAT, para o que ao caso interessa, o CAAD apenas é competente para a “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”.

            Por outro lado, o pedido em questão, não se trata de um pedido principal, mas meramente acessório (configurado como decorrente da procedência do pedido principal de anulação do acto de liquidação, objecto da presente acção arbitral, e cuja competência para apreciação por este Tribunal não é contestada), a apreciar em sede de eventual execução de julgado anulatório que venha a ser proferido.

            Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 28-04-2016, proferido no processo 09286/16:

“Na falta de disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não competindo aos tribunais arbitrais definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que sejam proferidos.”.

            Deste modo, deve o Tribunal arbitral conter a sua decisão nos limites da anulação ou não do acto objecto do processo, competindo, subsequentemente, em primeira linha, à Requerida determinar os termos de execução da mesma, de acordo com o disposto no artigo 24.º do RJAT, e podendo a Requerente, na medida em que considerar que os actos praticados pela AT não dão devida execução ao julgado anulatório, socorrer-se do processo de execução de julgados, nos termos legalmente consagrados.

            Assim, e face ao exposto, considera-se ser de proceder a suscitada excepção de incompetência material deste Tribunal arbitral para apreciação da al. c) do petitório formulado no Requerimento inicial.

 

*

ii. Do fundo da causa

 

            No que diz respeito ao fundo da causa, está em causa averiguar se, in casu, estão demonstrados, ou não, os pressupostos do regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, estatuído pelo Decreto-Lei 21/2007 de 29-01, estando concretamente em causa a renúncia à isenção consagrada no n.º 30.º do artigo 9.º do CIVA aplicável, que isenta “As operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”.

A propósito desta isenção, dispõe o artigo 12.º/5 do referido Código que:

“5 - Os sujeitos passivos que efetuem a transmissão do direito de propriedade de prédios urbanos, frações autónomas destes ou terrenos para construção a favor de outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em atividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 30) do artigo 9.º”.

            O n.º 6 do mesmo artigo dispõe, ainda, que “Os termos e as condições para a renúncia à isenção prevista nos n.ºs 4 e 5 são estabelecidos em legislação especial.”, legislação especial essa que está condensada no referido Decreto-Lei 21/2007 de 29-01.

            De entre os requisitos legalmente consagrados, como refere a Requerida na sua Resposta, “De acordo com o apurado no RIT, o Fundo A… e o Locatário, B…, reúnem as condições subjetivas legalmente estabelecidas para o exercício da renúncia à isenção do IVA respeitante à locação dos imóveis”.

Também se verifica, nos termos igualmente referidos pela Requerida, que “Os imóveis em causa (Lote 9 e 10) reúnem as condições previstas na alínea a), b), c) e e) do nº 1 e c) do nº 2 [do artigo 2.º] do Regime de Renúncia.”.

            Deste modo, e ainda acompanhando a Resposta da Requerida, em questão no presente processo arbitral está apurar se se verifica “a condição prevista na alínea d) do nº 1” do artigo 2.º do Regime de Renúncia, que dispõe que:

“A renúncia à isenção é admitida nas operações relativas a bens imóveis quando se mostrem satisfeitas as seguintes condições: (...)

d) O imóvel seja afecto a actividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições;”.

            No presente caso, a AT considerou que a locatária (B…) não utilizava o imóvel na realização de operações tributadas que conferissem direito à dedução, porquanto entendeu que a mesma realizava a prestação de dois serviços distintos, a cedência de espaço e o redébito de despesas por quantia igual à suportada e enquadramento igual ao suportado, sendo a primeira a prestação principal e a segunda a prestação acessória, ou seja, que a locatária utilizava o imóvel na realização de operações tributadas que confiram direito à dedução.

            Conforme consta do RIT, entendeu a AT, em suma, que, para efeitos da referida al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime de Renúncia do Decreto-Lei 21/2007 de 29-01, “é condição indispensável que a B… utilize o imóvel na realização de operações tributadas que conferem direito à dedução”, tendo concluído que “não se confirma que a B… (arrendatária) utilize esses imóveis na realização de operações tributadas (com direito à dedução)”.

 

*

            Refira-se, desde logo, que se julga não assistir razão à AT nas correcções que operou.

            Com efeito, e relativamente ao sobredito entendimento de que é condição indispensável para efeitos da referida al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime de Renúncia do Decreto-Lei 21/2007 de 29-01, que a locatária utilize o imóvel na realização de operações tributadas que conferem direito à dedução, nota-se desde logo que o mesmo não tem correspondência com o texto legal da norma em questão, que refere a necessidade de que “O imóvel seja afecto a actividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições”.

            Ora, a “afectação” é, naturalmente, de um ponto de vista semântico e, também, jurídico, um conceito distinto de “utilização”. Com efeito, “afectar”, no contexto, significa “Destinar a uso ou propósito específicos[3], enquanto que “utilizar” significa “Empregar utilmente.[4], fazer uso.

            A diferença entre os dois conceitos, que não se podem ter por fungíveis, radica em que “afectar” tem subjacente um propósito, uma intenção de dar (ou de que seja dado) determinado uso, enquanto que “utilizar” pressupõe uma acção, o uso efectivo.

            Ora, como se viu, a AT fundou as correcções que operou não na óptica da afectação do imóvel, mas na óptica do uso efectivo que, na sua perspetiva, não se constatou.

            Por outro lado, o artigo 5.º do Regime de Renúncia do Decreto-Lei 21/2007 de 29-01, relativamente ao “          Momento em que se efectiva a renúncia à isenção”, prescreve que:

“1- A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.

2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via electrónica, esse facto à administração tributária.

3 - O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.”

            A norma referida, confirma, com clareza, que a afectação relevante é a decorrente do contrato (não fraudulento ou abusivo), no caso de locação, já que é com a outorga de tal contrato que a renúncia à isenção se consuma (opera), conforme o n.º 1.

            Daí que o n.º 2 da norma referida, apenas imponha ao sujeito passivo a obrigação de comunicar que deixaram de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato, e já não posteriormente, por, justamente, as condições de renúncia à isenção serem relevantes, na perspectiva do regime em causa, e no que diz respeito ao transmitente ou locador, no momento da outorga do contrato de transmissão ou locação.

            Também o n.º 3 da mesma norma, em coerência, limita a não produção de efeitos da renúncia à isenção, às situações em que não “estejam reunidas as condições referidas no n.º 1”, ou seja, quando “no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel”:

  1. o sujeito passivo não “esteja na posse de um certificado de renúncia válido”; e/ou
  2. não “se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no (...) regime”.

            Apenas estes – que no caso não se verificam – e não outros, designadamente a subsequente utilização concreta que se venha a verificar, constituem factos impeditivos dos direitos decorrentes da renúncia à isenção.

Fica deste modo claro, julga-se, que a situação jurídica de renúncia à isenção em questão, consuma-se no momento em que foi celebrado o contrato de locação do imóvel, formando-se, na esfera jurídico-tributária da Requerente os direitos (e deveres) daí decorrentes, designadamente o direito à dedução, nos termos do artigo 8.º do referido Regime, podendo (no caso) a locadora “deduzir o IVA relativo ao bem imóvel na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção, tendo em conta o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA” (artigo 8.º/2 do Regime de Renúncia), de onde decorre, sem margem para dúvidas, que a utilização concreta e efectiva que venha a ser dada ao imóvel (circunstância onde a AT fundou directamente as correcções operadas) não interfere com a constituição da situação de renúncia à isenção, sendo tal circunstância um facto superveniente a tal constituição, que pode relevar do ponto de vista do locatário (que não poderá deduzir o IVA facturado pelo locador, se o imóvel, em cada período de tributação não estiver efectivamente afecto a operações tributadas em IVA[5]), bem como do ponto de vista do apuramento de situações de fraude ou abuso, mas que, à míngua de norma que o legitime, não pode servir como facto impeditivo, modificativo ou extintivo de uma situação jurídica que se constituiu com a celebração do contrato, e se consumou com o exercício do direito à dedução nos termos legais.

            De resto, bem se compreenderá que a utilização efectiva que venha a ser dada ao imóvel que haja sido afectado a operações tributadas em IVA, não contenda com renúncia à isenção do transmitente ou locador, sob pena de a tornar eventual ou precária, ou seja, sob condição, sem que nada na lei sugira que seja essa a intenção legislativa.

            Acresce que, tal condicionamento da renúncia à isenção do transmitente ou locador à utilização concreta do imóvel que se viesse a verificar a posteriori, sempre esbarraria em obstáculos consideráveis de ordem prática, podendo questionar-se, por exemplo, qual o prazo que o transmissário ou locatário disporia para iniciar a actividade correspondente às operações tributadas em IVA, ou o que aconteceria à isenção do transmitente ou locador, se o transmissário ou locatário a dada altura, suspendesse ou cessasse a actividade, não existindo, no quadro legislativo aplicável, qualquer norma susceptível de dar resposta a tais questões.

            Note-se, aliás, a este propósito, que o Regime de Renúncia, equipara, no que para o caso releva, o transmitente da propriedade ao locador, não os distinguindo, quer nos pressupostos, quer nos procedimentos, quer nos efeitos da renúncia à isenção.

            Assim, tal como no caso de um sujeito passivo que transmita a propriedade de um imóvel, contratualmente destinado ao exercício de operações tributadas em IVA, aquele não deverá ver a sua renúncia à isenção, legalmente constituída e exercida, afectada pelo não início, suspensão, ou cessação daquele exercício pelo transmitente, a que seja alheio (sendo que, se não o for, se estará, pelo menos indiciariamente, perante situações de fraude ou abuso), também o mesmo se deverá passar com o locatário.

            Estar-se-á aqui, de resto, perante uma situação análoga, por exemplo, à que se passa em sede de IMT, no que diz respeito à isenção nas aquisições destinadas a habitação própria permanente, sendo que, aí, o legislador entendeu prever a situação de a afectação dada contratualmente ser alterada ou não se efectivar em determinado prazo[6], sob pena de caducidade[7], situação que no caso da renúncia à isenção de IVA não se verifica.

            Face aos elementos disponíveis e aos factos dados como provados, não se têm por fundadas quaisquer dúvidas, quanto à circunstância de o imóvel ter sido afectado, como pressupõe a al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime de Renúncia do Decreto-Lei 21/2007 de 29-01, a actividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições.

            Com efeito, no caso verifica-se que:

  • Os imóveis em questão foram adquiridos com renúncia à isenção do IVA e a Requerente liquidou e pagou ao Estado o IVA respeitante à aquisição dos mesmos, no valor total de €1.446.700 (taxa de 23%);
  • A Requerente realizou, entre 2012 e 2014, diversas obras de conclusão dos dois armazéns localizados nos lotes acima descritos, que ascenderam ao valor total de € 5.836477,33, acrescido de IVA no valor de € 1.217.585,59, não tendo procedido então, à dedução do IVA incorrido na aquisição nem na subsequente construção;
  • Existia já, datado de 01-12-2011, um contrato-promessa entre a B… e o D…, a quem a Requerente adquiriu os imóveis, e cuja posição contratual naquele foi transmitida à Requerente, de teor idêntico ao que veio a ser posteriormente celebrado entre a Requerente e a B…;
  • Em 26-12-2012 a Requerente celebrou novo contrato com a B… no qual são re-expostas as cláusulas contratuais e mencionado o estado das obras em curso nos lotes em causa, tendo sido consignado no contrato celebrado, que os imóveis em questão, objecto de arrendamento, seriam afectos pela arrendatária a operações tributadas em IVA;
  • A B… celebrou, enquanto arrendatária dos referidos imóveis, um contrato denominado de cedência de espaço com outras sociedades do grupo empresarial em que se insere, as empresas F…, S.A. ("F…") e a G…, Lda, ("G…").
  • Nos termos definidos no referido contrato, o espaço cedido às cessionárias destinou-se ao desempenho do seu objecto social, de acordo com as suas necessidades e disponibilidade do cedente, sendo que espaços encontravam-se devidamente preparados para o desenvolvimento da actividade de armazenagem e de logística, compreendendo espaços amplos e munidos de serviços de vigilância e limpeza.
  • As referidas entidades cessionárias podiam, nos termos contratuais, optar por alterar a área cedida, ou seja, os contratos de cedência de espaço permitiam o ajuste de áreas em função das necessidades das respectivas cessionárias, as quais, face ao tipo de actividade em causa, podiam variar;
  • A Requerente optou por exercer, em Janeiro de 2014, o direito à renúncia à isenção do IVA, na locação dos referidos Lotes 9 e 10, foram emitidos os Certificados de Renúncia à Isenção do IVA na Locação de Bem Imóvel datados de 21-01-2014 para ambos os imóveis, tendo a Requerente exercido o referido direito na declaração periódica de Janeiro de 2014;
  • A B… iniciou o arrendamento com liquidação de IVA nas rendas às entidades locatárias (F…, SA, NIPC… e G…, Lda., NIPC…).

Neste contexto, sendo o contrato celebrado entre a Requerente e a B… claro, ao impor a esta que os imóveis em questão, objecto de arrendamento, seriam afectos pela arrendatária a operações tributadas em IVA, e não se verificando, face à factualidade apurada que não fosse esse o propósito real das partes (ou qualquer indício de fraude ou abuso), pelo contrário, já que tudo indicia que, efectivamente as partes pretendiam que a arrendatária utilizasse os arrendados em operações tributadas em IVA, haverá que concluir que, no momento da celebração do contrato de arrendamento, os imóveis foram afectos a actividades que conferiam direito à dedução do IVA suportado nas aquisições.

            Coisa distinta será a circunstância de a locatária ter eventualmente dado ao imóvel locado uma utilização distinta daquela que, contratualmente, lhe foi conferida e autorizada.

            Esta utilização, a verificar-se, será ilegítima – porque proscrita contratualmente – e, ressalvadas, obviamente, situações de fraude ou abuso, que não estão, in casu, invocadas, alheia à Requerente, que afectou, juridicamente, o imóvel a operações tributadas em IVA.

Não obstante, não cumpre aqui apurar se foi dada, ou não, pela locatária uma utilização distinta daquela que, contratualmente, foi conferida e autorizada ao imóvel locado, não relevando aqui, por tudo quanto se viu, as vicissitudes posteriores à outorga do contrato, vicissitudes essas que, na realidade, se reconduzem essencialmente a uma discordância entre a AT e os contribuintes quanto à qualificação e enquadramento jurídico do relacionamento da arrendatária com os seus clientes.

            Face ao exposto, considerando-se que o que releva para efeitos da al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime de Renúncia do Decreto-Lei 21/2007 de 29-01, é a afectação do imóvel, aquando da transmissão ou locação, a actividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições, afectação essa que no caso se verificou, e não a utilização posterior que se venha a verificar, conforme se entendeu nos actos tributários objecto da presente acção arbitral, enfermarão aqueles de erro de direito, por errada interpretação do referido normativo, devendo, como tal, ser anulados.

 

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iii. Dos juros indemnizatórios

 

A Requerente pede ainda que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até o termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

Já o n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que refere que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, tendo sido declarada a ilegalidade do acto de liquidação, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que o Requerente pagou indevidamente.

Tais juros serão de considerar devidos desde a data do pagamento indevido até ao momento do respectivo reembolso.

 

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iv. Do valor da causa

            Contesta a Requerida o valor da causa, atribuído pela Requerente, na medida em que “o objecto imediato da presente contenda, o acto que é frontalmente impugnado, é a liquidação de IVA n.º 2014…, no valor de € 9.942,60”.

            Ressalvado o respeito devido, considera-se que a leitura linear proposta pela Requerida carece de qualquer fundamento substancial.

            Com efeito, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 13-03-2014, proferido no processo 07125/13:

“No que respeita à determinação da utilidade económica do pedido, «[h]á que ter em conta [que este] se funda sempre na causa de pedir que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstractamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa»(1). A causa de pedir consiste no facto constitutivo da situação jurídica que o autor quer fazer valer ou negar, cabendo-lhe a função de individualização e de delimitação do pedido.

No caso em exame, está em causa impugnação judicial intentada contra o silêncio negativo incidente sobre o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC de 2008, tendo em vista a anulação da referida liquidação. A intenção impugnatória em liça centra-se no alegado carácter erróneo do acto de fixação da matéria colectável, apontando-lhe a impugnante os vícios que acima se discriminam. Assim sendo, a causa de pedir da intenção impugnatória dos autos centra-se na alegada errónea fixação da matéria colectável, por métodos indirectos.

O que a impugnante questiona é a fixação da matéria colectável por métodos indirectos e a consequente desconsideração do princípio declarativo, ou seja, o que se pretende com a presente impugnação é a repristinação da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do acto de fixação da matéria colectável por métodos indirectos crismado ilegal. A fixação da matéria colectável por parte da AF, nos termos do artigo 92.º/6, da LGT, cifrou-se em €0,00 (n.º 3º do probatório), sendo que a matéria colectável pela qual a impugnante pugna corresponde à que foi por si declarada, ou seja a correspondente a prejuízos fiscais de €304.301,31 (n.ºs 1 e 7 do probatório). Donde decorre que este último quantitativo corresponde ao benefício económico a obter com a procedência da presente acção, pelo que o pedido se centra na anulação parcial da liquidação impugnada na parte em que desconsiderou os prejuízos fiscais declarados de €304.301,31, sendo este o valor da acção, nos termos do artigo 97.º-A/1/a), do CPPT.”.

            Ou seja, o como se refere no aresto referido, o critério fixado no artigo 97.º-A/1/a), do CPPT não se desprende do quantitativo correspondente ao benefício económico a obter com a procedência da acção, sendo, de resto, tal evidenciado pela própria redacção da norma em causa, quando refere a “importância cuja anulação se pretende”.

            Ora, na presente acção arbitral, como no aresto citado, a Requerente questiona a “desconsideração do princípio declarativo”, e o que pretende é a repristinação da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do acto de liquidação crismado ilegal, em conformidade com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que impõe à AT o dever de “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

            No caso, a repristinação da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do acto de liquidação crismado ilegal, reconduzir-se-á, face à ausência de qualquer acto autónomo e expresso que a tenha total ou parcialmente revogado, à emergência na ordem jurídica da autoliquidação de IVA efectuada pela Requerente, na sua declaração relativa ao período 201401, na qual liquidou como total do imposto a favor do sujeito passivo o valor de €2.664.285,58, e como total do imposto a favor do Estado o valor de € 13.050,28, daí resultando um saldo a favor daquele no valor de € 2.651.235,30 (cfr. ponto 23 dos factos provados), sendo portanto aquele, à luz dos critérios expostos, o valor a considerar para efeitos de fixação do valor da acção.

           

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de liquidação de IVA n.º 2014…, relativo o período de 201401, bem como a decisão da reclamação graciosa n.º …2014… e do recurso hierárquico n.º …2015…, que tiveram aquele como objecto;
  2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos acima fixados;
  3. Não conhecer da al. c) do pedido formulado no Requerimento Inicial;
  4. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 2.651.235,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 34.272,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 29 de Janeiro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 



[1] Versão diigital para efeitos de notificação. O original em papel ficará depositado no CAAD.

[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[3] Cfr. dicionário Priberam, em https://www.priberam.pt

[4] Idem.

[5] Note-se, que em tal situação, visto que o locador liquida e paga IVA na aquisição do imóvel, e liquida e cobra IVA nas rendas que debita à locatária, se esta, violando as suas obrigações decorrentes do contrato de locação e das normas que regulam o direito à dedução, não exerce uma actividade que confira tal direito, prejuízo algum decorre para a AT, já que será a locatária que fica onerada com o imposto que não pode deduzir, que suportará o prejuízo da sua própria actuação.

[6] Note-se que esta previsão apenas foi introduzida pela Lei n.º55-A/2010, de 31 de Dezembro. Até aí, se a aquisição do imóvel fosse destinada à habitação própria permanente, mas, não sendo dado destino diferente, tal afectação não se chegasse a concretizar, a isenção do imposto não caducaria.

[7] Note-se, também, que, em coerência, a caducidade é um facto extintivo, e não impeditivo, do direito, o que é conforme à natureza superveniente do facto que a determina, em relação à constituição daquele.