Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 270/2017-T
Data da decisão: 2018-01-03  IRS  
Valor do pedido: € 15.695,10
Tema: IRS – Qualificação de rendimentos – Contrato de exploração de exploração turística.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em em 27-04-2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo e notificou as partes dessa designação em 12-06- 2017. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 03-07-2017, seguindo-se o regular procedimento.

 

 I – RELATÓRIO

 

1- No dia 18-04-2017, o contribuinte A…, NIF …, e B…, contribuinte …, residentes na …, …, …, …, Reino Unido, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2- Os Requerentes vêm impugnar a liquidação de Imposto Sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS), referentes aos exercícios de 2013 e 2014, de que foram notificados nos seguintes termos:

- Ato de liquidação de IRS n.º 2016…, (ato de liquidação de juros compensatórios n.· 2016… e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…), relativo ao ano de 2013 do qual resultou um valor a pagar de € 6.072,08;

- Ato de liquidação de IRS n.· 2016…, (ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e Demonstração de Acerto de Contas nº 2016…), referente ao ano 2014, do qual resultou um valor a pagar de € 9.623,05.

Tudo no montante global de € 15.695,14.

 

3- Solicitam os Requerentes que este Tribunal se pronuncie sobre as referidas liquidações, declarando a sua anulação, porque ilegais, invocando:

- Vício de falta de fundamentação

- Vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, na parte em que se consideraram os rendimentos auferidos como enquadráveis na categoria F e não na categoria B do IRS.

- Subsidáriamente, ainda que se admitisse que os rendimentos obtidos pelos Requerentes fossem rendimentos da Categoria F, deveriam ser levadas em conta as despesas suportadas pelos Requerentes com a manutenção da fonte de rendimentos em causa.

 

4- ALEGAM, em síntese…

Ao não sustentarem nas Conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos em que se basearam para concluírem que os rendimentos auferidos pelos Requerentes eram rendimentos da categoria F, não deram cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos tributários contestados.

 

Por outro lado

Decorre do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e da alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º, ambos do Código do IRS, que os rendimentos auferidos pelos Requerentes são, efetivamente, rendimentos da Categoria B do Código do IRS e não rendimentos da Categoria F.

No âmbito da alínea da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, tendo o legislador utilizado a expressão “atividade” sem delimitar (restritivamente) a sua extensão, é evidente que pretendeu incluir todos os rendimentos obtidos, por qualquer forma, da exploração direta ou através da contratação de serviços para realizar os rendimentos em causa.

Verifica-se, pois, que “atividade” para efeitos de tributação no âmbito da Categoria B não se deve cingir – quando o legislador não o fez – à consideração da atividade operacional, excluindo os titulares que obtêm rendimentos na sequência da cessão da exploração e consequente contratação de serviços, como aconteceu no caso concreto.

Para os Requerentes, o termo “atividade” compreende também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos e a escolha da forma adequada de gestão, que no caso concreto se torna ainda mais pertinente, considerando que os Requerentes são sujeitos passivos não residentes.

Carece de fundamento legal a posição e interpretação restritiva, efetuada pela Administração Tributária, porquanto atendendo ao conceito legal de atividade terá, forçosamente, de se concluir que os rendimentos em causa devem ser tributados em sede da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS e não nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do mesmo diploma.

Afigura-se, por isso, ilegítimo e ilegal que a Administração Tributária pretenda tributar os rendimentos auferidos pelos Requerentes no âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS (Categoria B) nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do mesmo diploma (Categoria F), através de uma interpretação própria e contra legem do mesmo no que respeita ao exercício da atividade.

Assim, porque os atos tributários contestados vêm fundamentados numa circular contra legem, deverão os mesmos ser anulados por manifestamente ilegais.

Ainda que se admitisse que os rendimentos obtidos pelos Requerentes são rendimentos da Categoria F do Código do IRS, mas sem conceder, a realidade é que a matéria coletável do Requerente jamais seria no valor apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária em sede de inspeção tributária, uma vez que a posição assumida no Relatório de Inspeção não relevou para todos os efeitos legais, a totalidade das despesas suportadas pelos Requerentes com a manutenção da fonte de rendimentos em causa.

Para além das despesas inerentes aos seguros, segurança, etc, deverão ser relevados ainda os custos referentes a limpeza, jardinagem, eletricidade, água, gás, reparações e pinturas. Tais despesas devem ser deduzidas à matéria coletável na medida em que são despesas essenciais para a obtenção dos rendimentos em causa.

 

5- A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) alega que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência ser declarada a total improcedência do pedido, mantendo-se o ato e ser absolvida do pedido.

 

Quanto à alegada falta de fundamentação das correcções ora sindicadas, tem que se discordar do entendimento pretendido pelos Requerentes, desde logo porque, da leitura do relatório inspectivo resulta que um homem médio, colocado na posição de destinatário, consegue apreender o seu sentido e conclusão.

 

No caso vertente, entende a AT que a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que o Requerente, por via do presente pedido de pronúncia arbitral, admite e demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, tentando rebater a sua actuação e assacando vícios aos argumentos da AT.

 

No mais, argui a AT

Estando em causa rendimentos relativos à cedência do uso do prédio ou de parte dele, as importâncias recebidas pelos proprietários, como contrapartida da cedência do uso dos apartamentos, são consideradas rendimentos prediais, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 8. º do Código do IRS independentemente do facto da importância recebida não ser fixa.

 

Ao contrário do alegado e concluído pela Requerida, não são os proprietários que exploram os seus apartamentos turísticos, pois conforme consta do “contrato de cessão da exploração turística da unidade …”: - “… O Primeiro contratante concede, pelo presente, à gestora, autorização exclusiva para esta explorar turisticamente, por sua conta, a unidade, segundo as tarifas que esta livremente estabelecer, …” …

 

Desta forma os rendimentos que os Requerentes auferem, advêm de forma meramente passiva, em resultado da prossecução de uma actividade comercial por parte de outra sociedade, pelo que os rendimentos auferidos derivam da disponibilização a terceiros do imóvel, pelo que são enquadráveis na categoria F do IRS enquanto rendimentos prediais.

 

 

  No que se respeita a pretendida aceitação da totalidade das despesas com salários de pessoal, limpeza, electricidade, gás e água, que não foram consideradas no procedimento inspectivo, sustenta que “nos termos do artigo 41º nº1 do Código do IRS, na redacção em vigor à data dos factos, …aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação.

  Pelo que, desde logo, as despesas mencionadas pelos Requerentes não consubstanciam despesas de conservação nem, tão pouco, de manutenção”. E que “por outro lado, e no que concerne às despesas com salários e com a limpeza, ressalta do contrato de cessão que esses encargos estão a cargo da Gestora o que significa que nem são da responsabilidade dos Requerentes”.

 

II- O processo não enferma de nulidades.

 

III- Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

IV- MATÉRIA DE FACTO

 

1- Em 2016.08.30, foi aberta a OI nº OI2016…/ …/…, determinada por despacho do Director de Finanças de Faro, com vista ao controlo de arrendamento de imóveis, e teve âmbito parcial em IRS, conforme prevê a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), com extensão aos anos de 2012, 2013 e 2014.

 

2- Em resultado da Inspeção apuraram-se correções ao rendimento tributável de IRS, de natureza meramente aritmética, nos montantes de -373,08€, 19.548,13€ e 32.790,09€ nos anos de 2012, 2013 e 2014 respectivamente, decorrente de rendas recebidas relacionadas com prédios localizados em território nacional.

 

3- O Requerente A…, NIF … encontra-se registado no “CAE 55123 – Apartamentos Turísticos sem Restaurante” desde 30-06-2008, encontrando-se enquadrado no regime Normal de periodicidade Trimestral em sede de IVA e no regime da Contabilidade Organizada por Opção em sede de IRS.

A Requerente B…, NIF …, consta como SPassivo B na Declaração de Rendimentos referida aos anos em análise.

 

4- Os Requerentes são sujeitos passivos não residentes em território nacional tendo como representante C… NIF … com domicílio fiscal em … … – … Quarteira e como representante de IVA a sociedade D… Lda NIF … com sede em Rua …, …, …, …– … Quarteira.

 

5- Os Requerentes são proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo … fração “A”, sito no “…”, que adquiriram a E… SA NIF … . 

 

6- Entre os Requerentes e a sociedade vendedora foi assinado um contrato de cessão de exploração turística da unidade …, nos termos do qual seria constituida uma sociedade comercial para a gestão do “…”, situação que veio a ter lugar com a constituição da empresa “F… SA”, NIPC … .

 

7- Os Requerentes concederam á F…, autorização exclusiva, para explorar turisticamente e por sua conta, o apartamento de que os Requerentes são proprietários.

8- Os Requerentes mandataram a sociedade F… para em nome próprio e por sua conta receber a remuneração relativa à exploração do seu imóvel, ficando a mesma com o direito a reter 25% da receita bruta da respectiva exploração.

 

9- No âmbito do referido Programa de Exploração Turistica, a entidade gestora (F…) ficou obrigada a gerir, em nome dos Requerentes, os aspetos operacionais (gestão corrente) inerentes à exploração turistica dos apartamentos acima identificados, designadamente tratando da cobrança dos pagamentos devidos, cobrança de despesas e da gestão das reservas, determinação de tarifas.

 

10- A gestora (F…) ficou ainda responsável pelos serviços de administração geral das unidades. A natureza e o objeto destes serviços a serem prestados neste âmbito serão determinados pela gestora e incluem, a contabilidade, vendas e marketing, custos das agências de viagens e/ou comissões dos operadores turisticos e respetivas despesas incorridas, despesas com os serviços centrais relacionados com o Programa de Exploração Turistica e despesas de serviços de recepção e outras despesas com ela relacionada.

 

11- No âmbito dos “serviços de administração geral da unidade” a entidade gestora (F…) aceitou realizar os serviços de manutenção de rotina que sejam por ela livremente considerados necessários para manter as unidades apropriadas á ocupação de hóspedes, designadamente, manutenção de rotina, como trocar lâmpadas, desentupir sanitas, restabelecer/ligar circuitos, e manutenção de jardins e paisagem.

 

12- A gestora (F…) trataria, ainda, dos serviços de limpeza e arrumação das unidades, designadamente, providenciar roupa de casa e limpeza das unidades, esvaziar o lixo, trocar toalhas, panos de cozinha e roupa de cama, arrumação diária da cozinha, salas de jantar e de estar, casa de banho e quartos (tais como, limpeza de loiça, balcões, varrer o chão, limpar o pó, aspirar, limpar os espelhos, e fazer as camas) e ainda a limpeza após a partida dos hóspedes e uma limpeza anual.

 

13- O contrato de exploração foi cumprido nos termos acordados.

 

14- Os proprietários não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento.

 

15- O imposto foi pago, nos montantes liquidados.

 

V- Factualidade provada e sua fundamentação

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Todos os documentos juntos aos autos, nas várias fases do processado, pelos

Requerentes, foram analisados e levados em conta na apreciação da prova.

Não foi considerada, como requerido, a prova testemunhal efetuada no âmbito do processo n.º 271/2017-T, pelas razões insertas no Despacho arbitral que indeferiu esse tipo de prova nos presentes autos.

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, todos os factos acima elencados, não havendo matéria factual dada como não provada.

 

 

VI-  DO DIREITO

 

Os pontos controvertidos na presente ação arbitral, que exigem pronúncia,  prendem-se com as seguintes questões:

- Se há entendimento que o Relatório de Inspeção Tributária e, consequentemente, os atos de liquidação contestados, enfermam do vício de falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação.

- Apurar se os rendimentos auferidos pelos Requerentes configuram rendimentos da categoria B do IRS (conforme alegam) ou se os mesmos devem, antes, ser qualificados como rendimentos da categoria F do IRS, (segundo o entendimento da Requerida).

- Subsidiariamente, saber se, em sede de Categoria F, cabem na dedução todas as despesas suportadas pelos Requerentes com o imóvel gerador dos rendimentos em causa.

 

As questões enunciadas, já tiveram tratamento, ao que sabemos, em dois processos, (de objeto idêntico) deste CAAD, resultando, não obstante, entendimento contraditório nas decisões proferidas, convergindo, contudo, na improcedência do argumento da falta de fundamentação, posição de que se comunga.

 

a- Com efeito, vem sendo jurisprudência dominante, que, conforme defende a Requerida, a fundamentação dos atos em matéria tributaria como seja liquidações ou Relatórios Inspetivos deve, com efeito, ser suficiente, contendo os requisitos bastantes, aptos e idóneos a sustentar a sua ocorrência.

Os Serviços Tributários devem, pois, verificar e ponderar todos os elementos por forma a que a fundamentação concreta seja suficiente a revelar a reflexão deliberativa sobre os interesses e pontos de vista em confronto e a escolha ou opção efetuada.

Uma fundamentação insuficiente equivale a não fundamentação porque não garante justificar a ação ou correções efetuadas.

 

Contudo, não é qualquer aparente falta de clareza, congruência ou suficiência da fundamentação que leva a considerar que o procedimento não está fundamentado. O vício de fundamentação tem que ser de tal forma relevante que seja impossível, ou pelo menos difícil, compreender o ato e a sua fundamentação.

 

Relativamente á temática da fundamentação, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem uniformemente entendido que a fundamentação do acto é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto.

 

Ora, no caso em análise, a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária no qual se alicerçam as liquidações contestadas, apresenta-se suficientemente clara e inequívoca, permitindo a um destinatário normal conhecer e compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelos autores do acto, ou seja, permite, de forma manifesta, conhecer as razões e compreender as razões que conduziram à decisão e forma de procedimento.

Como se vê, os Requerentes, nos argumentos apresentados, revelam ter compreendido cabalmente o quadro fático e jurídico em que assentou a decisão da Requerida.

 

Como bem se refere num dos arestos referidos:

Pode não se concordar com a fundamentação em si mesma, mas a factualidade ocorrida está espelhada no Relatório da Inspecção e bem assim a leitura que a AT retira da aplicação da lei a esses factos. Não vemos como se possa considerar que foi incumprido o nº 3 do artigo 268º da CRP e o artigo 77º da LGT, quanto ao dever de fundamentação do relatório de inspecção e dos actos de liquidação.

Questão diversa será a eventual incongruência que possa querer imputar-se à leitura da lei aí levada a efeito, que terá a ver com a verificação de eventual desconformidade face à lei, nos termos da alínea a) do artigo 99º do CPPT.

Também não vislumbra este TAS como poderá considerar-se existir fundamentação insuficiente. A fundamentação em causa permitiu aos Requerentes agir através de extenso pedido de pronúncia arbitral, não se evidenciando que os seus direitos de defesa tenham sido colocados em causa ou que a mesma não permitisse perceber o raciocínio adoptado pela AT que conduziu às liquidações adicionais.

IMPROCEDE, pois, nesta parte, a arguição dos Requerentes.

 

b- No que concerne á verdadeira questão que requer tomada de posição e pronuncia, ou seja a alegada violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito - devido á qualificação dos rendimentos auferidos - a mesma, como se disse, foi objeto de tratamento, em dois processos deste CAAD, com fatualidade idêntica, resultando entendimento contraditório nas decisões proferidas:

 

 Proc. n.º 271/2017-T

(…) Como se poderá retirar do teor do modelo de impresso oficial (que, como é consabido, se presume que comporta a correcta leitura e aplicação da lei), o enquadramento do Serviço de Finanças onde é apresentada a declaração, permite à AT desconsiderar um errado enquadramento requerido pelo contribuinte. Só em caso de consonância entre o que é requerido e a avaliação da AT, é que determinada inscrição produzirá efeitos entre o contribuinte e a AT, face aos princípios que enformam as relações entre os contribuintes e a Administração Fiscal.

No caso aqui em discussão, o enquadramento comunicado pelos Requerentes, subsistiu desde sempre e até à data actual.

 …A questão do enquadramento, em concreto, dos Requerentes no Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes, foi analisada, em 2010, a propósito de um pedido de reembolso do IVA, pela Direcção dos Serviços do IVA, tendo-se concluindo no sentido de confirmar a sua correcta inscrição, não aplicando a AT, a norma isentiva do IVA (artigo 9º nº 29) do CIVA).

Há, pelo menos, uma situação que pode ter algum paralelismo com o que aqui se discute, de harmonização das regras de incidência de um imposto, com o regime das isenções de IVA. Será o caso do regime de isenção das operações financeiras consagrado no nº 27) do artigo 9º do Código do IVA. As operações financeiras ou estão sujeitas a IVA (porque dele não isentas nos termos do nº 27) do artigo 9º do CIVA), ou estando isentas de IVA, ficam sujeitas a imposto do selo, como resulta do nº 2 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo, conjugado com a verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

O mesmo raciocínio poderá ser aplicado no caso aqui em discussão, para ajudar a encontrar a coerência e harmonização entre os regimes de incidência (e as isenções) dos dois impostos, neste caso, IVA versus IRS, sendo que na situação aqui em discussão, afigura-se-nos que o regime estabelecido em sede de IVA parece dever determinar, o regime a aplicar em sede de qualificação dos rendimentos ao nível do IRS (categoria B ou categoria F).

Concluindo-se, em sede integração dos concretos rendimentos, auferidos pelos Requerentes, como concluíu a AT em 2010 e como concluíu quando aceitou o registo de início ou alteração da actividade, será de considerar que estes rendimentos serão tributáveis em IRS, segundo o regime da alínea a) do nº 1 do artigo 3º e alínea h) do nº 1 do artigo 4º, ambos do Código do IRS (rendimentos da categoria B).

….Muito embora, em sede de alegações, a AT venha expressar que a informação vinculativa de que resultou o texto atrás referido, foi tomada numa situação que não tem paralelismo com a situação aqui em apreço, a verdade é que o raciocínio aí expendido, parece ser de aplicar à situação em discussão neste processo.

Ora, esta posição só se configura, na análise deste TAS, consentânea com a consideração de que se trata de rendimentos enquadráveis no nº 1 do artigo 3º do Código do IRS e na alínea h) do nº 1 do artigo 4º do Código do IRS (e alínea a) do nº 29) do artigo 9º do Código do IVA), ou seja, rendimentos resultantes de uma actividade comercial, similar à hoteleira, susceptível de integrar a categoria B de rendimentos em IRS, dado serem auferidos por pessoas singulares.

Mesmo que assim não fosse, fundamentando a AT, as liquidações aqui em causa, numa alteração de ponto de vista, constante da circular 5/2013 de 02.07.2013, devendo considerar-se uma orientação genérica nos termos do artigo 68ºA da LGT, não vemos como possa ser invocada como fundamento para uma liquidação adicional de 2013 (pelo menos para os períodos de antes de 02.07.2013) e 2012, tendo em conta o nº 2 do artigo 68º A da LGT, que proíbe a aplicação retroactiva de orientações genéricas.

 De facto, é notório que os Requerentes, face à matéria de facto provada, não só agiram de boa-fé e com base numa interpretação plausível da lei fiscal, como agiram em conformidade com indicações expressas da AT que a vinculam (inscrição vigente no Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes e em consonância com o resultado de uma inspecção anterior).

…Independentemente de resultar de fonte legal ou contratual, o tipo de organização do empreendimento turístico adoptada (gestão corrente das unidades, em conjunto, por uma única entidade mandatada para o efeito) será a que melhor poderá potenciar as receitas e permitirá a optimização das despesas, podendo contribuir até para um aumento das receitas fiscais, sejam elas consideradas como rendimentos da categoria F ou da categoria B do IRS.

A forma de organização ao nível da gestão corrente, por si só, não se nos afigura que deva ter-se por determinante, para efeitos da qualificação de um rendimento, numa ou noutra categoria (regras de sujeição ao imposto) face o referido no nº 3 do artigo 11º da LGT, que manda atender à substância económica e não à forma. (…)

ORA, não obstante a bondade e consistência dos fundamentos carreados na decisão (em parte supra transcrita) e na excelente argumentação dos Requerentes, a verdade é que há limites, (legais), que, em caso algum, podemos ultrapassar no direito (e sua aplicação, mesmo em matéria tributária), pelo que tendemos a concordar com decisão proferida no Proc. 275/2017-T deste CAAD.

Como já se referiu noutras decisões, entendemos que, efetivamente, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”

É certo, que não podemos olvidar, que em Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade específica, elemento do princípio da legalidade, o que, para o que interessa, exige a enumeração taxativa dos factos ou realidades que, “dentro de cada tipo genérico do objecto normativo de incidência, são indicados por lei como objecto de incidência”.

Não obstante, como se disse, nunca poderão ser ultrapassados os limites impostos por ditames legais, ainda que não integrados no específico direito tributário, mas que condicionam de forma decisiva a sua aplicação.

 

NESSA MEDIDA E RAZÃO temos de concordar, com a decisão referida em último lugar, fazendo, com a devida vénia, nossos, os fundamentos que a sustentam:

 

(…)

Para que se possa determinar se os rendimentos auferidos pelos Requerentes devem ser enquadrados, à luz dos preceitos citados, na categoria B ou na categoria F de rendimentos, para efeitos de IRS, importa saber, no caso vertente, se os mesmos decorrem do exercício de uma atividade comercial (conforme alegam os Requerentes) ou se, diferentemente, resultam da mera cedência do imóvel (conforme sustenta a Requerida).

 

Tem sido entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, reiterado no Acórdão do STA de 11-01-2017, proferido no âmbito do processo 01622/15, que «o conceito de atividade comercial ou industrial há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros».

…Ora, conforme decorre do contrato de exploração turística, cabe à... sociedade contratada sociedade (F…) assegurar a exploração turística da fração imobiliária de que os Requerentes são proprietários que assegura a atividade comercial nos termos referidos.

Importa, em todo o caso, atentar no facto, para o qual os Requerentes chamam a atenção … de, conforme estipulado no contrato de cedência de exploração turística, aquela atividade da… empresa contratada… ser desenvolvida “por conta” dos proprietários.

Note-se, a este respeito, que agir “por conta de” não significa o mesmo que agir “em nome de” – a primeira expressão é adequada para nos referirmos à relação existente entre mandante e mandatário num mandato sem representação (artigo 1180.º do Código Civil), enquanto a segunda permite aludir à relação que se estabelece entre mandante e mandatário num mandato com representação (artigo 1178.º, n.º 1 do Código Civil).

A exploração da fração imobiliária é, portanto, feita pela …empresa referida… “por conta” dos Requerentes-proprietários, mas não “em nome” destes.

Não pode este Tribunal, em qualquer caso, ignorar que no caso vertente se está perante um contrato de cessão de exploração turística.

Estes contratos têm vindo a ser qualificados pela jurisprudência como contratos atípicos ou inominados (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2011, proferido no âmbito do 572/03.8TCFUN.L1.S1, e de 9 de Junho de 2009, proferido no âmbito do processo nº 823/06.7TCFUN.S1), devendo os mesmos ser compreendidos à luz do regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos em vigor (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, tendo aquele revogado o Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, com as alterações que lhe haviam sido introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 305/99, de 6 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 55/2002, de 11 de março, e pelo Decreto-Lei n.º 217/2006, de 31 de outubro).

O empreendimento “…” encontra-se sujeito ao regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos, conforme, aliás, é reconhecido no próprio título constitutivo.

À data do depósito do título constitutivo do empreendimento “…” (8 de fevereiro de 2008), o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos (RJIFET) era o que havia sido aprovado pelo Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 305/99, de 6 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 55/2002, de 11 de março, cujo artigo 1.º, n.º 1, definia empreendimentos turísticos como «os estabelecimentos que se destinam a prestar serviços de alojamento temporário, restauração ou animação de turistas, dispondo, para o seu funcionamento, de um adequado conjunto de estruturas, equipamentos e serviços complementares».

Sobre a exploração dos empreendimentos turísticos, o artigo 44.º do RJIFET previa o seguinte:

«1- A exploração de cada empreendimento turístico deve ser da responsabilidade de uma única entidade.

2- A unidade de exploração do empreendimento não é impeditiva de a propriedade das várias fracções imobiliárias que o compõem pertencer a mais de uma pessoa.

3- Só as unidades de alojamento podem ser retiradas da exploração dos empreendimentos turísticos e apenas nos casos e nos termos estabelecidos no regulamento previsto no n.º 3 do artigo 1.º.

4- As unidades de alojamento que tiverem sido retiradas da exploração de um empreendimento turístico não podem ser objecto de outra exploração comercial, turística ou não».

O legislador distinguia aqui claramente entre a propriedade das várias frações imobiliárias que compõe o empreendimento, a qual pode ser plural, e a exploração deste, que «deve ser da responsabilidade de uma única entidade».

Dito de outro modo, o legislador admite a propriedade plural, mas impõe a unicidade da exploração.

Daqui advém a indispensabilidade de celebração de contratos de cessão de exploração turística entre os proprietários das frações imobiliárias e a entidade responsável pela exploração turística.

A celebração de tais contratos decorre da necessidade de observância da lei, e não da vontade das partes contratantes – não se trata, pois, de uma opção de gestão por parte do proprietário da fração, mas antes de uma condição necessária para a aquisição da fração imobiliária.

57.    Quanto aos rendimentos em causa no presente processo referentes ao ano de 2013, vigorava o RJIFET aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro (aplicável, em regra, aos empreendimentos turísticos existentes à data da sua entrada em vigor, por força do disposto no n.º 1 do artigo 75.º), cujo n.º 1 do artigo 44.º mantem a consagração legal da regra da unicidade da exploração, e em que o artigo 45.º prevê o seguinte:

«1- Sem prejuízo do disposto no artigo 49.º, as unidades de alojamento estão permanentemente em regime de exploração turística, devendo a entidade exploradora assumir a exploração continuada da totalidade das mesmas, ainda que ocupadas pelos respetivos proprietários.

2- A entidade exploradora deve assegurar que as unidades de alojamento permanecem a todo o tempo mobiladas e equipadas em plenas condições de serem locadas para alojamento a turistas e que nelas são prestados os serviços obrigatórios da categoria atribuída ao empreendimento turístico.

3- Quando a propriedade e a exploração turística não pertençam à mesma entidade ou quando o empreendimento se encontre em regime de propriedade plural, a entidade exploradora deve obter de todos os proprietários um título jurídico que a habilite à exploração da totalidade das unidades de alojamento.

4- O título referido no número anterior deve prever os termos da exploração turística das unidades de alojamento, a participação dos proprietários nos resultados da exploração da unidade de alojamento, bem como as condições da utilização desta pelo respetivo proprietário».

O n.º 3 do artigo citado torna explícito o que já resultava implicitamente da anterior versão do RJIFET – a indispensabilidade de um título jurídico que habilite a exploração da totalidade das unidades de alojamento.

As alterações ao RJIFET introduzidas Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, não tiveram implicações no texto do n.º 1 do artigo 44.º nem do 45.º, pelo que o que se disse relativamente ao ano de 2013 vale, igualmente, para o ano de 2014.

Em conclusão, a exploração turística da fração imobiliária de que os Requerentes são proprietários, nos anos de 2013 e 2014, que interessam no caso vertente, foi assegurada pela sociedade …, em observância da regra da unicidade da exploração consagrada no n.º 1 do artigo 44.º do RJIFET.

Os Requerentes limitaram-se a ceder a fração imobiliária para exploração, pelo que os rendimentos que auferiram têm a natureza de rendas, tal como estas se encontram definidas na alínea a), do n.º 2 do artigo 8.º do CIRS, constituindo rendimentos prediais (conforme resulta do n.º 1 do artigo 8.º do CIRS), enquadráveis na categoria F de rendimentos.

Os rendimentos auferidos pelos Requerentes não decorrem, portanto, da exploração turística da fração imobiliária de que são proprietários, mas sim da cedência da mesma para exploração por outra entidade …

Para esta conclusão, é irrelevante que os Requerentes estejam registados para o exercício de atividades comerciais, designadamente a que se refere a “apartamentos turísticos sem restaurante”, tal como é irrelevante o regime do IVA em que estejam enquadrados.

Também não releva para o caso o intuito lucrativo que possa ter motivado os Requerentes na aquisição da fração imobiliária do empreendimento turístico.

Nem releva o facto de os Requerentes terem, eventualmente, alguma organização para o desenvolvimento das atividades comerciais em que estão inscritos para efeitos fiscais.

Deve sublinhar-se que não está em causa, no presente processo, saber se os Requerente exercem ou não a atividade comercial para que estão inscritos.

O que está em causa é saber se os rendimentos auferidos no caso concreto, e apenas estes, com os contornos jurídicos que enquadram o exercício da atividade de exploração turística, podem ser imputados aos Requerentes a título de rendimentos comerciais (enquadráveis na categoria B), sendo a resposta a esta questão negativa.

Donde resulta evidente o que já foi afirmado supra – que a decisão do caso sub judice se centra em questões de direito, e não de facto.

O que é decisivo é que, por imposição legal, a exploração turística da fração imobiliária de que os Requerentes são proprietários não pode ser assegurada pelos mesmos, pelo que os rendimentos por eles auferidos, e que estão em causa no presente processo, não podem, logicamente, ser imputados a tal atividade.

Os rendimentos auferidos decorrem da cedência da fração imobiliária, pelo que revestem a natureza de rendimentos prediais.

O facto de os rendimentos em causa não poderem ser imputados a atividade comercial desenvolvida pelos Requerentes também torna inaplicável o critério da preponderância da categoria B – este só seria relevante se os rendimentos em causa pudessem, simultaneamente, ser enquadrados na categoria B e noutra categoria (no caso, na categoria F), o que não sucede no caso sub judice.

Como ficou já demonstrado, decorre do RJIFET a inadmissibilidade jurídica de exploração das frações imobiliárias integradas em empreendimentos turísticos pelos diversos proprietários das mesmas, pelo que não podem os rendimentos obtidos pelos Requerentes ser imputados a tal exploração nem, consequentemente, ser enquadrados na categoria B de rendimentos, para efeitos de IRS.

A qualificação dos rendimentos em causa como rendimentos prediais, enquadráveis na categoria F, resulta da interpretação e aplicação da lei, independentemente do teor de qualquer circular administrativa, designadamente da Circular n.º 5/2013 da Direção de Serviços do IRS, que, como bem assinalam os Requerentes, apenas vincula os serviços da AT.

Tal como a decisão deste Tribunal não está vinculada a qualquer circular administrativa, também não está limitada pelo sentido de quaisquer atos decisórios da AT, praticados na sequência de outros procedimentos administrativos, designadamente procedimentos inspetivos em sede de IVA ou mesmo de IRS.

 

Quanto à não aceitação pela AT da dedução de determinadas despesas em sede de apuramento do rendimento líquido da categoria F, concordamos, também, com a decisão que se vem seguindo assumindo-as, na integra.

(…) O n.º 1 do artigo 41.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, previa o seguinte:

«Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal» (Redação dada pela lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).

Assim, há que apurar se as referidas despesas configuram despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo.

Para este efeito, importa atender às normas relevantes do RJIFET.

Na verdade, se o RJIFET não pode deixar de ser considerado para efeitos de qualificação dos rendimentos, também não pode ser ignorado para efeito de delimitação do âmbito das despesas dedutíveis, atendendo às especificidades da atividade aí regulada.

O artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro, previa, à data dos factos, o seguinte:

«1 — O proprietário de um lote ou fracção autónoma de um empreendimento turístico em propriedade plural deve pagar à entidade administradora do empreendimento a prestação periódica fixada de acordo com o critério determinado no título constitutivo.

2 — A prestação periódica destina-se a fazer face às despesas de manutenção, conservação e funcionamento do empreendimento, incluindo as das unidades de alojamento, das instalações e equipamentos comuns e dos serviços de utilização comuns do empreendimento, bem como a remunerar a prestação dos serviços de recepção permanente, de segurança e de limpeza das unidades de alojamento e das partes comuns do empreendimento.

3 — Além do disposto no número anterior, a prestação periódica destina -se a remunerar os serviços do revisor oficial de contas e a entidade administradora do empreendimento, podendo suportar outras despesas desde que previstas no título constitutivo.

[…]

8 — Uma percentagem não inferior a 4 % da prestação periódica deve ser afecta à constituição de um fundo de reserva destinado exclusivamente à realização de obras de reparação e conservação das instalações e equipamentos de uso comum e de outras despesas expressamente previstas no título constitutivo [com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 15/2014 de 23 de janeiro, passou a n.º 9].

9 — Independentemente do critério de fixação da prestação periódica estabelecido no título constitutivo, aquela pode ser alterada por proposta do revisor oficial de contas inserida no respectivo parecer, sempre que se revele excessiva ou insuficiente relativamente aos encargos que se destina e desde que a alteração seja aprovada em assembleia convocada para o efeito [com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 15/2014 de 23 de janeiro, passou a n.º 10].

Decorre do n.º 2 do artigo citado que importa proceder à distinção entre despesas de manutenção, conservação e funcionamento, sendo dedutíveis apenas as primeiras (desde que efetivamente suportadas e documentalmente provadas), e excluindo-se a possibilidade de dedução das despesas de funcionamento (despesas correntes), conforme resulta do previsto no n.º 1 do artigo 41.º do CIRS.

Conforme entendimento expresso pelo STA no seu acórdão de 06-07-2016, proferido no âmbito do processo 088/16, «[a]s despesas de manutenção e de conservação serão despesas que sejam necessárias à conservação e manutenção dos imóveis que são geradores de rendimento. Poderão ser, como antes definidas no Regime do Arrendamento Urbano, art. 11.º, despesas efectuadas com obras de conservação ordinária – reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; obras de conservação extraordinária – de reparação de defeitos de construção do prédio ou supervenientes; ou até de beneficiação do imóvel, mas sempre com repercussão no imóvel e na susceptibilidade de ele gerar rendimentos».

Consideram-se, assim, excluídas dos conceitos de manutenção e conservação as despesas referentes a consumos de eletricidade, água e gás, as quais não poderão, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do CIRS, ser deduzidas aos rendimentos brutos da categoria F, contrariamente ao que pretendem os Requerentes.

Quanto às demais despesas sobre as quais existe divergência no caso sub judice – despesas com pessoal de limpeza e jardinagem, reparações e pinturas –, elas integram-se no conceito de despesas de manutenção e conservação.

Para saber se essas despesas são dedutíveis, há que determinar, à luz do acordado entre as partes no contrato de cessão da exploração turística, se cabia aos Requerentes-proprietários suportá-las.

Nos termos acordados, as despesas com pessoal de limpeza, jardinagem, reparações e pinturas, incluem-se nos serviços que devem ser prestados pela Gestora e pelos quais esta é remunerada, pelo que não podem as mesmas ser deduzidas pelos Requerentes-proprietários.

Cabe à gestora … fazer os pagamentos referentes a tais despesas, sendo estas suportadas pelos proprietários mediante a remuneração paga àquela.

O custo dedutível é, assim, o correspondente à remuneração paga à Gestora, o qual não é contestado pelos Requerentes.

Na conformidade referida, entende-se que, no caso, não deverão ser consideradas, para efeitos de dedução aos rendimentos da categoria F do IRS, das despesas com salários de pessoal (de limpeza e jardinagem), eletricidade, gás, água, pinturas e reparações, referentes aos anos de 2013 e 2014, mantendo-se, nesta parte, o ato tributário de liquidação como foi praticado.

 

PELO QUE IMPROCEDE, assim, o pedido de pronúncia arbitral já que a liquidação contestada e procedimento que a baseia, não enfermam de vicio de falta de fundamentação e vício de erro sobre os pressupostos de facto e direito, não se impondo a respectiva anulação, mesmo parcial, como é pedido.

 

Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios, formulado pelos Requerentes, (e admitido nos termos no n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil), o artigo 43.º, n.º 1 da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, pelo que foi referido, não há, consequentemente, lugar a qualquer reembolso ou pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

VII - DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral formulado:

a- Não declarando a anulação, mesmo que parcial, dos atos tributários de liquidação impugnados;

b- Não determinando o reembolso do valor do imposto pago e pagamento de juros indemnizatórios;

d- Condenando a Requerente nas custas do processo.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €15.695,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente - uma vez que o pedido foi considerado totalmente improcedente - nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 03-01-2018

 

 

O Árbitro

 

 

(Fernando Miranda Ferreira)