Decisão Arbitral
Os árbitros Dr.ª Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. Nunes Barata e Dr. Fernando Araújo (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – Relatório
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A contribuinte Sociedade “A…, S.A. – Sucursal em Portugal”, com o NIPC … (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 9 de Abril de 2017, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").
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A Requerente vem impugnar o despacho de 20.12.2016, da Unidade de Grandes Contribuintes (AT), que indeferiu a Reclamação Graciosa oportunamente apresentada contra 488 autoliquidações de Imposto Único de Circulação (doravante, “IUC”), referentes aos anos de 2011 a 2015, no montante de €65.733,74, pedindo a declaração de ilegalidade do Despacho de Indeferimento expresso e dos actos de liquidação objeto de reclamação. Pede a restituição da totalidade do IUC pago e juros indemnizatórios. Arrola duas testemunhas.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26 de Abril de 2017.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 9 de Junho de 2017.
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A fundamentar o pedido a Requerente sustenta, entre o mais, que:
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A interpretação do art. 3º do CIUC, na redacção aplicável aos anos de 2013 e 2014 (não a redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 41/2016, de 1 de Agosto que, entrando em vigor em 2 de Agosto de 2016, é inaplicável retroactivamente), segundo a qual são sujeitos passivos de imposto os proprietários e os equiparados a proprietários, entre eles os adquirentes com reserva de propriedade, deve integrar-se numa interpretação mais ampla da “ratio legis”, mormente aquela que é plasmada no “principio da equivalência”, consagrado no art. 1º do CIUC, concluindo que, não obstante se preveja a incidência subjectiva sobre meros possuidores em nome dos quais os veículos se encontrem registados, o objectivo principal é o de incidir sobre os proprietários que efectivamente utilizam os veículos na circulação automóvel, aí provocando um impacto ambiental que a tributação visaria “internalizar”, de acordo com o princípio “poluidor-pagador”.
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A aceitar-se esta “ratio legis”, o IUC incidiria sobre os proprietários que, circulando efectivamente no tráfego viário, nele causassem impactos negativos para os quais o imposto serviria de contrapartida; não sobre aqueles que, tendo sido titulares temporários e intervindo nessa qualidade no registo dos veículos, no entanto não lhes tinham dado a utilização típica da “circulação poluidora”.
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Ou seja, o IUC, como imposto de circulação, pressuporia a utilização dos veículos no tráfego e o “custo ambiental e viário” provocado por tal utilização; seria assim um tipo peculiar de imposto, uma “contribuição por maior despesa” (vide contribuições especiais no art. 4º, 3 da LGT), assente no princípio “da equivalência” ou “do benefício”, discriminando em função do potencial de dano viário e ambiental de que é capaz cada tipo de veículo (arts. 1º e 7º do CIUC).
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Nem a Requerente, nem sequer os concessionários a quem ela vende os veículos, seriam assim os sujeitos típicos de um imposto de circulação, porque não são eles quem promove concretamente essa circulação e provoca os efeitos cuja “equivalência” determina a tributação em IUC.
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Assim, a Requerente seria sujeito passivo de ISV, mas não de IUC; a sua sujeição a ISV resultaria directamente dos arts. 3º e 5º do CISV, mas ISV e IUC são impostos distintos, com diferentes regras de incidência.
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Acresce que as facturas de venda aos concessionários atestam que no momento da matrícula dos veículos estes já não eram propriedade da Requerente, mas eram propriedade dos concessionários, que são quem vende os veículos aos utilizadores finais, àqueles que circulam e poluem no tráfego viário.
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Mais ainda, tratando-se de veículos novos, eles são adquiridos como “novos” pelo utente final precisamente porque, antes dessa aquisição, não houve ainda uma circulação efectiva – e sendo assim, não há nenhuma “equivalência” que possa justificar a imposição de um tributo que incide sobre a circulação e os seus efeitos viários e ambientais.
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Não obstante se estabelecer nos arts. 3º, 1 e 2, e 6º, 1 do CIUC, que o proprietário que é sujeito passivo de imposto é aquele em nome do qual o veículo está registado ou matriculado, a Requerente aponta para o facto de o IUC ser liquidado, no ano da matrícula, nos 30 dias subsequentes ao termo do prazo exigido para o registo (art. 17º CIUC), e que esse registo deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar da atribuição da matrícula (nos termos do art. 42º, 1 e 2 do Regulamento do Registo de Automóveis, aprovado pelo Dec.-Lei nº 55/75, de 12 de Fevereiro).
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Ora os veículos já não eram propriedade da Requerente à data das respectivas matrículas, e, portanto, não o eram também, volvidos aqueles dois prazos, no momento da liquidação do IUC – como resulta das facturas que comprovam a venda desses veículos aos concessionários, e em relação às quais se presume a veracidade, nos termos do art. 75º, 1 da LGT, constituindo uma factualidade impeditiva do direito de tributar.
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Pelo contrário, e contra a presunção da legalidade dos actos da AT, a Requerente invoca o art. 100º do CPPT, nos termos do qual as dúvidas sobre a existência e quantificação do acto tributário são resolvidas a favor do contribuinte, conduzindo à anulação do acto impugnado.
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Logo, conclui a Requerente, se alguma indicação que decorra do registo ou da matrícula faz presumir a propriedade dos veículos para efeito de incidência do imposto, essa presunção é ilidível com a comprovação de que o registo não corresponde já à propriedade efectiva, seja porque a compra e venda, sendo meramente consensual, já operou a sua eficácia real, seja porque o registo tem mero valor declarativo, como resulta dos arts. 1º e 29º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (alterado pela Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), com remissão para o art. 7º do Código do Registo Predial.
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A Requerente cita abundante jurisprudência, inclusivamente jurisprudência arbitral, em apoio do entendimento de que a referida presunção é ilidível – correspondendo ao princípio geral estabelecido no art. 73º da LGT.
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Sublinha ainda que, como se reconhece nas propostas que conduziram ao CIUC, a tributação deve incidir sobre a efectiva propriedade do veículo, não podendo ficar refém de atrasos que podem ocorrer na regularização dos registos de aquisição e transmissão de veículos, até por desleixos de quem, a jusante, tem o dever de promover a alteração de registos, criando desfasamentos entre a situação averbada (do “proprietário registado”) e a situação real (do “proprietário utilizador”) – uma razão mais para que se possa contrariar a presunção criada pelo registo.
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Mais ainda, acrescenta a Requerente que, não apenas as vendas aos concessionários são oficiosamente conhecidas das AT, como o são as vendas dos concessionários aos clientes finais, tanto que o rendimento gerado foi tributado em sede de IRC – não se compreendendo que o mesmo suporte documental sirva para fundamentar a tributação em IRC mas não a tributação em IUC.
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Alega por isso a Requerente que, com esse desinteresse na procura da verdade material, a AT violou o princípio do inquisitório, nos termos do art. 58º da LGT.
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A Requerente contesta a posição da AT, de que a Reclamação Graciosa seria extemporânea nalguns casos, por ter sido ultrapassado o prazo de 2 anos previsto no art. 131º do CPPT para as reclamações contra autoliquidações de imposto.
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E acrescenta que, mesmo que a extemporaneidade fosse real, o facto de as autoliquidações padecerem de erro imputável à AT imporia a esta o dever jurídico de convolação da Reclamação Graciosa em Pedido de Revisão Oficiosa, nos termos dos arts. 48º, 1, 52º e 98º, 4 do CPPT, art. 97º, 3 da LGT, art. 19º, 3 do Dec.-Lei nº 135/99, de 22 de Abril, e art. 108º, 2 do CPA.
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A Requerente invoca ainda o seu direito a juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 43º e 100º da LGT, por ter pago as autoliquidações impugnadas e por ter havido, no seu entender, erro de facto e de direito da AT.
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A AT apresentou a sua Resposta, em 12 de Setembro de 2017, juntamente com o Processo Administrativo.
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A Requerida defendeu-se por excepção, invocando a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
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A Requerida começa por alegar a intempestividade da Reclamação Graciosa relativamente a 113 liquidações, por estar ultrapassado o prazo de 120 dias (art. 102º, 1 do CPPT, ex vi art. 70º, 1 do CPPT) à data da apresentação da referida Reclamação Graciosa, sustentando que a Requerente não pode fundamentar a tempestividade do recurso ao Tribunal Arbitral com base numa Reclamação Graciosa extemporânea.
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No entendimento da Requerida, a extemporaneidade resulta do facto de estarmos diante de uma liquidação a cargo da AT, não obstante a referência do art. 16º do CIUC a “autoliquidação” – o que vedaria o recurso ao procedimento previsto no art. 131º do CPPT, determinando, no seu entender, a sujeição ao prazo para apresentação da Reclamação Graciosa de 120 dias, nos termos dos arts. 68º, 70º e 102º do CPPT.
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Tratando-se de liquidações referentes ao período temporal de 2011 a 2015, quando a Reclamação Graciosa foi apresentada, em 22 de Julho de 2016, esse prazo já se encontrava esgotado relativamente a algumas dessas liquidações.
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Assim sendo, sustenta a Requerida que quanto a essas liquidações a impugnação teria que ser apresentada 90 dias após a data do termo do prazo do pagamento voluntário de IUC, nos termos conjugados do art. 10º, 1 do RJAT e 102º, 1 e 2 do CPPT.
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Prazo esgotado já a 9 de Abril de 2017, data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, gerando a excepção peremptória da extemporaneidade e a consequente absolvição do pedido, nos termos do art. 576.º do CPC aplicável ex vi art. 29º do RJAT.
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Na defesa por impugnação, a Requerida começa por contestar o entendimento veiculado pela Requerente, segundo o qual não só esta não seria responsável pelo pagamento pelo IUC por não ser sujeito passivo de imposto, como ainda constituiria violação do art. 3º, 1 do CIUC a sujeição ao imposto atendendo somente ao pedido de registo inicial e ao pedido de matrícula efectuados pela Requerente, por nada existir ali senão uma presunção ilidível.
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A Requerida lembra que, no âmbito do art. 17.º do CIUC, é emitida uma Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) para introdução no consumo e liquidação de imposto sobre veículos que não possuam matrícula nacional, sendo essa emissão da DAV o facto gerador do imposto sobre veículos, nos termos do art. 5.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV).
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Por outro lado, a matrícula é requerida pela entidade que proceder à introdução do veículo no consumo (art. 117º, 4 do Código da Estrada), sendo o registo inicial de propriedade baseado no requerimento e na prova das obrigações fiscais relativas ao veículo (art. 24º, 1 do Regulamento de Registo de Automóveis [RRA, aprovado pelo Dec.-Lei nº 55/75, de 12 de Fevereiro]).
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Tudo conjugado com os arts. 3º, 1, 6º e 17º, 1 do CIUC, resulta que a obrigação de imposto nasce da matrícula ou registo em território nacional do veículo, incidindo subjectivamente o imposto sobre o proprietário, que é a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado, e tendo o imposto que ser liquidado, no ano do registo ou matrícula, nos 30 dias posteriores ao termo do prazo exigido para o registo.
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Assim, sustenta a Requerida, o primeiro registo de cada veículo é concretizado em nome da entidade importadora, como o é a Requerente, sendo esta entidade importadora que figura como proprietária do veículo – decorrendo daí que é ela o sujeito passivo de imposto, nos termos do art. 24º do RRA e dos arts. 3º e 6º do CIUC.
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Ao contrário da tese defendida pela Requerente, a Requerida insiste que o art. 3º, 1 do CIUC não estabelece uma presunção, apenas identifica quem são os sujeitos passivos do IUC, estabelecendo sobre quem ele incide subjectivamente – o que faz expressa e intencionalmente dentro da sua liberdade de conformação legislativa (como tem que acontecer em consagração à autonomia dos conceitos próprios do Direito Fiscal, e para se evitar interpretações contra legem que fizessem vacilar a unidade e a segurança do sistema jurídico-fiscal).
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Para além da ausência de presunção (preferindo a ideia de que se formou na lei uma “ficção jurídica”), a Requerida refere ainda o art. 6º, 1 do CIUC, que aponta para a matrícula ou registo do veículo como prova da propriedade, e lembra que os registos e certificados que acompanham o veículo contêm todos os elementos necessários à identificação do sujeito passivo, sem necessidade de referência ou acesso aos contratos que conferem ou transmitem direitos sobre o veículo.
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A Requerida observa que, a não suceder assim, se instalaria na liquidação do imposto uma inadmissível complexidade burocrática, atentatória da segurança e certeza jurídicas, e associada à necessidade de identificação, através das relações contratuais subjacentes, de eventuais dissonâncias em relação à situação descrita nos registos – mesmo quando essas dissonâncias resultarem de negligência dos particulares na actualização, que lhes cabe, dos registos.
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Criar-se-ia uma situação que, em suma, tornaria inútil o próprio registo.
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A Requerida chama a atenção, ainda, para o elemento teleológico do quadro normativo, nomeadamente para a intenção do novo regime consagrado no CIUC de tributar os proprietários de veículos constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação efectiva desses veículos na via pública – transformando efectivamente uma tributação sobre a circulação numa tributação sobre a mera propriedade dos veículos.
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Para a hipótese de se considerar que se trata apenas, com a remissão para os registos, de uma presunção ilidível, a Requerente questiona de seguida em que termos se aceitará prova susceptível de gerar uma tal ilisão, sustentando que os documentos juntos pela Requerente não comprovam uma compra e venda aos concessionários, pois são meras facturas, documentos unilaterais e omissos quanto às matrículas dos veículos, além de que contêm uma cláusula de reserva de propriedade que deixa por comprovar se a transferência de propriedade acabou, ou não, por ocorrer.
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Mais ainda, essas facturas nem sequer seriam idóneas para a alteração do registo de propriedade dos veículos, não sendo sequer admitidas para efeito desse registo; pelo que, por maioria de razão, não servem para ilidir a presunção gerada pelo registo – se é de presunção que se trata. Pode até ser, concede a Requerida, que as facturas comprovem a repercussão do imposto aos concessionários; mas essa repercussão nada tem a ver com a transmissão da propriedade dos veículos, podendo ocorrer independentemente dela.
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Assim, argumenta a Requerida, a subsistir o entendimento perfilhado pela Requerente, até as presunções que ela admite existirem seriam inúteis, visto que não dispensariam a AT de fazer a prova especificada, caso a caso, quanto à efectiva titularidade e utilização dos veículos.
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Relativamente aos juros indemnizatórios pretendidos pela Requerente, a Requerida começa por lembrar que não lhe cabe a ela gerir o registo automóvel, nem exerce qualquer controle (por inexistência de obrigação declarativa) quanto à transmissão da propriedade dos veículos. Assim sendo, a liquidação de IUC baseia-se em informação que não é gerada pela própria Requerida.
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Portanto, a haver dissonâncias em relação à situação descrita nos registos, essas dissonâncias têm que atribuir-se à negligência dos particulares na actualização, que lhes cabe, dos registos (art. 5º, 1, a) do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, e art. 118º, 4 do Código da Estrada).
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A ser assim, conclui a Requerida, não há lugar a juros indemnizatórios, e as próprias custas devem ser pagas pela Requerente (nos termos do art. 527º, 1 do CPC ex vi do art. 29º, 1, e) do RJAT), já que é do incumprimento tempestivo de normas de registo que resultou a situação que dá origem ao presente processo arbitral.
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Especificamente quanto à prova testemunhal produzida nos Processos n.os 206/2017-T e 209/2017-T, a Requerida acrescenta que, no seu entender, ela atesta que a Requerente era, nas datas relevantes, a proprietária das viaturas, e por isso a responsável pelo pagamento do IUC.
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De seguida, mantém que a Requerente é quem pede o registo e a matrícula das viaturas, figurando como proprietária para todos os efeitos de incidência subjectiva do IUC – uma incidência que, no seu entender, não assenta numa presunção, como resulta da leitura dos arts. 3º, 1 e 6º, 1 do CIUC.
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No seu Requerimento de 26 de Setembro de 2017, a Requerente contesta a matéria de excepção suscitada pela Requerida, insistindo que a Reclamação Graciosa foi apresentada contra autoliquidações de IUC dentro do prazo de dois anos consignado no art. 131º, 1 do CPPT – defendendo que é de verdadeiras autoliquidações que se trata, nos termos dos arts. 16º a 18º do CIUC.
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O Despacho Arbitral de 2 de Outubro de 2017 (complementado pelo Despacho Arbitral de 3 de Outubro de 2017) dispensou a reunião prevista no art. 18º do RJAT e marcou uma data para a audiência de julgamento.
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A Requerente apresentou em 9 de Outubro de 2017 um Requerimento em que solicita a remarcação da data da audiência de julgamento, tendo a Requerida apresentado, em 10 de Outubro de 2017, requerimento no mesmo sentido.
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O Despacho Arbitral, de 12 de Outubro de 2017, em resposta a esses dois Requerimentos, fixou nova data para a audiência de julgamento.
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A Requerida apresentou, em 17 de Outubro de 2017, requerimento em que solicita o aproveitamento, nos presentes autos, da prova produzida no Proc. nº 209/2017-T, por ser a mesma a matéria e serem as mesmas as testemunhas.
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O Despacho Arbitral, de 17 de Outubro de 2017, solicitou à Requerida a comprovação da identidade de partes, factos e testemunhas entre os presentes autos e o Proc. nº 209/2017-T, notificando a Requerente para se pronunciar.
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A Requerida apresentou, em 20 de Outubro de 2017, requerimento solicitando a junção aos autos de documentação referente ao Proc. nº 209/2017-T, que no seu entender comprovam as identidades entre os dois processos e, em 25 de Outubro de 2017, requerimento solicitando a junção aos autos de documentação em suporte informático relativa à inquirição de testemunhas no Proc. nº 209/2017-T.
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O Despacho Arbitral, de 25 de Outubro de 2017, deferiu esse Requerimento, após o que foi remetida às Partes, e ao Tribunal, cópia em suporte informático da gravação da inquirição de testemunhas que teve lugar no Proc. nº 209/2017-T.
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A Requerente apresentou, em 30 de Outubro de 2017, requerimento no qual, não apenas não se opõe à junção aos autos da prova produzida no Proc. nº 209/2017-T, como ainda solicita que o mesmo suceda, pelas mesmas razões, com a prova produzida no Proc. nº 206/2017-T – ao mesmo tempo que prescinde da audição de uma das testemunhas por si arroladas.
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A Requerida apresentou, em 3 de Novembro de 2017, requerimento no qual manifesta a sua não-oposição à junção aos autos da documentação relativa ao Proc. nº 206/2017-T, na condição de que ela seja aproveitada cumulativamente com a documentação relativa ao Proc. nº 209/2017-T.
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O Despacho Arbitral, de 5 de Novembro de 2017, admitiu a junção aos autos da documentação pretendida, relativa tanto ao Proc. nº 209/2017-T como ao Proc. nº 206/2017-T, após o que foi remetida às Partes e ao Tribunal a documentação relativa ao Proc. nº 206/2017-T, nomeadamente a acta e a cópia em suporte informático da gravação correspondentes à inquirição de testemunhas que teve lugar nesse Processo.
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No mesmo Despacho Arbitral deu-se sem efeito a audiência de julgamento anteriormente agendada, notificou-se as Partes para alegações e fixou-se o dia 27 de Dezembro de 2017 como prazo limite para a prolação e notificação da decisão arbitral. Prazo este prorrogado, para o dia 27 de Fevereiro de 2018, por despacho de 22 de Dezembro de 2017.
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As partes apresentaram alegações escritas, retomando, no essencial, os argumentos já aduzidos nas anteriores peças processuais.
II. Saneamento
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O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 27 de Junho de 2017; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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Foi suscitada a excepção relativa à intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, que será apreciada depois de fixada a factualidade dada como provada.
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O processo não enferma de quaisquer nulidades que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III. Do Mérito
III. 1. Da matéria de Facto
§1. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão
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A Requerente é a sociedade importadora, em exclusivo, de todos os veículos automóveis da marca B… para o mercado português;
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As necessidades de importação das viaturas resultam de encomendas efectuadas directamente pelos concessionários à Requerente que, por sua vez, efectua a encomenda à C…– sendo esta que, por sua vez, coloca a ordem de produção na fábrica, não importando a Requerente senão viaturas novas;
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Chegadas a Portugal, as viaturas são de imediato facturadas pela Requerente aos concessionários e imediatamente entregues nas instalações destes, excepto as viaturas com destino à Madeira e aos Açores que são depositadas no armazém de uma empresa de logística;
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Uma vez importados os veículos, o representante oficial associado solicita em nome da Requerente a atribuição das matrículas às viaturas;
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Quando as viaturas são enviadas dos concessionários para os clientes é efectuada a alteração do registo do proprietário para o nome do cliente final;
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Os veículos automóveis encontravam-se registados na Conservatória do Registo Automóvel em nome da Requerente (PA);
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Á data do pedido das matrículas as viaturas em causa já foram facturadas/vendidas pela Requerente aos concessionários;
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As facturas são omissas quanto à matrícula individual de cada veículo, visto que elas precedem o próprio pedido de matrícula, mas contêm dados identificativos de cada veículo (número de quadro, número de motor);
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A Requerente é sujeito passivo do Imposto Sobre Veículos (doravante “ISV”), como “operador registado” responsável pela introdução das viaturas no consumo, sendo em nome dela que são emitidas as Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) ou as Declarações Complementares de Veículo (DCV), que depois a Requerente debita aos concessionários;
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Em 22 de Fevereiro de 2015 foram enviadas à Requerente notificações para audição prévia, no âmbito de 488 liquidações oficiosas de IUC, incluindo juros compensatórios, relativas aos anos de 2011 a 2015, que identificavam os veículos sobre que incidiam as liquidações e que estavam registados na Conservatória do Registo Automóvel em nome da Requerente (cfr. doc 4 junto pela Requerente);
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Dessas notificações consta, em relação a cada veículo, entre ao mais, a data limite dentro da qual o respectivo imposto não havia sido pago, indicando-se que, se a Requerente pretendesse regularizar a situação, procedendo à liquidação do imposto em falta, poderia fazê-lo através do portal das finanças;
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A Requerente retirou do portal das finanças os documentos de cobrança por via internet para pagamento do IUC tendo, em 16 de Fevereiro de 2015, pago o IUC liquidado, no valor total de €65.733,74, incluindo juros compensatórios (doc 3 junto pela Requerente);
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A Requerente apresentou, em 22 de Julho de 2016, Reclamação Graciosa (nº …2016…) contra autoliquidações de IUC de 2011, 2012, 2013, 2014, e 2015, dos veículos identificados pelo respectivo número de matrícula, no quadro resumo que anexou (PA);
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Nessa Reclamação alega a Requerente, entre o mais, que, tendo em vista a obtenção de declarações de inexistência de dívidas ao Estado e à Segurança Social, tem vindo a liquidar as dívidas que alegadamente possuía relativamente a IUC (ponto 4.º);
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A Reclamação foi objecto de análise, através da Informação n.º …APT/2016, a qual contém em anexo a lista dos veículos com IUC em falta, encontrando-se 113 liquidações referentes às viaturas assinaladas com asterisco, no campo “extemporâneas” (quadro a fls. 29 a 39 do PA), que se dá, para os devidos efeitos, como integralmente reproduzido;
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Em relação a estas 113 liquidações referentes a viaturas assinaladas com asterisco, além das razões de fundo, propõe-se, na referida informação, o indeferimento da reclamação por extemporaneidade, de acordo com o previsto no artigo 131.º do CPPT (doc 2 junto pela Requerente);
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Na sequência dessa Informação foi apresentado à Requerente, em 29 de Novembro de 2016, um projecto de decisão de indeferimento, para efeitos de eventual exercício do direito de audição;
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Decorrido o prazo para audição, foi produzida a Informação N.º …-APT/2016 onde se propõe a conversão em definitivo do projecto de decisão, vindo, nessa sequência, a Reclamação Graciosa a ser indeferida, na sua totalidade, por Despacho de 20 de Dezembro de 2016, da Unidade de Grandes Contribuintes – AT (doc 1 junto pela Requerente;
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A Requerente apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral em 9 de Abril de 2017.
§2. Factos que se consideram não provados
Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.
§3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Foi tida em consideração a posição assumida pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos. Foi igualmente tido em conta o aproveitamento da prova produzida em audiência, de 5 de Setembro de 2017, no processo n.º 209/2017-T, e no processo n.º 206/2017, em especial o depoimento da testemunha D…, que aparentou depor com isenção e com conhecimento dos factos sobre que se pronunciou.
III.2. Matéria de Direito
III.2.1. Questão prévia da extemporaneidade do pedido arbitral
Como ficou dito, na contestação, veio a Requerida alegar a intempestividade da Reclamação Graciosa relativamente a 113 liquidações, por estar ultrapassado o prazo de 120 dias à data da apresentação da referida Reclamação Graciosa, sustentando que a Requerente não pode fundamentar a tempestividade do recurso ao Tribunal Arbitral com base numa Reclamação Graciosa extemporânea.
No entendimento da Requerida, a extemporaneidade resulta do facto de estarmos diante de uma liquidação a cargo da AT, não obstante a referência do art. 16.º do CIUC a “autoliquidação” – o que vedaria o recurso ao procedimento previsto no art. 131.º do CPPT, determinando, no seu entender, a sujeição ao prazo para apresentação da Reclamação Graciosa de 120 dias, nos termos dos arts. 68.º, 70.º e 102.º do CPPT.
Prazo aquele que estaria esgotado já a 9 de Abril de 2017, data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, gerando a excepção peremptória da extemporaneidade e a consequente absolvição do pedido, nos termos do art. 576.º do CPC aplicável ex vi art. 29º do RJAT.
Opondo-se, a Requerente argumenta, entre o mais, que a reclamação graciosa foi apresentada contra as autoliquidações de IUC, dentro do prazo de dois anos, consignado no artigo 131.º do CPPT. Na óptica da Requerente, foi ela própria que liquidou e pagou o IUC, tratando-se, pois, de uma autoliquidação, como resulta dos arts. 16º a 18º do CIUC.
Vejamos.
Importa salientar que o regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º. Por isso, tem de se aferir da legalidade dos actos impugnados tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.
No caso em apreço, o objeto imediato do pedido arbitral é o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (e o objecto mediato são os actos de “autoliquidação”), sendo que para aferir da sua legalidade temos de nos ater aos fundamentos em que se baseou aquele despacho.
O referido despacho teve por base, em especial, a Informação N.º …-APT/2016, onde se pode ler, quanto ao objeto do pedido de reclamação que a “(…) Reclamante requer, na positiva, o reembolso das quantias entretanto pagas, consubstanciado nos documentos de cobrança identificados em anexo, bem como anulação das correspondentes liquidações de juros compensatórios, acrescido dos juros indemnizatórios”.
Quanto aos pressupostos processuais, pode ler-se, na referida informação, que “o procedimento gracioso é o meio próprio para reagir contra os actos tributários de “liquidação” em crise, nos termos do preceituado nos art.º 68.º e 131.º do CPPT, conjugado com o art. 16.º do CIUC”.
Mais adiante conclui-se que “o presente pedido gracioso, apresentado em 22 de Junho de 2016 é, com efeito, tempestivo, para algumas viaturas, e intempestivo para outras, conforme quadro anexo. Para aquelas viaturas em que o requerimento é tempestivo, o mesmo foi apresentado em prazo consentâneo com o estabelecido no art. 131.º do CPPT”.
Por conseguinte, embora a referida informação não tivesse assumido expressamente tratar-se de uma autoliquidação, referindo-se apenas a “actos tributários de “liquidação”, a verdade é que a referência expressa, e a aceitação do prazo estabelecido no artigo 131.º do CPPT, apontam para aí.
Assim sendo, importa apenas averiguar se o termo inicial do prazo de dois anos começa, como defende a Requerente, com a obtenção dos documentos de cobrança via internet, no portal das finanças, com vista ao seu pagamento (operação que a Requerente classifica de “autoliquidação”) ou com o termo do prazo para pagamento voluntário do IUC.
Como é sabido, a jurisprudência do CAAD encontra-se dividida quanto a saber se a “liquidação” do IUC se subsume na tipologia da autoliquidação (circunstância que não é alheia ao facto de o legislador não ter retirado todas as consequências jurídicas, designadamente em sede de natureza da liquidação, ao transformar o imposto em causa, que era um imposto indirecto, num imposto directo).
Na Decisão Arbitral relativa ao Processo n.º 116/2014-T ficou consignado, entre o mais, que: “A resposta não se afigura unívoca, pois se dos artigos 16.º e 17.º do CIUC parece resultar conclusão afirmativa, sempre se dirá, à luz do primeiro normativo – e lançando mão do modo como, na prática, se processa a «liquidação» e obtenção do documento único de cobrança –, ser possível sustentar tratar-se de uma liquidação administrativa. E, refira-se, não se ignora a existência de doutrina avisada que, a este respeito, entende estarmos perante uma autoliquidação sempre que esta se processe via internet. (…) como refere BRÁS CARLOS, nos casos de autoliquidação é “a lei que impõe que a liquidação do imposto seja efectuada pelos próprios contribuintes. Assim acontece, nomeadamente, no IVA e no IRC”.
“Sucede, porém, que diversamente do que se passa em sede de IRC – onde se determina que a competência para a liquidação é atribuída ao próprio sujeito passivo, mediante a entrega da declaração de rendimentos nos prazos previstos nos artigos 120.º e 122.º do CIRC, e tem por base a matéria colectável que dela conste –, no âmbito do IUC a lei expressamente atribui a competência para a liquidação do imposto à Autoridade Tributária (cf. n.º 1 do artigo 16.º do CIUC).
“Assim, se pode e deve dizer-se que, no caso do IRC, o “sujeito passivo, nas respectivas declarações, aplica a lei ao seu caso concreto, apura a sua matéria colectável e o valor do imposto devido”, o mesmo não se poderá fazer no que tange ao IUC, porquanto, aqui, o sujeito passivo em nada influi no apuramento da matéria colectável e na determinação do valor do imposto. E não se venha dizer que a tais operações poderá ser assimilado o comportamento do sujeito passivo que, através da sua área reservada no portal das finanças, «liquide» e emita o documento único de cobrança referente ao IUC.
“Com efeito, neste caso, o sujeito passivo, expressando a sua concordância com os parâmetros tributáveis inseridos prévia e automaticamente no cadastro do veículo automóvel, executa um mero acto material conducente à obtenção do DUC; e não concretas operações de determinação da matéria tributável e de aplicação da taxa àquela com vista ao apuramento da colecta. Mais, em sede de IUC, e ao invés do que sucede em verdadeiros procedimentos de autoliquidação, o sujeito passivo não procede à entrega de qualquer declaração de imposto.
“Cremos, pelo exposto, que em sede de Imposto Único de Circulação não encontramos uma verdadeira autoliquidação, mas antes uma liquidação administrativa estimulada pelo sujeito passivo. Com efeito, sendo certo que o contribuinte toma parte no processo de liquidação / emissão do DUC, espoletando-o, tal participação não assume o carácter impressivo que se encontra, por exemplo, no âmbito do IRC ou do IVA, não devendo, por isso falar-se em autoliquidação em sentido estrito.”
Considerando o exposto, mesmo a admitir-se que o comportamento do sujeito passivo quando acede, através da sua área reservada, ao portal das finanças com vista a obter o documento único de cobrança referente ao IUC, pudesse ser assimilado a uma “autoliquidação”, a verdade é que essa tese depara-se com um obstáculo intransponível quanto à data a considerar para o efeito de fixar o termo inicial da contagem do prazo de reclamação graciosa ou de outro meio de impugnação administrativa ou contenciosa.
Com efeito, refere o art. 131.º do CPPT que “Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos, após a apresentação da declaração”.
Não estando o sujeito passivo, em sede de IUC, obrigado à entrega de uma qualquer declaração de imposto, num determinado prazo legal, como acontece, por exemplo, com o IRC, não é possível retirar da lei a fixação de um termo inicial, seguro e certo, da contagem dos prazos para as impugnações administrativas ou acesso às vias jurisdicionais.
Assim sendo, afigura-se que, qualquer que seja a tese pela qual se opte, o critério seguro de fixação do termo inicial do prazo em análise não pode deixar de ser o termo do prazo de pagamento voluntário (mais propriamente nos trinta dias após a emissão da respectiva nota de cobrança) que, no caso, se encontra fixado, quer nas notas de liquidação para audição prévia, juntas aos autos, quer nas notas de cobrança que a Requerente retirou da Internet.
A não ser assim e a seguir-se a tese da Requerente, o termo inicial ficaria, desta forma, dependente da iniciativa dos sujeitos passivos, que passariam a fixar, segundo o seu critério, o início dos referidos prazos.
Esta orientação originaria, desde logo, situações arbitrárias, por colocar os sujeitos passivos cumpridores em desvantagem quanto à contagem dos prazos de defesa dos seus direitos, com violação grave do princípio da igualdade. Por outro lado, acarretaria consequências insustentáveis à luz, entre outros, dos princípios da legalidade (que reserva ao legislador a fixação dos prazos e termos iniciais dos mesmos), bem como dos da certeza e segurança do direito.
Da análise dos documentos de cobrança retirados pela Requerente da Internet e que serviram de base ao pagamento do imposto, quer do documento anexo à Informação N.º …-APT/2016, relativamente às liquidações assinaladas no campo “extemporâneas do quadro de fls 29 a 39” do PA, o termo do prazo para pagamento voluntário mais recente e reportado às 113 liquidações de IUC consideradas extemporâneas, ocorreu, em relação ao maior n.º de veículos, em 2013 e, em relação a alguns, no primeiro trimestre de 2014.
Assim sendo, mesmo a ter conta o prazo de 2 anos, quando a Reclamação Graciosa foi apresentada, em 22 de Julho de 2016, esse prazo já se encontrava esgotado, como resulta da referida Informação (n.º …-APT/2016), que serviu de base ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa. Como resulta dos factos provados, essa informação contém em anexo um quadro com a lista dos veículos com IUC em falta encontrando-se assinalados com asterisco os veículos relativamente aos quais a reclamação é extemporânea (cfr. o ponto 15).
Consequentemente, também já se encontrava esgotado, em 9 de Abril de 2017, data da apresentação do presente pedido, o prazo para recurso à via arbitral em relação a essas 113 “liquidações”, gerando a excepção peremptória da extemporaneidade e a consequente absolvição do pedido, nos termos do art. 576.º do CPC aplicável ex vi art. 29.º do RJAT.
Finalmente argumenta a Requerente que a considerar-se extemporânea a reclamação graciosa deveria ter sido “convolada pela AT em pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, dado que as autoliquidações em questão padecem de erro imputável à AT”.
Em primeiro lugar, é verdade que, quer no art. 52.º, quer no art. 98.º, n.º 4, ambos do CPPT, se fala em convolação oficiosa, mas nos casos de erro, respetivamente na forma do procedimento e do processo. O que não é manifestamente o caso.
Por outro lado, realce-se que estamos perante meios processuais que assentam em pressupostos muito diferentes, sendo que a Requerente não consubstancia em que se traduz o alegado erro imputável à Requerida.
Assim sendo, não estava a Requerida obrigada a convolar a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa.
Termos em que, pelas razões expostas, procede a excepção suscitada pela Requerida.
III. 2.2. Questões a apreciar
A questão central de direito suscitada pela Requerente gira em torno de averiguar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente, a questão de saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade do veículo no Registo Automóvel, ou se, pelo contrário, o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, ilidível, em conformidade com o disposto no art. 73.º, da Lei Geral Tributária. Em conexão com esta sucede-se a questão de saber se, tratando-se de mera presunção, como poderá esta ser ilidida pelo sujeito passivo, a quem cabe o ónus da prova. Sobre esta matéria é já abundante e bastante definida a jurisprudência arbitral vertida em diversas decisões arbitrais.
De realçar, ainda, que, dada a procedência da excepção suscitada, a análise do pedido se circunscreve doravante às “liquidações” que foram objecto de reclamação e impugnação tempestivas.
Uma última questão, colocada pela Requerente, prende-se com o direito a juros indemnizatórios.
Vejamos.
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Quanto à ilegalidade das liquidações de IUC
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Quanto à incidência subjetiva:
Adiante-se desde já que se segue, no essencial, a Jurisprudência arbitral tributária maioritária sobre esta matéria [Cfr, designadamente, decisões proferidas nos processos do CAAD nºs 14/2013, 26/2013, 27/2013, 73/2013, 170/2013, 154/2014, 212/2014 e, mais recentemente, nos processos nºs 539/2016-T, 580/2016-T, 623/2016-T, 109/2017-T; 145/2017-T, 185/2017-T, todas publicadas em www.caad.org.pt].
Mais concretamente passamos a reproduzir o consignado na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 209/2017-T, uma vez haver identidade quanto à questão de facto e de direito.
“Sobre esta questão dispõe o artigo 3.º do CIUC (Código do Imposto único de Circulação), o seguinte:
“Artigo 3º
Incidência subjetiva
1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
Quanto à interpretação da norma jurídico fiscal, estabelece o nº1 do artigo 11º da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.
Nesta conformidade, promovendo a necessária atividade interpretativa das normas em presença, há que escrutinar a melhor interpretação do art. 3º, nº 1 do CIUC, à luz dos princípios hermenêuticos fundamentais[1]. Assim, e em primeiro lugar, deve atender-se ao elemento literal, ou seja, aquele em que se visa detetar o pensamento legislativo que se encontra objetivado na norma, para se verificar se a mesma contempla uma presunção, ou se determina, em definitivo, que o sujeito passivo do imposto é o proprietário que figura no registo.
A questão que se coloca é a de saber se a expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador no CIUC, em vez da expressão “presumindo-se”, que era a que constava nos diplomas que antecederam o CIUC, terá retirado a natureza de “presunção” ao dispositivo legal em apreço.
Ao contrário do que defende a AT, a resposta tem necessariamente de ser negativa, uma vez que da análise do nosso ordenamento jurídico se retira de forma clara que as duas expressões têm sido utilizadas pelo legislador com sentido equivalente, seja ao nível de presunções ilidíveis, seja no quadro das presunções inilidíveis, pelo que nada habilita a extrair a conclusão pretendida pela Autoridade Tributária por uma mera razão semântica.
Na verdade, assim acontece em variadas normas legais que consagram presunções utilizando o verbo “considerar”, de que se indicam, meramente a título de exemplo, as seguintes:
- no âmbito do direito civil - o nº 3 do art. 243º do Código Civil, quando estabelece que “considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da ação de simulação, quando a este haja lugar”;
- também no âmbito do direito da propriedade industrial o mesmo se passa, quando o art. 59º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial dispõe que “(…) as invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa, consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho (…)”;
- e, também ainda, no âmbito do direito tributário, quando os nºs 3 e 4 do art. 89-A da LGT dispõem que incumbe ao contribuinte o ónus da prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que, não sendo feita essa prova, presume-se (“considera-se” na letra da Lei) que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta no nº 4 do referido artigo.
Esta conclusão de haver total equivalência de significados entre as duas expressões, que o legislador utiliza indiferentemente, satisfaz a condição estabelecida no art. 9º, nº 2 do Código Civil, uma vez que se encontra assegurado o mínimo de correspondência verbal para efeitos da determinação do pensamento legislativo.
De resto, sobre esta questão é já abundante a jurisprudência arbitral, acompanhada pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores.
Trata-se, pois, de presunção.
Acresce que esta conclusão é igualmente reforçada quando revisitados os demais elementos de interpretação, ou seja, o elemento histórico, o racional ou teleológico e o de ordem sistemática.
Dissertando sobre a atividade interpretativa diz FRANCESCO FERRARA que esta “é a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se, e reclama fino trato, senso apurado, intuição feliz, muita experiência e domínio perfeito não só do material positivo, como também do espírito de uma certa legislação. (…) A interpretação deve ser objetiva, equilibrada, sem paixão, arrojada por vezes, mas não revolucionária, aguda, mas sempre respeitadora da lei” (Cfr. Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, (2ª ed.), Arménio Amado, Editor, Coimbra, 1963, p. 129).
Como refere BAPTISTA MACHADO “a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento.
O texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua aplicação aos casos concretos da vida faz muitas vezes surgir dificuldades de interpretação insuspeitadas e imprevisíveis. Além de que, embora aparentemente claro na sua expressão verbal e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter atraiçoado o pensamento legislativo – fenómeno mais frequente do que parecerá à primeira vista “(Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp.175/176).
“A finalidade da interpretação é determinar o sentido objetivo da lei, a vis potestas legis.(…) A lei não é o que o legislador quis ou quis exprimir, mas tão somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei. (…) Por outro lado, o comando legal tem um valor autónomo que pode não coincidir com a vontade dos artífices e redatores da lei, e pode levar a consequências inesperadas e imprevistas para os legisladores. (…) O intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objetivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris (Cfr. FRANCESCO FERRARA,Ensaio, pp. 134/135).
Entender uma lei “não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direções possíveis” (loc. cit., p.128).
Com o objetivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete lança mão dos fatores interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. (Cfr. BAPTISTA MACHADO, loc. Cit., p. 181; J. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral 2ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p.361).
Entre nós, é o artigo 9º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas.
O texto do nº 1 do artigo 9º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dela, o “pensamento legislativo”.
Sobre a expressão “pensamento legislativo” diz-nos BAPTISTA MACHADO que o artigo 9º do CC “não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjetivista e a doutrina objetivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à “vontade do legislador” nem à “vontade da lei”, mas apontar antes como escopo da atividade interpretativa a descoberta do “pensamento legislativo” (artº. 9º, 1º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exatamente que o legislador não se quis comprometer” (loc. cit., p. 188).
No mesmo sentido se pronunciam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA em anotação ao artigo 9º do CC (Cfr. Código Civil Anotado – vol. I, Coimbra ed., 1967, p. 16). Sobre o nº 3 do artigo 9º do CC refere aquele autor: “(...) este nº 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas (mais corretas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correta. Este modelo reveste-se claramente de características objetivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorreto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstrato: sábio, previdente, racional e justo(...)” (loc. cit. p. 189/190).
Logo a seguir este insigne Professor chama a atenção de que o nº 1 do artigo 9º, refere mais três elementos de interpretação a“unidade do sistema jurídico”, as“circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as“condições específicas do tempo em que é aplicada” (loc. cit, p. 190).
Quanto às “circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada”, explica BAPTISTA MACHADO que esta expressão “(...)representa aquilo a que tradicionalmente se chama a occasio legis: os fatores conjunturais de ordem política, social e económica que determinaram ou motivaram a medida legislativa em causa(...)” (loc. cit., p.190).
Relativamente às “condições específicas do tempo em que é aplicada” diz este autor que este elemento de interpretação “tem decididamente uma conotação atualista (loc. cit., p. 190) no que coincide com a opinião expressa por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA nas anotações ao artigo 9º do CC.
No que respeita à “unidade do sistema jurídico”, BAPTISTA MACHADO considera este o fator interpretativo mais importante: “a sua consideração como fator decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica” (loc. cit., p. 191).
É também este autor que nos diz, relativamente ao elemento literal ou gramatical (texto ou “letra da lei”) que este “é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos: se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redação do texto atraiçoou o pensamento do legislador” (loc. cit., p. 182).
Referindo-se ao elemento racional ou teleológico, diz este autor que ele consiste “na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura política-económica-social que motivou a decisão legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime” (loc. cit., pp. 182/183).
É ainda BAPTISTA MACHADO que nos diz, agora no que respeita ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos) que “(...)este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
Baseia-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário(...)” (loc.cit., p. 183).
Como ensina JOSEF KOHLER, citado por MANUEL DE ANDRADE “(…) em particular havemos de tomar em consideração o encandeamento das diversas leis do país, porque uma exigência fundamental de toda a sã legislação é que as leis se ajustem umas às outras e não redundem em congérie de disposições desconexas (...)” (Ensaio, p. 27).
Em suma, através da análise do elemento histórico, extrai-se a conclusão que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular a matéria, até ao Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o CIUC [cfr Lei nº 22-A/2007, com as alterações da Lei 67-A/2007 e 3-B/2010], foi consagrada a presunção de os sujeitos passivos do IUC serem as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da sua liquidação.
Constata-se que a lei fiscal teve, desde sempre, o objetivo de tributar (para o caso que ora interessa) o verdadeiro e efetivo proprietário[2] e utilizador do veículo, por força do princípio da equivalência subjacente ao IUC. Assim, o legislador ao adoptar pelo princípio da equivalência, optou por onerar o sujeito utilizador da viatura na medida do custo provocado devido às externalidades negativas provocadas pelos veículos motorizados. Na letra da lei estabelece-se apenas a presunção de que o proprietário constante no Registo automóvel, coincida também com o seu utilizador e que o registo evidencie a realidade afeta à utilização do veículo. Esta opção de politica extrafiscal justifica, ainda, a solução vertida no nº 2 do art.º 3º do CIUC quanto aos locatários, eleitos pelo legislador como os sujeitos onerados pelo pagamento do imposto mesmo durante a vigência de um contrato de locação do qual pode não resultar, necessariamente, a aquisição da propriedade da viatura. Com efeito, o atual e novo quadro da tributação automóvel consagra princípios que visam sujeitar os proprietários dos veículos a suportarem os prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.
A consideração destes princípios, designadamente, o princípio da equivalência, que merecem tutela constitucional e consagração no direito comunitário, e são também reconhecidos em outros ramos do ordenamento jurídico, determina que os aludidos custos sejam suportados pelos reais proprietários, os causadores dos referidos danos, o que afasta, de todo, uma interpretação que visasse impedir os presumíveis proprietários de fazer prova de que já não o são por a propriedade estar na esfera jurídica de outrem[3].
Assim, também, da interpretação efetuada à luz dos elementos de natureza racional e teleológica, atento aquilo que a racionalidade do sistema garante e os fins visados pelo novo CIUC, resulta claro que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
Pelo que, também a interpretação de natureza racional ou teleológica nos conduz a idêntica conclusão.
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Em face do exposto, importa concluir que a ratio legis do imposto aponta no sentido de serem tributados os efetivos proprietários-utilizadores dos veículos pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal.
Por último, mas com enorme acuidade para o caso em apreço, estabelece o art. 73º da LGT que “(…) as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis (…)”.
Assim sendo, consagrando o art. 3º, nº 1 do CIUC uma presunção ilidível, a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela Autoridade Tributária como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade, na data do facto tributário, é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.
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Do ónus da prova e dos meios de prova idóneos para elidir a presunção
A segunda questão que importa analisar é a da prova. Assim, quanto ao ónus da prova, não resta dúvida que cabe ao sujeito passivo apresentar meios idóneos para promover a prova necessária ao afastamento da presunção. Cabe-lhe a “prova do contrário”, ou seja, a prova de que não era o proprietário à data do facto tributário. Vejamos como poderá alcançar este objectivo, o que coloca a questão da relativa à idoneidade das faturas de venda de veículos automóveis como meio de prova da venda desses veículos.
Quanto a esta questão, há que salientar, em primeiro lugar, que os contratos de compra e venda de automóveis têm uma base consensual e sem sujeição a formalismos especiais (Cfr artigos 219º e 408º-1, do Código Civil).
As faturas têm essencialmente as formalidades previstas no artigo 36º, do CIVA e 5º do DL nº 198/90.
A presunção de verdade que as faturas encerram pode ser ilidida pela AT à luz do disposto no artigo 75º-2, da LGT.
Por outro lado, a propriedade de veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório (cfr. artº. 5º-1 e 2, do DL nº 54/75, de 12/2). A obrigação de proceder ao registo recai sobre o comprador - sujeito activo do facto sujeito a registo (cfr. artº.8-B – 1, do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel por força do artº. 29º, do DL nº 54/75, de 12/2, conjugado com o artº.5º-1/a), deste último diploma).
No entanto, o Regulamento do Registo Automóvel contém um regime especial, em vigor desde 2008, para entidades que, em virtude da sua atividade comercial, procedam com regularidade à transmissão da propriedade de veículos automóveis. Segundo esse regime, que se encontra estabelecido no artº.25º-1/d), do DL nº 55/75, de 12/2 (versão resultante do DL nº 20/2008, de 31/1), o registo pode ser promovido pelo vendedor, mediante um requerimento subscrito apenas por si próprio.
O IUC está legalmente configurado, como se viu, para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do citado artº 3º-1, do C.I.U.C., norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideram como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
O afastamento da presunção legal obedece à regra constante do artº. 347º, do C. Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr. art 346º, do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos; pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais.
Ora, a factura constitui documento contabilístico elaborado no seio da empresa e que se destina ao exterior, mormente, à AT, que dela extrai todos os efeitos inerentes em sede de valoração para incidência de diversos impostos. Logo, a menos que se demonstre a sua falsidade, as facturas presumem-se válidas para todos os efeitos legais, não podendo deixar de o ser, apenas e só, como meio de prova da transacção, relevante para efeitos de incidência de IUC. Por sua vez, também a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação (que não coincide muitas vezes com o pagamento efetivo) da importância a pagar pelo comprador. Assim, embora não fazendo prova do pagamento efetivo do preço pelo mesmo comprador, constituem prova dessa mesma transação, ou seja, da compra e venda efetuada. Compra e venda que pode aliás concretizar-se, com reserva de propriedade[4] para o vendedor até pagamento do preço, sem que tal impeça que a obrigação de IUC impenda sobre o comprador.
Acresce que as presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT, ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa, revisão de acto tributário ou impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem. No caso dos autos, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, tendo antes optado pelo pedido de revisão do acto tributário seguido do pedido arbitral, sendo que em ambos invocou e juntou prova para demonstrar que não era o proprietário das viaturas à data em que ocorreu o facto tributário. Pelo que os documentos juntos aos autos, que serviram de base à matéria de facto assente, nos termos supra fundamentados, constituem meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjectiva do IUC em que se suportam as liquidações tributárias cuja anulação é peticionada nestes autos.
O entendimento do tribunal, avaliada a prova produzida pela Requerente, designadamente com o complemento do depoimento das testemunhas que arrolou, é no sentido de decidir que esta prova é suficiente para atestar a venda de todas as viaturas constantes das liquidações de imposto aos respectivos adquirentes, de modo que ao tempo do facto tributário e do primeiro registo de propriedade efectuado esta já não era a sua proprietária. Aliás, diga-se que a AT e ora Requerida em momento algum, nem na Resposta nem nas Alegações juntas aos autos, questionou essa documentação, a ocorrência efectiva das transmissões ou o valor probatório da documentação junta, a mesma que serviu de base para a incidência de outros impostos liquidados à Requerente (por exº IVA e IRC).
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Conclui-se, assim, pela admissão da prova da venda de veículo automóvel através da demonstração da existência de emissão de fatura válida. Analisados os elementos carreados para o processo pela Requerente e os factos provados, extrai-se a conclusão que aquela não era realmente proprietária dos veículos a que respeitam as liquidações em apreço, por ter transferido, à data em que era devido o respetivo IUC, a propriedade dos veículos, nos termos previstos na lei civil.
Os elementos documentais juntos aos autos gozam da presunção de veracidade que lhes é conferida pelo sobredito art.º 75º, nº 1 da LGT, tendo, assim, idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que suportou as liquidações efetuadas com base exclusivamente, como a Lei prevê, no registo automóvel.
Estas operações de transmissão de propriedade aparente são oponíveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto, embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos em relação a terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5º, nº 1 do Código do Registo Predial [aplicável por remissão do Código do Registo Automóvel], a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no nº 2 do referido art. 5º do Código do Registo Predial, aplicável por força do Código do Registo Automóvel, ou seja, não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
Assim é que, em síntese, o registo automóvel, na economia do CIUC, representa mera presunção ilidível dos sujeitos passivos do imposto.”
Aplicando a jurisprudência mencionada ao caso dos autos, verifica-se que a Requerente logrou, com total êxito, ilidir essa presunção e demonstrar que a realidade do registo era uma mera aparência dessa mesma realidade, ou seja, o proprietário inscrito não era o real proprietário, sujeito passivo do IUC.
Nestas circunstâncias, as mencionadas e ora impugnadas liquidações (as consideradas tempestivas) afiguram-se ilegais, padecem do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes, pelo que se impõe a sua anulação.
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios
A par da declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa e anulação dos actos de liquidação de IUC (relativo aos anos de 2011 a 2015), a Requerente pede a devolução do imposto indevidamente pago e que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.
O direito a juros indemnizatórios, a que alude a norma da LGT supra referida, pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido o imposto liquidado à Requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando-se, em consequência, a anulação das liquidações questionadas, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito a favor do contribuinte.
Com efeito, ao promover as liquidações de IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Administração Tributária não poderia proceder por forma diversa, limitando-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
Por outro lado, também como já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a AT, o direito/dever de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar os factos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do art. 350.º do C. Civil.
Assim sendo, quanto aos actos de liquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.
Todavia, estipula o artigo 100.º da LGT que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
Assim sendo, tal como consignado, entre outros, na Decisão Arbitral proferida nos processos n.ºs. 208/2015-T e 748/2016-T, ao decidir a reclamação graciosa a Requerida deveria ter acolhido a pretensão da Requerente quanto à ilegalidade das liquidações, e o não acolhimento das pretensões é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Com efeito, seguindo a jurisprudência vertida naquelas decisões arbitrais, “Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção [5]”.
Deverá, desta forma, entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, começaram a contar juros indemnizatórios.
Os juros indemnizatórios serão calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).
Por outro lado, há também lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
IV - Decisão
Termos em que acorda o presente Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente a excepção de extemporaneidade do pedido arbitral relativo às 113 liquidações de IUC, indicadas com asterisco no quadro (de fls. 29 a 39 do PA), bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios, absolvendo-se a Requerida do pedido nesta parte;
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Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, de 20 de Dezembro de 2016, da Unidade dos Grandes Contribuintes, quanto às demais liquidações;
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Anular parcialmente o referido despacho;
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Anular parcialmente as liquidações de IUC relativo aos anos de 2011 a 2015;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios relativos ao imposto indevidamente pago, contados a partir da data em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, à taxa legal supletiva, até integral reembolso.
V-VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €65.733,74, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI- CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2448,00, €563,00 a cargo da Requerente e €1885,00 a cargo da Requerida, visto que o pedido foi julgado procedente em 77% do seu valor, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2018
Os Árbitros
Maria Fernanda dos Santos Maçãs
(Presidente)
Nunes Barata
Fernando Araújo
[1] A génese da relação jurídica de imposto pressupõe a verificação cumulativa dos três pressupostos necessários ao seu surgimento, a saber: o elemento real, o elemento pessoal e o elemento temporal. (Neste sentido veja-se, entre muitos outros autores, Freitas Pereira, M. H., Fiscalidade, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009).
[2] Ou equiparados como é o caso dos locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (artigo 3º-2, do CIUC).
[3] Sob a epígrafe “princípio da equivalência” estabelece o artigo 1º do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”. Sobre a noção do princípio da equivalência diz-nos SÉRGIO VASQUES: “Em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve ser conformado em atenção ao benefício que o contribuinte retira da atividade pública, ou em atenção ao custo que imputa à comunidade pela sua própria atividade” (Cfr. Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2000, p. 110).E, mais à frente, explica este Professor, relativamente aos automóveis: “um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também.
[4] Assinale-se que os adquirentes de veículos com reserva de propriedade são equiparados aos sujeitos passivos do IUC ou seja, às entidades a que alude o artigo 1º-1, do CIUC.
[5] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».