Decisão Arbitral
I – Relatório
1. No dia 8.05.2017, o Requerente, A…, S.A., com o número de identificação fiscal…, com sede na …, n.º…, …, Lisboa requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato tributário de liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado[1] n.º…, referente ao primeiro trimestre de 2016.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 21-07-2017.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:
I.
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O Requerente é uma instituição financeira com sede em Portugal, detida a 92,988% pelo D…, S.A., instituição de crédito, vocacionada para a prestação de serviços bancários globais, de poupança e de investimento, isenta de IVA nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA.
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No entanto, uma parte substancial das operações “isentas” realizadas conferem o direito à dedução do IVA, ao abrigo do regime especial constante do ponto V da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, bem como a alínea c) do artigo 169.º da Diretiva IVA, uma vez que o Requerente tem privilegiado a sua relação com o mercado Angolano.
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No âmbito do cálculo do pro rata referente aos anos 2014 e 2015 o Requerente identificou IVA dedutível que inscreveu na declaração periódica de 2016/03 e solicitou o reembolso do crédito de imposto no valor de € 327.431,95 em 10 de Maio de 2016.
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Na sequência de uma ação de inspeção tributária interna levada a efeito junto do Requerente, pela AT para apreciação do reembolso de IVA solicitado, aquela veio propor as correções de IVA dedutível no valor no valor de € 85.329,25.
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O Requerente adquiriu, no âmbito dum contrato de leasing, pelo valor residual de € 22.629,04 uma viatura à B… .
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No caso em apreço, o Requerente celebrou um contrato de leasing com a B… onde este último se afigura como locador, ou seja, transferia o uso e gozo da viatura para o Requerente e este, como contrapartida procedia ao pagamento de uma renda mensal.
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Por sua vez estas rendas eram logo redebitadas a um seu colaborador E…, emitindo o Requerente para esse efeito as correspondentes faturas e liquidando o respetivo IVA.
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O mesmo procedimento foi adotado para o valor residual aquando da venda da viatura.
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Ora o IVA incorrido foi redebitado nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, com vista a obter o respetivo reembolso por parte do funcionário. Assim, está preenchida a previsão da norma que exceciona a exclusão do direito à dedução nestes casos.
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E assim deve ser, pois, não obstante estarmos perante despesas relativas à venda de uma viatura de turismo, estas são incorridas por um sujeito passivo, no caso sub judice o Requerente, agindo em nome próprio (foi o Requerente que contratou diretamente a B…) por conta de terceiro, isto é por conta do seu colaborador.
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Uma vez verificados todos os pressupostos da alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA deve ser reconhecido o direito à dedução nesses termos do IVA incorrido, ou seja, no montante de € 4.231,45.
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Enquadramento que, do ponto de vista do IVA é o correto e assegura a neutralidade da tributação (o colaborador suportou definitivamente o IVA e não pôde deduzir).
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Caso contrário, teríamos uma injustificada e insustentável dupla tributação, referente a um só consumo.
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Refira-se, por fim, que se não houvesse direito à dedução na esfera do Requerente o redébito da viatura devia ser isento (pois só assim se garantia a neutralidade) conforme n.º 32 do artigo 9.º do Código do IVA, bem como a alínea b) do artigo 136.º da Directiva IVA. Ora, a AT só corrigiu um dos termos da equação, sem daí tirar as devidas ilações e isentar o redébito, restituindo nesse caso o imposto liquidado ao Requerente.
II.
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O Requerente contratou em 2011 a empresa C… para o desenvolvimento do software “Core Banking Miner” com a finalidade de colmatar as necessidades da futura atividade bancária que começou a desenvolver a partir de 2012, após licença do Banco de Portugal.
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Como se pode ver no respetivo contrato e descrição do software em anexo ao referido contrato, este contém funcionalidades de core-banking como “private banking”, “trade finance”, “gestão de activos”, etc.
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Segundo a AT, estas funcionalidades destinam-se na sua maioria a apoiar atividades que nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA são isentas de IVA e não conferem o direito à dedução, uma vez que estão estreitamente ligadas à atividade bancária, mas esta convicção da AT não é correta.
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Primeiro, porque existem atividades/operações que o aplicativo (software) apoia que são tributadas, como é o caso do controlo de posição de custodiante (serviços de custódia de títulos).
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Segundo, porque uma parte significativa das operações financeiras realizadas pelo Requerente conferem o direito à dedução por serem realizadas com países terceiros (exportação de serviços financeiros) e cairia no regime especial de dedução do ponto V da alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º, do Código do IVA.
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Com efeito, o software foi sendo desenvolvido ao longo dos anos 2011 a 2015 e contabilizado como ativo intangível, com início de funcionamento em 2012.
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No ano 2014, o requerente acordou com o D…, S.A. a venda da licença do software em causa, ou seja, ocorreu uma alteração da afetação do bem (incorpóreo).
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Assim, o software deixou de ser propriedade do Requerente e passou à titularidade de um terceiro, que o pagou ao Requerente.
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A operação da venda do software é uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1, do artigo 4.º do Código do IVA, sujeita a IVA, que confere o direito à dedução.
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Assim, o Requerente relativamente às faturas de encargos com o software recebidas no ano da venda – 2014 – (e não para trás, ou seja, não foi recuperar imposto (IVA) de custos do software quando aquele estava a ser usado na atividade bancária) exerceu o direito à dedução nos termos do n.º1, do artigo 20.º, do Código do IVA
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O facto de estar em imobilizado (ativo intangível) não altera este entendimento.
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Por outro lado, o n.º 5 do artigo 24.º do Código do IVA dispõe que que neste caso as “transmissões de bens do activo imobilizado durante o período de regularização, esta é efectuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afectos a uma actividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.os 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens, considera-seque os bens estão afectos a uma actividade não tributada, devendo no primeiro caso efectuar-se a regularização respectiva.”
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No limite, ad cautelum, a título subsidiário, sempre se dirá que pelo menos o IVA incorrido com o software seria dedutível com base na percentagem do pro rata (32 % em 2014) pelo que nunca a correcção abrangerá o valor total do IVA como a AT sustenta, teria de aceitar o pro rata de 32 %.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
I.
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Relativamente à viatura cabe referir, tal como bem se evidencia no RIT, que a mesma foi contabilizada como imobilizado.
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Pelo que, como está bom de ver, de acordo com a contabilidade da Requerente, o IVA não podia ser deduzido (tal como se conclui no RIT), nos termos do previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA.
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Por outro lado, alega a Requerente, mas não o prova, ter pago o valor residual da viatura por conta de terceiro a quem veio a efetuar tal redébito de despesas
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Sucede porém, que nem em sede de procedimento inspetivo, nem mesmo até à data de hoje, logrou demonstrar, ter estado mandatada para efetuar tal operação por conta de terceiro.
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Assim, bem andaram os SIT ao não aceitar tal dedução, porquanto, como se observou tal imposto não é dedutível.
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Efetivamente, tal como referido pela Requerente, a posterior transmissão do veículo é isenta nos termos do previsto na al. 32) do art.º 9.º do CIVA.
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Porém, contrariamente ao que defende, não cabe à Requerida, proceder a tal regularização.
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A Requerente, dispõe de meios legais, que lhe permitem regularizar esse imposto a seu favor, não sendo essa matéria apreciada nos presentes autos.
II.
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Relativamente ao software, é pacífico que a Requerente, o adquiriu em 2011, que o utilizou na sua atividade de prestação de serviços financeiros e que, em 19 de dezembro de 2014, veio a ceder a licença de exploração desse mesmo software a um terceiro.
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A Requerente alega que, o software em questão tem funcionalidades, também elas utilizadas na prestação de serviços que conferem o direito à dedução (embora sem concretizar nem provar, em 2014, algumas destas operações que tenha efetuado).
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Ora, o contrato de cedência da licença de utilização do software a um terceiro, que ocorreu a 17 dias do termino do ano de 2014, prevê ainda, como bem realçaram os SIT, que o software iria continuar a ser utilizado pela Requerente.
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Ou seja, resulta cristalinamente que a Requerente não suportou o imposto contido na aquisição dos serviços de desenvolvimento e cedência de utilização desse software com vista à sua transmissão a terceiros, mas antes e sim, com vista ao seu uso no âmbito da sua atividade corrente.
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Aqui chegados, facilmente se conclui que uma afetação real do custo com esse software durante o ano de 2014, à operação da sua transmissão no fim desse mesmo ano e salvaguardando que o continuaria a utilizar para as suas prestações de serviços financeiras, não é plausível.
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O imposto em questão, não foi suportado com vista à realização desta operação, mas antes e sim, como bem concluíram os SIT, com vista ao exercício da regular atividade da Requerente.
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E, é nesta lógica, que cabe apurar, que direito á dedução teria a Requerente, relativamente ao software, enquanto afeto à sua regular atividade.
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Neste circunspecto, concluíram os SIT, pelos motivos constantes do RIT e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que a Requerente não logrou demonstrar a utilização deste software na realização de operações que conferem o direito à dedução, razão pela qual consideraram o software afeto à realização de operações isentas nos termos do art.º 9.º do CIVA, operações essas que não conferem o direito à dedução.
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Diga-se, ainda hoje, não logrou a Requerente demonstrar, que tal software seja de utilização mista.
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Mas, ainda que se entendesse que fosse de utilização mista, o que não se concede, tal direito à dedução nunca seria integral, mas antes e sim, o resultante da aplicação do pro rata.
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Na verdade, em termos de Direito da União, tem-se por consolidada a jurisprudência no sentido de que há necessidade de se manter a exigência quanto à verificação da ligação entre o exercício de uma atividade tributada e o direito à dedução do imposto suportado no respetivo input.
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Sob pena de frontal violação do princípio da neutralidade, logo, da subversão do funcionamento do sistema comum do IVA e de total capitulação face à fraude e evasão fiscais.
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Pois, por um lado, a Requerente não demonstrou, como exigido nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, a verificação dos pressupostos necessários ao exercício do seu direito à dedução, isto é, que a aquisição dos serviços em causa dizem respeito ao exercício de uma atividade sujeita e não isenta.
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Cabia e cabe à Requerente a prova dos factos constitutivos do seu direito, neste caso, à dedução.
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Recorde-se ainda que, em termos gerais, incumbe aos sujeitos passivos manter a sua contabilidade organizada segundo as disposições legais, o que inclui a manutenção da posse dos documentos de suporte necessários à comprovação/verificação do seu correto enquadramento jurídico-tributário, e que na contabilidade, quer a viatura quer o software foram classificados como imobilizado.
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Carecendo, portanto, de qualquer fundamento a argumentação da Requerente quando invoca a seu favor o princípio da neutralidade.
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No caso sub judicio, é, pois, exatamente o princípio da neutralidade, trave mestra do sistema comum do IVA que impõe à Requerente a não dedução destes encargos.
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Conforme foi sobejamente exposto acima, na exposição da matéria de facto, para a qual se remete expressamente, os serviços aferiram da factualidade relevante, em conformidade com a documentação arquivada na contabilidade do sujeito passivo, em estrita obediência não só à lei nacional mas, acima de tudo, ao Direito da União, conforme explicitado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.
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Em suma, ao alegar o direito à dedução, cabia à Requerente demonstrar a verificação dos pressupostos correspondentes ao direito invocado, o que não logrou efetuar antes se confirmando o acerto do enquadramento feito pelos serviços de inspeção.
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Improcedendo, assim, todos os vícios assacados à atuação administrativa pelo que, as correções devem manter-se, por corresponderem ao correto enquadramento jurídico-tributário das operações sob análise.
5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas facultativas por um prazo de 10 dias, a correr simultaneamente para ambas as partes.
O Requerente não apresentou alegações.
A Requerida apresentou alegações, nas quais manteve, no essencial, as posições já expostas em sede de Resposta.
6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
7. Cumpre solucionar as seguintes questões:
a) Ilegalidade da liquidação por desconsideração do direito à dedução do imposto referente à aquisição da viatura matrícula …-… -… .
b) Ilegalidade da liquidação por desconsideração do direito à dedução do imposto referente ao encargos incorridos com o software software “Core Banking Miner” no ano da sua venda.
II – A matéria de facto relevante
8.Consideram-se provados os seguintes factos:
1.O Requerente é uma instituição financeira com sede em Portugal, que tem como objeto social a atividade bancária.
2.No âmbito do cálculo do pro rata referente aos anos 2014 e 2015 o Requerente identificou IVA dedutível que inscreveu na declaração periódica de 2016/03 e solicitou o reembolso do crédito de imposto no valor de € 327.431,95 em 10 de Maio de 2016.
3. O Requerente foi sujeito a uma ação de inspeção tributária interna, respeitante a IVA e ao período 2016/03, constando das conclusões do relatório final, que se dá por integralmente reproduzido, designadamente, o seguinte:
“Em 10-05-2016, o sujeito passivo efetuou o pedido de reembolso n.º …/…, no valor de € 327.431,95, na Declaração Periódica (DP) de IVA relativa ao período 2016/03.
Como resultado da ação inspetiva interna, efetuada ao sujeito passivo A…, S.A., NIPC…, foram detetadas irregularidades que se traduzem nas correções aritméticas em sede de IVA no valor global de € 85.329,25, conforme fundamentos expostos no ponto III deste relatório.
Deste modo, propõe-se o deferimento parcial do reembolso de IVA no valor de € 242.102,70.
II.3.1. Breve caracterização da empresa e atividade desenvolvida
De acordo com a certidão da conservatória do registo comercial, em 2012 foi alterado o objeto social do D…, S.A. para: “Um - A sociedade tem por objecto o exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa actividade e permitidas por lei. Dois - A sociedade pode participar na constituição ou adquirir participações em sociedades com objecto diferente do acima referido, em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas.”
Em resposta ao nosso pedido de esclarecimento quanto à atividade efetivamente exercida atualmente, bem como as alterações ocorridas à mesma desde o início em 2009, veio o sujeito passivo prestar as seguintes informações:
“1.1. Atividade efetivamente exercida atualmente
O A…, S.A. (“A…” ou “Banco”) é uma instituição financeira, detida a 92,988% pelo D…, S.A., instituição de crédito com sede em Angola, vocacionada para a prestação de serviços bancários globais, de poupança e de investimento.
(…) o D…, S.A desenvolve operações isentas sem direito a dedução, nos termos do n.º 27 do art.º 9.º do CIVA, bem como operações sujeitas e operações isentas com direito a dedução, nos termos do art.º 20.º, do citado código, pelo que no apuramento do IVA dedutível das denominadas despesas gerais ou comuns é utilizado o método do pro rata de acordo com a alínea b) do n.º 1 e n.º 4 do art.º 23.º, do CIVA.
(…)
III.1. Operações ativas
No âmbito do exercício da sua atividade, o sujeito passivo desenvolve, simultaneamente, operações isentas de IVA que não conferem direito a dedução, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º CIVA e operações que conferem esse direito, sendo assim comummente designado por sujeito passivo misto.
Assim, os princípios gerais subjacentes ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do imposto encontram-se previstos nos artigos 19.º e 20.º do CIVA, daí resultando que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, estas, devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.
Como regra geral é dedutível, com exceção das situações enunciadas no artigo 21.º do CIVA, todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de uma atividade económica referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA desde que respeite a transmissões de bens e a prestações de serviços que confiram direito a dedução nos termos do artigo 20.º do CIVA, incluindo as que, embora enquadradas no âmbito das atividades económicas referidas no artigo 2.º do CIVA, não resultam localizadas em território nacional por força das regras de localização constantes do artigo 6.º do CIVA sendo, todavia, qualificadas como operações que conferem direito a dedução pela alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.
Assim, confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução, nomeadamente, as previstas na alínea b) V, do n.º 1 do artigo 20.º do mesmo normativo ou, ainda não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b) II, do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.
Caso o imposto seja suportado na aquisição de bens ou de serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução ou a operações que em sede de IVA não se insiram no exercício de atividade económicas, não é, naturalmente, admissível o exercício do direito à dedução.
Importa salientar que a aplicação do artigo 23.º do CIVA se restringe à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista ou seja, aos bens e/ou serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem o direito a dedução e em atividades que não conferem esse direito.
(…)
III.2.3. IVA deduzido indevidamente – viatura ligeira de passageiros
O D…, S.A deduziu no campo 20 - “imposto deduzido – imobilizado” da DP, do período 2014/09T, IVA no montante de € 4.231,45 respeitante a IVA suportado na aquisição de viatura ligeira de passageiros, com a matrícula …-…-…, pelo valor residual de € 18.397,59 (Anexo 7).
Nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 21.º do CIVA não é dedutível IVA contido nas despesas relativas à aquisição de viaturas de turismo, pelo que se procede à correção do IVA indevidamente deduzido no montante de € 4.231,45.
III.2.4. Campo 40 da Declaração Periódica de 201603
Em 09-06-2016, foi solicitado ao D…, S.A., no ponto 7 do nosso pedido de informação:
“7. Movimento contabilístico e documentos de suporte do valor inscrito no campo 40 dos períodos 2016-03.
Em 24-06-2016, o sujeito remeteu e-mail com as seguintes explicações e anexos:
“Relativamente ao valor inscrito no campo 40 no período 2016-03 consultar pontos 10 e 11 infra”
Ponto 10:
“Remetemos o mapa de apuramento do pro-rata definitivo (em ficheiro excel) para os anos 2014 e 2015 sob a designação de “Anexo – Ponto 10”.
Ponto 11:
“Remetemos o mapa (em ficheiro excel) de todos os valores do IVA, e respetiva base tributável, que foi objeto de dedução em pro-rata, para os anos 2014 e 2015 sob designação de “Anexos – Ponto 11”.
De acordo com os mapas remetidos pelo sujeito passivo, o IVA dedutível por aplicação da percentagem do pro-rata determinado pelo sujeito passivo foi de € 153.042,73 em 2014 e € 69.659, 81 em 2015, ou seja, um valor global € 222.702,54:
(…) no campo 40 – “IVA regularizações a favor do sujeito passivo” da DP de IVA do período 201603, o D…, SA mencionou o valor de € 265.022,54, pelo que ficaram por justificar € 42.320,00 (€ 265.022,54 - € 222.702,54). Deste modo, procede-se à correção no valor de € 42.320,00, face ao disposto no artigo 78.º do CIVA.
(…)
O D…, vem apresentar resumidamente os seguintes quatro fundamentos no direito de audição:
(…)
“c) Sobre o terceiro fundamento: IVA deduzido “indevidamente” na aquisição de viatura ligeira de passageiros (€ 4.231,45)
27.º
Apesar de a AT entender que foi deduzido IVA indevidamente no montante de € 4.231,45, respeitante a IVA suportado na aquisição da viatura ligeira de passageiros, com a matrícula …-…-…, e de fundamentar a sua posição na alínea a) do n.º1 do artigo 21.º do Código do IVA, esta posição não deve proceder, porquanto foi efetuado o redébito dos encargos incorridos com a viatura. Deste modo, deve concluir-se que, por aplicação do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, não se verifica a exclusão do direito à dedução do IVA preconizada pela AT. Para este efeito, juntam-se os documentos comprovativos dos redébitos (Documento 3).”
“d) Sobre o quarto fundamento: regularização “não justificada” relativa a ajustamento do pro rata (€ 42.320,00)
28.º
A última correção proposta pela AT, constante do Projeto de Relatório de Inspeção, tem o valor de €42.320,00 e assenta na justificação de que “de acordo com os mapas remetidos pelo sujeito passivo, o IVA dedutível por aplicação da percentagem do pro-rata determinado pelo sujeito passivo foi de € 153.042,73 em 2014 e € 69.659,81 em 2015, ou seja um valor global de € 222.702,54” e que “no campo 40 – “IVA regularizações a favor do sujeito passivo” da DP de IVA do período 201603, o D…, SA mencionou o valor de € 265.022,54, pelo que ficaram por justificar € 42.320,00”.”
29.º
Porém, a posição da AT não é de manter uma vez que o mencionado valor de € 42.320,00 respeita a IVA incorrido com aquisições de bens e serviços que conferem o direito à dedução pela aplicação do método da imputação direta, sendo o IVA em apreço integralmente recuperável conforme preceitua o mencionado n.º 1 do artigo 20.º do Código deste imposto.
30.º
Com efeito, esta regularização no valor de € 42.320,00 não decorre da aplicação do método da percentagem de dedução (pro rata), mas sim da imputação direta dos gastos incorridos com o desenvolvimento de um software que foi vendido pelo Exponente em 2014.
31.º
Efetivamente, o IVA incorrido diz respeito aos gastos relativos ao software adquirido e desenvolvido, designado por Core Banking Miner, incorridos com o fornecedor “C… SA”. Este software foi alienado ao G…, S.A. (G…) em 19 de dezembro de 2014, operação que confere o direito à dedução (venda de software), pelo que o IVA relativo aos gastos suportados com a sua aquisição é dedutível ao abrigo do citado artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA (imputação direta). Quanto a este ponto, juntam-se documentos comprovativos do contrato de cessão de licença de software e a listagem das faturas relativas ao IVA incorrido (Documento 4).”
(…)
“Analisados os fundamentos e os elementos constantes da petição através da qual o D… exerceu o direito de audição, cumpre-nos informar o seguinte:
“c) Sobre o terceiro fundamento: IVA deduzido “indevidamente” na aquisição de viatura ligeira de passageiros (€ 4.231,45)
O D…, S.A. juntou cópia da fatura n.º FCL…, de 05-09-2014, emitida pela “B…, S.A”. ao D…, SA, fazendo menção ao contrato de ALD n.º…, da viatura com matrícula n.º …-… -… e com a descrição “Valor Residual”. Juntou ainda cópia da fatura n.º…, de 12-09-2014, emitida pelo D…, SA a E…, com a designação “Venda de Viatura, Viatura … –… matrícula …-…-…”. As referidas faturas tem um valor base de € 18.397,59 e IVA de € 4.231,45.
O sujeito passivo considera que foi efetuado o redébito dos encargos incorridos com a viatura, no entanto, estamos perante a venda de uma viatura que fazia parte do imobilizado do D…, S.A.. O simples facto, da fatura de venda corresponder ao valor suportado, só por si não configura um redébito. Ora, vejamos:
A fatura n.º FCL … emitida pela “B…, S.A.” (locadora) ao D…, S.A. (locatário) tem subjacente um contrato de ALD.
O ALD é uma modalidade de financiamento onde a locadora cede temporariamente a utilização de uma viatura ao cliente, mediante pagamento de uma prestação mensal. É um financiamento muito idêntico ao leasing, mas, ao contrário deste, quando termina o período do contrato do ALD, o cliente tem obrigatoriamente de ficar definitivamente com a viatura, ou seja, terá de pagar o valor residual e comprar o automóvel de acordo com o valor estabelecido aquando da celebração do contrato.
Um contrato de ALD deve ser qualificado como “locação financeira”. Nas locações financeiras a locação transfere para o locatário os riscos e vantagens inerentes à posse do ativo. O locatário regista na contabilidade a viatura em ativos tangivel (imobilizado).
E, na realidade, da análise à contabilidade, verifica-se que o D…, S.A. contabilizou a viatura ligeira de passageiros no imobilizado. Entende-se por imobilizado, os bens patrimoniais ativos, cuja característica agrupadora reside na possibilidade de permanecerem na empresa por prazos mais ou menos longos.
Não podemos considerar que o D…, S.A. incorreu em despesas relacionadas com terceiros e que procedeu ao redébito das mesmas, nem tão pouco que esse débito corresponde a um mero reembolso de encargos. De facto, a viatura pertencia a D…, S.A. que no final do contrato decidiu vender pelo valor residual.
Deste modo, não consideramos que se trata de um redébito de encargos, mas de uma aquisição e posterior venda de uma viatura ligeira de passageiros pelo que o IVA incorrido no montante de € 4.231,45 não é dedutível nos termos da línea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA.
“d) Sobre o quarto fundamento: regularização “não justificada” relativa a ajustamento do pro rata (€ 42.320,00).
O sujeito passivo refere que o valor de € 42.320,00 respeita a IVA incorrido com o software adquirido e desenvolvido, designado por Core Banking Miner, que confere o direito à dedução pela aplicação do método da imputação direta.
O contrato de cessão de licença de software, assinado em 19-12-2014, refere resumidamente o seguinte (…):
Entre:
“A sociedade anónima de Direito Português denominada A…, S.A. (adiante, designada “A…”)” ( …); e
“A sociedade anónima de Direito Angolano denominado D…, S.A. (adiante, designada “D…”)” (…).
“Considerando:
a) Que, em 2011, para fazer face às necessidades futuras previsíveis da sua atividade, o Banco A… contratou com a sociedade C…, S.A., o fornecimento, implementação, desenvolvimento e instalação, a seu favor, de um sistema informático” (…) “de core-banking tendo por base a plataforma Miner da dita C…” (…).
“b) Que a plataforma Miner é o produto de soluções informáticas integradas da C… destinado ao registo e processamento informático de actividades e instrumentos financeiros;”
(…)
“e) Que, ademais, o Banco A…, a curto trecho e em prol do desenvolvimento da sua actividade comercial, vai substituir a Solução por um distinto sistema informático de core-banking (adiante, a “Nova Aplicação”);
(…)
“g) Que, não obstante, o Banco A… necessita, até à entrada em produção da Nova Aplicação, de manter a faculdade de utilização da Solução e demais direitos e deveres conexos e pretende ter e manter, após a entrada em produção da Nova Aplicação, a faculdade de utilização, em interconexão com a Nova Aplicação, dos módulos funcionais da Solução identificados no documento que constitui” (…)
Anexo I – Proposta de Outsourcing Sistema de Core-Banking com data de 16-03-2011
Consta no ponto 2 desta proposta sob a designação de objetivos nomeadamente o seguinte:
“Existe a necessidade de se implementar uma plataforma de core-banking de forma a suportar a actividade bancária futura da F…, S.A.”
(…)
“São assim objetivos desta proposta:
-
Instalação de uma plataforma de suporte à actividade bancária actualmente pretendida pelo cliente;
-
Fornecimento de uma plataforma com possibilidade de evolução futura, à medida das necessidades do cliente.
Essa plataforma deverá integrar e comunicar:
-
Com a solução de suporte à contabilidade;
-
Com a ferramenta de reporte às autoridades reguladoras;
-
Com outros bancos prestadores de serviços complementares.”
Deste modo, podemos concluir que o software foi adquirido e desenvolvido para o exercício da atividade bancária, e que, após a cessão da licença, o D…, e já em atividade no setor financeiro, teve a necessidade de manter a possibilidade de utilização desta aplicação.
Ora, no âmbito da atividade bancária o sujeito passivo desenvolve operações isentas de IVA nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.
Estas isenções, bem como as demais consignadas no artigo 9º são designadas de simples ou incompletas, por não previstas no artigo 20º, ambos do CIVA e traduzem-se para os sujeitos passivos que praticam tais operações na não liquidação de IVA, mas em contrapartida, impossibilitam a dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços destinados à realização das operações isentas.
Em face do exposto, o software adquirido e desenvolvido tinha como destino a realização de operações isentas (bancárias), pelo que o imposto suportado na aquisição do mesmo não confere direito a dedução.
O sujeito passivo vem argumentar que a regularização de € 42.320,00 decorre “da imputação direta dos gastos incorridos com o desenvolvimento de um software que foi vendido pelo Exponente em 2014.”
Acrescenta ainda que “Este software foi alienado ao G…, S.A. (G...) em 19 de dezembro de 2014, operação que confere o direito à dedução (venda de software), pelo que o IVA relativo aos gastos suportados com a sua aquisição e desenvolvimento é dedutível ao abrigo do citado artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA (imputação direta).”
Ora, o software não foi adquirido e desenvolvido pelo D…, SA com o intuito de ser vendido ao G…, mas sim para ser utilizado com caracter de longo prazo na atividade bancária daquele, e só assim fazia sentido o D…, SA ter contabilizado o mesmo como ativo intangível. Se estivessemos perante uma compra e venda de software, sem qualquer utilização na atividade bancária, como o sujeito passivo quer fazer crer, então o IVA seria dedutível ao abrigo do citado artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA, mas na realidade não é esta a situação que se verifica.
Aliás, conforme já aludido, quer a proposta para a implementação do software, quer o próprio contrato de cessão da licença fazem menção à utilização do software designado por Core Banking Miner em operações bancárias realizadas pelo D…, S.A., operações estas que são isentas nos termos n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e não conferem direito à dedução.
Em face do exposto, não podemos considerar dedutível (por imputação direta) o IVA incorrido no montante de € 42.320,00 ao abrigo do n.º1 do artigo 20.º do CIVA.”
4-Nesta sequência a AT proferiu o ato tributário de liquidação de IVA n.º…, de 13 de Janeiro de 2017, do que resulta o valor de reembolso de € 242.102,07, consubstanciando correções de IVA dedutível no valor de € 85.329,25.
5- Entre as correções ao IVA dedutível resultantes da liquidação identificada do presente processo inclui-se o valor de € 4.231,45 referente à desconsideração de dedução de imposto respeitante à compra da viatura com matrícula n.º…-…-… e ainda o valor de IVA incorrido no montante de € 42.320,00, referente a encargos incorridos com o software “Core Banking Miner” em 2014.
6-O Requerente celebrou um contrato com a B…, S.A., onde este último se afigura como locador, ou seja, transferia o uso e gozo da viatura com matrícula n.º …-…-… para o Requerente e este, como contrapartida, procedia ao pagamento de uma renda mensal.
7-A viatura foi inscrita no ativo fixo tangível do Requerente.
8-Foi emitida pela “B…, S.A., ao Requerente, com data de 05-09-2014, a fatura n.º FCL…, respeitante ao contrato de ALD n.º…, da viatura com matrícula n.º …-…-…, com a descrição “Valor Residual”, constando como valor base da transação € 18.397,59 e IVA de € 4.231,45.
9-Foi emitido pelo Requerente a fatura n.º C…, com data de 12-09-2014, a E…, com a designação “Venda de Viatura, Viatura …– … matrícula …-…-…”, constando como valor base da transação € 18.397,59 e IVA de € 4.231,45.
10-O Requerente contratou em 2011 a C… para o desenvolvimento do software “Core Banking Miner” com a finalidade de colmatar as necessidades da futura atividade bancária que começou a desenvolver a partir de 2012, após licença do Banco de Portugal.
11-Este software foi sendo desenvolvido ao longo dos anos 2011 a 2015 e contabilizado como ativo intangível do Requerente, com início de funcionamento em 2012.
12-Em 19 de dezembro de 2014, o Requerente cedeu ao D…, S.A., a licença do software em causa.
13-De acordo com a clausula 5ª do contrato de cessão do software em causa, o Requerente ficou com o direito a continuar a utilizar o software ( “sub-licença”), nos seguintes termos:
“1-Pelo presente contrato, o Banco D…, com efeitos imediatos, concede ao Banco A…, em exclusivo, e este aceita, até à produção da nova aplicação, a faculdade de utilização da Solução e demais direitos e deveres conexos, bem como, após a entrada em vigor da Nova Aplicação, sem prazo e também em exclusivo, a faculdade de utilização, em interconexão com a Nova aplicação ou com qualquer outra aplicação, da Solução e dos seus módulos funcionais.
2-As contrapartidas devidas pelos Banco A… pela sub-licença estipulada no número anterior, bem como, sem prejuízo do número seguinte, outros eventuais termos e condições da sub-licença, serão objeto de acordo especifico autónomo.”
14-O Requerente relativamente às faturas de encargos com o software recebidas no ano da venda exerceu o direito à dedução, o que não havia ocorrido nos anos anteriores com encargos de idêntica natureza.
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
-
As rendas pagas pela Requerente à B…, S.A., tenham sido redebitadas ao seu colaborador E…, tendo o Requerente para esse efeito, emitido as correspondentes faturas e liquidando o respetivo IVA.
-
O software “Core Banking Miner” fosse utilizado pelo Requerente, também, em atividades que conferem o direito à dedução de IVA.
9. Fundamentação da decisão respeitante à matéria de facto.
A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto considerada provada alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, inexistindo relativamente a tal matéria discordância entre as partes.
Relativamente à matéria de facto não provada, alegada pelo Requerente e impugnada pela Requerida, a decisão decorre da ausência de prova de prova relativamente a tal matéria.
-III- O Direito aplicável
10. Ilegalidade da liquidação por desconsideração do direito à dedução do imposto referente à aquisição da viatura.
Alega o Requerente que celebrou um contrato de leasing[2] com a B…, onde este último se afigura como locador, transferindo o uso e gozo da viatura para o Requerente e este, como contrapartida, procedia ao pagamento de uma renda mensal e que, por sua vez, estas rendas eram logo redebitadas a um seu colaborador E…, emitindo o Requerente para esse efeito as correspondentes faturas e liquidando o respetivo IVA e ainda que o mesmo procedimento foi adotado para o valor residual aquando da venda da viatura.
Conclui o Requerente que o IVA incorrido foi redebitado nos termos da alínea c), do n.º 2, do artigo 21.º, do Código do IVA, com vista a obter o respetivo reembolso por parte do funcionário estando, assim, preenchida a previsão da norma que exceciona a exclusão do direito à dedução nestes casos.
Da matéria de facto provada não resulta, todavia, o redébito das rendas ao colaborador E…, nem que que se esteja perante despesas relativas à venda de uma viatura de turismo incorridas pelo Requerente, agindo em nome próprio mas por conta de terceiro, isto é por conta do seu colaborador.
Apenas foi feita a prova de que o Requerente adquiriu a propriedade da viatura pelo valor residual de contrato, com menção de “ALD” na respetiva fatura e que a vendeu, pelo mesmo valor, ao seu colaborador, mas tal não é suficiente para que se considere preenchida a previsão da alínea c), do n.º 2, do artigo 21.º, do Código do IVA.Com efeito, não foi feita prova de que a aquisição da viatura pela Requerente e o contrato ao abrigo do qual foi efetuada, tenham sido feita por conta de terceiro, antes pelo contrário, da inscrição de tal viatura no ativo fixo tangível do Requerente emerge, presuntivamente (art. 75º, nº 1, da LGT), que o contrato foi feito no interesse do Requerente.
À luz da alínea c), do n.º 2, do artigo 21.º, do Código do IVA falece, pois, a pretensão do Requerente.
11.Subsidiariamente, sustenta ainda o Requerente que, se não houvesse direito à dedução na esfera do Requerente, o redébito da viatura devia ser isento, pois só assim se garantia a neutralidade, conforme n.º 32 do artigo 9.º do Código do IVA, bem como da alínea b) do artigo 136.º da Diretiva IVA e que a AT só corrigiu um dos termos da equação, sem daí tirar as devidas ilações e isentar o redébito, restituindo nesse caso o imposto liquidado ao Requerente.
Por sua vez a Requerida reconhece que, tal sustenta o Requerente, a posterior transmissão do veículo é isenta nos termos do previsto na al. 32), do art.º 9.º, do CIVA, mas que não cabe à Requerida proceder a tal regularização, dispondo a Requerente de meios legais que lhe permitem regularizar esse imposto a seu favor, não sendo essa matéria apreciada nos presentes autos.
Vejamos.
O montante de imposto entregue nos cofres do Estado a mais, de acordo com o que é reconhecido pela própria Requerida, é precisamente o mesmo que o Requerente impugna, porquanto o imposto liquidado à Requerente pela B…, foi no mesmo valor do imposto liquidado pelo Requerente ao seu colaborador E…, uma vez foi o mesmo o valor tributável de ambas as transações.
A dedução indevida de imposto efetuada pelo Requerente não teve qualquer consequência para a receita fiscal, porquanto, concomitantemente, o Requerente liquidou imposto ao seu colaborador exatamente no mesmo valor, também indevidamente, uma vez que a venda ao seu colaborador está isenta de imposto nos termos do nº 32, do art. 9º, do CIVA.
É manifesto, pois, que o imposto liquidado pelo Requerente ao seu colaborador entrou a mais nos cofres do Estado.
A questão que se coloca é se resultado é compatível com o princípio da neutralidade[3], de matriz comunitária e ainda com o princípio da proibição do enriquecimento sem causa[4], podendo ainda ser chamados à colação e ponderados o princípio da justiça e o princípio da prossecução do interesse público como parâmetro da atuação da administração tributária[5] e, por outro lado, se a Requerida, ao efetuar a liquidação, não deveria, simultaneamente, anular o imposto que o Requerente liquidou na venda ao seu colaborador e ainda se, ao não o ter feito, terá ocorrido uma violação do bloco legal, geradora de ilegalidade do ato tributário, por violação dos princípio supra indicados.
A Requerida na sua resposta, reconhecendo que o imposto liquidado pela venda ao colaborador da Requerente é indevido, sustenta que o Requerente dispõe de meio legais para efetuar a regularização a seu favor, não competindo à Requerida efetuá-la.
Entendemos estarmos na presença duma situação de erro de direito da Requerente e, como tal, enquadrável no art. 98º, º 2 do CIVA.[6]
Afigura-se-nos, também, que, à luz dos princípios jurídicos supra referidos, não estava a Requerida impedida em sede de procedimental de, com este fundamento, apreciar a correção da autoliquidação nesta parte, antes tal solução é melhor se coaduna com principio da economia procedimental subjacente ao artigo 57º, nº 1, da Lei Geral Tributária[7].
Outro aspeto a ponderar é a circunstância do imposto indevidamente liquidado pela Requerente ao seu colaborador ser, em princípio, suportado por este, por via da repercussão, sendo de equacionar a hipótese de poder ocorrer enriquecimento sem causa do sujeito passivo, em consequência de regularização a seu favor.[8] [9]
Sobre esta problemática, pode ler-se no acórdão do TJCE de 2.10.2003, proc. C-147/01[10], o seguinte:
“(…) por força de jurisprudência igualmente assente do Tribunal de Justiça, uma regulamentação nacional que faça recair no sujeito passivo o ónus da prova da não repercussão do imposto em terceiros, o que se traduziria na exigência de uma prova negativa, ou que estabeleça uma presunção de que o imposto foi repercutido em terceiros não é conforme com o direito comunitário (v., nomeadamente, acórdãos San Giorgio, já referido, n.° 54, e Michaïlidis, já referido, n.os 36 a 38). (nº 111)”
(…)
Importa, pois, concluir, em relação a este ponto, que as normas do direito comunitário relativas à repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que negue, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar, o reembolso de um imposto incompatível com o direito comunitário pelo mero facto de este ter sido repercutido em terceiros, sem exigir a prova da medida do enriquecimento sem causa que adviria ao operador do reembolso desse imposto.”
No acórdão do TJCE, proferido no processo C‑566/07, de 18 de Junho de 2009[11], declarou-se que:
“O princípio da neutralidade fiscal não se opõe, à partida, a que um Estado‑Membro sujeite a rectificação do imposto sobre o valor acrescentado, devido nesse Estado‑Membro, pelo mero facto de estar mencionado por erro na factura enviada, à condição de que o sujeito passivo entregue ao beneficiário dos serviços prestados uma factura corrigida, em que não seja incluído o referido imposto, se este sujeito passivo não eliminou por completo, em tempo útil, o risco de perda de receitas fiscais.”
Na decisão arbitral 78/2014-T[12], considerou-se que:
“se é certo que há situações deste tipo em que se pode configurar uma situação de enriquecimento sem causa que justifica o não reconhecimento de legitimidade para impugnar liquidações de tributos repercutidos em terceiros, também há situações em que isso não sucede, como já reconheceu o TJUE no acórdão de 06-09-2011, proferido no processo n.º C-398/09(…).
Por outro lado, como se entendeu no acórdão do TJUE de 21-02-2000, proferido no processo n.º C-441/98, «embora o direito comunitário não se oponha a que um Estado Membro recuse o reembolso de taxas cobradas em violação das suas disposições desde que se prove que esse reembolso provocará um enriquecimento sem causa, exclui a aplicação de toda e qualquer presunção ou regra de prova destinada a fazer recair no operador em causa o ónus de provar que os encargos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e destinada a impedir a apresentação de elementos de prova para contestar uma alegada repercussão».
Assim, em sintonia com esta jurisprudência do TJUE, a resposta à questão da legitimidade da Requerente para pedir a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA, depende de apurar, à face das concretas circunstâncias de facto, se com o reembolso à Requerente do IVA liquidado ilegalmente se gera ou não uma situação de enriquecimento sem causa. Ou, doutra perspectiva, a solução da questão depende de saber se a Requerente foi ou não lesada pela liquidação ilegal.”
No caso em apreço, não só a Requerida não provou -e nem sequer o alegou- ter ocorrido uma repercussão económica a terceiros, como emerge dos autos, segundo as regras da experiência, que tal repercussão não terá ocorrido.
Na verdade, o sujeito passivo pagou à B… exatamente o valor que recebeu do seu colaborador, imposto incluído.
De acordo com o normal acontecer, é de crer que se tivesse procedido a um enquadramento jurídico correto teria vendido ao seu colaborador a viatura pelo valor por que a comprou, com isenção de imposto, mas com o valor de imposto que pagou pela aquisição da viatura adicionado ao preço, com o que o comprador teria pagado exatamente o valor que efetivamente pagou, IVA incluído, e não obtendo o Requerente qualquer ganho, nem sofrendo qualquer perda.
Não é de crer, nem seria normal, que o Requerente tivesse pretendido ter prejuízo com a operação, nem a Requerida o alega.[13]
Dos contornos factuais do caso “sub judice” -muito específicos- ao invés de resultar a presunção da repercussão económica do imposto sobre o destinatário da fatura emitida pelo Requerente, decorre, por aplicação das regras da experiência, a presunção de que no caso concreto não terá ocorrido aquela repercussão.
Acresce que, o art. 98º, nº 2, do CIVA, não faz depender o reembolso ao sujeito passivo do imposto pago em excesso de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto.
Por outro lado, mesmo que se entendesse que os requisitos previstos no nº 5, do art. 78º pudessem ser aplicáveis no caso concreto, e como se decidiu na decisão arbitral 78/2014-T:
“ (…) na situação em apreço, em que se considera provado que foi a Requerente que suportou o IVA liquidado indevidamente, não há lugar à exigência feita no artigo 78.º, n.º 5, do CIVA, que estabelece que, quando o «imposto sofrer rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução Na verdade, esta norma é aplicável aos casos de rectificação efectuada pelo próprio sujeito passivo e não àqueles em que há uma declaração jurisdicional de ilegalidade, que tem como corolário o dever da Autoridade Tributária e Aduaneira reconstituir a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado [artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT], independentemente de o adquirente dos serviços ter ou não conhecimento da ilegalidade.”
Acresce que se a Requerida tivesse dúvidas relativamente a esta matéria, ao abrigo do princípio do inquisitório e à luz do princípio da economia procedimental, sempre poderia esclarecer esta questão suscitando até a colaboração do adquirente para esclarecimento dos factos, sendo certo que, no caso que nos ocupa, o risco de dedução de IVA mencionado na fatura, inexiste.
Por outro lado, o Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado não parece conferir legitimidade ao adquirente de bens que não seja sujeito passivo, para solicitar à Administração Tributária o reembolso do Imposto pago em excesso (Cfr. art. 97º e 78º, nº 4, “a contrario”).
Nestas circunstâncias, parece ser de atribuir legitimidade para o efeito ao Requerente. Entre um possível, mas improvável - no caso dos autos- enriquecimento sem causa do Requerente e um enriquecimento sem causa indubitável da Requerida, parece-nos mais aceitável a primeira hipótese, tanto mais que, se fosse caso disso, sempre o adquirente poderia vir exigir posteriormente ao Requerente o valor do imposto, na hipótese de tal resultar dos termos do negócio acordado entre as partes, contrariamente ao que, no entender deste tribunal, os factos, prima facie, parecem sugerir.
Assim, embora do ponto de vista formal a posição da Requerida esteja correta ao negar o direito à dedução ao Requerente, os princípios acima mencionados, opõem-se a que o possa fazem sem simultânea e correspetivamente restituir (ou mais rigorosamente: compensar) o imposto, exatamente do mesmo valor, que o sujeito passivo indevidamente liquidou e pagou.
A dedução e a liquidação de imposto na venda ao colaborador, ambas ilegais e de igual valor, são duas faces da mesma moeda, estão imbricadas uma com a outra, sendo que fazem até parte do mesmo ato tributário de liquidação por fazerem parte do mesmo período pelo que, os princípios da neutralidade, da proibição do enriquecimento sem causa, da justiça, da prossecução do interesse público e, ainda, da economia procedimental, ponderados no seu conjunto, vedam que a Administração Tributária possa corrigir a dedução sem corrigir também a liquidação, ambas feitas por erro jurídico do Requerente.
Assim, o ato tributário em causa, por violar o bloco legal, nesta vertente, padece de ilegalidade geradora de anulação, nesta parte.
12. Ilegalidade da liquidação por desconsideração do direito à dedução do imposto referente aos encargos incorridos com o software no ano da sua venda.
Relativamente a esta questão alega o Requerente que, no ano 2014, acordou com o Banco D…, S.A. a venda da licença do software que fazia parte do ativo intangível da empresa, entendendo que, por tal razão, ocorreu uma alteração da afetação do bem e que a operação da venda do software é uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1, do artigo 4.º, do Código do IVA, sujeita a IVA e que confere o direito à dedução.
Acrescenta o Requerente, que relativamente às faturas de encargos com o software recebidas no ano da venda – 2014 –exerceu o direito à dedução nos termos do n.º1 do artigo 20.º do Código do IVA com base no n.º 5 do artigo 24.º do Código do IVA
Por sua vez, a Requerida sustenta que a Requerente não suportou o imposto contido na aquisição dos serviços de desenvolvimento e cedência de utilização desse software, com vista à sua transmissão a terceiros, mas antes e sim, com vista ao seu uso no âmbito da sua atividade corrente e que facilmente se conclui que, uma afetação real do custo com esse software durante o ano de 2014, à operação da sua transmissão no fim desse mesmo ano e salvaguardando que o continuaria a utilizar para as suas prestações de serviços financeiras, não é plausível.
Por outro lado, alega a Requerida que o Requerente não demonstrou que tal software seja de utilização mista, como lhe era exigido nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT e que, ainda que se entendesse que fosse de utilização mista, tal direito à dedução nunca seria integral, mas antes o resultante da aplicação do pro rata, sob pena de frontal violação do princípio da neutralidade, logo, da subversão do funcionamento do sistema comum do IVA e de total capitulação face à fraude e evasão fiscais.
Apreciemos.
Como escreve Sérgio Vasques, abordando a questão a partir do direito europeu (Diretiva IVA):
“Do ponto de vista finalístico, resulta do corpo do artigo 168º que ao sujeito passivo só é reconhecido o direito à dedução do imposto incorrido a montante quando os bens ou serviços que adquira sejam “utilizados para os fins das suas operações tributadas”.(…) só quando se dá a aplicação efectiva do imposto nas operações activas se torna possível a dedução do imposto incorrido nas operações passivas. Ao contrário, quando as operações activas beneficiem de isenção simples, fica excluído por princípio o direito à dedução e o sujeito passivo passa a ocupar posição semelhante à de um consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições.”[14]
O Requerente, por um lado, sustenta a sua posição alegando que operação da venda do software é uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, sujeita a IVA que confere o direito à dedução e por outro invoca o n.º 5, do artigo 24.º, do Código do IVA, disposição que se refere a regularização de deduções relativas a bens do ativo imobilizado de utilização mista.
Acontece, porém, que o nº 5 do art. 24º do CIVA não é aplicável ao caso sub judicio porquanto o Requerente não produziu prova de que o software em causa fosse de utilização mista[15]. De resto, em rigor, das próprias alegações do Requerente resulta que este não tratou fiscalmente tal ativo como de utilização mista quando afirma que “o Requerente relativamente às facturas de encargos com o software recebidas no ano da venda – 2014 – (e não para trás, ou seja, não foi recuperar imposto (IVA) de custos do software quando aquele estava a ser usado na actividade bancária) exerceu o direito à dedução nos termos do n.º1 do artigo 20.º do Código do IVA”.Acresce que, no exercício do direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo o Requerente expressamente referiu “o mencionado valor de € 42.320,00 respeita a IVA incorrido com aquisições de bens e serviços que conferem o direito à dedução pela aplicação do método da imputação direta, sendo o IVA em apreço integralmente recuperável conforme preceitua o mencionado n.º 1 do artigo 20.º do Código deste imposto.” (art. 29º).
O art. 20º do Código do Imposto sobre o valor acrescentado dispõe o seguinte:
“1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos,importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:
I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;”
Relativamente à alegação de que exerceu o direito à dedução nos termos do nº 1 do art. 20º do CIVA, não resulta provado e, em bom rigor, o Requerente nem sequer o alega, que os serviços a que respeitam as faturas de encargos com o software tenham sido prestados com vista à realização da operação de venda. Pelo contrário, tais serviços foram incorridos em momento em que que tal bem se encontrava afeto ao ativo tangível da empresa e com vista à sua utilização na atividade operacional normal da empresa, à semelhança dos anos anteriores.
Assim, não se verificam reunidos os requisitos previstos no art. 20º, nº 1 do CIVA.
Por ultimo, sempre se dirá que falece ainda razão ao Requerente, na alegação feita a título subsidiário, no sentido de que “pelo menos o IVA incorrido com o software seria dedutível com base na percentagem do pro rata (32 % em 2014)” porquanto, conforme supra referido, não foi feita prova de que o software em causa fosse de utilização mista, nem o Requerente o alegou.
Termos em que, improcede, nesta parte, a pretensão anulatória do Requerente.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral:
-
Anular o ato tributário de liquidação na parte que se refere à correção no valor de € 4.231,45 (respeitante ao imposto referente ao veículo automóvel matrícula n.º …-…-…).
-
Não anular o ato tributário de liquidação na parte que se refere à correção no valor de € 42.320,00 (respeitante às despesas com o software do ano de 2014).
Valor da ação: € 46.551,45 (quarenta e seis mil quinhentos e cinquenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pelo Requerente na proporção de noventa e um por cento e pela Requerida na proporção de nove por cento, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 15.01.2018
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro
[2] Tal contrato não foi junto aos autos, sendo que a fatura respeitante ao valor residual menciona “ALD” que, comummente, se refere a contrato de aluguer de longa duração. Em todo o caso, o tipo contratual não é , in casu, relevante para a decisão da causa.
[3] Sobre este princípio cfr. CLOTILDE CELORICO PALMA, in AS ENTIDADES PÚBLICAS E O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, Uma Ruptura no Princípio da Neutrlidade, Almedina, 2010, pags, 61 e seguintes, INTRODUÇÃO AO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, Almedina, Cadernos IDEFF, nº 1, 2005, pags. 20-21 e SÉRGIO VASQUES, CADERNOS DE IVA 2013, Coord. Sérgio Vasques, Almedina 2013, pag. 378 e O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, Almedina, 2015, pags. 105 e segs.
[4] Referindo-se ao art. 473º do Código Civil Interroga-se PEDRO SOARES MARTINEZ: “Importará saber se se trata de um preceito circunscrito às relações privadas ou se ele reflecte um princípio geral de direito, que em tal caso, há-de disciplinar as mais diversas relações jurídicas, sem excluir, portanto, as de direito publico”, MANUAL DE DIREITO FISCAL, Almedina, 1984, (1ª Reimpressão), p. 182.
MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL, Dom Quixote, 2007, Tomo III, p. 479 escrevem que “A pretensão à restituição do enriquecimento sem causa tem, por isso, que ser fundamentada com recurso aos princípios da actividade administrativa bem como, eventualmente, aos princípios que se possam induzir a partir de cada uma das pretensões reintegratórias dos particulares.
O ponto de partida para uma fundamentação jurídico-administrativa do enriquecimento sem causa é o de que o enriquecimento da administração à custa do particular constitui uma intromissão no seu património, matéria que está sujeita à reserva de lei.
(…)
Ao contrário do que sucede no direito privado, em que a doutrina rejeita maioritariamente que a proibição do enriquecimento se funde dogmaticamente no seu carácter ilícito, no direito administrativo aquela proibição resulta, em primeira linha de proibição de violações do princípio da legalidade e das posições jurídicas subjectivas dos particulares. O princípio da justa distribuição dos encargos públicos também não é indiferente para o instituto do enriquecimento sem causa(…).”
Dizem-nos ainda estes autores relativamente à questão da natureza subsidiária da pretensão de restituição (art. 474º do Código Civil) que “esta regra não pode ser transposta para o direito administrativo, pelas mesmas razões impedem a transposição qua tale do restante regime do enriquecimento sem causa (…) tal subsidariedade não existe na ausência de previsão legal especificamente jurídico-administrativa” (ob. Cit. pp. 480-481).
[5] Sobre a aplicação prática deste princípios pela jurisprudência fiscal cfr. Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, encontros da escrita, 4ª Ed., 2012, pags. 452-455.
[6] Neste sentido cfr. Alexandra Martins-André Areias, CADERNOS DE IVA 2017, Coord. Sérgio Vasques, Almedina 2017, pag. 62, e decisão arbitral proferida no proc. Nº 117/2013-T (Consultável in https://caad.org.pt/tributario/decisoes).
[7] E, também, ao artigo 267º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa quando se refere a “racionalização dos meios a utilizar pelos serviços”
[8]Sobre esta questão escrevem Francisco Geraldes Simões e João G. Gil Figueira “Ainda que a directiva de IVA seja omissa sobre esta matéria, o IVA, como imposto de matriz europeia, terá pois de obedecer a uma lógica segunda a qual todo o imposto ferido de ilegalidade haverá de ser reembolsado ao sujeito passivo que o liquidou.
Ainda assim, o TJUE tem entendido por diversas vezes que o direito da União não obsta a que um ordenamento jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições que impliquem um “enriquecimento sem causa” de quem se arroga esse direito, entendendo-se por “enriquecimento sem causa”, enquanto conceito autónomo de direito da União, uma situação em que não seja o sujeito passivo quem suporta o encargo do imposto indevido, mas o cliente sobre quem foi repercutido esse encargo -passing on-(…)
Esta regra tem sido paulatinamente acolhiada pelo TJUE desde o seu célebre acórdão de 27 de Fevereiro de 1980, caso Hans Just (Procº 68/79).Reza a dita regra que o Estado não está obrigado a reembolsar o sujeito passivo se provar que a prestação tributária indevida por ele entregue foi integralmente suportada por terceiro (CADERNOS DE IVA 2017, Coord. Sérgio Vasques, Almedina 2014, pags. 152-153) Ainda segundo os mesmos autores ”Apenas ao fisco cabe demonstrar que existiu repercussão económica, i. e. que o encargo da prestação tributária indevida não foi suportada pelo sujeito passivo”. (Ob. Cit. Pag 159.)
[9] Afastando-se do entendimento destes autores, escreve o Professor Sérgio Vasques:
“Olhando ao ponto a que chegou a jurisprudência do TJCE sobre o tema da repercussão, dir-se-á que o reservar ao sujeito passivo a legitimidade para reivindicar o reembolso perante a administração constitui uma solução com alguma conveniência prática, pois que o operador económico que é sujeito passivo tende a estar melhor apetrechado para solicitar o reembolso do que os compradores que lhe estão a jusante. Mas o admitir que este possa por regra solicitar e obter o reembolso é solução que apenas se pode admitir na condição de o obrigarmos por sua vez a reembolsar o comprador. Estando em causa imposto indirecto excessivo, só se pode dizer reposto o direito quando se desfaça por completo o circuito da liquidação e o valor que o sujeito passivo obtenha da administração a titulo de imposto seja devolvido aqueles aos quais o sujeito passivo a titulo de imposto o exigiu. O sujeito passivo constitui mero intermediário na liquidação do IVA e por isso deve ser tratado também como mero intermediário na sua reposição” (CADERNOS DE IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina 2015, pags. 396-397.)
[10] Consultável in “http://curia.europa.eu/juris”.
[11] Consultável in “http://curia.europa.eu/juris”.
[12] Consultável in https://caad.org.pt/tributario/decisoes
[13] Nem, de resto, ao contrário do que se considerou no relatório de inspeção tributária, a celebração de contrato de aluguer de longa duração implica, necessariamente, a obrigação do locatário o adquirir no final do contrato por um preço determinado. Como explica Fernando Gravato de Morais, sobre esta questão “Também aqui um dos contraentes concede ao outro o gozo temporário e retribuído de determinada coisa, in casu, um bem móvel.Contudo, o contrato pode conter uma promessa (unilateral ou bilateral) de venda ou pode ainda integrar uma proposta irrevogável de venda inserida na própria locação. “(MANUAL DE LOCAÇÃO FINANCEIRA, Almedina, 2006, pag. 53).Na locação financeira a aquisição pelo locador do final do contrato é, sempre, uma opção do locatário (ob. Cit. pags. 25 e segs.)
[14] O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, Almedina, 2015, pag. 338.
[15] Como explicam Alexandra Martins-Lídia Santos “(…) no tocante aos bens e serviços adquiridos por sujeitos passivos “mistos” que sejam exclusivamente afeto a operações e atividades que conferem o direito à dedução, deve ser efetuada a imputação direta do correspondente IVA incorrido e deduzido o imposto na íntegra.Por outro lado, se os bens e serviços em causa forem unicamente utilizados em operações que não conferem tal direito, não devem ser deduzido qualquer imposto.Estamos nestas duas hipóteses no domínio de aplicação do art. 20º do CIVA e não do art. 23º deste Código.
(…)
O sujeito passivo tem, pois, de previamente identificar os bens e serviços que utiliza, de forma exclusiva nas diferentes operações e atividades, para efeitos da correspondente imputação direta, deduzindo o imposto na totalidade ou não o deduzindo de todo, consoante os casos (com e sem direito à dedução). (in CÓDIGO DO IVA E RITI NOTAS E COMENTÁRIOS, Cood. e Organização: Clotilde Celorico Palma-António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, pags. 278-279)