Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 311/2017-T
Data da decisão: 2018-01-09  IVA  
Valor do pedido: € 254.064,47
Tema: IVA – Sujeito passivo misto – Leasing e ALD financeiro - Alteração do critério de cálculo do pro rata – Regularização do imposto - Método de afetação real - Ofício Circulado nº 30108, de 30-1-2009 – Artigos 174º e 175º, da Diretiva IVA e artigos 19º, 20º-1 e 23º-4, do CIVA.
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Os Árbitros José Poças Falcão (Presidente), José Nunes Barata e Maria Isabel Guerreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Coletivo, acordam na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.     Relatório

1.        A…, SA(doravante designada por “Requerente”), pessoa coletiva n.º …, com sede em Rua …, nº… a …, Lisboa, …-…, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, no dia 2 de Maio de 2017, ao abrigo do disposto  no artigo 4.º e n.º 2 do artigos  10.º  do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).

2.      A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare:

(i)     a anulação dos atos tributários consubstanciados nas declarações periódicas de IVA respeitantes aos períodos de 07/2015, 08/2015 e 09/2015, submetidas nos dias 17.08.2015, 10.09.2015 e 10.11.2015, respectivamente;

(ii)   a restituição à Requerente da quantia de 254.064,47 euros referente ao IVA não deduzido;

(iii) o reconhecimento do direito a juros legais contados desde a data da apresentação das respectivas declarações periódicas relativas aos períodos de 07/2015, 08/2015 e 09/2015, ou seja, dos dias 17.08.2015, 10.09.2015 e 10.11.2015, respetivamente, até à data da efetiva restituição. 

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Requerida, em 3 de Maio de 2017.

4.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados como árbitros pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo as nomeações sido aceites, nos termos e prazos legalmente previstos.

5.       A 20 de Julho de 2017 foi constituído o tribunal arbitral.

6.      Notificada para o efeito a 28 de Junho de 2017, a Requerida apresentou, em 3 de Outubro de 2017, a sua Resposta e remeteu cópia do processo administrativo.

7.       Em 8 de Outubro de 2017, foi dispensada a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se convidado a Requerente e Requerida a alegar, por escrito, e fixado o dia 15/12/2017 como data limite para a prolação e notificação da decisão arbitral final.

8.      A 30 de Outubro de 2017 e a 10 de Novembro de 2017, Requerente e Requerida apresentaram, respetivamente, as suas alegações escritas, reafirmando, no essencial, as posições já assumidas na petição e resposta.

9.   A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

  — No dia 17 de Agosto de 2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Julho de 2015 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 08 de Setembro de 2015;

— No dia 10 de Setembro de 2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Agosto de 2015 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 12 de Outubro de 2015;

— No dia 10 de Novembro de 2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Setembro 2015;

— Dado que a Requerente era e é, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem direito a dedução), deduziu, nas declarações periódicas relativas aos períodos de Julho, Agosto e Setembro de 2015, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2014;

— Na determinação do pro rata a Requerente deveria ter considerado, quer no numerador quer no denominador, designadamente, (i) as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e (ii) os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

— Sucede, porém, que nessas mesmas declarações (à semelhança do que sucedeu nos restantes períodos dos exercícios anteriores), a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata, excluiu do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

— Reduzindo assim o seu pro rata de 59% [valor definitivo para 2014 (e provisório para 2015), segundo o critério seguido pela Requerente] para 18 % [valor definitivo para 2014 (e provisório para 2015)], adotando o critério imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, [doravante abreviadamente designada por “AT”], a Requerente viu o montante a deduzir diminuir de € 365.604,98 para € 111.540,50;

— A Requerente procedeu da forma acima descrita – i.e., alterou[1] o critério de determinação do pro rata (passando a desconsiderar do numerador e do denominador as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados) –, em virtude da posição vertida no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, sancionado pelo Diretor Geral da ATe seguida pelos Serviços de Inspeção em sede de inspeção junto da Requerente em exercícios anteriores;

— No dito Ofício-Circulado n.º 30108 veio a AT estabelecer, designadamente, o seguinte: «Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD»;

— Pelo que foi tendo em conta a posição da AT nas inspeções efectuadas à Requerente em exercícios anteriores (entretanto transposta para o citado ofício-circulado) e, bem assim, o fundado receio de a AT, mais uma vez, vir contestar o critério adoptado para a determinação do pro rata nas declarações de IVA, que a Requerente decidiu corrigir os valores deduzidos nas declarações mensais periódicas de IVA relativas aos períodos 2015/07, 2015/08 e 2015/09;

— Evitando assim, desde logo, por meras razões de cautela, que sobre o montante que viesse a ser corrigido pela AT se vencessem juros legais e fossem desencadeados os correspectivos processos de contra-ordenação;

— Não obstante o que antecede, a Requerente pretendeu, através do «Procedimento de Reclamação Graciosa n.º …2015…» e do «Procedimento de Recurso Hierárquico n.º …2016…», contestar os referidos atos de autoliquidação do IVA, uma vez que os mesmos assentaram na referida orientação genérica da AT - relativa às regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD - que na sua perspectiva se apresenta manifestamente contrária à lei;

— Sendo certo que nos aludidos procedimentos é amplamente reconhecido que se devem considerar por provados todos os dados e elementos de facto tendentes a demonstrar que nas declarações periódicas relativas aos períodos de Julho a Setembro de 2015 terá resultado uma entrega em excesso de imposto sobre o valor acrescentado (“IVA”) no valor de € 254.064,47;

— Assim, não restam dúvidas que o que está em causa na presente sede é apenas e tão só o procedimento adoptado pela Requerente na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista (i.e., utilizados em operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem tal direito), ou seja, aferir se  devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo do pro rata (i) as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e (ii) os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

— É evidente e ostensivo, portanto, que a AT não contestou nem rebateu os mapas de cálculo demonstrativos que conduziram ao apuramento da percentagem de dedução efectuada de acordo com o Ofício-Circulado n.º 30108 (18%) e, bem assim, ao apuramento da percentagem de dedução efectuada de acordo com a perspectiva da Requerente sobre o quadro legal em vigor (59%) aquando da revisão dos procedimentos por si adoptados;

— Pelo que aqui se dão por integralmente reproduzidos todos os fundamentos constantes da petição do «Procedimento de Recurso Hierárquico n.º …2016…» e do «Procedimento de Reclamação Graciosa n.º …2015…», donde decorre que a Requerente, ao seguir as orientações genéricas e por força do critério definido pela AT (na medida em que foi restringido o seu direito à dedução), apurou uma percentagem de dedução inferior (18% contra 59%), o que consubstanciou uma regularização em excesso no valor total de € 254.064,47;

— Como é amplamente reconhecido pela AT, a pretensão da ora Requerente «…subjaz num juízo de ilegalidade relativamente às instruções administrativas propugnadas no Ofício-Circulado, quanto à imposição de que, na atividade de locação financeira, no cálculo de percentagem de dedução de imposto suportado em bens mistos seja desconsiderada a componente de amortização financeira das rendas» (cfr. § 43 do documento n.º 1);

De acordo com a AT «O regime de dedução de imposto por sujeitos passivos mistos veio a ser clarificado no ano de 2008, em especial no que concerne ao âmbito e caracterização do método da afectação real, o qual pode consistir numa percentagem de dedução com base noutros indicadores que não o volume de negócios» (cfr. § 57 do documento n.º 4);

A AT considera assim que «…está e estava (à data dos factos) legalmente habilitada a, no âmbito do método da afetação real, considerar uma percentagem de dedução específica (pro rata específico) que, no seu cálculo, apenas inclua o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing ou de ALD, e não a componente de capital das rendas e a alienação/indemnização pelo abate por destruição de bens locados, justificando-se essa imposição pela existência de distorção significativa da tributação [se utilizados os métodos gerais, em especial o pro rata geral previsto na al. b) do nº 1 e nº 4 do artº 23º do CIVA]» (cfr. § 59 do documento n.º 4);

— Ainda, e na senda do entendimento da AT, temos que a «…inclusão no rácio de dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira/indemnização), enquanto parte integrante da renda, provocaria um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a  que será significativa e positivamente influenciada por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objecto de liquidação (pelo fornecedor) e dedução (pelo locador) de IVA no momento da aquisição» (cfr. § 69 do documento n.º 4);

— Pelo que, segundo a AT, a pretensão da Requerente «…geraria deduções acrescidas, relativamente à aquisição de todos os bens e serviços de utilização mista, por feito da utilização de um coeficiente exagerado face à realidade das operações tributáveis…[a]té porque a atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, não obtendo lucros por essa via, mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade» (cfr. §§ 70 e 71 do documento n.º 4);

Para a AT as orientações constantes do aludido Ofício-Circulado terão sido confirmadas pelo próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), em acórdão proferido no dia 10 de Julho de 2014 no Processo C-183/13 (“Caso Banco Mais”), que concluiu nos termos seguintes: «nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização de operações de locação financeira para o setor automóvel» (cfr. §§ 73 a 75 do documento n.º 4);

— Refere assim a AT que «…o cálculo do direito à dedução em obediência às instruções administrativas veiculadas no Ofício-Circulado n.º 30108/2009 é o que mais se aproxima do princípio da neutralidade do imposto, estando em conformidade com o disposto no artº 23º do CIVA e na Diretiva IVA. Pelo que, pretendendo proceder à dedução de forma diversa, a retificação das  autoliquidações realizadas não é legítima (cfr. § 77 do documento n.º 4);

— Seguindo o previsto na Directiva do IVA, o artigo 19.º do CIVA consagra o citado princípio da dedução do imposto suportado a montante, ou seja, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens ou prestações de serviços destinadas à realização de operações tributáveis;

— Porém, o legislador nacional, e de forma a procurar evitar distorções na tributação – e seguindo ainda o estatuído na Diretiva do IVA – impôs limites ao direito de dedução;

— Nesses termos, e conforme previsto no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, só existe direito a deduzir imposto se o mesmo tiver sido suportado pelo sujeito passivo para a realização, a jusante, de operações sujeitas a IVA, ou seja, o direito à dedução do imposto suportado a montante, só será permitido se as aquisições de bens ou serviços forem efectuadas com vista a realização de operações tributáveis;

— Dito de outra forma: caso os bens ou serviços adquiridos se encontrem relacionados com operações não sujeitas ou isentas de IVA, fica, então, “precludido” o direito à dedução, salvo nos casos de isenções completas – como o caso das exportações – e os casos de renúncias à isenção em que é permitida a dedução;

— Acresce ainda que, no caso de estarmos perante um sujeito passivo misto (ou seja, perante um sujeito passivo que além de operações tributáveis, que conferem direito à dedução, pratique simultaneamente operações não tributáveis ou isentas de imposto, que não conferem direito à dedução), como é o caso da Requerente, o direito à dedução é parcial (dedução parcial);

— Foram previstas, pelo legislador, duas soluções para modular o direito de dedução nos casos em que a atividade do sujeito passivo englobe operações que conferem direito à dedução e que não conferem esse direito, as quais constam do artigo 23.º do CIVA, correspondente ao n.º 1 do artigo 174.º da Directiva do IVA:

a regra de afectação real, segundo a qual, por um lado, se concede ao sujeito passivo que deduza integralmente o IVA suportado na aquisição de bens e serviços exclusivamente destinados às atividades tributáveis (ou seja que conferem direito à dedução), por outro, se impede ao sujeito passivo a dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços que exclusivamente se destinem às atividades não tributáveis ou isentas sem direito a dedução;

e a regra do pro rata (ou de percentagem de dedução), segundo a qual a dedução é limitada à fracção correspondente ao valor percentual das operações tributáveis no conjunto de todas as operações praticadas pelo sujeito passivo misto.

— Não obstante, até à alteração do artigo 23.º do CIVA introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro) a redação do mesmo parece sugerir uma utilização genérica do método do pro rata aos sujeitos passivos mistos, a verdade é que o artigo 173.º da Diretiva do IVA, em especial o seu n.º 1, atribui indiscutivelmente um carácter residual/supletivo àquele método;

— Com efeito, sendo o método pro rata um método de «ficção», baseado numa fracção que mais não traduz uma mera estimativa, e o método de afectação real aquele que melhor se coaduna com a situação fáctica (apenas permitindo a dedução do IVA na parte da atividade que confere o direito à dedução – operações tributáveis ou isentas com direito à dedução), é evidente que, tendo até presente o princípio de neutralidade que se pretende assegurar com o direito à dedução e que o método pro rata pode distorcer significativamente a tributação, o método da afectação real deverá prevalecer sobre o método do pro rata;

Só através da aplicação do método da afectação real é que se permite a recuperação integral do imposto suportado nos custos afectos às operações em causa;

— Apresentando um carácter residual / supletivo, o método pro rata só deverá ser aplicado para os custos comuns (custos afectos indiscriminadamente a várias actividades, operações sujeitas e operações isentas);

— Mas a confirmação da prevalência do método da afectação real decorre da já mencionada Lei do Orçamento de Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), sendo que esta alteração teve exactamente como propósito adequar a legislação nacional ao preconizado a nível comunitário, maxime, ao entendimento do TJUE relativo à prevalência do método da afectação real;

— Não restam dúvidas, portanto, que a afectação real se apresenta como o método eleito para modular o direito dos sujeitos passivos mistos, sendo o método pro rata o   método   residual, especialmente pensado  para  a  dedução  nas  despesas indistintamente afectas a operações tributadas e as operações não tributadas;

— Com efeito, nesta matéria, consagra o artigo 163.º da Diretiva do IVA que:

«No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, previstas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria das operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo».

— Por sua vez, estatui o n.º 1 do citado artigo 174.º que:

«O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem esse direito à dedução» 

— Este último preceito foi transposto para o nosso ordenamento jurídico pelo n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, o qual determina que:

«A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

— Nessa medida, resulta assim que quando a aplicação do método da afectação real não seja possível, a dedução dos custos comuns terá necessariamente de ser feita segundo o método do pro rata, sendo este calculado através da seguinte fórmula: no numerador (dividendo) deverá ser tido em consideração o montante total de volume de negócios anual/transmissões de bens e prestações de serviços relativo às operações que conferem o direito à dedução; e no denominador (divisor), deverá ser incluído o mesmo valor do numerador acrescido das operações que não conferem o direito à dedução (operações isentas ou fora do campo do imposto).

— Quanto maior for o denominador (i.e., quanto maior forem as operações isentas), menor será a percentagem e, consequentemente, menor será a dedução;

— De acordo com o referido anteriormente, a AT considera que não há lugar a regularização de imposto a favor da Requerente por esta, nas autoliquidações respeitantes aos períodos em apreço, ter determinado corretamente a percentagem de dedução do IVA, e isto porquanto não  incluiu  no numerador e no denominador da fracção a componente de amortização de capital nas rendas dos contratos de locação financeira mobiliária (e, bem assim o valor de alienação/abate de bens locados) mas tão só a componente de juros;

— Não é essa, porém, a posição da Requerente, que se encontrou corroborada por um Parecer jurídico de Janeiro de 2012 da autoria conjunta do Senhor Doutor JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e do Senhor Professor Doutor ANTÓNIO MARTINS (Parecer anexo à reclamação graciosa, reproduzido como documento 6);

— Na verdade, é incompreensível e insustentável a posição defendida pela AT, considerando aqueles autores «(...) ser claro que é sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; e de ser claro também que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual”, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.»; 

— Concluindo assim que a «(…) solução proposta pela administração fiscal, de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização   financeira não tem apoio direto nos textos legais.»;

— Pelo que, não havendo forma de contestar a sujeição da operação a IVA, não haverá fundamento para que o montante das amortizações financeiras e das indemnizações não incluam o volume de negócios para efeitos de determinação do pro rata;

— Acrescentam ainda os citados professores que tal «(…) originaria contradição entre o algoritmo de cálculo da percentagem de dedução e o princípio base que orienta esse cálculo, que é o da dedução parcial em proporção do montante das operações que conferem direito à dedução

— De todo o modo, e como também perfilhado no aludido parecer (na esteira de outros autores, como veremos adiante), é por demais evidente que à luz das disposições nacionais que transpuseram a Diretiva do IVA para o ordenamento jurídico nacional (maxime o Código do IVA), não é atribuída à AT quaisquer prerrogativas destinadas à alteração do modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, ou seja, relativamente «(…) aos custos comuns que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo»; 

— Com efeito, não obstante da margem concedida pela Diretiva do IVA aos Estados Membros no âmbito da dedução de bens e serviços de utilização mista, a verdade é que, nos termos da legislação nacional (maxime no Código do IVA), não se encontra prevista a possibilidade de a AT poder alterar a componente do pro rata;

— Assim, conforme é justamente sustentado em recentíssimo Parecer Complementar elaborado por J. GUILHERME XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS (o qual constitui uma atualização do Parecer de 2012, na sequência de desenvolvimentos posteriores ocorridos com o caso «Banco Mais» e a decisão que sobre ele  proferiu o TJUE) , o que realmente sucede é que «(…) o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real [n.º 3, alínea b) do artigo 23º, do CIVA], ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afetação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração ao pro rata de dedução» (Parecer anexo, reproduzido como documento 7);

— A AT alega que a inclusão da componente da amortização financeira das rendas dos contratos de locação financeira na fracção do apuramento do pro rata provoca “distorções significativas da tributação”, com base na doutrina vertida no aludido Ofício-Circulado n.º 30108, donde decorre que «Na aplicação do método da afectação real (…) e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação de custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD»;

— A verdade, porém, é que a AT alega que se verificam “distorções significativas na tributação” no contexto da aplicação do método do pro rata e não no quadro da imposição do método da afectação real, embora os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA apenas habilitam a AT a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento ao sujeito passivo que efectue operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito no âmbito da dedução segundo a afectação real; 

— Com efeito, apesar de a AT não impor ao sujeito passivo a utilização do método da afectação real, defende que as “distorções significativas na tributação” alegadamente verificadas devem ser corrigidas por via da exclusão da amortização financeira compreendida nas rendas dos contratos de locação financeira quer do numerador quer do denominador da fracção do apuramento da percentagem de dedução resultado da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA;

— Contudo, a AT não invoca, conforme lhe competiria, a razão pela qual o recurso ao método do pro rata como forma de medir a percentagem de utilização dos bens e serviços indistintamente utilizados na realização de operações que conferem direito à dedução e de operações que não conferem esse direito é susceptível de provocar “distorções significativas na tributação”.

— E, mais precisamente, porque é que os sujeitos passivos que tanto desenvolvam atividades sujeitas a IVA (como o Leasing e o ALD Financeiro) como atividades isentas dele (como o crédito ao consumo), se encontram obrigados a adoptar um método de dedução do IVA dos bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações que não resulta de qualquer imperativo legal ou regulamentar específico para evitar “distorções significativas na tributação”;

— Se assim fosse, aliás, o legislador já teria previsto a obrigação de os sujeitos passivos que exercem atividades de locação financeira deduzirem os inputs de utilização mista segundo a afectação real;

—A verdade é que a determinação da exclusão do capital das rendas dos contratos de locação financeira do apuramento da percentagem de dedução configura a modelação de um outro método de dedução de imposto, o que extravasa inequivocamente o âmbito das competências atribuídas à AT neste domínio específico;

— Nas atuais circunstâncias, não se nos afigura legítimo que a AT presuma que a utilização do método pro rata nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA provoque “distorções significativas na tributação”, sem qualquer esforço de indagação adicional, sendo antes exigível que fundamente a razão pela qual a Requerente deve observar um outro método de dedução;

— Com efeito, a AT limita-se a reproduzir o entendimento vertido no aludido Ofício Circulado n.º 30108, sem evidenciar que existe «(…) falta de coerência das variáveis nele utilizadas, susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados (…)»;

— Termos em que, do ponto de vista de direito constituído (iure constituto) – ou seja, ao abrigo das disposições legais aplicáveis – importa concluir pela ilegalidade dos atos tributários de IVA objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, porquanto é manifestamente infundada a asserção de que a aplicação do método do pro rata pretendida pela Requerente na determinação do grau de utilização de bens e serviços utilizados em operações mistas segundo os termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA conduza a “distorções significativas na tributação”;

— Esta mesma conclusão já foi inclusivamente acolhida em Sentença, ainda não transitada do Tribunal Tributário de Lisboa, proferido nos autos do Processo n.º 927/11.4BELRS (Unidade Orgânica 1) no dia 19.09.2012, em que se determinou que «… não tem o mínimo de correspondência na letra da lei o entendimento de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à locação financeira deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução»; 

— Conforme já referido, nas decisões de indeferimento dos procedimentos de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico que precederam o presente Pedido de Pronúncia Arbitral foi convocada e citada a jurisprudência do TJUE no “Caso Banco Mais”, embora, como já tivemos ocasião de fazer antever, a mesma tenha de ser objecto de uma cuidadosa análise e ponderação;

O TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método;

— Compulsado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais logo se verifica – com o devido respeito - que o mesmo assenta num manifesto e clamoroso equívoco, já que assume, sem efetivamente apurar, se a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista;

— Com efeito, no § 19 do Acórdão do TJUE é referido o seguinte: «Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva»;

— Como refere JOSÉ MARIA MONTENEGRO é «…neste ponto base, diria mesmo nevrálgico – que nos distanciamos do Acórdão do TJUE de 10 de julho de 2014. Pois não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva. E mais dificuldade teremos em acompanhar a afirmação de que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro  em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva» (Anotação à aludida jurisprudência, reproduzida como documento 8);

— Nesse sentido, e segundo o TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios leva a determinar um pro rata de dedução menos preciso do que o resultante do método aplicado pela AT, baseado apenas na parte das rendas correspondentes aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, dado que estas duas atividades constituirão o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel;

— Assim, concluiu o TJUE que o «…artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea e), da Sexta Diretiva…deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar»;

— Cumpre, no entanto, fixar qual o sentido e alcance da decisão interpretativa do TJUE com vista a conformar a sua aplicação ao caso em apreço, seguindo três ordens de razão:

— Em primeiro lugar importa referir que o Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada no “Caso Banco Mais”, que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas);

— Daí que, recolocada a questão, a resposta ao pedido prejudicial pretende incidir justamente sobre «…se as disposições do sistema comum do IVA em matéria do direito à dedução, em particular as constantes do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, permitem a um Estado membro estabelecer que os bancos que também, realizam operações de locação financeira, apurem o direito à dedução relativo a bens e serviços de uso misto tomando em consideração, quanto às mencionadas operações, a parte correspondente à remuneração do capital (juros) investido na aquisição dos bens dados em locação, assim como eventuais comissões e encargos afins»;

— Como resulta dos factos alegados e não contestados pela AT em sede de procedimento de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico, a locação financeira não constitui uma atividade meramente acessória de uma instituição financeira como a Requerente;

— Do que resulta que para o caso dos autos seria essencial considerar que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA é toda a renda recebida, ou seja, capital e juros, que constitui o valor tributável das operações de locação financeira, não fazendo aquele preceito legal qualquer distinção entre juro e capital ao referir-se ao valor tributável nas operações de locação financeira, sujeita a imposto totalidade da renda recebida;

— Não seria por isso de forma alguma admissível, como propugnado pela AT no Ofício Circulado n.º 30108 (que, não esqueçamos, fundamenta os atos tributários em crise na presentes instância arbitral), «distinguir onde a lei não distingue»;

— É inquestionável, quer para a doutrina quer para a jurisprudência que uma instrução administrativa não pode ser tida como lei!;

— Em segundo lugar, convém recordar que o Acórdão do TJUE não deveria sequer cuidar em apurar se, efetivamente, a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista, e muito menos da forma leviana como assumiu esse juízo;

— Com efeito, o TJUE acabou por cingir a sua pronúncia à questão de saber se o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado;

— Sucede, porém, que a aludida disposição não tem qualquer correspondência no Código do IVA, o que determina que a AT não se encontra habilitada a obrigar os sujeitos passivos a aplicar método de dedução de IVA nos bens e serviços de utilização mista diferentes do método do pro rata tal como consagrado no artigo 23.º do Código do IVA;

— Não deixa de ser extraordinário que o suposto critério especial que confere aos Estados-Membros o terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º não se encontra expressamente reflectido na legislação interna portuguesa de IVA, mas outrossim nas «…instruções administrativas divulgadas pela Administração Fiscal portuguesa, constantes do ofício circulado 30108, de 30 de Janeiro, do Gabinete do SDG-IVA…», cujos n.ºs 6 a 9 alegadamente esclarecem que «…para determinar a medida do direito à dedução do IVA relacionado com os custos comuns das instituições de crédito que também realizem operações de locação financeira, não corresponde ao método do pro rata geral baseado no volume de negócios de cada categoria de operações, que vem previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA»;

— Sendo certo que tal afirmação contraria o que é justamente referido no “Caso Banco Mais”, uma vez que de forma inadvertida (e, pior, infundada) o TJUE considerou que o Governo Português confirmou na audiência que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva;

O reenvio prejudicial apenas deve convocar a interpretação e aplicação de normas comunitárias, e não, obviamente, a interpretação e aplicação de normas de direito interno, pelo que é a todos os títulos ilegítimo que a AT tenha vindo assumir ou presumir que a doutrina contida no Acórdão do TJUE tem aplicação concreta no que diz respeito aos actos tributários sob impugnação;

— Em terceiro lugar, cabe notar que o Acórdão do TJUE sustenta que o juízo de adequação para a aplicação de um outro método de dedução de IVA nos bens e serviços de utilização mista se encontra dependente da verificação do requisito que consiste na questão de saber se a utilização desses bens e serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira;

— Não se consegue percepcionar o sentido e o alcance que o TJUE pretende atribuir a esta afirmação, atenta a circunstância de na legislação portuguesa não se encontrar prevista a possibilidade de modelar o cálculo do pro rata, uma vez que o requisito não se encontra contido em qualquer norma legal ou regulamentar, nem tão pouco no Ofício-Circulado n.º 30108 que esteve na base dos atos tributários em crise;

— Pelo que para além de consubstanciar um requisito que não tem qualquer cabimento legal (maxime, no Código do IVA), nunca o mesmo poderia ser sujeito a alegação e prova por parte do sujeito passivo, mas outrossim pela AT (uma vez que é esta que, em caso de “distorção significativa da tributação”, poderá impor a alteração – e não a sua modelação – do método ao contribuinte);

— Ao TJUE não caberia apurar se, efetivamente, a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista;

— Na verdade, o reenvio prejudicial apenas deve convocar a interpretação e aplicação de normas comunitárias, e não, obviamente, a interpretação e aplicação de normas de direito interno, pelo que seria a todos os títulos ilegítimo que a sentença a proferir nos presentes autos viesse a assumir ou a presumir que a doutrina contida no Acórdão do TJUE tem aplicação concreta nos presentes autos;

— A aludida disposição da diretiva comunitária não tem qualquer correspondência no Código do IVA, o que determina que a AT não se encontre habilitada a obrigar os sujeitos passivos a aplicar método de dedução de IVA nos bens e serviços de utilização mista diferente do método do pro rata tal como consagrado no artigo 23.º do Código do IVA;

— Pelo que considera a Requerente que caberá agora a este Tribunal Arbitral aferir se efetivamente o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA constitui (ou não) uma mera transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva;

— Dispõe o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva que «…um Estado-Membro pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e serviços em causa.»;

— Já o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA apenas prevê que, no caso de o sujeito passivo adoptar o método da afetação real para dedução de bens e serviços de utilização mista, a Direcção-Geral dos Impostos (isto, é, a AT) tem a possibilidade de fazer cessar o procedimento na eventualidade de verificar que a aplicação desse método provoca ou pode vir a provocar distorções significativas de tributação;

— Do confronto das referidas normas resulta que é absolutamente falso que o normativo da Sexta Diretiva, objecto de apreciação no acórdão interpretativo do TJUE [o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c)], corresponda ao artigo 23.º, n.º 2 do CIVA;

— Considera assim a Requerente que o TJUE assenta o seu Acórdão numa premissa totalmente errada: a de que o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA constitui a mera transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º5, alínea c), da Sexta Directiva!;

— O artigo 23.º, n.º 2 do CIVA não constitui a mera transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, alínea c), da Sexta Directiva;

 

— O entendimento acima referido não colide com a decisão proferida pelo TJUE, segundo a qual o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um banco a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado, embora não se tenha levado em consideração que esta norma não tem idêntica ou similar correspondência no Código do IVA;

 

 — Tendo presente o entendimento do TJUE sufragado no “Caso Banco Mais”, para que a AT efetivamente pudesse modular as componentes da fracção do pro rata, de forma a expurgar a parte da amortização do cálculo, seria necessário que igual legitimidade lhe fosse conferida pelo artigo 23.º do CIVA – o que, como vimos, não é o caso;

— Concluindo, temos que no presente caso não se verificam, de forma manifesta, os pressupostos ou as condições cumulativas fixadas pelo TJUE neste seu indirizzo jurisprudencial, na medida em que:

                  Em primeiro lugar: o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA não constitui a mera transposição, para o direito interno português, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva;

                  Em segundo lugar: as prerrogativas que o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA atribui à AT para impor condições especiais são restritas ao método da afectação real e reconduzem-se ao controlo de tais critérios objectivos a utilizar para medir a intensidade dos inputs que não podem ser diretamente atribuídos a dois grupos de operações, tributáveis e isentas;

                  Em terceiro lugar: a AT nunca identificou ou quantificou a existência de supostas distorções significativas na tributação;

                  Em quarto lugar: do que se trata é da modulação do direito de deduzir certos bens e serviços (os chamados custos comuns) que não podem ser objecto nem de atribuição direta, nem de atribuição por afectação real, ou seja, não é possível aferir a medida exata de repartição em que a utilização de bens e serviços é determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira;

                  Em quinto lugar: a contrapartida recebida pelo locador compreende não apenas os juros que correspondem à remuneração do serviço prestado por um sujeito passivo que exerce atividades de locação financeira, mas também outros encargos e sobretudo a amortização financeira que parece corresponder ao preço pago por este para a aquisição do veículo automóvel, sendo esta composição da contrapartida conforme o disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea h) do CIVA, o qual determina que o valor tributável das operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário;

— Concluindo, considera a Requerente que os atos tributários em escrutínio deverão ser revogados, e isto porquanto a AT não se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, sob pena de violação do disposto nos artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA e dos princípios que caracterizam o IVA (o princípio da neutralidade fiscal, o princípio da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, o princípio da segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança legítima dos sujeitos passivos), assim como dos princípios constitucionais da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º), da legalidade (artigo 112., n.º 5) e da reserva de lei (artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), todos da Constituição da República Portuguesa.

 

            Resposta da AT

            10.   A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e alegando, em síntese, que:

— O pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objecto imediato as decisões de indeferimento, de 31.01.2017, do recurso hierárquico apresentado pela Requerente contra o indeferimento do pedido de reclamação graciosa n.º …2015…, de 18.02.2016, relativamente às autoliquidações de IVA, referentes aos períodos de Julho, Agosto e Setembro do ano de 2015;

— Na verdade, a Requerente relativamente àqueles períodos de imposto exerceu o seu direito à dedução com base no pro rata provisório de 18%, correspondente ao pro rata definitivo que havia calculado relativamente ao ano de 2014;

— Entende, no entanto a Requerente, que autoliquidou imposto em excesso nas referidas declarações periódicas já que numa revisão de procedimentos internos veio a apurar um pro rata de 59% e nessa circunstância entregou imposto em excesso, num total de € 254 064,47;

— Efetivamente, no âmbito dos presentes autos o que se discute e se pretende aferir é se houve ou não erro na autoliquidação de imposto, relativamente aos períodos de imposto de Julho, Agosto e Setembro de 2015, pelo facto de no cálculo do seu pro rata de dedução se ter desconsiderado o montante das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e do valor da alienação ou abate por destruição dos bens locados;

— A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;

— No âmbito da sua atividade pratica operações às quais se aplica o n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, nomeadamente operações de financiamento e concessão de crédito;

— Tais operações configuram isenções simples ou incompletas que como tal não permitem o direito à dedução do imposto suportado a montante;

— A par disso, a Requerente realiza operações de locação financeira, através de contratos de locação financeira, nomeadamente de locação financeira mobiliária   “Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro”, operações sujeitas e não isentas  que conferem direito à dedução nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA;

— Constata-se, assim, que a Requerente se enquadra como um sujeito passivo abrangido pelo regime normal de periodicidade mensal e tendo a natureza de sujeito passivo misto para efeitos do exercício do seu direito à dedução;

— Acresce que, por se tratar de um sujeito passivo misto, a Requerente, no que diz respeito às aquisições de bens e serviços de utilização mista – utilizados  indistintamente nas várias operações que pratica -  para efeitos do exercício do direito à dedução adotou o método do pro rata de dedução nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA;

— Assim, tendo em conta a caracterização do contrato de locação financeira através do qual não se verifica a transferência da propriedade, mas antes a cedência do uso de um bem, a Requerente como locadora obriga-se «a prestar um serviço traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes»;

— Nesta circunstância, a locação financeira caracteriza-se como uma prestação de serviços sujeita a imposto nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA;

— No caso das operações de locação a contraprestação concretiza-se nas rendas auferidas pela Requerente, enquanto entidade locadora;

— A renda é composta por uma parte correspondente a juros e outra a amortização financeira ou do capital, já que estas operações de locação (leasing e ald) traduzem uma modalidade de crédito;

— Por assim ser esta atividade levada a cabo pela Requerente mais não traduz “em substância, (que) a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas”;

— Na verdade no âmbito dos contratos de locação financeira que a Requerente celebra, (esta) deduz o imposto que suportou na aquisição dos referidos bens, de acordo com o método de afetação real, e entrega os referidos bens ao locatário recebendo em contrapartida rendas, as quais integram a amortização do capital, juros e eventualmente outras despesas;

—  A dedução integral efectuada pela Requerente relativamente à aquisição dos referidos bens locados ocorre por imputação direta pelo facto de os referidos bens se destinarem a uma atividade tributada com direito à dedução nos termos do artigo 20.º do Código do IVA;

— No entanto, tal não ocorre relativamente à aquisição de bens e serviços de utilização mista, os chamados bens e serviços de natureza promíscua que se destinam indistintamente às diversas atividades da Requerente – sujeita e não isenta e isenta sem direito à dedução;

— Relativamente aos referidos bens, a dedução é efectuada tendo em conta a regra geral estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º e calculado nos termos do n.º 4 da mesma disposição legal ou o método de afectação real de acordo com critérios objectivos;

— Acresce que, relativamente às atividades de locação financeira, os diversos operadores económicos concluíram não ser possível a adopção do método de afectação real de acordo com critérios objectivos atenta a natureza da referida atividade;

— Nessa circunstância, foi proferido o Ofício n.º …/2009, amplamente citado nas informações constantes do processo instrutor e que suportam as decisões de indeferimento a que se reportam os presentes autos, no sentido de clarificar o apuramento de um método o mais preciso possível, na ausência dos critérios objetivos impostos pelo método de afectação real, para todos os operadores económicos da referida atividade;

— Sendo certo que a redação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA não impede que o critério objectivo seja determinado de acordo com a percentagem de dedução afecta a todos os recursos da Requerente, não é menos certo que este critério tinha de refletir tão só o montante dos proveitos provenientes da sua atividade tributada (os juros) sob pena de se subverter a neutralidade que preside a todo o sistema que consagra o direito à dedução;

— Assim, o procedimento adoptado pela Requerente aquando das autoliquidações de imposto foi o correto; 

— Ao contrário do que pretende fazer valer a Requerente esta metodologia não é contrária ao direito comunitário tendo, ainda, sustentação em diversa jurisprudência do TJUE;

— Ora, o que se constata é que num momento posterior a Requerente pretendeu abandonar aquele critério que utilizou relativamente ao exercício do direito à dedução do imposto suportado nos recursos de utilização mista, vindo a recalcular uma percentagem de dedução de 59%, utilizando o mesmo método do pro rata de dedução  mas incluindo o valor total da renda, sem expurgar a parte referente à amortização de capital;

— Acresce que  a Requerente invoca muitos princípios relativos à aplicação uniforme do direito comunitário – princípio da neutralidade, não distorção da concorrência etc. – para a final de forma englobante referir que há violação do direito comunitário no caso do cálculo do pro rata de dedução que calculou e pretende recalcular;

— Ora, é precisamente à luz dos princípios atrás referidos que as liquidações adicionais, em causa nos presentes autos, se mostram perfeitamente legais, caindo por terra qualquer tipo de argumentação em sentido contrário e que vise salvaguardar a pretensão que a Requerente quer fazer vingar;

— Na verdade, no meio de tanta evocação de princípios inerentes à tributação do consumo, bem como da invocação expressa de determinada jurisprudência comunitária causa-nos alguma estranheza que a Requerente venha dizer que o Acórdão do Tribunal de Justiça da EU, de 10 de Julho de 2014, não se reporte bem à matéria dos autos;

— Importa, pois, resumir e citar o que se refere e decidiu naquele Acórdão.

Refere-se no referido Acórdão o seguinte:

«O Banco mais é uma instituição bancária que exerce atividades de locação financeira no sector automóvel e outras atividades financeiras.

Decorre dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, no exercício das suas atividades, o Banco Mais efetua operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito.

No que respeita aos bens e serviços de utilização mista, o Banco Mais calculou o seu pro rata de dedução com base numa fracção que comporta, no numerador, as remunerações recebidas relativamente às operações financeiras que conferiam direito à dedução, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado pelas operações de locação financeira que conferiam direito à dedução, e, no denominador, as remunerações recebidas relativamente a todas as operações financeiras, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado por todas as operações de locação financeira. Na prática, este método levou o Banco Mais a considerar que 39% do IVA devido ou pago sobre esses bens e serviços era dedutível»;

— E mais à frente diz-se o seguinte:

«Nessa decisão a Fazenda Pública não pôs em causa a possibilidade de o Banco Mais calcular o seu pro rata de dedução, no que respeita às operações de crédito  diferentes da locação financeira, por referência, em substância, à parte das remunerações referente a operações que conferem direito à dedução. Em contrapartida, considerou, no que respeita às operações de locação financeira, que o facto de ter utilizado como critério a parte do volume de negócios gerada pelas operações que conferiam direito à dedução, sem excluir desse volume de negócios a parte das rendas recebidas que compensavam o custo de aquisição dos veículos, tinha tido por efeito falsear o cálculo do pro rata de dedução»;

— Instado a decidir em última instância o referido litígio veio o STA submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte questão prejudicial:

«Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação?»;

—Sendo que mais à frente aquele Tribunal refere:

«Ora, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel»;

— Assim, relembrando, mais uma vez que o sistema comum do IVA deve garantir a perfeita neutralidade relativa à carga fiscal de todas as actividades económicas o Tribunal de Justiça da União Europeia veio considerar que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c)) da Sexta Directiva: «deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir, no numerador e denominador a fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão de reenvio verificar.»;

— Acresce que, sobre esta matéria também já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 29 de Outubro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 01075/13, 2ª Secção, onde expressamente se decidiu: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis devem incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista , apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros»;

— Por assim ser, não tem a menor razão a Requerente relativamente às considerações que tece no articulado do seu pedido arbitral, no que concerne à determinação do pro rata de dedução, em causa nos presentes autos, bem como ao conceito de volume de negócios que, a este propósito, pretende aplicar e aos considerandos que faz ou não faz sobre a matéria em questão;

— Na verdade, à luz de uma sã concorrência entre os vários agentes económicos no espaço da União Europeia e na defesa do princípio da neutralidade do IVA quanto à sua carga fiscal, o indeferimento do pedido relativamente ao imposto supostamente autoliquidado a mais não está ferido de qualquer ilegalidade como pretende fazer valer a Requerente;

— Por outro lado, importa referir que, face aos Tratados, o Tribunal de Justiça da União Europeia é o garante da interpretação e aplicação uniforme do direito da União no território de todos os Estados-Membros, o que se concretiza através das decisões proferidas no âmbito dos processos de reenvio, ao abrigo do artigo 267.º do TFUE, como é o caso do Acórdão acima citado;

— Assim, também esta jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efectuada pelo Tribunal relativamente ao artigo 17.º, n.º 5 da Sexta Directiva IVA (actual artigo 173.º, n.º 2 da Directiva n.º 2006/112 CE), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23.º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o nosso direito interno;

— Acresce que, aquela interpretação não deixa qualquer margem para dúvidas pelo que o cálculo do pro rata que a Requerente aplicou nos períodos em questão estava corretamente calculado, não padecendo as autoliquidações que pretende corrigir de qualquer tipo de erro;

— Proceder a uma interpretação como a propugnada pela Requerida ofenderia, sem qualquer margem para dúvidas, o tão apregoado princípio da neutralidade do imposto e mais do que esse o princípio da sã concorrência no espaço da União Europeia verdadeiro motor de toda a harmonização indireta e da consequente obrigatoriedade de introdução do IVA por todos os Estados-Membros;

— Além do mais, o princípio da neutralidade através do qual se «concretiza a igualdade das empresas perante a tributação do consumo» seria, igualmente, postergado a valer a tese defendida pela Requerente;

— Por assim ser, a interpretação da Requerida, curiosamente, é a que melhor materializa o princípio da neutralidade e o princípio da igualdade de tratamento a que o Acórdão Banco Mais dá corpo, numa situação similar à dos presentes autos, e de um concorrente da Requerida;

— Logo, o cálculo do pro rata inicialmente calculado pela Requerente, de acordo com a interpretação veiculada pela Requerida, não merece qualquer censura;

— Nesse sentido os atos de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico subsequente não padecem de qualquer ilegalidade porquanto no que à atividade de leasing e ALD diz respeito, a parte relativa à amortização de capital incluído nas rendas não pode fazer parte dos termos da fracção do pro rata de dedução;

—  Deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos com as legais consequências.

   II - SANEADOR

11.   O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

12.   As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

13.   Não se verificam nulidades nem questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido. 

III - FUNDAMENTAÇÃO 

 Objeto da pronúncia arbitral 

14.   O pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objecto imediato as decisões de indeferimento, de 31.01.2017, do recurso hierárquico apresentado pela Requerente contra o indeferimento do pedido de reclamação graciosa n.º …2015…, de 18.02.2016, relativamente às autoliquidações de IVA, referentes aos períodos de Julho, Agosto e Setembro do ano de 2015.

E colocam-se  ao Tribunal as seguintes questões:

— Se o procedimento adoptado na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista (i.e., utilizados em operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem tal direito), devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo do pro rata (i) as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e (ii) os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

— Se enfermam de ilegalidade os atos de autoliquidação de IVA com recurso, imposto pela AT, ao “coeficiente de imputação específico» referido no ponto 9 do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, da AT” e consubstanciados nas declarações periódicas de IVA, respeitantes aos períodos de Julho/2015, Agosto/2015 e Setembro/2015. 

 

Matéria de facto

 

 15.   Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Os factos provados

Nesta parametria, tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida por ambas as partes e a cópia do processo administrativo junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

            15.1  A   Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações) e que exerce, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração);

            15.2 Para efeitos de IVA, a Requerente é (assim) um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem direito a dedução);

            15.3   No dia 17 de Agosto de 2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Julho de 2015 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 08 de Setembro de 2015;

            15.4  No dia 10 de Setembro de 2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Agosto de 2015 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 12 de Outubro de 2015;

            15.5  No dia 10 de Novembro de 2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Setembro 2015;

            15.6  A Requerente deduziu nas declarações periódicas relativas aos períodos de Julho, Agosto e Setembro de 2015, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2014;

            15.7 Em consequência das declarações apresentadas em 8.9.2015, 12.10.2015 e 10.11.2015, o pro rata inicial, calculado nos termos supra, de 59% foi reduzido a 18%;

            15.8 Estas declarações foram apresentadas pela Requerente em consequência do estabelecido pela AT no ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009, emitido pelo então Diretor Geral dos Impostos;

            15.9 A Requerente reclamou,  através do «Procedimento de Reclamação Graciosa n.º …2015…» e do «Procedimento de Recurso Hierárquico n.º …2016…», contestando  os respetivos atos de autoliquidação do IVA;

            15.10  Entende a Requerente que na determinação do pro rata deveria ter-se considerado (tal como o havia feito nas declarações iniciais e substituídas), quer no numerador quer no denominador, designadamente: (i) as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e (ii) os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

            15.11 Quer a Reclamação Graciosa quer o Recurso Hierárquico foram julgados improcedentes por decisões de 18.02.2016 e 31.01.2017 com os fundamentos que constam da cópia do processo administrativo junta aos autos pela AT.

 

16. Factos não provados

Não há outros factos relevantes, provados ou não provados,

17. Motivação

Para fixação do sobredito quadro factual fundou-se o tribunal no exame dos documentos, não impugnados, juntos ao processo e na ausência de controvérsia das partes em termos de matéria de facto. 

18.   Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa, considerando as possíveis soluções de direito. 

 

III FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

 

O DIREITO

19.  Os atos objeto de impugnação são os atos de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º …2015… e do Recurso Hierárquico n.º …2016… decorrentes das declarações apresentadas em 8/9/2015, 12/10/2015 e 10/11/2015 (cfr factos provados, 15.3, 15.4 e 15.5).

Imputa a Requerente a esses atos, se bem se entende a petição inicial, o vício de ilegalidade por falta de pressupostos de facto e de direito.

 No cerne da questão estão os divergentes entendimentos das partes relativamente à dedução   de IVA quanto aos bens e serviços de utilização mista (artigo 23º, do CIVA),  no caso de ser sujeito passivo uma instituição de crédito que, para além das operações que integram o seu objeto específico, pratica ainda operações de leasing e ALD.

Ou seja e mais concretamente: ponderados os métodos ou formas de cálculo da dedução de IVA quando o sujeito passivo efetua operações que conferem direito a dedução e outras que não conferem esse direito, se enferma ou não de vícios de ilegalidade por falta dos pressupostos de facto e de direito, a liquidação de IVA em que o cálculo do pro rata, excluiu do numerador e do denominador da fração as amortizações financeiras relativas aos contratos de leasing  e os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados, tudo em execução das regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD, regras essas estabelecidas no ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009, emitido pelo Diretor Geral dos Impostos.

            Vejamos, para melhor facilidade expositiva, as disposições legais mais relevantes para apreciar e dirimir a questão, bem como o teor do ofício circulado a que acima se fez referência:

Do Código do IVA:

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista 
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

            b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7 - Os sujeitos passivos que iniciem a actividade ou a alterem substancialmente podem praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 31.º e 32.º

8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fracção é arredondado para a centésima imediatamente superior.

9 - Para efeitos do disposto neste artigo, pode o Ministro das Finanças, relativamente a determinadas actividades, considerar como inexistentes as operações que dêem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos n.os 2 e 3.

Da Diretiva IVA

Os artigos 173º, 174º e 175º, da Diretiva nº 2006/112/CE, do Conselho, de 28.11.2006, estabelecem o seguinte (realçando-se o que interessa neste processo, através da parte sublinhada): 

«Pro rata de dedução

Artigo 173.o

1.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.o, 169.o e 170.o, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.o e 175.o, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2.   Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

a)

Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b)

Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

 

c)

Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 

d)

Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.o 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e)

Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante.»

 Artigo 174.o

1.   O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a)

No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b)

No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2.   Em derrogação do disposto no nº 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a)

O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b)

O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c)

O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3.  Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

Artigo 175.o

1.   O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior.

2.   O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência, ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob controlo da administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões.

Todavia, os Estados–Membros podem continuar a aplicar a sua regulamentação em vigor em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados–Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.

3.   A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica a regularização das deduções operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente.

 

 

O ofício circulado da AT nº 30108, de 30-1-2009

 

Esta instrução administrativa  estabelece o seguinte (realçando-se o que interessa neste processo, através da parte  sublinhada):    

 

Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD

Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

 5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

 6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

 9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

 

Subsunção

 

A Requerente, é um sujeito passivo do IVA, tal como decorre do artigo 2º, nº 1, alínea a) do Código do IVA que, no âmbito da sua atividade económica, pratica operações de financiamento e concessão de crédito às quais se aplica a isenção do IVA prevista no nº 27 do artigo 9º do CIVA e, simultaneamente, pratica operações de locação financeira mobiliária (Leasing e Aluguer de longa duração) tributadas em IVA, nos termos do artigo 16º, nº2, alínea h), do CIVA.

Está  em causa a dedução do IVA apenas quanto aos bens e serviços adquiridos, em que não foi possível determinar direta e objetivamente a respetiva afetação a cada uma das atividades (de financiamento e concessão de crédito e à atividade de  locação financeira mobiliária), ou seja, está em causa a dedução do IVA quanto aos bens e serviços adquiridos, que são de utilização conjunta  em ambas as atividades (“ utilização mista” ou “custos comuns”), em que obrigatoriamente foi aplicado o método da percentagem de dedução, tal como se encontra previsto na legislação comunitária e na legislação interna acima transcritas.

Ora a  Requerente utilizou o método da afetação real, por opção, para o cálculo da dedução do IVA quanto a uma parte dos bens e serviços adquiridos em que foi possível determinar direta e objetivamente a respetiva afetação a cada uma das atividades (tributada ou isenta). Não houve qualquer imposição ou correção da parte da AT.

A AT, através do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, veio divulgar a sua interpretação do artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD, para  efeitos do apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.  

Entendeu a AT  que estes sujeitos passivos devem utilizar, nos termos do nº2 do artigo 23º, do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços,  por considerar que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º, do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação” (Cfr nº 8 do referido Ofício Circulado).

 

E entendeu ainda a AT que, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico (sublinhado nosso), tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA (nº9 do referido Ofício Circulado).

 

Ora esta interpretação dada pela AT ao artigo 23º-4, do CIVA e que esteve na origem do citado ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009, não tem suporte mínimo na letra da lei [CIVA e Diretiva IVA] e, consequentemente, aquele entendimento (da AT) de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira da Requerente deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução, não pode, como tal, ser sufragado.

 

Na verdade, tal como dispõe e impõe o artigo 16º-2/h), do CIVA, nas operações de locação financeira, o valor tributável em sede de IVA, é o da totalidade da renda (sublinhado nosso) recebida ou a receber do locatário.

 

Ou seja: é  sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; e de ser claro também que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual”, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.

 

A solução proposta pela Administração Fiscal de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização   financeira não tem apoio direto nos textos legais.

 

Certo que neste tipo de contratos (também denominados de leasing), o proveito que releva para efeitos contabilísticos e, consequentemente, para efeitos de tributação do rendimento, é apenas aquele que isola a componente de juros da renda a pagar pelo locador; ou seja: a parte da renda relativa à amortização do capital não releva na, digamos, folha contabilística do locador[2].

 

Sendo a parcela dos juros a única que afeta o resultado contabilístico, também, consequentemente, o mesmo sucede para efeitos de tributação em IRC por força da relação de dependência (parcial) prevista no artigo 17º, do CIRC.

 

Já não assim é, porém, para efeitos de IVA, na medida em que a base tributável encara as duas componentes da renda como uma só, fundindo-as no conceito geral de contrapartida [a renda tout court] previsto no citado artigo 16º, do CIVA, cuja epígrafe é “valor tributável”.

 

Por seu lado, o artigo 23º, do CIVA, consagra objetivamente o pro rata como  o regime de dedução do IVA para – como é o caso dos autos – os comummente denominados  “sujeitos passivos mistos” – Cfr nºs 1 e 4 – sem prejuízo de opção do sujeito passivo pela dedução segundo a afetação real (sublinhado nosso), com base em critérios objetivos e igualmente sem prejuízo – agora sim -, de intervenção Autoridade Tributária e Aduaneira (que poderia impôr, em determinadas circunstâncias, condições especiais ou mesmo fazer cessar esse procedimento, se for entendido que aquele provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação) (nº 2, do citado artigo 23º).

 

Apenas em duas situações, porém, foi feita a transposição para a legislação nacional da margem estabelecida na Diretiva IVA, relativamente à possibilidade de obrigar um sujeito passivo a não aplicar o método pro rata de dedução: (i) quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas e (ii) no caso de se verificarem distorções significativas na tributação – Cfr artigo 23º-3, do CIVA.

 

Assim é que, in casu, ao colocar, inicialmente, no numerador e no  denominador   do pro rata o montante anual das rendas sobre o qual incidiu IVA – ou seja, o montante da contrapartida -  o Banco requerente utilizou a base de liquidação de IVA devida e legal.

 

Ao contrário, as liquidações ora impugnadas, na linha ou em cumprimento do determinado no ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009 [que traduz o entendimento da AT de que para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros], enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

 

Na verdade, e de acordo com a legislação comunitária ( artigos 173º, 174 e 175º da Diretiva nº 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006) e com a legislação interna já citada (artigo 23º, nº1, nº4, nº6, nº7 e nº8, do Código do IVA),   resulta que: (a) o método da percentagem de dedução deve ser o  aplicado nas situações como a dos autos (b) o método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos,  (c)  a AT pode obrigar  à aplicação do método da afetação real, (d) a única  fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou prorata  prevista na legislação interna portuguesa  é a que consta do nº 4 do artigo 23º do CIVA , (e)  este artigo 23º  não prevê outra fórmula de determinação do  pro rata.

Daqui decorre, reafirma-se, que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» nos termos referidos no ponto 9 do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, da AT, não tem o necessário enquadramento legal.

 

Assinale-se ainda a natureza manifestamente infundada ou não fundamentada de que a aplicação do método do pro rata pretendida pela Requerente na determinação do grau de utilização de bens e serviços utilizados em operações mistas segundo os termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA conduza a “distorções significativas na tributação”(!)

 

O caso “Banco Mais”

 

O TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.

 

Ora compulsado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais logo se verifica que o mesmo parece assentar num equívoco, já que assume, sem efetivamente o apurar, que a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.

 

Assim, o § 19 do Acórdão do TJUE refere: «Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva».

 

Como bem refere JOSÉ MARIA MONTENEGRO (in Comentário ao Acórdão “Fazenda Pública contra Banco Mais, SA” de 10 de julho de 2014 – Proc C-183/13) é «…neste ponto base, diria mesmo, nevrálgico – que nos distanciamos do Acórdão do TJUE de 10 de julho de 2014. Pois não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva. E mais dificuldade teremos em acompanhar a afirmação de que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro  em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva» (Anotação à aludida jurisprudência, reproduzida como documento 8, junto com a Petição).

 

É manifesto, por outro lado, que o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas).

 

Daí que, recolocada a questão, a resposta ao pedido prejudicial pretende incidir justamente sobre «…se as disposições do sistema comum do IVA em matéria do direito à dedução, em particular as constantes do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, permitem a um Estado membro estabelecer que os bancos que também, realizam operações de locação financeira, apurem o direito à dedução relativo a bens e serviços de uso misto tomando em consideração, quanto às mencionadas operações, a parte correspondente à remuneração do capital (juros) investido na aquisição dos bens dados em locação, assim como eventuais comissões e encargos afins».

 

Assinale-se que, tal como resulta dos factos alegados e não contestados pela AT em sede de procedimento de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico, a locação financeira não constitui uma atividade meramente acessória de uma instituição financeira como a Requerente.

 

Destarte e sem necessidade de outras considerações, resulta óbvia a procedência total do pedido.

 

Juros indemnizatórios

 

Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22º, da Constituição, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

 

A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12º, do C.Civil).

 

 Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual.

Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43º, da L.G.T.; Jorge Lopes de Sousa, Juros nas Relações Tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.155 e segs.).

 

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº 1, da L.G.Tributária, são os seguintes:

            (i) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo; (ii)  Que o erro seja imputável aos serviços; (iii) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e (iv) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr.Jorge Lopes de Sousa, idem, ibidem, pág.158; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6a. edição, 2011, pág.530).

 

Embora não se refira expressamente, no artº.43º, nº1, da L.G.Tributária, que o ato viciado por erro deve ser um ato de liquidação, são os atos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos de liquidação que se reporta esta disposição (cfr.ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 31/1/2012, proc. 5110/11; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 17/9/2013, proc.6718/13).

 

A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” têm um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”.

 

Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do ato por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento judicial de um vício de forma ou incompetência não implica a existência de qualquer pecha na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.

 

Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária. Se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efetiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização).

 

Diz-nos igualmente a norma sob exame que o erro de facto ou de direito, terá de ser imputável aos serviços, assim se afastando os casos de autoliquidação (cfr., v.g., artºs. 82º, al.a), e 83º, no.1, al.a), do C.I.R.C.). Nestes casos, tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação são levados a cabo pelo próprio sujeito passivo, pelo que estará afastada, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços (cfr. ac.S.T.A.-2ª Secção, 5/5/1999, rec.5557-A; ac.S.T.A.-2a.Secção, 14/9/2011, rec.433/11; ac.T.C.A.Sul, 31/1/2012, proc.5110/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6a. edição, 2011, pág.530 e seg.).

 

Todavia, se  autoliquidação se efetiva de harmonia ou em execução de instruções da própria Autoridade Tributária e Aduaneira – como é o caso dos autos -, já se justifica o juízo de imputação de responsabilidade aos próprios Serviços da AT e não ao contribuinte e, consequentemente, a causa do erro já não estará propriamente no contribuinte que procede à autoliquidação mas antes e sobretudo na AT que “impôs” uma certa interpretação da Lei e desse modo “obrigou” o contribuinte a proceder à autoliquidação com base em critérios ou pressupostos que ulteriormente não vieram a ser reconhecidos judicialmente.

 

Nesta última situação e pese embora se trate de autoliquidação, ao contribuinte não está vedado o direito a juros indemnizatórios nos termos referidos.

 

 

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os árbitros que integram este Tribunal Coletivo, em:

            a) Julgar totalmente procedente o pedido formulado pelo Requerente A…, SA, e, em consequência:

            b) Determinar a anulação dos atos tributários consubstanciados nas declarações periódicas de IVA respeitantes aos períodos de 07/2015, 08/2015 e 09/2015, submetidas nos dias 17.08.2015, 10.09.2015 e 10.11.2015, respectivamente;

            c) Revogar os atos de indeferimento da reclamação graciosa e recurso hierárquico (Reclamação Graciosa n.º …2015… e Recurso Hierárquico n.º …2016…) decorrentes da apresentação das declarações apresentadas em 8/9/2015, 12/10/2015 e 10/11/2015;

            d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente da quantia de 254.064,47 euros referente ao IVA não deduzido;

            d) Reconhecer o direito do Requerente a juros legais indemnizatórios contados desde a data da apresentação das respectivas declarações periódicas relativas aos períodos de 07/2015, 08/2015 e 09/2015, ou seja, dos dias 17.08.2015, 10.09.2015 e 10.11.2015, respetivamente, até à data da efetiva restituição. 

V – Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 254.064,47

VI – Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, AT.

            Lisboa, 9 de   janeiro   de 2018

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

 

José Nunes Barata

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

Maria Isabel Guerreiro

(Árbitra Adjunta)

 



[1] Os sublinhados são da autoria do Tribunal.

[2] Quer no POC quer no SNC, o locador passou a excluir do seu ativo imobilizado os bens objeto da locaçãoo financeira, ficando o respetivo valor integrado numa conta de créditos a receber, sendo que a percepção das rendas pagas pelo locatário gera dois movimentos distintos e concomitantes na esfera do locador: na parte da amortização financeira, um abate ao valor do crédito reconhecido; na parte relativa ao juro, um proveito (ou rédito) com impacto no resultado do período.