DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
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A…, S.A., contribuinte fiscal, pessoa coletiva e matrícula número…, com sede em …, …, …, Lagoa, veio aos 26.05.2017, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.º 1 e 2 do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT, requerer a constituição de tribunal arbitral.
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É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
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O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 24 de Agosto de 2017.
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O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que a Requerente apresentou dos actos de liquidação de imposto de selo, verba 28.1 da Tabela Geral, referente ao de 2013 e relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de … e …, do concelho de Silves, distrito de Faro, sob o artigo...º, liquidações, pedido de revisão e prédio que estão melhor identificados no pedido da Requerente e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.
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A Requerente, não concordando com o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, continua a sustentar a ilegalidade dos actos de liquidação, contestando a aplicação da nova verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal, mas que incluam divisões suscetíveis de utilização independente, em que o valor mínimo de incidência fixado na lei seja atingido pelo somatório do VPT dos registos matriciais separados (ou autónomos) correspondentes àquelas várias divisões, mas não por qualquer uma delas individualmente considerada.
Entende que pelo facto de o prédio, apesar de não estar constituído em propriedade horizontal, ser constituído por partes suscetíveis de utilização independente, o VPT relevante para aferir do preenchimento do requisito de que depende a incidência da referida verba não se encontra preenchido, já que cada uma das partes do prédio suscetíveis de utilização independente tem um registo separado na correspondente matriz e, portanto, VPT individualizado inferior ao referido limite mínimo.
Sustenta, pois, a Requerente não ser proprietária de um prédio com VPT igual ou superior ao referido montante mínimo, antes proprietária de um prédio em propriedade vertical em que o VPT superior a esse valor apenas é alcançado pelo somatório do VPT das divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação, sem que nenhuma delas, considerada individualmente, atinja esse montante mínimo de relevância tributária. Por essa razão, para a Requerente, as liquidações em crise padecem de vício de violação de lei, o que as torna anuláveis.
A Requerente alega subsidiariamente que uma interpretação da norma em sentido diferente seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade do artigo 13.º e, bem assim, do número 3 do artigo 104.º da CRP.
Conclui peticionando a anulação das liquidações em crise e o reembolso das quantias por ela pagas em consequência de tais liquidações, acrescidos de juros indemnizatórios.
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A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu, defendendo-se em primeiro lugar por excepção, alegando a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
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Alega que o pedido de revisão foi extemporâneo, e indeferido liminarmente com esse fundamento, pelo que, no seu entender, “não pode nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de um pedido de revisão extemporâneo”, sob pena de se abrir “o caminho para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais findaram já os respectivos prazos de contestação”. Isto porque, entende, sendo o pedido de revisão intempestivo, o prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1 do RJAT, para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, se conta nos termos da alínea e), antes da alínea a) do n.º 1 do CPPT, pelo que é extemporâneo, o que, alega, constitui excepção peremptória que determina a absolvição da AT do pedido.
No mais, a Requerida defendeu-se por impugnação, sustentando a manutenção das liquidações, salientando, em síntese, que a propriedade total, ou vertical, corresponde a um prédio no conceito do artigo 2.º do CIMI, sendo esta a realidade a atender para apurar da verificação do valor mínimo constante da norma de incidência.
Para a Requerida, o VPT relevante para efeitos de incidência tributária é, pois, o VPT do prédio urbano e não o VPT de cada uma das partes que o integram, ainda que estas sejam suscetíveis de utilização independente, posto que afetas a habitação. Em reforço desta tese salienta também que a unidade do prédio não é afetada, não podendo as suas partes distintas ser juridicamente equiparadas às frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal, até porque a sua titularidade é necessariamente atribuída apenas a um único proprietário (ou mais do que um, mas nos casos de compropriedade).
Acrescenta que entendimento diverso (i.e., que o VPT relevante para a norma de incidência corresponderia ao VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente) seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária (ínsito no art.º. 103º, nº 2 da CRP), por diferenciar onde o legislador não distinguiu.
Para a Requerida o legislador poderia ter pretendido favorecer um regime juridicamente mais evoluído (a propriedade horizontal), submetendo-o a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, sem que essa discriminação possa ser considerada necessariamente arbitrária.
Mais sustenta, para a hipótese de serem julgadas ilegais as liquidações, que não há lugar a juros indemnizatórios, por não ter havido qualquer “erro dos serviços”, dado estar actuação da AT balizada pelo princípio da legalidade.
Termina solicitando a dispensa da reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como de alegações e conclui que deve ser julgado provada e procedente a excepção e, assim não se entendendo, improcedente o pedido.
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Notificadas da intenção do Tribunal em dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações, as partes não vieram opor-se.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
Mostra-se, porém, invocada pela Requerida a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, cujo conhecimento se relega para depois da decisão acerca da matéria de facto, por se entender ser esta indispensável ao conhecimento da excepção.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
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A 31.10.2012 a ora Requerente era proprietária do prédio urbano sob o artigo matricial…, com localização na freguesia de … e …, concelho de Silves, distrito de Faro.;
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Esse correspondia a um edifício em propriedade total, composto por 21 divisões de utilização independente, todas afetas a habitação;
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O valor tributável de cada uma daquelas divisões VPT, determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre o mínimo de € 50.530,00 e máximo de € 155.990, e perfaz, no total, de € 1.269.570,00;
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As liquidações em causa decorrem da aplicação do imposto do selo previsto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS) na redação que lhe foi dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de 1% ao valor patrimonial tributário de € 1.269.570,00 correspondente ao conjunto das divisões independentes afetas a habitação do referido prédio com referência ao ano de 2013;
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O prazo de pagamento da primeira prestação de cada uma daquelas liquidações terminava a trinta de Abril de 2014.
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Em sete de Abril de 2017 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de imposto do selo relativas a 2013 em crise;
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Foi proferido a onze de Maio de 2017 despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, com fundamento na respectiva intempestividade;
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi submetido a vinte e seis de Maio de 2017.
Factos não provados
Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações da Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta quer pela Requerente quer pela Requerida, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.
4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS
A primeira questão decidenda é, pois, a de saber se é intempestivo o pedido de pronúncia arbitral.
Analisando os factos e os articulados das partes, verifica-se que, de facto, o pedido de revisão oficiosa da Requerente foi indeferido pela Requerida com fundamento na respectiva intempestividade.
E acontece que a Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, não põe em causa esta decisão, antes se concentra na ilegalidade dos actos de liquidação, peticionado a respectiva anulação.
A seu favor, invoca que a AT nãos e limitou a considerar o pedido intempestivo, na medida em que rebate os argumentos da Requerida.
O que é verdade. Sendo verdade, também, porém que o fundamento último da decisão é a intempestividade.
A requerida podia ter colocado em causa esta decisão “liminar”, nomeadamente, alegando que o “quadro legal” e, portanto, o prazo de apresentação do pedido de revisão oficiosa era diverso daquele que foi considerado pela Administração Tributária. Mas não o fez, não podendo este Tribunal substituir-se-lhe nesta particular alegação.
Nessa medida, parece-nos que Assiste razão à Requerida: não estando a Requerente pedido de pronúncia arbitral que ora se decide, a invocar qualquer vício do despacho que incidiu sobre o seu pedido de revisão oficiosa, a sua consequente nulidade ou anulação e, eventualmente, por essa via, a reapreciação ou do pedido ou mesmo a anulação das liquidações em crise, o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral conta-se a partir do termo do prazo de pagamento das liquidações em crise, e não da notificação desse despacho.
A intempestividade constitui excepção peremptória, que implica a absolvição do pedido, nos termos do disposto no art.º. 576.º do Código de Processo Civil, ex vi do art.º. 29.º do RJAT.
Fica assim o conhecimento de qualquer outra das questões levantadas pela Requerente.
5. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se julgar procedente a excepção peremptória da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 12.695,70 (doze mil seiscentos e noventa e cinco euros e setenta cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
Custas
O montante das custas é fixado em €918,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, e será suportado pela Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, aos 08 de Janeiro de 2018,
(Eva Dias Costa)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.