Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 240/2013-T
Data da decisão: 2014-03-13  Selo  
Valor do pedido: € 77.186,40
Tema: Terrenos para construção, Verba 28.1 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A…, contribuinte fiscal n.º …, residente em …, (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 28.10.2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo em matéria tributária, que foi aceite, visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”) e relativos a prédios de que é proprietária, como adiante melhor se verá.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitros Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro-presidente),  Maria Celeste Cardona, e  Nuno Pombo, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído a 27.12.2013.

 

  1. No dia 30.12.2013 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

  1. No dia 03.02.2014 a Requerida apresentou a sua resposta bem como o despacho de designação dos Senhores Dra. Ana Fonseca e Dr. João Gonçalves para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

  1. A Requerente é proprietária de 6 (seis) prédios (de ora em diante designado “Prédios”) em propriedade total ou vertical, a saber:

 

  1. Um prédio sito na …, com o artigo matricial …, da nova freguesia de …, em …, com 6 (seis) pisos e 13 (treze) divisões com utilização independente, com um valor patrimonial total de € 2.139.380,00 (dois milhões cento e trinta e nove mil trezentos e oitenta euros), a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 3, cujo teor se tem por reproduzido;

 

  1. Um prédio sito na …, com o artigo matricial …, da nova freguesia de …, em …, com 6 (seis) pavimentos e 13 (treze) divisões com utilização independente, com um valor patrimonial total de € 1.224.680,00 (um milhão duzentos e vinte e quatro mil seiscentos e oitenta euros), a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 4, cujo teor se tem por reproduzido;

 

  1. Um prédio sito na …, em …, com o artigo matricial .., da nova freguesia de …, em …, com 6 (seis) pavimentos e 13 (treze) divisões com utilização independente, com um valor patrimonial total de € 1.230.570,00 (um milhão duzentos e trinta mil quinhentos e setenta euros), a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 5, cujo teor se tem por reproduzido;

 

  1.  Um prédio sito na …, tornejando para a …, em …, com o artigo matricial …, da nova freguesia de …, em …, com 6 (seis) pavimentos e 13 (treze) divisões com utilização independente, com um valor patrimonial total de € 1.163.450,00 (um milhão cento e sessenta e três mil quatrocentos e cinquenta euros), a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 6, cujo teor se tem por reproduzido;

 

  1. Um prédio sito na …, em …, com o artigo matricial …, da nova freguesia de …, em …, com 6 (seis) pavimentos e 13 (treze) divisões com utilização independente, com um valor patrimonial total de € 1.222.900,00 (um milhão duzentos e vinte e dois mil e novecentos euros), a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 7, cujo teor se tem por reproduzido;

 

  1. Um prédio sito na …, em …, com o artigo matricial …, da nova freguesia de …, em …, com 7 (sete) pisos e 13 (treze) divisões com utilização independente, com um valor patrimonial total de € 1.209.720,00 (um milhão duzentos e nove mil setecentos e vinte euros), a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 8, cujo teor se tem por reproduzido.

 

  1. Em Março de 2013, a Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) que se encontram listadas nos quadros do art. 1.º do requerimento de pronúncia arbitral (anexadas sob a designação conjunta de documento n.º 1 do dito requerimento, cujo teor se tem por reproduzido), as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e na subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do art.º 6.º da mesma Lei.

 

  1. Em Julho de 2013, a Requerente foi notificada dos documentos que se encontram listadas nos quadros do art. 8.º do requerimento de pronúncia arbitral (anexados sob a designação conjunta de documento n.º 2 do dito requerimento, cujo teor se tem por reproduzido).

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento do tributo que lhe era exigido pelas liquidações a que acima se fez referência, como se comprova pelos documentos juntos sob a designação conjunta de documentos n.º 1 e n.º 9 do requerimento de pronúncia arbitral, cujo teor se tem por reproduzido.  

 

  1. Fundamenta a Requerente o seu pedido no “vício de erro sobre os pressupostos de direito, erro sobre os pressupostos de facto e vício de violação de lei”.

 

  1. O vício de erro sobre os pressupostos de direito, sustenta a Requerente, radica na circunstância de não resultar da lei a correspondência do valor patrimonial tributário (de ora em diante designado “VPT”) de um prédio composto por várias fracções independentes à soma do VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, até porque cada uma das partes susceptíveis de utilização independente é objecto de liquidação de IMI separadamente, em função do respectivo VPT. 

 

  1. A Requerida, porém, para apurar o VPT de cada um dos Prédios em propriedade total ou vertical não se limitou a proceder à soma aritmética do VPT de cada uma das suas partes susceptíveis de utilização independente. Para esse apuramento expurgou a Requerida da pretensa unidade constituída por cada um dos mencionados Prédios as partes deles que se mostram, nos termos das respectivas cadernetas prediais, afectas ao comércio ou a serviços, não encontrando a Requerente fundamento legal que autorize semelhante exercício.

 

  1. A Requerente, se não encontra fundamento legal para que a Requerida expurgue da pretensa unidade de cada um dos seis Prédios em propriedade total as partes que, nos termos das respectivas cadernetas prediais, se mostram afectas a serviços ou a actividades comerciais, também na lei não vislumbra arrimo que permita à Requerida considerar como sendo “prédio com afectação habitacional” – expressão usada pela verba 28.1 da TGIS – aquele que tem partes manifestamente não afectas à habitação, porquanto destinadas ao comércio ou a serviços.

 

  1. Refere ainda a Requerente que mesmo as partes susceptíveis de utilização independente de cada um dos seis Prédios em propriedade total afectas a habitação não se destinam a “servir de habitação do respectivo proprietário, mas antes a constituir para este uma fonte de receita”, pelo que “uma interpretação teleológica da norma [de incidência] em causa conduz, portanto, à ilegalidade das liquidações sub judice”.   

 

  1. Por último, alega a Requerente que a norma de incidência em causa, na interpretação que a Requerida dela faz, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, expressamente consagrado no art.º 13.º da Lei Fundamental, porquanto, em síntese, por um lado inexiste qualquer diferença justificativa de um diverso regime tributário entre prédios constituídos em propriedade total ou vertical com partes susceptíveis de utilização independente e prédios com as mesmas características de facto, mas constituídos em propriedade horizontal e, por outro, constitui uma discriminação arbitrária “sujeitar a imposto os prédios cuja afectação funcional é a habitação” de arrendatários, não sujeitando a “tal imposto os prédios cuja afectação funcional seja comercial”, porquanto num e noutro caso o seu proprietário vê nessas afectações idênticas fontes de rendimento.

 

  1. Já o vício de erro sobre os pressupostos de facto surpreende-o a Requerente na circunstância de ter a Requerida considerado como estando afectas a habitação, para efeitos da aplicação do disposto na verba 28.1 da TGIS, partes susceptíveis de utilização independente de cada um dos ditos seis Prédios em propriedade total que manifestamente estão afectas a outros fins, procurando provar essa constatação com cópia dos respectivos contratos de arrendamento.

 

  1.  Sustenta ainda a Requerente haver vício de violação de lei, uma vez que “foi notificada de vários documentos para pagamento identificados com diferentes números, verificando-se, em suma, a falta de indicação, nas notificações em causa, do número da liquidação que se lhes encontra subjacente”, concluindo que a falta de identificação do acto de liquidação corresponde à “ausência de fundamentação legal exigida”.

 

 

C – Posição da Requerida

 

  1. A Requerida, na sua resposta, pronuncia-se sobre o “vício de forma por falta de fundamentação” e sobre o “vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito”.

 

  1. Quanto à pretensa falta de fundamentação, advoga a Requerida que as notificações a que se refere a Requerente “identificam o acto de liquidação que lhes serve de suporte”, pois que “identificam a disposição legal aplicável (verba 28.1 da TGIS), a qualificação e quantificação do facto tributário (indicando a parte do prédio tributado e respectivo VPT) bem como o apuramento do imposto por aplicação ao VPT em causa da taxa de 1%, bem como o ano a que respeita e data da liquidação”, elementos que entende bastarem para a fundamentação sumária a que apela o n.º 2 do art.º 77.º da Lei Geral Tributária.

 

  1. Já no que se refere ao erro sobre os pressupostos de direito, entende a Requerida que, “como resulta expressamente da letra da lei”, “para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio”.

 

  1. Contudo, como a verba 28.1 da TGIS incide sobre prédios com afectação habitacional, entende a Requerida que forçoso seria expurgar, para apuramento do VPT sujeito a imposto, “os valores patrimoniais dos andares com afectação comercial”, “sob pena de se incorrer em excesso de quantificação da matéria colectável”.

 

  1. Entende ainda a Requerida não poder sustentar-se, como pretende a Requerente, que as liquidações sub judice violam o princípio constitucional da igualdade, porquanto a verba 28.1 da TGIS é uma “norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito”.

 

  1. Ademais, também no juízo da Requerida, não sai o princípio constitucional da igualdade beliscado quando se valora e tributa diferentemente, em sede de imposto do selo, “um imóvel em propriedade total face a um imóvel em propriedade horizontal”, porque diferentes são “os efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras”, que são “realidades distintas”.

 

 

D – Conclusão do Relatório

 

 

  1. No dia 13.02.2014, pelas 15h30m, teve lugar a primeira (e única) reunião do tribunal arbitral colectivo com as partes, tendo a Requerente solicitado que fosse admitida a possibilidade de apresentar alegações por escrito, o que o tribunal deferiu, não tendo nenhuma das partes, por estar em causa matéria exclusivamente de direito, visto necessidade da realização de qualquer diligência adicional.

 

  1. Assim, foi concedido um prazo de 10 (dez) dias, sucessivos, para que a Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentassem as suas alegações escritas, o que ambas fizeram, em tempo.

 

  1. Com as suas alegações a Requerente requereu ao tribunal arbitral colectivo a junção aos autos dos documentos correspondentes à terceira prestação do IS subjacente às liquidações cuja anulação peticionara, por terem sido recepcionados em data posterior à do pedido de pronúncia arbitral, tendo tal requerimento sido deferido. 

 

  1. Pelas suas alegações escritas, a Requerente reitera o entendimento de que “cada andar ou parte susceptível de utilização independente não tem VPT superior a € 1.000.000” (um milhão de euros), repetindo, em termos substancialmente idênticos, o que havia sido já apresentado com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Por sua vez, a Requerida, nas suas alegações, “mantém tudo aquilo que expendeu na sua resposta”, dando-a por reproduzida, não apresentando nada de novo que em termos substanciais se mostrasse materialmente relevante para a apreciação a que cumpre proceder. 

 

  1. O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

 

  1. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

  1. A Requerente é a única proprietária dos Prédios referidos no ponto 1.7. supra (docs. n.ºs 3 a 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. Os Prédios encontram-se constituídos em propriedade total ou vertical, todos com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (docs. n.ºs 3 a 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. Quatro dos Prédios têm, como evidenciado nas respectivas cadernetas prediais, andares ou divisões afectos a comércio e a serviços (docs. n.ºs 3 a 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, procedeu à soma aritmética dos valores patrimoniais de cada um dos andares ou divisões que nas respectivas cadernetas prediais eram dados como estando afectos a habitação.

 

  1. Assim, a Requerida atribuiu aos Prédios identificados nos pontos 1.7.1. e seguintes supra os valores patrimoniais tributários que aqui se indicam, respectivamente: (i) € 2.104.640,00 (dois milhões cento e quatro mil seiscentos e quarenta euros); (ii) € 1.002.440,00 (um milhão, dois mil quatrocentos e quarenta euros); (iii) € 1.122.310,00 (um milhão, cento e vinte e dois mil trezentos e dez euros); (iv) € 1.056.630,00 (um milhão, cinquenta e seis mil seiscentos e trinta euros); (v) € 1.222.900,00 (um milhão, duzentos e vinte e dois mil e novecentos euros); e (vi) € 1.209.720,00 (um milhão, duzentos e nove mil setecentos e vinte euros) – (docs. n.ºs 1 a 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. Para além dos andares e divisões não afectos a habitação referidos em 2.1.3., outros há que, estando dados nas respectivas cadernetas prediais como afectos a habitação, estão porém afectos a actividades comerciais ou a serviços (docs. n.ºs 11, 13, 16, 17, 18, 23, 31, 65, 68 e 75 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

  1. A Requerente foi, nos dias 21 e 22 de Março de 2013, notificada das liquidações de Imposto do Selo a que se referem os quadros que constam do art.º 1.º do pedido de pronúncia arbitral (doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Já em Julho, recebeu a Requerente os documentos que lista no art.º 8.º do pedido de pronúncia arbitral, visando o pagamento da segunda prestação do imposto do selo liquidado em Março do mesmo ano (doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Em Novembro, recebeu a Requerente os documentos que junta no requerimento apresentado aquando da entrega das suas alegações escritas, visando o pagamento da terceira prestação do IS liquidado em Março do mesmo ano (documentos apresentados com o requerimento entregue com as alegações escritas).

 

  1. A Requerente, no prazo que lhe havia sido concedido, procedeu ao pagamento voluntário das primeira, segunda e terceira prestações do imposto liquidado (doc. n.ºs 1 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e documentos apresentados com o requerimento entregue com as alegações escritas).

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa, que devam considerar-se não provados.

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.1. Questão a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que a questão decidenda é, no fundo, a de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afectação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

3.1.2. A verba 28.1 da TGIS

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que conta com a seguinte redacção:

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;

 

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

 

 

Com a epígrafe “disposições transitórias”, o art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e com relevo para o que cumpre decidir, estabeleceu o seguinte:

 

 

1 — Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

 

a) O facto tributário verifica -se no dia 31 de outubro de 2012;

 

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

 

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

 

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

 

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

 

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

 

  1. Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
  2. Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
  3. Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

 

Como se constata, a verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

3.1.3. A “propriedade vertical” e a aplicação da verba 28.1 da TGIS

 

Sem prejuízo do interesse, não apenas dogmático, da fixação do sentido e do alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”, forçoso é, antes do mais, dar resposta à questão de saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, podem ser somados os VPT de cada um dos andares ou divisões com utilização independente de um determinado edifício, como fez a Requerida relativamente a cada um dos Prédios.

 

  1. A matriz predial de imóveis em propriedade total ou vertical e a cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis

 

Importa desde já esclarecer que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, conforme se pode ler no n.º 2 do art.º 12.º do CIMI. Também o imposto municipal sobre imóveis (IMI) é liquidado individualmente em relação a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).

 

Ou seja, resulta claro que o legislador, em sede de CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.

 

Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda mas impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.

 

 

  1. A aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes independentes

 

Se é assim para o IMI, como se procurou demonstrar, não pode deixar de ser assim também para o IS, nomeadamente para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

Aliás, este problema, caso o imposto, IMI ou IS, fosse puramente proporcional, não existiria ou seria inócuo, porquanto o somatório das partes haveria de corresponder necessariamente ao todo. Não é esse, porém, o caso dos autos.

 

Como se viu, o IS a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS só se mostra devido relativamente aos prédios com afectação habitacional e, nestes, apenas aos que apresentem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

A Requerida, num exercício que se compreende, lobrigou o absurdo que resultaria da aplicação da taxa de imposto ao VPT de um prédio, se este fosse calculado na base do somatório de todas as partes independentes que o compõem. Expurgou, então, no caso em análise, as partes que matricialmente estavam afectas a fins não habitacionais, logrando alcançar, para efeitos da verba 28.1 um VPT diferente daquele que resulta da aplicação dos critérios de determinação da matéria colectável para efeitos de tributação em sede de IMI. E note-se que a expurgação realizada nem sequer abrangeu todas as partes independentes manifestamente afectas a fins não habitacionais, porque as havia, como ficou demonstrado, mas só aquelas que, matricialmente, revelavam essa diversa afectação. 

 

Dizer-se que se entende o exercício levado a cabo pela Requerida não significa, porém, concluir pelo seu acerto, porquanto ele só teve lugar para evitar um “excesso de quantificação da matéria colectável”, para usar a expressão da própria Requerida, o qual resulta apenas da circunstância de ser também excessivo, ou mesmo abusivo, o pressuposto de que parte a Requerida para justificar a tributação. 

 

Ora, o abuso que parece enfermar o raciocínio da Requerida é o de desconsiderar a autonomização de cada uma das partes independentes de cada um dos Prédios para descortinar, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, uma unidade que sendo indiscutível em termos de direitos reais o não é em sede de tributação sobre o património imobiliário.

 

Atentos a letra e o espírito da lei não se vislumbra que seja intenção do legislador fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes de um prédio quando apenas do somatório de todas elas resulta um VPT superior ao da bitola legal. 

 

 

  1. A ratio legis da verba 28.1 da TGIS

 

O que se deixa dito acima não ignora o confessado propósito do proponente da alteração legislativa já referida. A interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta intervenção legislativa.

 

Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[2]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”     

 

Ora, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo sem tibiezas a expressão “casas”. “Casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, note-se. 

 

Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa adoptada, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT superior ao que prevê a mesma verba. Na verdade, nenhuma das “casas” de qualquer dos Prédios a que vimos fazendo referência, apresenta, de per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

 

 

  1. Conclusão

 

Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral colectivo que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente de cada um dos Prédios, por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.  

 

 

3.1.4. Questões prejudicadas: ausência de fundamentação legalmente exigida e inconstitucionalidade

 

A Requerente suscitou a questão da ausência de fundamentação legalmente exigida, por não ser possível aferir, em nenhum dos documentos pelos quais foi notificada, o número da liquidação a que os mesmos dizem respeito.

 

Igualmente levantou a questão da inconstitucionalidade das normas da subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e da verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pelo mesmo diploma, se fossem interpretadas no sentido de que o imposto do selo ali previsto poderia incidir sobre cada um dos andares ou partes independentes de cada um dos Prédios.

 

Uma vez que o tribunal arbitral colectivo não acolheu o entendimento da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessas questões e a de quaisquer outros vícios que possam enfermar as contestadas liquidações.

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais, nomeadamente o reembolso do imposto pago pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios.

 

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 77.186,40.

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 13 de Março de 2014

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 (Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)

 

 

 

 

(Maria Celeste Cardona)
 

 

 

 (Nuno Pombo)

 

 



[1] A redacção da presente decisão arbitral  obedece à ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

[2] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.