Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Cristina Coisinha e Pedro Miguel Bastos Rosado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
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Relatório
1. A A…, com o número de identificação fiscal … e com sede na Rua …, n.º…-…, …-…, Lisboa, doravante designada Requerente, apresentou em 29 de abril de 2017, pedido de pronúncia arbitral no qual requer a declaração de ilegalidade do acto, e consequente revogação, de indeferimento da revisão oficiosa n.º …2016…, relativa ao ano de 2015, o qual tem por objecto a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, referentes aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais … e …, ambos pertencentes à União das Freguesias de … e …, concelho do Porto, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira.
2. A pretensão do objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, referentes ao ano fiscal de 2015, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
3. Pede ainda a Requerente, a restituição da totalidade do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida calculado sobre o imposto.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 2 de maio de 2017.
5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
5.1. Em 29 de junho de 2017, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
5.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14 de julho de 2017.
5.3. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
6. Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
6.1. Os prédios inscritos na matriz como prédios para construção não podem ser subsumíveis no conceito de “prédios com afectação habitacional” e, por conseguinte, não se encontram incluídos no âmbito da incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS, razão pela qual a norma de incidência nunca poderia ter sido aplicada aos prédios sub judice, encontrando-se as liquidações de Imposto de Selo desprovida de fundamentação legal.
6.2. A inconstitucionalidade da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo quando aplicada a “terrenos para construção”.
7. A autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente notificada para o efeito a 17 de julho de 2017, apresentou a sua resposta tempestivamente e juntou o processo instrutor, defendendo-se por impugnação, concluindo pela improcedência do pedido e invocando, em síntese, o seguinte:
7.1 Com a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro que alterou o artigo 1.º do Código do Imposto de Selo, aditou à Tabela Geral deste imposto, a verba 28, passando o Imposto de Selo também a incidir sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da respectiva matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
7.2 O Imposto de selo passou, assim, a incidir sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
7.3 Refutou a alegada constitucionalidade da verba 28 do Código do Imposto de Selo, defendendo que foi uma opção legítima do legislador para reequilibrar a repartição dos sacrifícios, de modo a que estes não incidissem apenas sobre «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho» (o que, evidentemente, tinha em mente as medidas concretizadas em sede de IRS quanto à alteração da estrutura de taxas e de escalões do IRS, à sobretaxa de 3,5%, e à taxa adicional de solidariedade).
Ademais, a tributação em sede de imposto de selo está sujeita ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis com afectação habitacional de elevado valor e surge num contexto de crise económica que não pode ser ignorado.
Efectivamente, para a AT, a realidade fáctico-jurídica selecionada pelo legislador para constituir a base da incidência do imposto é o prédio em si considerado, em atenção à sua afectação e ao seu valor patrimonial tributário, não o património predial global dos sujeitos passivos.
8. Por não ter sido requerida a produção de prova e ressalvando a hipótese de as partes pretenderem apresentar alegações, o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no art. 18.º do RJAT e convidou as mesmas a dizerem se pretendiam, apresentar alegações e a esclarecerem a forma como deviam revestir, oral ou escrita. O Tribunal designou o dia 14 de janeiro de 2018 como prazo limite para a prolação do acórdão.
9. Ambas as partes prescindiram de apresentar alegações.
2. Saneamento
O art. 3.º, n.º 1, do RJAT, dispõe que: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Assim, a cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objeto atos de liquidação do mesmo imposto, o Imposto do Selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1, do RJAT.
Consequentemente, o processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
3. Objecto do litígio
Para fundamentar a sua pretensão, a Requerente começa por referir que a sujeição dos terrenos para construção com VPT superior a um milhão de euros está expressamente consagrada quando exista edificação autorizada ou prevista, para habitação, e que os terrenos para construção sem qualquer edificação prevista ou autorizada não poderão estar sujeitos à verba 28.1.
Sustenta que, o facto tributário relevante para aplicação do Imposto do Selo assenta na titularidade de um direito real – “propriedade, usufruto ou direito de superfície” – sobre um terreno para construção que, tendo um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, tenha uma “edificação para habitação” “autorizada ou prevista.
Pelo que, a tributação em análise apenas pode ser aplicada nas situações em que tenha sido autorizada ou prevista a efectiva edificação do “terreno” no caso concreto e que tal edificação se destine a “habitação”.
Acrescenta que a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo é inconstitucional quando aplicada a terrenos para construção, por ser contrária ao princípio basilar da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, em paralelo, contrária ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma.
A Requerente defende que, a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS exclui, de forma arbitrária, uma parcela significativa do património “de elevado valor”, na medida em que o facto tributário relevante restringe-se a uma parcela do património imobiliário de valor superior a € 1 000 000, ou seja, sobre aquele património afecto à habitação, estando excluído do âmbito da tributação o património de elevado valor que se destine a outros fins. Por outras palavras, com tal exclusão, a lei diferencia os contribuintes, sem atender à sua capacidade contributiva.
Entende e argui, que a tributação especial, nos moldes em que foi implementada, ao incidir sobre prédios urbanos isoladamente considerados, não logra agravar, de forma efectiva, todos os proprietários que têm um património de elevado valor e que, consequentemente, demonstram uma capacidade contributiva superior. Até porque, caso um proprietário detenha apenas um único prédio urbano de valor patrimonial superior a € 1 000 000, será sujeito a uma tributação especial, diversamente daqueloutro que seja proprietário de vários prédios urbanos de valor inferior a € 1 000 000, cuja soma perfaça um montante muito superior ao referido € 1 000 000, hipótese em que não será sujeito a tal tributação. Circunstância que conduz a um tratamento distinto de sujeitos passivos proprietários de património de muito elevado valor, consoante esteja concentrado ou disperso.
Em terceira linha de argumentação (artigos 75.º a 92.º do Pedido arbitral), a Requerente fundamenta a anulação das liquidações em causa em manifesta ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito. Deste modo, a formulação legislativa da tributação especial, incidente sobre os prédios com afectação habitacional de valor superior a € 1 000 000, introduzida pela Lei n.º 55.º-A/2012, viola o princípio constitucional da igualdade tributária e o seu corolário do princípio da capacidade contributiva.
Mais, a Requerente entende ainda que a norma de incidência supra referida constitui a dupla tributação do mesmo facto tributário, a titularidade de um direito real e, consequentemente, devem as liquidações ser anuladas. Na verdade, os factos a que se aplica a verba 28 da TGIS são igualmente tributados em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis. Deste modo, é automaticamente gerada uma discriminação negativa de determinados sujeitos passivos que, sobre o mesmo facto tributário, apenas viram incidir um único tributo.
Segundo a Requerente, o concreto facto tributário gerador de imposto do selo, tal como gizado pelo legislador com as alterações introduzidas pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, é constituído por três pressupostos cumulativos: a) titularidade de um direito real sobre o prédio; b) valor patrimonial tributário do prédio e c) uma “edificação, autorizada ou prevista” para habitação. Razão pela qual, a tributação dos “terrenos para construção” assenta na existência de uma “autorização” ou de uma mera “previsão” de que o terreno em causa venha a ser edificado e que tal edificação se destine a habitação.
Ora, no limite, ainda que nunca seja concluída a “edificação” ou qualquer “edificação para habitação”, o respectivo proprietário, usufrutuário ou superficiário deverá suportar o Imposto do Selo decorrente da “potencial edificação para habitação”. Ora, essa finalidade de onerar uma previsão ou expectativa de “edificação para habitação”, não poderá ser aceite por não configurar uma exteriorização de capacidade contributiva.
Alega a Requerente que, “(…) sem que aquela previsão ou expectativa de «edificação para habitação» esteja concretizada, não poderá considerar-se verificada in casu a demonstração de riqueza ou de fortuna que a lei pretendeu alcançar” (artigo 86.º do Pedido), e que o que o legislador sempre pretendeu tributar, desde a génese da verba 28 em análise, “(…) foram prédios com efectiva «afectação habitacional», sempre associada a «edifícios» ou «construções» existentes, porquanto apenas estes poderão ser habitados (…)” (artigo 90.º do Pedido).
Neste âmbito, a Requerente refere, ainda, que a tributação dos “terrenos para construção”, nas condições supra descritas, não decorre dos diplomas que estiveram na génese da verba 28 da TGIS, porquanto a intenção do legislador visou os prédios efectivamente afectos a habitação, isto é, aqueles que podem ser habitados, como o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais descreveu na apresentação da Proposta de Lei n.º 96/XII.
Tal possibilidade de utilização para habitação não se verifica necessariamente em todos os “terrenos para construção”, mas somente se e quando neles for edificada a construção para os mesmos autorizada e prevista. Contudo, quando tal suceda, já não serão “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos, “habitacionais”, “comerciais”, “industriais ou para serviços” ou “outros”.
Assim, conclui que as liquidações de Imposto do Selo, ao incidirem sobre uma mera “expectativa ou previsão” de construção destinada a habitação, afiguram-se ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Ademais, esclarece que no que respeita aos prédios em causa no presente pedido, os mesmos não tinham em 2015 uma “edificação, autorizada prevista” para “habitação”, conforme exigido pela verba 28.1 da TGIS.
Sem prescindir, sustenta que atenta a actividade desenvolvida pela Requerente, mormente operações de crédito, a mesma é proprietária de múltiplos imóveis adquiridos, na sua generalidade, através de dações em pagamento, não representando tais imóveis qualquer investimento, destinando-se apenas a ser revendidos, para liquidar dívidas contraídas pelos seus clientes incumpridores, razão pela qual a titularidades do direito de propriedade sobre estes imóveis não evidencia, só por si, uma capacidade contributiva superior.
Consequentemente, pede a Requerente que:
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Seja revogada a decisão de indeferimento da revisão oficiosa relativamente a actos tributários de liquidação do Imposto do Selo, procedendo assim o pedido de declaração de ilegalidade dos tributários sub judice ;
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Seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito;
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Seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada a reembolsar o Requerente do valor do imposto pago;
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Seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida e calculados sobre o imposto.
Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada apenas por AT), em sede de resposta, pugnou pela manutenção dos actos tributários, sindicados com a consequente absolvição do pedido, alegando para o efeito que os prédios da Requerente possuem as características constantes da definição de terreno para construção para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83.º C/2013, ou seja, terreno para construção cuja edificação prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.
Com efeito, para a AT estamos perante terrenos para construção, mais concretamente perante lotes de terreno para construção urbana, com áreas de implantação do edifício e construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas, como aliás resulta da caderneta predial urbana na qual se pode ler na descrição dos prédios … e …, respecticvamente, o seguinte: “
E, nessa medida, os terrenos estão sujeitos a imposto do selo dado tratarem-se de terrenos para construção, com alvará de loteamento aprovado, concluindo que, muito antes da edificação é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.
Alega ainda inexistir dupla tributação, uma vez que a tributação em sede de IMI e em sede de selo são tributos diferentes.
Entende que, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS é indiferente a actividade económica exercida pela Requerente, porquanto o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido.
Por último, rejeita a alegada inconstitucionalidade da verba 28.1 alegando que a mesma não viola os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, dado tratar-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.
Neste particular, defende ainda que, para o legislador, a verba 28.1 da TGIS visava, reequilibrar a repartição dos sacrifícios, de modo a que estes não incidissem apenas sobre «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho» (o que, evidentemente, tinha em mente as medidas concretizadas em sede de IRS quanto à alteração da estrutura de taxas e de escalões do IRS, à sobretaxa de 3,5%, e à taxa adicional de solidariedade.
Ademais, a tributação em sede de imposto de selo está sujeita ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis com afetação habitacional de elevado valor e surge num contexto de crise económica que não pode ser ignorado, está pois, por isso, legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos e quaisquer titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a €1.000.000,00 incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente é dona e legítima proprietária dos prédios urbanos, inscritos sob os artigos matriciais … e …, ambos pertencentes à União das Freguesias de … e …, concelho do Porto (Cfr. Cadernetas prediais juntas com o Processo Administrativo junto aos autos);
B) Os prédios urbanos descritos em A) estão matricialmente inscritos como “terrenos para construção” (Cfr. Cadernetas prediais juntas com o Processo Administrativo junto aos autos);
C) Na respectiva caderneta predial, o prédio urbano inscrito sob o artigo matricial … surge descrito nos seguintes termos: “Avaliação efectuada nos termos do CIMI, de um terreno urbano (lote nº 1) para construção de um prédio destinado à habitação, comércio no rés-do-chão e aparcamento em caves, com o alvará de Loteamento nº ALV/…/…/DMU, emitido em 04/04/2008, pela C. M. do Porto, tendo sido validados os elementos apresentados por se verificarem de acordo com o referido alvará e planta síntese do loteamento” (Cfr. Caderneta predial junta com o Processo Administrativo junto aos autos);
D) Na respectiva caderneta predial, o prédio urbano, inscrito sob o artigo matricial … surge descrito nos seguintes termos: “Avaliação efectuada nos termos do CIMI, de um terreno urbano (lote nº 2) para construção de um prédio destinado à habitação, comércio no rés-do-chão e aparcamento em caves, com o alvará de Loteamento nº ALV/…/…/DMU, emitido em 04/04/2008, pela C. M. do Porto, tendo sido validados os elementos apresentados por se verificarem de acordo com o referido alvará e planta síntese do loteamento” (Cfr. Caderneta predial junta com o Processo Administrativo junto aos autos);
E) Nos “Dados de Avaliação” das respectivas cadernetas prediais, os prédios urbanos descritos em A) surgem inscritos nos seguintes termos: “Tipo de coeficiente de localização: Habitação” (Cfr. Cadernetas prediais juntas com o Processo Administrativo junto aos autos);
F) Em 5 de abril de 2016, a AT efetuou as liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 43.895,82, relativamente ao ano de 2015 e referentes ao prédio urbano mencionado inscrito sob o artigo matricial …, as quais foram devidamente notificadas à Requerente (cfr. Documentos 2, 4 e 7 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos);
G) Em 5 de abril de 2016, a AT efetuou as liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 25.329,88, relativamente ao ano de 2015 e referentes ao prédio urbano mencionado inscrito sob o artigo matricial …, as quais foram devidamente notificadas à Requerente (cfr. Documentos 3, 5 e 6 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos);
H) No ano de imposto a que respeitam as referidas liquidações (2015), os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos, inscritos sob os artigos matriciais … e … eram de € 4.389.582,28 e de € 2.532.988,13, respectivamente (cfr. Documentos 2 a 7 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos);
I) Na sequência das liquidações de Imposto do Selo, a Requerente foi notificada dos documentos de cobrança que seguidamente se discriminam (Cfr. Documentos 2 a 7 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos)
Quanto ao artigo matricial …:
I - Ano de Imposto: 2015; Identificação do Documento – 2016…; Data de Liquidação – 2016-04-05; Data limite de pagamento – ABRIL/2016; 1ª Prestação; Valor a pagar - € 14.631,94;
II - Ano de Imposto: 2015; Identificação do Documento – 2016…; Data de Liquidação – 2016-04-05; Data limite de pagamento – JULHO/2016; 2ª Prestação; Valor a pagar - € 14.631,94;
III - Ano de Imposto: 2015; Identificação do Documento – 2016…; Data de Liquidação – 2016-04-05; Data limite de pagamento – NOVEMBRO/2016; 3ª Prestação; Valor a pagar - € 14.631,94;
Quanto ao artigo matricial …:
I - Ano de Imposto: 2015; Identificação do Documento – 2016…; Data de Liquidação – 2016-04-05; Data limite de pagamento – ABRIL/2016; 1ª Prestação; Valor a pagar - € 8.443,29;
II - Ano de Imposto: 2015; Identificação do Documento – 2016…; Data de Liquidação – 2016-04-05; Data limite de pagamento – JULHO/2016; 2ª Prestação; Valor a pagar - € 8.443,29;
III - Ano de Imposto: 2015; Identificação do Documento – 2016…; Data de Liquidação – 2016-04-05; Data limite de pagamento – NOVEMBRO/2016; 3ª Prestação; Valor a pagar - € 8.443,29;
J) Em 20 de abril de 2016, a Requerente procedeu, relativamente ao prédio inscrito sob o artigo matricial …, ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 1.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 14.631,94 (cfr. Documento 2 anexo à P. I. e fls… do PA junto aos autos);
L) Em 27 de julho de 2016, a Requerente procedeu, relativamente ao prédio inscrito sob o artigo matricial …, ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 2.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 14.631,94 (cfr. Documento 4 anexo à P. I. e fls… do PA junto aos autos);
M) Em Novembro de 2016, a Requerente procedeu, relativamente ao prédio inscrito sob o artigo matricial …, ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 3.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 14.631,94 (cfr. Documento 7 anexo à P. I. e fls… do PA junto aos autos – Informação nº 20-APT/2017);
N) Em 20 de abril de 2016, a Requerente procedeu, relativamente ao prédio inscrito sob o artigo matricial …, ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 1.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 8.443,294 (cfr. Documento 3 anexo à P. I. e fls… do PA junto aos autos);
O) Em 27 de julho de 2016, a Requerente procedeu, relativamente ao prédio inscrito sob o artigo matricial …, ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 2.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 8.443,29 (cfr. Documento 5 anexo à P. I. e fls… do PA junto aos autos);
P) Em Novembro de 2016, a Requerente procedeu, relativamente ao prédio inscrito sob o artigo matricial …, ao pagamento tempestivo e integral do valor correspondente à 3.ª prestação da mencionada liquidação de Imposto do Selo, no montante de € 14.631,94 (cfr. Documento 6 anexo à P. I. e fls… do PA junto aos autos – Informação nº …-APT/2017);
Q) As mencionadas liquidações de Imposto do Selo resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos descritos em A). (Cfr. Documentos 2 a 7 anexos à P.I. e Processo Administrativo junto aos autos);
R) Em 25 de novembro de 2016, a Requerente apresentou junto da AT pedido de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, que veio a corresponder ao Procedimento Administrativo de Revisão Oficiosa nº …2016… (Cfr. fls… do Processo Administrativo junto aos autos);
S) Através do Ofício nº … de 16-02-17 da AT, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido formulado de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo (Cfr. Documento 1 anexo à P.I. e fls… do Processo Administrativo junto aos autos).
4.2. Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa, designadamente nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
4.3. Factos não provados
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
5. DO DIREITO
5.1. Quanto ao mérito
Ante tudo o que ficou exposto, a Requerente impugna as liquidações de Imposto do Selo, em análise, com base nos seguintes fundamentos:
- Ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito;
- Inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, se interpretada no sentido de o facto tributário relevante assentar numa expectativa de afetação à habitação, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade tributária.
A Administração encontra-se subordinada à Constituição, como qualquer poder ou órgão do Estado, mas o que a caracteriza é a subordinação imediata à lei, não podendo haver Administração sem mediação legal. O princípio da legalidade, entendido num sentido amplo (da juridicidade da administração), constitui pressuposto e fundamento de toda a atividade administrativa, sendo que só excecionalmente pode haver atividade administrativa diretamente vinculada à Constituição.
Nesta conformidade, impõe-se, antes de mais, averiguar se os atos tributários de liquidação objeto do presente Pedido arbitral estão, ou não, em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a Administração Tributária, no caso dos autos: a verba 28.1 da TGIS, segundo a redação dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro.
Como vimos, alega a Requerente, em síntese, que as liquidações de Imposto do Selo em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Cumpre apreciar.
Para a resolução da questão acima identificada, importa ter presente, antes do mais, a evolução e o enquadramento da referida verba 28, quer antes, quer depois da alteração que foi determinada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro (que é, como se disse, a redação aplicável ao presente caso).
Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9 de abril de 2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9 de abril de 2014 (proc. n.º 48/14), Acórdãos de 23 de abril de 2014
(proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14), Acórdão de 25 de novembro de 2015
(proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28, ora em análise:
“O conceito de «prédio (urbano) com afetação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete, a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objetiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objetiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”. (Fim de citação.)
Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, mostrava-se necessário averiguar, fazendo uso dos diversos elementos interpretativos, se, na ausência daquela referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objetiva da verba 28.
É por essa razão que se compreende que o referido aresto tenha prosseguido, dizendo:
“[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objetiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu «espírito», apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21 de setembro de 2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza «mais poupadas» no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de «prédios (urbanos) com afetação habitacional», porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros» (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, «os prédios (urbanos) habitacionais», em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades.
[...]. [...] referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afetação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados como «prédios com afetação habitacional» para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.” (Fim de citação.)
Em síntese, depreende-se da jurisprudência do Venerando STA que, com a nova redação da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei
n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro (e aplicável aos presentes autos), foi alargado, de forma inovadora, o âmbito de incidência objetiva da norma, ao incluir-se, de uma forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.
Feito o imprescindível enquadramento histórico-legal, importa, agora, num segundo momento, analisar os termos do referido alargamento do âmbito de incidência objetiva da norma em causa e aferir da legalidade da sua aplicação ao caso dos presentes autos.
Diz a nova redação da verba 28.1 da TGIS (dada, como se disse, pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro) o seguinte: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” - 1%”.
Atenta a letra da lei, verifica-se que a norma de incidência em causa restringe o facto gerador aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação.
Excluindo-se os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para outros fins, como o comércio ou os serviços.
Na ausência de definição de “terreno para construção” no Código do Imposto do Selo, importa aferir do conceito de “terreno para construção” conforme o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI.
Assim, consideram-se terrenos para construção “(…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.
De facto, o conceito de “terreno para construção” para efeitos fiscais não deverá entender-se como um conceito de natureza formal, mas antes como um conceito de natureza material, especialmente traduzido na destinação potencial à construção.
A questão essencial que, neste contexto, se coloca, é a saber se existe ou não uma previsão ou expectativa de «edificação para habitação» relativamente aos terrenos para construção em análise e se se poderá aceitar a aplicação do imposto do selo, nos termos efetuados pela AT.
Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte: “no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].
Por conseguinte, embora os prédios aqui em causa estejam matricialmente inscritos como sendo “terrenos para construção”, tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação prevista.
E também não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS a atribuição pela AT de uma afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação, sem mais, das respectivas matrizes. O legislador não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, mas tão só na respetiva avaliação.
Ora, no âmbito da aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, a jurisprudência tem sido pacifica ao considerar que “(…) só os prédios que estejam efectivamente afectos à habitação se inserem no âmbito de incidência (…), interpretação esta que assentou no
elemento literal “afectação”, que pressupõe uma concreta e efectiva utilização para habitação, e na “ratio legis”, resultante da restrição do campo de aplicação da norma aos
prédios com afectação habitacional, às circunstâncias em que a lei foi elaborada.”.
(Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 0419/14, disponível em http://www.dgsi.pt.)
A actual redacção da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alargou, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir, de uma forma explícita, os “terrenos para construção” para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação.
Todavia, a actual redacção da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, tendo passado a incluir os “terrenos para construção”, manteve o condicionalismo relativo à inclusão da edificação, autorizada ou prevista, ser para habitação.
Na prática, continua a restringir-se o âmbito de incidência, no caso dos “terrenos para construção”, à edificação autorizada ou prevista que seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.
Nesta medida, a sujeição à Verba n.º 28.1 da Tabela Geral depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos (para além da propriedade do prédio):
-
o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI,
ser igual ou superior a € 1.000.000,00;
-
tratar-se de um terreno para construção; e
-
a edificação autorizada e prevista para o terreno para construção ser para habitação, nos termos do Código do IMI.
Assim sendo, importa verificar no caso em apreço, o preenchimento dos mesmos.
Quanto ao primeiro requisito, cada um dos prédios, considerados como um todo, têm um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, pelo que o mesmo se encontra verificado.
Quanto ao segundo requisito, não existem dúvidas sobre a qualificação dos prédios como “terreno para construção”, nem sobre a sua inclusão na definição constante do n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI, pelo que o mesmo se encontra também verificado.
Finalmente, cumpre analisar se o terceiro requisito se encontra também verificado: se a edificação, autorizada e prevista, é para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.
No caso ora em análise, os prédios urbanos estão abrangidos pelo Alvará de Loteamento nº ALV/…/…/DMU, emitido em 04/04/2008, pela Câmara Municipal do Porto.
Ademais, cada um dos prédios urbanos surge descrito nas respectivas cadernetas prediais como sendo um “terreno urbano para construção de um prédio destinado à habitação, comércio no rés-do-chão e aparcamento em caves”, e isto de acordo com o referido alvará e planta síntese do loteamento” (sublinhado nosso).
A questão essencial está em saber se, apesar a existência de um alvará de loteamento, a expressa menção de no terreno para construção se prever a construção de um prédio destinado a habitação, mas também a outros fins, como o comércio, será suficiente para se aplicar a Verba 28.1 da TGIS.
Sendo certo que as liquidações de imposto do selo consideraram na íntegra o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção da Requerente.
Ora, constitui entendimento deste Tribunal que a interpretação que se impõe da Verba 28.1 da TGIS não se coaduna com a aplicação da norma de incidência a terrenos para construção que só em parte se destinam a habitação, no âmbito do alvará de loteamento, pois que igualmente se destinam a outros fins, nomeadamente para comércio.
Assim, o terceiro requisito constante da norma de incidência do imposto não se encontra verificado, porquanto o “terreno para construção” (in casu cada um dos terrenos propriedade da Requerente) não tem uma edificação, autorizada ou prevista, exclusivamente afecta a habitação.
Com efeito, estamos perante prédios em que parte é potencialmente afeta a habitação e outra parte a comércio e a parqueamentos, isto é, uma afetação mista, pelo que não têm uma edificação prevista exclusivamente afeta à habitação.
Podendo-se afirmar estarmos perante uma situação não prevista, tendo por referência, quer o elemento literal, quer a ratio legis da norma de incidência do imposto do selo.
O entendimento sufragado pelo Tribunal integra-se, aliás, no âmbito de abundante jurisprudência do CAAD (veja-se, a título de exemplo, as decisões proferidas nos Processos n.ºs 522/2015-T, 578/2015-T e 658/2016-T e 213/2017-T).
Atento o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que sobre os prédios urbanos em apreço – terrenos para construção – não incide o Imposto do Selo previsto na norma de incidência tributária constante da Verba 28.1 da TGIS.
Consequentemente, quer o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa nº …2016…, quer as liquidações de Imposto do Selo controvertidas, padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciada na errada interpretação e aplicação da Verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação, o que se decidirá a final.
Mostrando-se procedente o entendimento da Requerente quanto à questão referida, fica prejudicado, em face do disposto no art. 124.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações da Requerente, designadamente a invocada inconstitucionalidade (não havendo, em face desta decisão, qualquer prejuízo para a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da mesma).
5.2. Juros indemnizatórios e reembolso da quantia paga
À luz do disposto no n.º 5 do art. 24.º do RJAT – na parte em que se diz que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tem-se entendido que tal norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.
Justifica-se assim, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à ora Requerente.
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT).
É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).
Ora, tendo havido, como decorre do que foi dito no ponto 5.1. da presente decisão arbitral, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação dos atos tributários em causa e à consequente devolução dos montantes pagos pela Requerente, nos termos do disposto no art. 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.
-
Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a decisão de indeferimento expresso da revisão oficiosa e, nesta sequência,
-
Anular as liquidações de Imposto do Selo em causa;
-
Julgar procedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, em virtude do imposto indevidamente pago, nos termos legais, a concretizar em sede de execução de sentença.
-
Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 69.225,67.
IV. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 2.448,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2018
Os árbitros,
Fernanda Maçãs
Cristina Coisinha
Pedro Miguel Bastos Rosado