Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 155/2017-T
Data da decisão: 2018-01-12  IRC  
Valor do pedido: € 367.211,88
Tema: IRC - aplicação do justo valor.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Leonardo Marques dos Santos e Carlos Alberto Monteiro da Silva designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:  

 

  1. Relatório

 

  1. A Sociedade A… SGPS, S.A. (doravante designada “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal…, com sede na Rua …, n.º…, …, … …-…, Cascais, apresentou no dia 03-03-2017, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na apreciação da legalidade do indeferimento da reclamação graciosa proferida por despacho em 12 de Dezembro de 2016, e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2013 e 2014 na medida correspondente à não revelação fiscal nesses mesmos exercícios de metade (50%) dos gastos e variações patrimoniais negativas respeitantes a instrumentos financeiros decorrentes da mensuração fiscal (e contabilística) ao justo valor ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a revelação fiscal em 2013 e 2014 como ganho quanto a 50% da reversão de perdas ocorrida nesses exercícios relativamente a esses mesmos instrumentos financeiros.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-03-2017.

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

3.2. Em 27-04-2017, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15-05-2017.

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

  1. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
  1. A posição sufragada pela AT no sentido de que o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redação em vigor até 2013, também se aplica aos gastos resultantes da mensuração ao justo valor e, portanto, estes só revelam em 50% (metade) para efeitos de IRC, sofre de problemas quanto aos pressupostos e finalidades das normas potencialmente relevantes para regular esta situação, quanto à letra da lei, quanto às insuportáveis arbitrariedades geradas por esta interpretação e ainda relativamente à inconstitucionalidade manifesta do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC na interpretação pretendida pela AT.
  2. Entende a Requerente que o entendimento da AT de aplicar o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC ao exercício de 2014 sofre igualmente de vícios, uma vez que esta norma foi revogada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.
  3. Em primeiro lugar, relativamente aos pressupostos e finalidades da norma constante do n.º 3 do artigo 45.º (anteriormente a 2010, artigo 42.º) do CIRC, estes são diametralmente opostos aos da norma constante da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.
  4. A primeira norma visa responder a problemas típicos do sistema de realização, já a segunda pretende subtrair justamente os gastos e rendimentos que regula a esse sistema, sujeitando-os ao sistema oposto da mensuração ao justo valor (apoiada na elevada fiabilidade, independência da vontade do contribuinte, do valor utilizado para essa mensuração).
  5. Este entendimento resulta não só do teor da própria norma, mas também é confirmado pelos Relatórios respeitantes às Leis do Orçamento do Estado que viram o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC (então artigo 42.º) nascer e amadurecer, visando os mesmos gastos apurados no contexto do sistema de realização (“perdas”) e pretende combater os abusos propiciados pelo mesmo.
  6. Assim sendo, o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC nasceu (2003) e adquiriu a sua configuração definitiva (2006) inteiramente dentro do reinado absoluto no âmbito do CIRC do sistema da realização (no que às partes de capital, em causa, respeita), ao contrário da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, a qual nasceu só em 2010 e subtrai justamente as realidades a que se dirige ao sistema da realização.
  7. Se virmos, até na perspectiva algo diferente (do “equilíbrio do sistema”, adoptada por Tomás Cantista Tavares), a finalidade do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC (anteriormente, 42.º) esgota-se na cobertura de realidades (menos-valias) que operam no sistema de realização e acaba por não negar o carácter essencialmente anti-abuso da alteração de redacção (na qual se apoia a AT neste caso concreto) do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC (então, artigo 42.º) levada a cabo pela Lei do Orçamento do Estado para 2006.
  8. Assim, se atentarmos na letra da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.ºe n.º 3 do artigo 45.º ambos do CIRC, de modo algum esta força a AT a misturar, como misturou, o sistema (regra) de realização e as normas que o regem e se lhe aplicam, com o sistema (que constitui a excepção) diametralmente oposto e apoiado em pressupostos opostos, da mensuração ao justo valor, aplicando a este último normas (o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC) que nasceram com e para o primeiro sistema, e que só se compreendem à luz dos problemas gerados pela aplicação do primeiro sistema (sejam problemas de abuso do sistema, sejam, na tese de Tomás Cantista Tavares, problemas de “equilíbrio do sistema”).
  9. É, pois, inequívoco que este texto legal que consagra uma excepção ao princípio da realização usa linguagem própria (“ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor”), o mesmo é dizer, ajustamento ao valor do activo em razão de variações da sua cotação), que nada tem que ver com a linguagem usada pelo sistema-regra da realização.
  10. Nenhuma destas realidades a que se refere o n.º 3 do artigo 45.ºdo CIRC, quer significar, tecnicamente falando, ajustamentos decorrentes do justo valor; e se pensarmos no elemento temporal da formação desta norma (entre 2003 e 2006) é impossível, à boleia de uma qualquer interpretação actualista, dizer-se que no seu espírito caberiam ajustamentos decorrentes do justo valor (realidade que só foi criada em 2010) que aconselhassem a que a sua letra fosse “interpretada” nessa conformidade. De facto, a nova realidade tributária do CIRC da relevação dos ajustamentos decorrentes do justo valor, nascida em 2010, constitui uma criação fiscal ex novo designadamente no que às partes de capital respeita, que, por definição, não poderia ter estado na mente do legislador (de 2003 e 2006) responsável pelo n.º 3 do artigo 45.ºdo CIRC.
  11. Na regulamentação desta nova realidade tributária dos ajustamentos decorrentes do justo valor não se afasta em lado algum, parcialmente que seja, a consideração fiscal dos mesmos; pelo contrário, afirma-se, sem restrições, a sua relevância fiscal.
  12. Sendo a nova regra fiscal dos ajustamentos decorrentes do justo valor uma regra especial relativamente à regra geral da realização, que se justifica precisamente pela especialidade (diferença) das situações a que se dirige, só com muito boas e válidas razões (que a AT é incapaz de apresentar) se pode ponderar aplicar a estas situações especiais regras típicas, e que respondem a preocupações típicas, do sistema da realização.
  13. Nada na letra do n.º 3 do artigo 45.ºdo CIRC, designadamente quando contrastada com a letra da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, permite concluir que o primeiro (parte integrante do regime geral) se aplicaria à nova realidade tributária criada pelo segundo (regime especial, para situações especiais). Em especial, o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC não faz qualquer remissão para o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, nem tão pouco esta norma faz qualquer referência aos ajustamentos negativos decorrentes do justo valor, em instrumentos de capital próprio.
  14. Em suma, perante o presente enquadramento não se vislumbram, à luz do elemento literal do n.º 9 do artigo 18.º e do n.º 3 do artigo 45.º, ambos do CIRC, quaisquer argumentos que possam justificar a limitação a 50% da dedutibilidade do gasto decorrente da aplicação do método do justo valor através de resultados, contrariamente ao sustentado pela AT.
  15. A título de exemplo, vejamos a transmutação do princípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real no princípio da aleatoriedade quando se aplica à nova realidade tributária da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º, do CIRC, a disposição contida no seu n.º 3 do artigo 45.º.
  16. Veja-se os resultados absurdos a que conduzirá a pretendida (pela AT, e por duas decisões arbitrais, excepções únicas face a muitas outras que não aceitam a pretensão da AT) aplicação do n.º 3 do artigo 45.º, do CIRC, à nova realidade tributária dos ajustamentos decorrentes do justo valor prevista na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.
  17. Primeiro caso: se um contribuinte no ano N tiver um ajustamento decorrente do justo valor negativo (apuramento de um gasto) em razão de evolução desfavorável da cotação, v.g. de 200, e no ano seguinte a cotação recuperar e consequentemente tiver um ajustamento decorrente do justo valor positivo (apuramento de um rendimento) de igual montante, o justo valor desse activo não terá saído do sítio no conjunto dos dois anos, ou seja, o contribuinte não terá enriquecido ou empobrecido com esse activo.
  18. Aquilo que era meramente potencial, a desvalorização em 200, teria sido revertido por uma valorização em 200 no ano seguinte, com o que o contribuinte não teria saído, potencialmente que fosse, do sítio.
  19. E, no entanto, caso se aplicasse o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, a estes ajustamentos, conforme pretendido pela AT, teríamos que só 100 (50%) dos 200 de ajustamento negativo seriam levados à formação do seu lucro tributável, em contraste com a contribuição integral do ajustamento positivo para a formação desse mesmo lucro, pelo que tudo se passaria como se (ficticiamente) o contribuinte tivesse enriquecido 100 (200 positivos menos 50% de 200 negativos), tivesse tido um lucro de 100 com aquele activo, para efeitos de tributação em IRC.
  20. Não havendo qualquer razão para destratar fiscalmente aquele ajustamento negativo sem correlativamente fazer então o mesmo com o ajustamento positivo, esta consequência ou resultado final só tem uma qualificação possível: desconsideração arbitrária de um elemento (50% do ajustamento negativo) no cômputo do lucro a sujeitar a tributação em IRC.
  21. De facto, caso seja aplicável o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC aos gastos de justo valor (com a recusa fiscal de metade dos mesmos), uma vez que à recuperação das desvalorizações como as que ocorreram em 2012, 2013 e 2014 com a participação da Requerente na C…, não é aplicada a mesma receita (aqui o rendimento de justo valor já é aceite na íntegra), a Requerente será tributada, sem motivo discernível algum, como se tivesse tido um acréscimo patrimonial que não teve.
  22. Ou veja-se ainda um outro exemplo, dando agora um plano que convoca directamente o princípio da igualdade: dois contribuintes que investiram em duas empresas cotadas distintas, e que, para simplificar a comparação, pagaram o mesmo preço de aquisição pelos respectivos investimentos e venderam ao mesmo tempo e pelo mesmo preço os respectivos investimentos.
  23. Um (alfa) beneficiou de uma subida contínua e suave da cotação, obteve um ganho de 200 e é tributado por esse ganho. O outro (Beta), porque teve oscilações de cotação negativas no tempo intermédio no montante de 1.000, de que depois recuperou e superou até em 200, não obstante nas contas finais ter tido exactamente o mesmo ganho de 200, vai ser muito mais pesadamente tributado uma vez que todas as recuperações anuais de cotação lhe foram sendo tributadas em 100% (num total de valorizações anuais de 1.200), mas as quedas anuais que as precederam (num total de 1.000) só contaram em 50%, i. e., em 500, para a formação do lucro tributável.
  24. Resultado? Alfa sofre uma tributação sobre o rendimento relacionada com aquele activo no montante de 50 (200x25%), com uma taxa efectiva de IRC de 25%, correspondente à taxa nominal (à taxa com que o legislador pretende onerar o rendimento). Beta, que ganhou exactamente o mesmo com o seu activo (200), sofre uma tributação de 175 [(1.200-500) x 25%], correspondente a 87,5% do seu ganho (taxa efectiva de IRC de 87,5%). Isto porque o seu lucro agregado para efeitos de IRC no que respeita a este activo, foi (ficticiamente) de 700, e não os 200 que realmente obteve.
  1. Desta realidade decorrem resultados, em termos de tributação efectiva, de tributação de lucros inexistentes (cria do nada, lucros para efeitos de IRC), e gera, ainda, resultados totalmente arbitrários, que tratam de modo desigual contribuintes com idênticos resultados económicos pelo simples facto de ter havido mais, ou menos, oscilações, na cotação, no período que medeia entre a aquisição do activo e a realização (fixação definitiva) do ganho (ou perda) na venda.
  2. Do exposto, conforme se conclui acertadamente na decisão proferida pelo colectivo arbitral no processo n.º 108/2013-T, “a não aplicação da norma do artigo 45.º/3 do CIRC aos gastos, (…) leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro”.
  3.    O que significa que “parece claro que tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável”.
  4. Relativamente às alterações no regime de realização operadas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, entende a Requerente que se como diz a AT, o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC tivesse realmente pretensão de aplicação à nova (nascida em 2010) realidade tributária dos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, a alteração ocorrida em 2014 na velha e distinta realidade tributária do sistema de realização em sede de mais e menos-valias com partes de capital em nada teria interferido com a continuidade da existência daquele artigo, embora aplicado agora a uma realidade mais restrita.
  5. E, no entanto, o artigo despareceu por completo, foi revogado pela citada lei, em mais uma revelação do pensamento do legislador: esse artigo era parte componente do regime da realização, aplicava-se apenas no âmbito do operar do sistema de realização, donde que, alterado este em termos que tornaram no essencial redundante aquele artigo, este tenha automaticamente desparecido do sistema fiscal.
  6. E se, como pretende a AT, por supostamente se aplicar o n.º 3 do artigo 45.º, também aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, a sua eliminação tivesse consequentemente significado uma alteração também do regime fiscal dos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, imperioso teria sido então que se tivesse estabelecido um regime transitório, sob pena de geração de novos absurdos e desigualdades de tratamento injustificáveis, como se ilustrará a seguir.
  7. Ora, resulta clara a arbitrariedade que comanda a tributação nos exemplos supra expostos, resultando da mesma injustiça básica, fruto da mera “sorte” ou “azar” na cadência das oscilações de cotação das participações detidas. Parafraseando novamente a decisão arbitral proferida no processo n.º 108/2013-T, “parece claro que tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável”.
  8. Assim, em síntese, a Requerente julga que ficou razoavelmente evidenciado que, quer do ponto de vista do espírito da lei, designadamente do espírito, finalidades e preocupações que animam o conjunto de regras que constituem o sistema de realização, de um lado, e do espírito, finalidades e preocupações (que são outras, estando ausentes as que afligem o sistema de realização) do regime especial e distinto dos “ajustamentos decorrentes do justo valor” quer do ponto de vista da letra da lei, quer do ponto de vista da história da lei e do que dela se deduz do pensamento do legislador, o n.º 3 do artigo 45.ºdo CIRC, se aplica exclusivamente às realidades tributárias regidas pelo sistema da realização, não se aplicando à nova realidade tributária, nascida em 2010, dos “ajustamentos decorrentes do justo valor”.
  9.     A Requerente invoca ainda que para quem, como a AT, entenda que a norma constante do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, se aplicaria também aos ajustamentos, negativos, decorrentes do justo valor, previstos na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, então aquela norma que impõe a desconsideração de 50% da perda, em tal interpretação do seu âmbito de aplicação, padecerá de inconstitucionalidade por violação dos artigos 2.º (Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade, da igualdade e da proibição de arbitrariedades), 13.º (princípio da igualdade), n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º  (princípio da proporcionalidade), alínea f) do artigo 81.º (liberdade de gestão empresarial, que tem por contraponto um Estado que promove a neutralidade por oposição a criar distorções) e n.º 2 do artigo 104.º (princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade, princípio da capacidade contributiva), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
  10. Ora, em suma, o modo como a interpretação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, no sentido de que se aplicaria também aos ajustamentos, negativos, decorrentes do justo valor, previstos na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, gera sistematicamente, ao sabor da mais pura das aleatoriedades (a inerente aos diferentes e possíveis padrões A, B, C, D, E, F, etc., de evolução bolsista da cotação de cada acção), desigualdades, arbitrariedades, tributação de lucro que não existe e falha de coerência ou de qualquer sentido racional.
  11. Dito isto, entende ainda a Requerente ser necessário analisar a implicação para o exercício de 2014 da revogação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro. É entendimento da Requerente que a parte do ajustamento decorrente da aplicação do justo valor (n.º 9 do artigo 18.º do CIRC) que a lei manda imputar ao exercício fiscal de 2014 (n.ºs 1 e 5, do artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), já não pode ser fiscalmente regida pela norma invocada pela AT (n.º 3 do artigo 45.º do CIRC), pela razão simples de que esta restrição à dedução fiscal cessou a sua vigência com efeitos a partir de 2014 inclusive (vide a sua revogação pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro).
  12. Ora, em resumo, deve ser tido em conta o reconhecimento fiscal, e não o reconhecimento contabilístico. E para efeitos de aplicação/sucessão de lei no tempo, o que está aqui em causa é uma sucessão de regimes fiscais (eliminação da restrição à dedução fiscal que constava do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, com efeitos a partir de 2014 inclusive), e não uma sucessão de regimes contabilísticos.
  13. Donde a conclusão, inatacável, de que no que respeita à dedução fiscal, ou não, em 2014, rege a legislação fiscal em 2014. E esta, é inequívoco, como quer que seja que viesse sendo interpretado o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, deixou em 2014 de acolher a restrição à dedução fiscal de que a AT se pretende ainda valer, por efeito, justamente, da revogação desse artigo do CIRC (que vigorou, pois, apenas até 31-12-2013).
  14. Subsidiariamente, a Requerente peticiona ainda e apenas por cautela de patrocínio que se não for dada razão ao pedido principal (dedução fiscal em 100% dos gastos decorrentes da mensuração dos activos em causa ao justo valor), então subsidiariamente requer que a recuperação parcial de valor ocorrida em 2013 e em 2014 com respeito aos activos aqui em causa (mensurados fiscalmente ao justo valor), seja fiscalmente irrelevante na mesma medida, ou seja, 50%, em que a desvalorização é tida também por fiscalmente irrelevante.
  15. Com efeito, neste hipotético cenário de irrelevância parcial (50%) de gastos decorrentes da mensuração ao justo valor, ou seja, irrelevância parcial das desvalorizações, os ganhos que representam recuperação dessas desvalorizações (como sucede no caso concreto) não devem também relevar, simetricamente, na mesma medida (50%).
  16. É exatamente o mesmo princípio fiscal que, sem necessitar de estar escrito em letra de pedra, se aplica desde sempre (AT incluída) com as provisões: na medida em que não sejam dedutíveis fiscalmente, a reversão (recuperação) das mesmas não é também depois sujeita a tributação.
  17.     Relativamente aos juros indemnizatórios, entende a Requerente que declarada a ilegalidade da (auto)liquidação referente a 2014 na parte aqui peticionada, a Requerente tem direito não só ao respectivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), a juros indemnizatórios, calculados sobre:
  1. no caso do pedido principal: € 55.081,78, contados, até ao integral reembolso deste montante, desde o termo da data para o correspondente reembolso oficioso do imposto, isto é, desde 1 de Setembro de 2015 (artigo 104.º, n.º 6, do CIRC);
  2. no caso do pedido subsidiário: € 7.831,03, contados, até ao integral reembolso deste montante, desde o termo da data para o correspondente reembolso oficioso do imposto, isto é, desde 1 de Setembro de 2015 (artigo 104.º, n.º 6, do CIRC).
  1. Isto porque, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios corresponde à concretização de um direito com base constitucional, previsto no artigo 22.º da CRP, onde se estabelece que “o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”.
  2. Nestes termos, o artigo 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, vem apenas concretizar alguns casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da AT, sem prejuízo de um direito indemnizatório mais genérico pré-existente.
  3. Isto é, o artigo 43.º da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios, não vem reconhecer um direito novo em consequência de um acto da AT, antes vem consagrar uma forma específica de concretização do direito indemnizatório constitucionalmente garantido (cf. orientação administrativa genérica [Ofício-Circulado n.º 60 052, de 03-10-2006, do SDG da Justiça Tributária] onde a própria AT veio reconhecer que a constituição do direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte nos termos do artigo 43.º da LGT, é devida nos seguintes casos: “1.3. Em todas as situações referidas em 1.1. (Juros motivados por erro imputável aos serviços) e 1.2. (Juros motivados por atraso imputável aos serviços), o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios não depende de solicitação do contribuinte, devendo ser satisfeito oficiosamente pelos Serviços, desde que verificado os respectivos pressupostos legais”.)
  4. Assim, nestas circunstâncias – erro imputável aos Serviços – deverá ser reconhecido à Requerente o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento de imposto em excesso no montante atrás referido (cf. artigo 43.º da LGT).
  5. Conclui a Requerente no presente pedido arbitral no seguinte sentido:“Do acima exposto, em síntese, resulta que quer o indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificada, quer as autoliquidações de IRC relativas aos exercícios de 2013 e 2014, padecem de vício material de violação da lei, devendo:
  1. Ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento da reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação das partes ilegais, nos termos que aqui se discutiram, das autoliquidações de IRC dos exercícios de 2013 e 2014, com isso violando o princípio da legalidade;
  2. Ser declarada a ilegalidade parcial destas autoliquidações dos exercícios de 2013 e 2014 (e serem consequentemente anuladas), nas partes correspondentes ao montante de € 798.286,70 de base tributável em excesso em cada uma (num total de € 1.596.573,40), e bem assim no que concerne ao imposto reflexo sobre este excesso de base tributável apurado e pago com respeito ao exercício de 2014, que ascende a € 55.081,78;
  3. Ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso do montante de € 55.081,78 com respeito ao exercício de 2014, e bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado/pago, contados, até integral reembolso, desde 1 de Setembro de 2015;
  4. Ou, subsidiariamente:
  1. Ser declarada a ilegalidade parcial destas autoliquidações dos exercícios de 2013 e 2014 (e serem consequentemente anuladas), nas partes correspondentes aos montantes de base tributável em excesso de € 278.408,56 em 2013, e de € 113.493,15 em 2014, e bem assim no que concerne ao imposto reflexo sobre este excesso de base tributável que no que respeita ao exercício de 2014 ascende a € 7.831,03;
  2. E ser reconhecido o direito ao reembolso do montante de € 7.831,03 e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado/pago, contados sobre este montante desde 1 de Setembro de 2015.”
  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo administrativo, invocando, em síntese, o seguinte:

5.1. Por impugnação

  1. No que respeita aos pressupostos e finalidades da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º  do CIRC, e ao contrário do invocado pela Requerente, por força do mencionado no n.º 9 do artigo 18.ºdo CIRC, os ajustamentos que ocorram por aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável, sempre que respeitando a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, (i) tenham um preço formado em mercado regulamentado e, (ii) o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação de capital superior a 5% do respectivo capital social.
  2. Isto mantendo-se o princípio da realização, o qual determina que a relevância fiscal apenas ocorre no momento da alienação, quando não se verificam as condições mencionadas no ponto precedente.
  3. De facto, não obstante a opção de acolher o modelo do justo valor, entendeu o legislador criar mecanismos transitórios que acautelassem o impacto que a alteração no sistema de mensuração provocaria nos capitais próprios das empresas. No entanto, cabe esclarecer que, quer o regime de imputação temporal associado à adopção do justo valor como critério de mensuração não surgiu, no contexto do IRC, com a criação da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º, pelo que, de modo algum, pode considerar-se esta norma como uma inovação que viu pela primeira vez a luz do dia em 2010 apenas (cf. artigo 58.º do pedido arbitral).
  4. Veja-se, neste sentido, que a norma da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC tem como antecedente a alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que estabeleceu normas transitórias para as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal obrigadas a elaborar as suas contas individuais em conformidade com as normas de contabilidade ajustadas (NCA).
  5. Dois anos mais tarde, foi criada uma norma com uma redação idêntica – a alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 237/2008, de 15 de Dezembro, diploma que deu execução à autorização legislativa concedida pelo artigo 51.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro - para estabelecer um regime transitório de adaptação das regras de determinação do lucro tributável em sede de IRC à nova regulamentação contabilística aplicável ao sector segurador decorrente da adopção das Normas Internacionais de Contabilidade (NIC).
  6. Desde a introdução, no CIRC, de um regime para os instrumentos financeiros derivados – o artigo 68.º-B aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 257-B/96, de 31 de Dezembro, – que passou a ser admitida uma regra de periodização similar para os rendimentos e gastos resultantes da aplicação do valor de mercado (que corresponde neste contexto, ao que, agora se designa por justo valor) a instrumentos financeiros derivados quando se tratava de operações efectuadas em bolsas de valores, em curso no fecho de um exercício.
  7. Por outro lado, a qualificação do normativo da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC como uma “norma excecional” parece descabida, pois, para aquele tipo de activos com cotação em mercado regulamentado, o CIRC não contempla uma regra geral e uma regra especial de imputação temporal para os rendimentos e gastos. O n.º 9 do artigo 18.º é a única regra aplicável para as realidades aí previstas, podendo assim, quando muito ser considerado como um regime particular de imputação temporal de rendimentos/ganhos e gastos/perdas que resulta da mensuração pelo critério do justo valor.
  8. Da mesma forma, carece completamente de sentido a tentativa de defender que a alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º e o n.º 3 do artigo 45.º, ambos do CIRC se excluem mutuamente (cf. artigo 62.º do pedido arbitral). De facto, se o legislador não estabeleceu qualquer diferença entre operações realizadas em mercados regulamentados ou em mercados não regulamentados, com que legitimidade poderia a AT construir uma interpretação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC que excluísse do respetivo âmbito, as menos-valias, bem como outras perdas e variações patrimoniais negativas apuradas em operações com instrumentos de capital próprio, realizadas em mercados regulamentados.
  9. É verdade que este normativo, à semelhança de outros dispersos pelo CIRC tem subjacente o propósito de atenuar os efeitos de práticas de erosão na base tributável, que também se inserem, na atualidade, nos objetivos da política fiscal, mas o legislador ao ter-lhe dado uma redação abrangente e genérica, optou por não incluir, na sua previsão, qualquer ponderação de circunstâncias particulares das operações concretas que originam as menos-valias, bem como outras perdas e variações patrimoniais negativas.
  10. Ou seja, não pode a Requerida consentir, pois, que o intérprete se arrogue o direito de subtrair do seu âmbito quaisquer menos-valias ou outras perdas ou variações patrimoniais negativas, em função do modo e local de realização das operações concretas que lhe tenham dado origem.
  11. Veja-se ainda que apesar de ser inegável que subjacente à redação dada ao n.º 3 do artigo 45.º do CIRC estiveram considerações e preocupações relacionadas com a prevenção de práticas evasivas, cujo âmbito foi evoluindo no sentido da sua ampliação, por forma a não excluir operações e situações que, envolvendo igualmente partes de capital ou outras componentes do capital próprio, pudessem produzir os mesmos efeitos das inicialmente contempladas, como aliás é reconhecido no artigo 66.º do pedido arbitral, o relevo dado pela Requerente (v.g. nos artigo 63.º e ss. do pedido arbitral) à evolução histórica do preceito em causa, desde a sua criação pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, denota uma leitura pouco atenta e, sobretudo, descontextualizada, do normativo do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, que se atém a questões de semântica em redor dos “custos”, “perdas”, “gastos”, que inevitavelmente só poderia conduzir a uma interpretação redutora do âmbito da norma.
  12. Veja-se que, em primeiro lugar, não é verdade que tenha surgido num tempo em que o que contava exclusivamente, no plano fiscal, era a regra da realização, pois, os normativos transitórios criados para a banca e empresa seguradora, bem como as disposições que estabelecem as regras gerais aplicáveis aos instrumentos financeiros derivados já abriam a possibilidade de a periodização dos rendimentos ou ganhos e dos gastos ou perdas em operações realizadas em bolsas de valores atender ao valor de mercado.
  13. Em segundo lugar, a interpretação do âmbito de aplicação de uma norma não fica cristalizada pelo enquadramento legal vigente à data da sua criação, pois, a evolução sucessiva da redacção do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC revela com toda a evidência, por um lado, a preocupação do legislador no seu aperfeiçoamento em função da experiência adquirida, procedendo, ao seu alargamento de forma expressa, mediante a inclusão de novas realidades, e, por outro, como foi o caso, a extensão denota também o reflexo de alterações operadas noutros normativos, tanto no plano contabilístico como na legislação fiscal, que determinaram alterações aos conceitos ou às formas de apuramento dos elementos que integram a previsão normativa.
  14. Ressalve-se ainda que no que respeita ao n.º 3 do artigo 45.º do CIRC e independentemente da posição doutrinária que se adopte relativamente à natureza da norma, é inquestionável que o legislador pretendeu abranger várias situações na sua formulação legal.
  15. Ora, o conceito “perdas” ínsito no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC reveste uma formulação aberta, no âmbito da qual se enquadram todo o tipo de perdas relativas a partes de capital, incluindo as perdas potenciais e donde resulta que o legislador, ao consagrar o conceito amplo de perdas, não pretendeu excluir quaisquer perdas atinentes a partes de capital, que sejam reflectidas na contabilidade, não tendo afastado expressamente as perdas potenciais, resultantes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros, quer as registadas em contas de gastos e perdas, quer em contas de capital próprio.
  16. Assim, conclui a Requerida que quanto a este primeiro ponto, das disposições em análise resulta claríssimo que não há, entre a alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º e o n.º 3 do artigo 45.º, ambos do CIRC, qualquer contradição.
  17. Relativamente ao âmbito de aplicação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC e da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.ºdo CIRC: veja-se que em virtude da adopção pela primeira vez das normas contabilísticas previstas no SNC, o Grupo B… SGPS apurou uma variação patrimonial negativa associada à mensuração da participação detida na C… de acordo com o justo valor, tendo considerado para efeitos fiscais, em apenas 50% a variação patrimonial negativa decorrente da transição para o novo referencial contabilístico em matéria de reconhecimento do justo valor (de forma diferida por cinco períodos de tributação).
  18. Assim, atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, o valor dedutível dos ajustamentos negativos em cada um dos cinco anos corresponde a metade de 1/5 do valor total apurado, já que a sua previsão se subsume ao regime daquele normativo do CIRC (i.e., ao n.º 3 do artigo 45.º do CIRC).
  19. Ora, vemos, pois, que a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC dos exercícios de 2013 e 2014, respetivamente, de acordo com o entendimento que decorre directamente da Lei, e que melhor espelha a sua ratio e vontade do legislador, devendo por isso manter-se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, sob pena de ocorrer uma inobservância da norma constante da parte final do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.
  20. Portanto, resulta da leitura do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC que o que concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor serão exactamente, sem prejuízo da anterior ressalva (e da excepção oportunamente aduzida), as perdas ou variações patrimoniais negativas em causa.
  21. As participações financeiras aqui em causa enquadram-se, pois, na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC (supra transcrito), concorrendo, as alterações do seu justo valor, para a formação do lucro tributável, como gastos, por força do disposto também da alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, à semelhança do que sucede ao nível contabilístico.
  22. Entende assim a Requerida que apesar do articulado do Pedido Arbitral transmitir a ideia de que no n.º 9 do artigo 18.º do CIRC é definido o tratamento fiscal dos ajustamentos positivos ou negativos decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos de capital próprio com preço formado num mercado regulamentado, tal interpretação não pode deixar de qualificar-se como um erro de análise, porquanto a finalidade deste artigo contém-se, tão-só, na definição dos critérios de imputação temporal das componentes positivas e negativas do lucro tributável, dando concretização ao princípio da especialização dos exercícios, cabendo aos artigos 20.º e ss. a determinação das regras aplicáveis no apuramento do lucro tributável.
  23. Assim sendo, os rendimentos/ganhos e gastos/perdas a que se refere a alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC têm inevitavelmente de ser confrontados com o tratamento que lhes é concedido pelo disposto nos artigos 20.º, 23.º e 45.º, respectivamente, do mesmo Código.
  24. Para além do mais, também se reputa como totalmente irrelevante a questão semântica construída à volta da dicotomia entre o termo “perdas” utilizado no n.º 3 do artigo 45.º, e o termo “gastos” usado no artigo 23.º e na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC (v. excerto transcrito no artigo 116.º do pedido de pronúncia arbitral, da decisão arbitral proferida no processo n.º 108/2013-T), sendo certo que o termo [Gastos] utilizado, tanto na epígrafe dada ao artigo 23.º, no âmbito das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, como na redacção da alínea i) do n.º 1 desse preceito [Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros], tem necessariamente de ser entendido em sentido amplo, i.e. cobrindo, em substância, os gastos propriamente ditos e as perdas.
  1. Isto apesar de, como afirma a Requerente, cada um daqueles termos ter um significado próprio. Porém, aquela dicotomia entre “gastos” e “perdas” só pode qualificar-se como uma imprecisão terminológica do legislador sem consequências ao nível da interpretação daqueles preceitos. E, aliás, nem poderia ser de outro modo, tendo em consideração o n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, já que, no Código de Contas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a conta 661, onde são registados os ajustamentos negativos decorrentes da utilização do justo valor, sempre foi denominada Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros, tendo aquela imprecisão sido corrigida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, com a substituição, nesses preceitos, de “gastos” por “perdas”. 
  1. Face ao exposto, conclui a Requerida que o legislador fez uma clara opção no que se refere às perdas verificadas nas partes de capital previstas na alínea a), do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, a qual consistiu na atribuição de relevância fiscal, independentemente da sua realização efectiva, consubstanciando tal opção, no que a este assunto diz respeito, um claro afastamento do princípio da realização.
  2. E diga-se ainda que, quanto ao facto de a subsunção ao regime de dedução parcial previsto no n.º 3 do artigo 45.º dos gastos/perdas apurados nos termos e condições referidos na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, não ser acompanhado de um tratamento simétrico para os rendimentos/ganhos, e da potencial injustiça que daí possa resultar, na verdade, inexiste um dispositivo legal que permita a consideração de apenas metade do seu valor no cálculo do lucro tributável.
  3. E se o legislador, nem antes nem depois de 2010, introduziu qualquer disposição a consagrar uma solução simétrica para os rendimentos/ganhos e gastos/perdas decorrentes da aplicação do justo valor, nos termos e condições a que se refere a alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC também não pode o intérprete, seja a AT ou o sujeito passivo, substituir-se-lhe nessa tarefa. Portanto, seja contabilisticamente, seja fiscalmente, os ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor são considerados ganhos por aumentos de justo valor, ou perdas por redução de justo valor (tal encontra-se reflectido, respectivamente, na então alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC e na então alínea i) [actual alínea j)] do artigo 23.º do mesmo diploma.)
  4. Portanto, não tendo o legislador efetuado qualquer alteração à norma em presença, torna-se evidente que o objetivo perseguido foi, antes, aplicar a limitação à dedutibilidade fiscal a um universo mais amplo de perdas, e não apenas àquelas que resultam da transmissão onerosa de partes de capital, motivo pelo qual estendeu a aplicação do preceito (“bem como”) a “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares”.
  5. Quanto à decisão arbitral proferida no Processo n.º 108/2013-T, efetivamente, se na primeira parte do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, a redação claramente abrange a diferença negativa entre os ganhos (mais-valias) e perdas (menos-valias) resultantes de uma transmissão onerosa das partes de capital, portanto “de uma actuação voluntária do sujeito passivo” (na expressão usada na decisão arbitral proferida no processo n.º 108/2013-T) na segunda parte, a referência a outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital é feita sem especificar que operações as podem originar.
  6. Por isso, a conclusão retirada naquela decisão arbitral assenta numa interpretação parcial e desactualizada do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, porque se fixa apenas na primeira parte do texto da norma e procurando recortar a norma no contexto das medidas anti-abuso de carácter específico cuja aplicação estaria dependente de uma apreciação casuística do carácter abusivo de cada operação em concreto.
  7. Quanto ao problema da alteração pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (reforma do CIRC): Entende a Requerida que também não assiste razão à Requerente (cf. artigos 150 e ss. do pedido arbitral), isto porque a mencionada Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não se limitou a revogar o artigo 45.º, n.º 3 do CIRC por o mesmo se ter tornado inútil em virtude de tal artigo ser aplicável “apenas no operar do sistema de realização”.
  8. De facto, este argumento tem subjacente uma perspectiva bastante redutora das alterações operadas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao CIRC, já que a mesma, entre outras medidas, procedeu a uma reforma global do regime das mais e menos-valias, apuradas em partes de capital e outros instrumentos de capital próprio, não sendo possível extrair-se, da mera revogação de um preceito, as consequências que a Requerente retira no Ponto iv do pedido de pronúncia arbitral.
  9. Com a reforma do IRC, aprovada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, o artigo 45.º em apreço foi revogado e substituído pelo artigo 23.º-A, ou seja, as perdas relativas a partes de capital passaram a ser totalmente dedutíveis, por opção expressa do legislador (que entendeu dever ser assim depois de 1 de Janeiro de 2014, pois que essa reforma se aplica, nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram em ou após 1 de Janeiro de 2014”). Tratando-se assim de uma lei inovadora e não de uma lei interpretativa.
  10. A disposição contida no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC define o regime aplicável com carácter genérico em matéria de dedução das diferenças negativas entre as mais-valias realizadas, bem como de outras perdas e variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, dela estando afastados apenas os casos em que a lei estatuía um tratamento particular, maxime nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 23.º do CIRC e no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.
  11. Já a alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º visa unicamente estabelecer uma regra de imputação temporal dos rendimentos/ganhos e dos gastos/perdas decorrentes da aplicação do justo valor aos instrumentos de capital próprio que contribuem para a formação do lucro tributável, em concretização do princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo, não consagrando, por isso, o regime aplicável em matéria de dedutibilidade daqueles gastos/perdas (por conseguinte, a dedução dos gastos/perdas decorrentes da aplicação do justo valor aos instrumentos de capital próprio, nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º rege-se pelo disposto na alínea i) n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, ou seja, apenas são dedutíveis em metade do seu valor).
  12. Vem ainda a Requerente alegar a existência de inconstitucionalidades, colocando em causa a legitimidade da interpretação dada à norma que vem sendo objecto da presente análise, por considerar ser desconforme com os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva, do Estado de Direito Democrático, da igualdade, da proporcionalidade, da liberdade de gestão empresarial, nomeadamente previstos nos artigos 2.º, 13.º, n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, alínea f) do artigo 81.º e n.º 2 do 104.º da CRP.
  13. A Requerida entende que tal não corresponde à verdade, porquanto, embora as regras de imputação temporal dos rendimentos/ganhos e gastos/perdas decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros, já tivessem acolhimento no IRC em situações específicas, foi sobretudo com a introdução do SNC que foram efectuadas alterações profundas no CIRC, passando, inclusivamente, a estar contemplados na alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º os acima referidos “gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, os quais passaram assim a ter relevância fiscal mais abrangente, por força deste normativo em conjugação com o disposto na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC tendo simultaneamente sido mantida a redacção do n.º 3 do artigo 45.º, existente à data de tais alterações.
  14. Pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao interpretar o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC nos termos das informações vinculativas prestadas e da decisão da reclamação graciosa objecto dos presentes autos, fê-lo em observância do preceituado no artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do n.º 1 do artigo 11.º da LGT, segundo o qual, se, por um lado, é verdade que a interpretação não deve limitar-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento legislativo, levando nomeadamente em linha de conta a unidade do sistema jurídico bem como as condições específicas do tempo em que é aplicada, por outro lado, não é menos verdade que, de acordo com o n.º 2 do mencionado dispositivo legal, “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”.
  15. Concludentemente, entende a Requerida não padecer a interpretação conferida ao n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, de qualquer inconstitucionalidade, afigurando-se correcta a decisão da Reclamação Graciosa objecto do presente processo.
  16. A Requerente arguiu ainda um conjunto de decisões proferidas em processos arbitrais, alegando que existe um entendimento quase unânime quanto a esta questão. Porém, cumpre salientar que, desde logo, não existe unanimidade das decisões arbitrais já proferidas sobre esta matéria, como é o exemplo da decisão arbitral proferida no processo n.º 25/2015-T que julgou improcedente o pedido arbitral aí deduzido, considerando não existir qualquer vício na interpretação defendida pela AT igualmente propugnada nos presentes autos, ou ainda o mais recente acórdão do tribunal arbitral colectivo proferido no processo n.º 90/2016-T.
  17. Mas mesmo que assim não se entendesse, não só as decisões identificadas pela Requerente não pré-conformam totalitariamente o presente processo, uma vez que as decisões dos tribunais só vinculam o caso concreto sobre o qual é proferida a decisão arbitral, ainda que a situação em apreço fosse idêntica à ali discutida, o que não se concede. Como ainda, por referência ao n.º 4 do artigo 68.º-A da LGT, também a posição dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira não merece qualquer censura, pois que, com o devido respeito, as decisões arbitrais não constituem decisões proferidas por um tribunal de hierarquia superior.
  18. Relativamente à invocação da Requerente da alegada inexistência de norma específica de limitação de dedutibilidade fiscal em 2014, entende a Requerida que atentas as regras sobre a aplicação da lei no tempo (cf. artigos 12.º da LGT e 12.º do Código Civil), tal alteração legislativa não conduz à conclusão por si defendida, não se antevendo como pode a revogação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC influenciar este facto, totalmente formado e pré-determinado no passado.
  19. Efetivamente, a perda decorrente da aplicação do justo valor às participações sociais da C… foi reconhecida em 31-12-2009, quando a norma contida no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC se encontrava em vigor. Consequentemente, desse modo, o montante de € 3.991.433,50 (50% do valor da perda, por aplicação da referida norma) foi o "valor fiscalmente relevante nos termos do CIRC" a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho (regime transitório), e que determinou a repartição desse "valor fiscalmente relevante" pelos exercícios de 2010 a 2014.
  20. Diga-se ainda, como bem se entendeu na decisão da reclamação graciosa, que a referida alteração legislativa não é de molde a permitir a dedução da perda decorrente da aplicação do justo valor às participações sociais já reconhecidas em 31-12-2009, quando a norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC se encontrava em vigor.
  21. Sendo ainda certo que as informações vinculativas mencionadas na reclamação e no pedido arbitral devem ser consideradas caducadas relativamente ao exercício de 2014, por alteração dos pressupostos de direito.
  22. Quanto ao pedido subsidiário apresentado pela Requerente, deve esclarecer-se que o facto de a subsunção ao regime de dedução parcial previsto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC dos gastos/perdas apurados nos termos e condições referidos na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, não ser acompanhada de um tratamento simétrico para os rendimentos/ganhos, não oblitera que inexiste um dispositivo legal que permita a consideração de apenas metade do seu valor no cálculo do lucro tributável.
  23. De facto, em face de todo o exposto, se o legislador entendeu não criar uma solução simétrica à aplicada aos gastos/perdas decorrentes da adopção do justo valor aos instrumentos de capital próprio, nos termos e condições referidos na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC para os rendimentos/ganhos, devem estes entrar para o cálculo do lucro tributável, conforme previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC, não podendo a AT, por força do princípio da legalidade, colmatar essa omissão. Note-se que os tribunais arbitrais estão obrigados a decidir segundo o Direito constituído (cf. acórdão prolatado no processo n.º 90/2016-T: “há uma clara discrepância no tratamento conferido aos gastos e aos rendimentos resultantes da aplicação do justo valor, sendo os primeiros aceites somente em 50% do seu valor e os últimos tributados na totalidade. Contudo, não cabe ao presente Tribunal aferir o mérito das normas que aplica. Com efeito, cabe-lhe tão só julgar o caso que tem em mãos em função do que emanam as aludidas normas”).
  1. No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios por referência ao imposto reflexo apurado pela Requerente relativamente ao ano de 2014, entende a Requerida que não são devidos juros indemnizatórios, maxime por o ato de liquidação não enfermar de qualquer vício que deva ditar a sua anulação.
  2. Mas, ainda que se pudesse admitir o direito da Requerente a juros indemnizatórios decorrentes da eventual improcedência da exceção deduzida e da procedência da ação, nunca os mesmos seriam devidos por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, isto porque a AT decidiu em prazo inferior a um ano, conforme decorre do pressuposto consignado naquela norma legal (a Requerente apresentou a reclamação da autoliquidação em 19-05-2016, tendo a mesma sido decidida por despacho de 12-12-2016, decisão essa notificada à Requerente em 14-12-2016).
  3. Com efeito, estando em causa a correção de erro na autoliquidação do contribuinte, que promove a sua revisão por via de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), então, não é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CPTT, mas sim na norma especial vertida na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º do CIRC.
  4. Pelo que a conclusão não pode ser outra senão a de que o direito a juros (n.º 3 do artigo 43.º da LGT), numa situação como a que ocorre nos autos, não se verifica, devendo apenas ser restituído ao contribuinte o que já foi pago, traduzindo-se de per si já como um benefício para o contribuinte perante a realidade da sua situação tributária.
  5. Mas mesmo que assim não se entendesse: Face ao requisito da existência de erro imputável aos serviços – que não pode considerar-se verificado atento estar-se perante uma reclamação de autoliquidação – então, apenas serão devidos juros indemnizatórios, apenas da data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

5.2. Por exceção

  1. Entende a Requerida que relativamente à última parte do pedido da Requerente onde se apura e peticiona, com referência a 2014, a devolução do eventual imposto correspondente às correções à matéria coletável que pretende ver relevadas a seu favor (acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios), este consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo.
  2. A Requerida sufraga o entendimento que a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, decorrendo a competência destes não só dessa disposição legal mas ainda da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT.
  3. Para além da competência para a apreciação direta da legalidade de pedidos deste tipo, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como resulta das referências da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, que se reporta à impugnação judicial de reclamações graciosas, e à "decisão do recurso hierárquico".
  4. Ora, é manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, na parte em que apura e peticiona, com referência a 2014, a devolução do eventual imposto correspondente às correções à matéria coletável que pretende ver relevadas a seu favor (acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios).
  5. Pois que inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução de julgados, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação.
  6. Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e ss. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
  7. Conclui-se assim que a incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 576.º, e alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

5.3. A AT conclui peticionando que seja julgada procedente a exceção dilatória invocada, absolvendo-se em conformidade a AT, ou assim não se entendendo, que seja julgado improcedente, por manifestamente infundado, o presente pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.

  1. Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo. O Tribunal designou o dia 15-11-2017 como prazo limite para prolação da decisão arbitral, tendo sido este posteriormente prorrogado para dia 15-01-2018, atento o facto do prazo de seis meses para emitir a decisão arbitral, segundo o estatuído no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, incluir períodos de férias judiciais.
  2. A Requerente, notificada para esse efeito, respondeu à exceção de incompetência suscitada pela AT, tendo requerido a sua improcedência.
  3. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais. 

 

  1. Saneamento
  1.  

9. 1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

9.2. Competência do Tribunal

Suscita a Requerida, na sua resposta, a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.

Cumpre analisar e decidir.

 

9.2.a. Exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria

  1. Como vimos, na petição inicial, a Requerente formula o seguinte pedido: “Deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificada e, bem assim, a ilegalidade parcial das autoliquidações de IRC do Grupo Fiscal B… dos exercícios de 2013 e 2014, no que respeita ao montante em excesso de € 798.286,70 de cada uma das respetivas bases tributáveis, num total de € 1.596.573,40, com a sua consequente anulação nestas partes, e bem assim no que concerne ao imposto reflexo no montante de € 55.081,78 sobre o respetivo excesso de base tributável no exercício de 2014, atenta a manifesta ilegalidade das liquidações nestas partes, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente deste montante de imposto (€ 55.081,78), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 1 de Setembro de 2015. Subsidiariamente deverá ser declarada a ilegalidade parcial destas autoliquidações dos exercícios de 2013 e 2014 (e serem consequentemente anuladas), nas partes correspondentes aos montantes de base tributável em excesso de € 278.408,56 em 2013, e de € 113.493,15 em 2014, e bem assim no que concerne ao imposto reflexo no montante de € 7.831,03 sobre este excesso de base tributável no exercício de 2014, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente deste montante de imposto (€ 7.831,03), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 1 de setembro de 2015.”.
  2. A Requerida, na contestação, suscitou a incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, face ao disposto no n.º 1 do artigo 2.º, e artigo 4.º do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  3.  Para a Requerida, e, em síntese, ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer de uma hipotética execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do pedido, o que é que tal pedido extravasa a competência do Tribunal Arbitral.
  4. Confrontada com a invocação da exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria, a Requerente apresentou resposta invocando, em síntese, que tem a seu favor centenas de processos arbitrais onde se têm visto centenas de condenações da AT no reembolso do imposto anulado (quando este tenha sido pago, naturalmente), pelo que o tema é pacífico no sentido da competência. A título de exemplo, a Requerente cita “dois processos arbitrais sobre este mesmo tema do tratamento fiscal dos ajustamentos de justo valor, relativos a exercícios fiscais anteriores da A…, em que evidentemente o Tribunal Arbitral, anulado determinado montante de imposto, e constatando que estava pago, condenou no peticionado reembolso (e no pagamento de juros indemnizatórios até esse reembolso), sem que a AT tivesse suscitado qualquer questão de competência a propósito desta, ou de qualquer outra parte, do pedido: processos n.ºs 208/2015-T e 393/2016-T, juntos como Docs. n.ºs 15 e 16 ao pedido de constituição de Tribunal Arbitral”.
  5. Para a Requerente, o entendimento da Requerida “(…) é um absurdo, e não só contrário ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, mas contrário também ao princípio da economia processual (da utilização eficiente do bem escasso que é a administração da justiça)”.
  6. Defende a Requerente que a orientação da Entidade Requerida é inconstitucional, ou seja, “a norma constante do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT nesta interpretação da AT, de que impediria o Tribunal Arbitral de condenar a AT ao reembolso de um concreto montante de imposto anulado, é inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição)”.
  7. O poder de condenar no reembolso é uma exigência do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, que se impõe na arbitragem tributária da mesma maneira que se impõe na impugnação judicial. Quem tem poderes/competência para anular imposto, tem necessariamente competência/poderes (ou a tutela não seria efectiva) para condenar no reembolso, mais ainda (ou por maioria de razão) do que tem competência para condenar no pagamento de juros indemnizatórios.”
  8. A incompetência material do Tribunal para a apreciação do referenciado pedido consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 576.º, e na alínea a) do artigo 577.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, pelo que importa apreciar, primacialmente, a exceção dilatória suscitada pela Requerida.

 

Vejamos:        

  1. Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
  2. O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
  3. Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
  4. O legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
  5. Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT.
  6. Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária e Aduaneira a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
  7. Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços[1]. Este regime foi, posteriormente, generalizado no CPPT, que estabeleceu no n.º 1 do artigo 24.º que “haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços”, a seguir, na LGT, em cujo n.º 1 do artigo 43.º, se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
  8. Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
  9. Também é inequívoco que nos processos de impugnação judicial é possível apreciar pedidos de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.
  10. Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
  11. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, “é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida”.
  12. Por outro lado, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...”.
  13. Esta separação constitui característica de um contencioso meramente anulatório como é o do CPPT e, no caso dos processos arbitrais, encontra especial fundamento no facto de os Tribunais arbitrais não terem qualquer competência para apreciar litígios que ocorram na fase de execução de julgados (o que acontece, aliás, em relação aos tribunais arbitrais em geral).
  14. Assim, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.
  15. Isto posto, dentro dos limites fixados, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de reembolso de imposto indevidamente pago.
  16. Constitui jurisprudência pacífica que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de juros indemnizatórios. Ora, essa apreciação não pode deixar de envolver o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, atendendo à indissociabilidade dos mesmos: o direito a juros, a existir, incide sobre a quantia a reembolsar.
  17. Assim sendo, quando o montante a reembolsar resulta claramente identificado na sequência da anulação do ato tributário, não podemos deixar de admitir a competência do tribunal para o pedido de reembolso, por o mesmo ainda se compreender nos poderes de anulação. 
  18. Diferentemente se passam as coisas nos casos em que haja divergência quanto ao montante a reembolsar, devendo então a concretização do mesmo ser relegada para a fase de execução de sentença, por esta pertencer de facto à esfera da AT.
  19.  Também não se inclui na competência dos tribunais arbitrais os litígios que incidam sobre a existência ou não de direito ao reembolso, por se tratar de pedido de reconhecimento de direitos.
  20. No caso dos autos, a Requerente reclama o reembolso da quantia de € 55.081,78, relativo ao exercício de 2014, na sequência da anulação parcial dos atos de autoliquidação.
  21. Assim sendo, pelo supra exposto, o caso dos autos deve ter-se por excluído da limitação que resulta de o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais se restringir às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º, que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.
  22.   Julga-se, em consequência, improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

9.2.b. Conclui-se, ante o exposto, que o tribunal arbitral foi regularmente constituído e beneficia, no mais, de competência, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

9.3. O processo não enferma de nulidades.

9.4. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados
  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
  1. O Grupo B… está sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC, que se dedica à gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (cf. reclamação graciosa junta ao Processo Administrativo - PA).
  2. No exercício de 2005, o Grupo B… adquiriu 1.101.085 acções da C…, Ltd. (doravante, C…), anteriormente denominada D…, sociedade cotada na Bolsa de Valores de Londres (London Stock Exchange), com um custo de aquisição de € 11.010.850,00, a que correspondeu a aquisição por atribuição a título gratuito de 1.376.356 acções preferenciais (C… preferenciais ou …) em 2010 (cf. reclamação graciosa junta ao PA, artigo 15.º do Pedido Arbitral e artigo 5.º da resposta apresentada pela AT).
  3. A aquisição das referidas acções conferiu à Requerente uma participação representativa de menos de 5% do capital social da C… (cf. reclamação graciosa, artigo 16.º do Pedido Arbitral, artigo 6.º da resposta apresentada pela AT).
  4. Até 31 de Dezembro de 2009, as participações sociais em causa encontravam-se mensuradas nas demonstrações financeiras da Requerente ao custo de aquisição, nos termos dos princípios contabilísticos definidos no Plano Oficial de Contas (POC) (cf. reclamação graciosa, artigo 17.º do Pedido Arbitral e artigo 7.º da resposta apresentada pela AT).
  5. Na sequência da aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, a Requerente passou a mensurar, nas suas demonstrações financeiras, as participações sociais detidas no capital da C… de acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 (NCRF 27), a qual dispõe que os instrumentos de capital próprio, nomeadamente as participações sociais negociadas em mercado regulamentado e representativas de menos de 20% do capital social de uma determinada entidade são mensurados ao justo valor através de resultados (cf. reclamação graciosa, artigos 18.º, 19.º e 20.º do Pedido Arbitral e artigo 8.º da resposta apresentada pela AT).
  6. Assim, em virtude da adopção das novas regras contabilísticas, a Requerente apurou uma variação patrimonial negativa associada à mensuração da participação detida na C… de acordo com o justo valor, no montante de € 7.982.866,25 (cf. reclamação graciosa, artigo 26.º do Pedido Arbitral e artigo 9.º da resposta apresentada pela AT).
  7. Em 22 de Janeiro de 2011, a Requerente efetuou um Pedido de Informação Vinculativa no sentido de confirmar o entendimento da Autoridade Tributária (AT) sobre o enquadramento fiscal daquela variação patrimonial, nomeadamente no que respeita à limitação da dedução a 50% constante do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC (cf. reclamação graciosa, artigo 32.º do Pedido Arbitral e artigo 10.º da resposta apresentada pela AT).
  8. Em resposta ao Pedido, informou a Direcção de Serviços de IRC que: “25.    Como referimos anteriormente, não tendo o legislador excluído do âmbito do n.º 3 do art.º 45.º do CIRC as perdas resultantes da mensuração pelo justo valor dos instrumentos de capital próprio previstos na alínea a) do n.º 9 do art.º 18º do CIRC, não há dúvida que as mesmas só são dedutíveis em metade do seu valor.

26. E porque o legislador utilizou a expressão "perdas", e não "a diferença negativa entre ganhos e perdas", conclui-se que estas têm de ser tratadas separadamente dos ganhos, sendo que:

a)  Os ganhos, enquadrando-se na alínea f) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC, concorrem, na íntegra, para a formação do lucro tributável referente ao período em que se verificam (2010);

b)  Quanto às perdas, embora sejam consideradas dedutíveis nos termos da alínea i) do n.º 1 do artº 23.º, a respectiva dedutibilidade fica sujeita á limitação imposta pela parte final do n.º 3 do art.º 45.º, ambos do CIRC.” (cf. pontos 25 e 26 daquela informação e PA).

  1. A Requerente foi notificada da resposta ao pedido de informação vinculativa em 21 de Abril de 2011 (cf. artigo 32.º do Pedido Arbitral).
  2. A Requerente considerou, para efeitos fiscais, nas autoliquidações de IRC de 2013 e 2014, em apenas 50%, a variação patrimonial negativa respeitante à participação na C… decorrente da transição para o novo referencial contabilístico em matéria de reconhecimento do justo valor (de forma diferida por cinco períodos de tributação), (cf. reclamação graciosa, artigo 35.º do Pedido Arbitral e artigo 12.º da resposta apresentada pela AT).
  3. Com efeito, nos períodos de tributação de 2013 e 2014, foi aplicável o RETGS, nas suas declarações individuais a Requerente considerou no campo 705 do quadro 07, a título de variação patrimonial negativa decorrente da transição para o novo referencial contabilístico em matéria de reconhecimento do justo valor, o montante de € 798.286,70 (cf. reclamação graciosa, artigo 35.º do Pedido Arbitral e artigo 15.º da resposta apresentada pela AT).
  4. E, no que respeita à valorização ocorrida, em 2013 e 2014, com a participação financeira na C…, terá sido considerada pela Requerente em 100% na autoliquidação desse exercício, segundo enquadramento confirmado pela AT em resposta a um novo Pedido de Informação Vinculativa, datado de Setembro de 2013 (cf. artigo 36.º do Pedido Arbitral e artigo 13.º da resposta apresentada pela AT).
  5. Em resposta ao segundo pedido de informação vinculativa, a AT sancionou que “quando estão em causa rendimentos associados a ganhos de valor e cuja variação de valor deve ser reconhecida em resultados, como acontece no caso em concreto, esses ganhos concorrem para a formação do lucro tributável na sua totalidade” (cf. PA e artigo 40.º do Pedido Arbitral).
  6. Em 21-05-2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa do acto de autoliquidação do IRC respeitante ao período de tributação de 2011 (cf. PA).
  7. No dia 6 de Janeiro de 2015 notificada, por intermédio do Ofício n.º…, de 2 de Janeiro de 2015, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por despacho proferido em 31 de Dezembro de 2014 pelo Senhor Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral (processo n.º 208/2015-T), tendo sido proferida decisão em 25 de Setembro de 2015, no seguinte sentido: “julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto pretensão de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa proferido em 31 de dezembro de 2014 pelo Senhor Director das Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa quanto à ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC (e derrama municipal consequente) do grupo fiscal B… do exercício de 2011, no que respeita ao montante de € 242.123,28.

Anular o referido despacho de indeferimento;

Anular a autoliquidação, na parte respeitante aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, relativamente ao montante de € 242.123,28 de IRC e derrama municipal consequente;

Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 242.123,28, acrescida de juros indemnizatórios, contados desde 22-09-2014, à taxa legal supletiva, até integral reembolso da quantia referida.” (Cf. PA). Já no que respeita aos efeitos negativos nos capitais próprios e perdas decorrentes de mensuração ao justo valor “só podem concorrer em 50% para a formação do lucro tributável” (doc. n.º 10).

  1. Mais recentemente (a 16-05-2016) a Requerente apresentou reclamação graciosa, com vista a suscitar a ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação referentes aos exercícios de 2013 e 2014, tendo a mesma sido indeferida por despacho 12-12-2016, notificado à Requerente em 14-12-2016. (cf. PA e artigos 16.º e 17.º da resposta apresentada pela AT).
  2. Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente deduziu o presente pedido arbitral, nos termos acima melhor já identificados, para que se remete.

 

  1. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou do exame dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e da resposta das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

 

III.2. Matéria de Direito

 

III.2.1.

  1. A questão central a decidir consiste em determinar as consequências fiscais da mensuração ao justo valor, em 2013 e 2014, de participações financeiras da Requerente constituídas por acções representativas do capital social da C…, correspondentes a menos de 5% do capital social da referida sociedade e admitidas à negociação em mercado regulamentado. Em particular, prende-se com saber qual o tratamento fiscal a dar às perdas decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados.
  2. A questão em apreço já foi, contudo, objeto de diversos acórdãos do Centro de Arbitragem Administrativa. Assim, sem prejuízo de existirem argumentos adicionais, por razões de coerência, seguiremos de perto a argumentação vertida no acórdão proferido do Centro de Arbitragem Administrativa no processo n.º 30/2015-T.
  3. Concretamente, verifica-se que a Requerente, no exercício de 2010 era detentora de participações sociais que, por aplicação do critério contabilístico do justo valor, sofreram depreciações correspondentes à diferença entre o valor de aquisição das referidas acções e a sua cotação oficial a 1 de Janeiro de 2010, por um lado, e à variação ocorrida nos exercícios de 2013 e 2014, por outro. É necessário, então, apurar em que medida e em que termos tais depreciações devem concorrer para a determinação do lucro tributável da Requerente, sendo certo que esta considera que para a determinação do seu lucro tributável não deverá relevar apenas 50% do gasto decorrente da aplicação do método do justo valor através de resultados.

 

Vejamos:

  1. Normativamente, o epicentro do dissídio corporizado nos autos situa-se na norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC cujo texto em vigor à data dos factos referia que: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.” (sublinhados e negrito nossos).
  2. Sustenta a Autoridade Tributária e Aduaneira que a norma atrás aludida, ao referir especificamente que “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (...), concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”, estará a abranger situações como a dos autos, impondo que a variação patrimonial negativa em questão concorra para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor. Louva-se a Autoridade Tributária e Aduaneira na opinião de André A. Vasconcelos, que se justifica com a extensa abrangência do mesmo[2].
  3. Refere também a Autoridade Tributária e Aduaneira, notando a manutenção da redacção do preceito que nos ocupa, face às alterações do CIRC motivadas pelo início da vigência do SNC, que a ausência de alterações verificadas na norma em causa, revela que não se pretendeu que o regime em causa sofresse qualquer alteração, em função das alterações introduzidas no sistema de contabilidade.
  4. Por fim, invoca ainda a AT o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, que julgou constitucional a norma em apreço[3].
  5. A questão específica em causa nos autos, entronca na questão genérica da determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC.
  6. A este respeito, o n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, na redação então aplicável, dispunha que: “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”.
  7. O n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código, na redação em vigor à data dos factos, dispunha que: “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.” (sublinhados e negrito nossos).

  1. Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC aplicável: “Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (...)

f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...) h) Mais-valias realizadas;”.

  • Paralelamente, o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, então aplicável estatuía que: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)

l) Menos-valias realizadas;”

  1. Relativamente às variações patrimoniais positivas, o n.º 1 do artigo 21.º do CIRC dispõe que: “Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;”

  • Já no que se refere às variações patrimoniais negativas, o n.º 1 do artigo 24.º, também do mesmo diploma, referia que: “Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)

b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”

  • No que diz respeito às mais e menos-valias, dispõe o n.º 1 do artigo 46.º do CIRC que: “Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: (...)

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º” (negrito e sublinhado nosso).

  1. O quadro normativo relevante para a apreciação da questão sub judice encerra-se com a norma do n.º 3 do artigo 45.º, também do CIRC aplicável, já transcrita.
  2. Estabelecido o quadro normativo relevante cumpre partir para a análise e conjugação das diversas normas que o integram.
  3. Importa sublinhar que tal análise deve ter na devida conta a necessária perspectiva sistemática da sua integração, ponderando, igualmente, o contexto histórico da génese dos preceitos envolvidos. Efectivamente, cada uma das normas tidas como relevantes para a apreciação da questão decidenda, deverá ser compreendida no correspondente enquadramento concreto, daí se retirando o seu conteúdo significante.
  4. Assim, antes de mais, haverá que ter presente que o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, em vigor à data dos factos, decorre da renumeração do n.º 3 do artigo 42.º efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Dezembro. Aquele número do artigo 42.º, por sua vez, foi introduzido pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.” (sublinhados e negritos nossos).
  5. Ora, importa reiterar, como decorre, aliás de jurisprudência anterior deste Centro de Arbitragem, uma leitura atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da causa, e que já se foram indicando, permitirá, todavia, concluir que o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC não se aplica aos casos previstos na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC[4].
  6. Com efeito, o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, já transcrito, refere que: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.” (sublinhados e negritos nossos).
  7. Assim, a análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

a.       “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;

b.      “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;

c.       “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

  1. Contudo, a situação dos autos não se reconduz a nenhuma das situações elencadas.
  2. A situação aludida sob a alínea a. supra, não é aplicável ao caso em apreço, já que a alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC exclui as situações descritas na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC do conceito de mais-valias realizadas, ou seja, exclui expressamente do conceito de mais-valias a alienação de instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social.
  3. Mas mais, o próprio n.º 1 do artigo 46.º do CIRC e o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC reitera o argumento antes aduzido, na medida em que se aplica apenas a casos de mais ou menos-valias “realizadas” e em que tenha existindo uma “transmissão onerosa”. Ora, no caso em apreço, não se registou qualquer realização efetiva decorrente de uma transmissão.
  4. Por outro lado, a aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas” serão conceitos não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.
  5. Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do CIRC, atentando na evolução terminológica operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Dezembro.
  6. Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que: “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;
  7. “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”. Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:
  1. Custos;
  2. Perdas;
  3. Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.
  1. A previsão do n.º 3 do artigo 42.º, que antecedeu a última versão do n.º 3 do artigo 45.º, dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.
  2. Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa, não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável.
  3. A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, não terá modificado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continuou a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cf. n.º 1, alínea h)). Voltando, inclusivamente à terminologia “gastos e perdas” através da entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro. Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3. e) do anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.
  4. Deste modo, conclui-se que o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC aplicável, se reportará a:
  1. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;
  2. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e
  3. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

 

  1. Assim, por “perdas” deve-se entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.
  2. Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.
  3. É, assim, o próprio elemento literal da interpretação a apontar para a não aplicação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC ao caso em apreço.
  4. A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22”, a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no artigo 18.º, n.º 9, alínea a)[5]. Sucede que a alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorrecta a sua inscrição no campo em causa.
  5. De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, no âmbito do n.º 3 do artigo 45.º do mesmo Código, a redação da norma teria:

-  Incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC; ou

- Referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.

  1. Na ausência de uma especificação relativa à aplicação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC a situações decorrentes da aplicação do justo valor e tendo perda e variação patrimonial negativa um significado específico, acima descrito, não se pode presumir, na interpretação da lei e de acordo com o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável, ex vi n.º 1 do artigo 11.º da LGT, que o legislador não se soube expressar adequadamente.
  2. No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial e dir-se-ia mesmo, excecional – já que se afasta do princípio da realização aplicável como regra geral - de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.
  3. Esta circunstância não é, face à redacção actual do CIRC, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas interpretativas, como se verifica, designadamente, pela redacção das alíneas f) e h) do n.º 1 do artigo 20.º e das alíneas i) e l) do n.º 1 do artigo 23.º e, em especial, da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais e menos-valias.
  4. Acresce que o regime resultante da conjugação do n.º 3 do artigo 45.º e do artigo 46.º do CIRC, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização. Estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela. Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC a realização de menos-valias e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.
  5. A redacção actual da norma em análise resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (p. 31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAIS E OUTRAS MEDIDAS DIRECCIONADAS À CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL.”.
  6. Por sua vez, o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, aplicável, obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler: “Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. (...)                                                           No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.”
  7. Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do n.º 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do mesmo Código.
  8. Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de “proveitos” e “ganhos” (artigo 20.º), passou-se a falar de “rendimentos”, e onde antes se utilizava a expressão “custos” ou “perdas” (artigo 23.º), aquela foi substituída pela de “gastos”.
  9. A aplicação do justo valor como critério de valoração contabilístico com relevância fiscal, corresponde a uma alteração coperniciana no regime da tributação dos rendimentos ou gastos resultantes da aquisição de instrumentos financeiros.
  10. Com efeito, previamente à adopção do justo valor, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC. Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.
  11. Este enquadramento fiscal tinha (como tem na parte em que se mantém) três características bem vincadas, a saber:
  1. Era uma tributação única, ou seja, que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros;
  2. Estava dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo, na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo assim o quisesse;
  3. A valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária.
  1. A conjugação destas três características que se vêm de apontar propiciavam, desde logo, um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia optar por desencadear a relevância tributária no momento e termos em que tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.
  2. Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.
  3. É neste quadro que se explica o surgimento da norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.
  4. Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.
  5. A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.
  6. Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.
  7. Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.
  8. Em consonância, o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável, veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.” Trata-se aqui de um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.
  9. Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, nos seguintes termos: “excepto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.
  10. Ou seja, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor” “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:
  1. Sejam reconhecidos “através de resultados”;
  2.  Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;
  3. “Tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e
  4. “O sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social.”
  1. Cumpridas estas condições:
  1. Consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC); e
  2. Consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).
  1. Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única (one-off), aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável (alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º e alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (n.º 9 do artigo 18.º do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC). Neste quadro cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.
  2. Contra o exposto, não se argumente, entre o mais, que o mercado regulamentado é sempre manipulável, tal como os preços nele fixados, e que o limite de 5% permite, em qualquer situação, ter influência significativa nos impostos a pagar.
  3. Se é verdade que não se pode afirmar, em tese geral, que nenhum mercado está isento de manipulação, daqui também não se pode inferir que, em abstracto, um detentor de 5% de participações seja susceptível de influenciar por si só o mercado. Trata-se de uma conclusão despropositada, porque assente no pressuposto de um mercado pouco activo, com fraca liquidez, onde actuam poucos “players” e, por isso, susceptível de ser influenciado por actores individuais. Pelo contrário, cada agente, isoladamente considerado, tem, em regra, uma influência marginal, se a referência para o justo valor for o preço praticado num mercado activo, com níveis de liquidez significativos, caracterizado por uma pluralidade de agentes, quer do lado da procura, quer da oferta, e com preços regularmente divulgados. Acresce que o poder de influência significativa ou relevante do preço de mercado depende da convergência de vários actores e de múltiplos factores, tais como do activo específico em causa e da estrutura do capital da sociedade associada.
  4. Perante o exposto, afigura-se carecer de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.
  5. Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.
  6. Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pela alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC. Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.
  7. Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico quer de um ponto de vista jurídico.
  8. É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepcionação ao regime do princípio da realização das situações abrangidas pela alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do n.º 9 do artigo 18.º, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa, ou até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável instituído.
  9. A não aplicação da norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC aos gastos e, concretamente, aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda. Se se aplicasse a norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, como pretende a AT, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haveria uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização) teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização, consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!
  10.     Parece claro que tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido.
  11. É certo que a solução alternativa, que exclui a aplicação do n.º 3 do artigo 45.º, leva a que, no caso de se verificar, a final, uma menos-valia, esta acabe por ter sido considerada a 100%, e não a 50%, como ocorreria ao abrigo do princípio da realização. Contudo, a opção pelo critério do justo valor, poderá justificar-se, desde logo, porquanto no regime da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC deixa de fazer sentido qualquer desincentivo à realização de menos-valias, uma vez que as mesmas relevarão fiscalmente independentemente da sua efectiva realização.
  12. Não se deverá desconsiderar igualmente que, por um lado, a contabilização pelo justo valor é considerada mais conforme à aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, finalidade confessadamente prosseguida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, por outro, a circunstância de estarmos perante realidades objectivamente avaliadas, sem que haja margem significativas para manipulações fiscalmente convenientes.
  13. Em suma, como se havia adiantado, não se verificam as razões de combate à fraude e evasão fiscal nem as razões de consolidação orçamental, que demonstradamente estiveram na génese da norma do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.
  14. Finalmente, segundo os n.ºs 1 e 3 do artigo 9.º do Código Civil, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, “mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, e, na fixação do sentido e alcance da lei, deve o mesmo presumir que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.
  15. Por tudo o que vai exposto, a interpretação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, aponta no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável, nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.
  16. Considerando-se que à alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que:
  1. Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor, desde que sejam reconhecidos através de resultados;
  2. Se tratem de instrumentos do capital próprio;
  3. Tenham um preço formado num mercado regulamentado; e
  4. O sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social,
  1. não se aplica, nestes casos, o artigo 45.º, n.º 3 do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo.

 

III. 2.2.

Tendo em consideração a posição antes descrita, torna-se, assim, desnecessário analisar a vigência do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC no exercício de 2014, face à entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

 

III.2.3. 

Peticiona ainda a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos legais e por força dos arts. 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios, pelo que se condena ainda a Requerida no pagamento dos mesmos à taxa apurada de acordo com o disposto n.º 4 do artigo 43.º da LGT, a contar da data do pagamento indevido do imposto anulado.

 

  1. Decisão

 

Em consequência do exposto, acordam os árbitros que constituem este Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência do tribunal, em razão da matéria;
  2. Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial das autoliquidações de IRC do Grupo Fiscal B… dos exercícios de 2013 e 2014, no que respeita ao montante em excesso de € 798.286,70, de cada uma das respectivas bases tributáveis, num total de € 1.596.573,40, com a sua consequente anulação nestas partes, e bem assim no que concerne ao imposto reflexo no montante de € 55.081,78 sobre o respectivo excesso de base tributável no exercício de 2014,  com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente do montante de imposto pago (€ 55.081,78), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, desde a data de pagamento até integral reembolso.

 

  1. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º e do n.º 2 do artigo 297.º do Código de Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 367.211,88.

 

VI. Custas

 

De acordo com o previsto no n.º 4 dos artigos 22.º e n.º 2 do artigo 12.º do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas € 6.024,67. 

 

 

Lisboa, 12 de Janeiro de 2018.

 

 

Os árbitros,

 

 

Fernanda Maçãs (presidente)

 

 

 

 

Leonardo Marques dos Santos

 

 

 

 

Carlos Alberto Monteiro da Silva

 



[1] Neste sentido ver Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” in Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereia (Coord), Guia da Arbitragem Tributária, Coimbra: Almedina, pp. 94-95.

[2]    André A. Vasconcelos, “O justo valor e o Código do IRC”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 4, Inverno, página 202.

[3]    Disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100085.html.

[4] A título de exemplo, destacamos os acórdãos proferidos nos processos n.ºs 108/2013-T ou 30/2015-T.