Decisão Arbitral [1]
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 12 de Setembro de 2017, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, S.A., sociedade matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sintra sob o número …, com sede no … …, …, …, em Sintra (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 3 de Julho de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral dê “(…) como provada a presente acção arbitral (…)”, se anule “(…) a decisão da Autoridade Tributária, de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa (…) identificados, apresentados pela Requerente, em virtude de tal decisão se fundar em errada interpretação da lei (…)” e “em consequência da anulação das decisões da Autoridade Tributária e (…) das notas de liquidação (…) identificadas, deve ser proferida decisão a ordenar o reembolso das importâncias indevidamente pagas (…), a título de IMI e seja restituído o imposto indevidamente pago no valor de 6.560,57 € (…)”, mais se requerendo “(…) o pagamento de juros indemnizatórios (…), pela Administração Fiscal (…)”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 3 de Julho de 2017 e, na mesma data, automaticamente notificado à Requerida.
1.4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 28 de Agosto de 2017, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20 de Junho de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, em 12 de Setembro de 2017, no sentido de notificar a Requerida para, “(…) em 30 dias, responder, juntar cópia do processo administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional”
1.7. Em 10 de Outubro de 2017, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação e concluído que:
1.7.1. “(…) deverá ser julgada procedente, por provada, a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral Singular, a qual dá lugar à absolvição da instância (…)” e, subsidiariamente,
1.7.2. “deverá ser julgado improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.
1.8. Adicionalmente, a Requerida anexou aos autos o processo administrativo instrutor.
1.9. Por despacho arbitral, datado de 10 de Outubro de 2017, foi a Requerente notificada para no prazo de dez dias, querendo, se pronunciar sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida na Resposta apresentada na mesma data.
1.10. A Requerente apresentou requerimento, em 23 de Outubro de 2017, no sentido de se pronunciar sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida, concluindo que “(…) não deve proceder a exceção de incompetência absoluta por violação das regras de competência material, alegada pela requerida e deve o presente Tribunal declarar-se competente para julgar as questões suscitadas na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela requerente, sob pena de violação do disposto nos art.ºs 266.º, 267.º, 268.º n.º 4 e art.º 20.º da CRP”.
1.11. Por despacho arbitral de 23 de Outubro de 2017, e para “garantia do princípio do contraditório e de igualdade das partes (…)”, mandou o Tribunal Arbitral notificar “ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações”.
1.12. Em 25 de Outubro de 2017, a Requerida apresentou requerimento no sentido de entender que “(…) se poderá prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT”, não prescindindo “(…) da produção de alegações finais (…)”, solicitando que as mesmas sejam apresentadas “(…) sob a forma escrita e de forma sucessiva”.
1.13. Em 11 de Outubro de 2017, a Requerente apresentou requerimento no sentido de informar que “(…) nada tem a opor relativamente à dispensa da reunião prevista no art. 18.º do RJAT” e que, no que diz respeito às alegações, “(…) atenta a posição da Requerida, as alegações finais deverão (…) preferencialmente assumir a forma escrita”.
1.14. Por despacho arbitral, datado de 31 de Outubro de 2017, tendo em consideração os despachos acima referidos e os requerimentos apresentados pelas Partes, decidiu o Tribunal Arbitral “em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º do (…) (RJAT), do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT”:
1.14.1. “Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT”;
1.14.2. “Não prescindir da apresentação de alegações e, em consequência, notificar a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas facultativas, no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar da data da notificação da junção das alegações da Requerente”;
1.14.3. “Designar o dia 21 de Dezembro de 2017 para efeitos de prolação da decisão arbitral”.
1.15. Por despacho arbitral de 2 de Novembro de 2017, em complemento do despacho arbitral referido no ponto anterior, o Tribunal Arbitral advertiu ainda a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.
1.16. Em 13 de Novembro de 2017, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, reiterando os argumentos apresentados no pedido e concluindo nos mesmos termos do pedido arbitral.
1.17. Em 24 de Novembro de 2017, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, no sentido reiterar de argumentação já apresentada na sua Resposta, concluindo nos mesmos termos.[2]
2. CAUSA DE PEDIR
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
2.1. “A Requerente é proprietária do prédio urbano em propriedade total sito na Rua…, n.º…,…, n.ºs… a … e Rua …, n.ºs … a … freguesia …, concelho do Porto, descrito sob o n.º … na Conservat6ria do Registo Predial do Porto e inscrito sob o artigo matricial n.º … (…)”.
2.2. “A ora Requerente foi notificada e procedeu ao pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis, relativas ao prédio urbano (…)” identificado no ponto anterior, “(…) referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014 (durante os anos de 2013, 2014 e 2015), através das seguintes notas de liquidação (…)”:
“- 2012…, no valor de 761,46 €, com data limite de pagamento em Abril de 2013;
- 2012…, no valor de 761,46 €, com data limite de pagamento em Julho de 2013;
- 2012…, no valor de 761,45 €, com data limite de pagamento em Novembro de 2013;
- 2013…, no valor de 685,31 €, com data limite de pagamento em Abril de 2014;
- 2013…, no valor de 685,31 €, com data limite de pagamento em Agosto de 2014;
- 2013…, no valor de 708,10 €, com data limite de pagamento em Novembro de 2014;
- 2014…, no valor de 740,09 €, com data limite de pagamento em Abril de 2015;
- 2014…, no valor de 740,09 €, com data limite de pagamento em Julho de 2015;
- 2014…, no valor de 740,09 €, com data limite de pagamento em Novembro de 2015 (…)”
2.3. Alega a Requerente que “o referido imóvel, do centro histórico do Porto faz parte da lista do Património Mundial da Unesco (…)” e “conforme resulta da certidão emitida pela Direcção Regional da Cultura Norte, o imóvel está classificado como monumento nacional (…) por fazerem parte integrante da lista do Património Mundial da Unesco, em 1996, como Centro Histórico do Porto (…)”.
2.4. Refere a Requerente que “no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que a documentação junta não atesta que o prédio está individualmente classificado como de interesse nacional, de interesse público ou interesse municipal, a mesma não reconhece a isenção de IMI aos imóveis acima mencionados”, não se conformando “(…) a Requerente (…) com este entendimento”.
2.5. Entende a Requerente que “atenta a factualidade e o enquadramento jurídico (…) podia lançar mão dos pedidos de revisão oficiosa”, sendo que “no caso em apreço (…), a AT tem, no âmbito do pedido de revisão oficiosa, o dever legal de corrigir a favor do contribuinte, ao abrigo do princípio de justiça material, da imparcialidade, da igualdade e da legalidade”.
2.6. Nestes termos, reitera a Requerente que “(…) AT deveria, nos termos do pedido de revisão oficiosa apresentado, corrigir as liquidações de IMI referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014, sob pena de violar o princípio acima referido”, sendo que entende que “estão manifestamente verificados os pressupostos processuais previstos no artigo 78° da LGT, sendo os pedidos de revisão oficiosa do acto tributário tempestivos e devidamente fundamentados nos termos legais”.
2.7. Assim, a Requerente, tendo sido notificada, “(…) no passado dia 10 de Abril de 2017, do indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa do acto tributário n.ºs …2016…, …2016… e …2017… (relativos a liquidações do Imposto Municipal Sobre Imóveis) (…)” não concorda a Requerente com a posição da Requerida.
2.8. Com efeito, entende a Requerente que “de acordo com o disposto na alínea n) do n.º 1 do art. 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ficam isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados de interesse público ou de interesse municipal (…)”.
2.9. Segundo a Requerente, “(…) em primeiro lugar, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos desse mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal”, ou seja “a classificação como monumento nacional é suficiente para que os imóveis, objecto dessa classificação, sejam isentos do imposto (…) mencionado”.
2.10. Por outro lado, entende a Requerente que “(…) o CIMI remete (…) para a Lei de Bases para a Proteção e Valorização do Património Cultural (…)”, nos termos da qual (artigo 15º):
“1 - Os bens imóveis podem pertencer às classificações de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional e os móveis, entre outros, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse publico ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adotar-se-á a designação de monumento nacional e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação de tesouro nacionais.
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva proteção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação (…)”.
2.11. Segundo a Requerente, “(…) no caso concreto do imóvel em apreço, o mesmo está classificado como monumento nacional de acordo com o disposto nos nºs 3 e 7 do art.º 15.° da Lei n.º 107/2001, por estar inscrito na lista do Património Mundial da Unesco, em 1996, como Centro Histórico do Porto (Zona Especial de Protecção)”, sendo que “(…) ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º15.°, todos os bens culturais imóveis incluídos na lista de património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista de bens classificados como de interesse nacional”.
2.12. Acrescenta a Requerente que “(…) o Estatuto dos Benefícios Fiscais (…) refere que os prédios classificados como monumentos nacionais estão desde logo isentos (…)” de IMI, sendo que “as isenções fiscais (nomeadamente em sede de IMI), constituem uma forma de incentivo directo para promover a captação e fixação de novos habitantes em áreas que estão sujeitas ao abandono de população, como é o caso do Centro Histórico do Porto”.
2.13. Assim, entende a Requerente, “face ao exposto, (…) estando em causa imóveis da Zona Histórica do Porto, os mesmos estão isentos de IMI, uma vez que o Centro Histórico do Porto foi classificado como monumento nacional”, e “por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre prédio classificado como monumento nacional e prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal, só exigindo a individualização em relação a estas duas ultimas categorias, não já dos prédios de interesse nacional”.
2.14. Entende a Requerente que “a Zona Histórica do Porto deve ser vista como um conjunto, uma vez que a lei visou a protecção de todos os imóveis, nela inseridos, como um todo e por conseguinte não faz sentido qualquer classificação individual dos imóveis integrados na referida Zona Histórica”, pelo que “por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre prédio classificado como monumento nacional e prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal, só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já dos prédios de interesse nacional”.
2.15. Assim, entende a Requerente que “face ao exposto, a intenção do legislador foi a de dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, sendo apenas exigível em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal” e “(…) apelando ao princípio da prevalência da substância sobre a forma, também entendemos que deverá prevalecer a legislação aplicável à classificação deste património, para a qual remete expressamente a norma fiscal (…) mencionada”.[3]
2.16. Nestes termos, conclui a Requerente peticionando que este Tribunal Arbitral dê como “(…) provada a presente acção arbitral (…)”, anule “(…) a decisão da Autoridade Tributária, de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa (…) identificados (…) em virtude de tal decisão se fundar em errada interpretação da lei, nomeadamente do disposto na alínea n) do nº 1 do art.º 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, e “em consequência da anulação das decisões da Autoridade Tributária e (…) das notas de liquidação (…) identificadas (…)” profira “(…) decisão a ordenar o reembolso das importâncias indevidamente pagas (…) e seja restituído o imposto (…) no valor de 6.560,57 € (…)”, com “(…) o pagamento de juros indemnizatórios à Requerente (…) ao abrigo dos art. nº 43° da LGT e 61° do CPPT”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida respondeu, defendendo-se por excepção e por impugnação, concluindo que:
3.1.1. “(…) deverá ser julgada procedente, por provada, a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral Singular, a qual dá lugar à absolvição da instância (…)” e, subsidiariamente,
3.1.2. “deverá ser julgado improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.
Por Excepção
Da Incompetência Material do Tribunal
3.2. Começa a Requerida por alegar que “importa (…) suscitar a incompetência parcial do Tribunal Arbitral Singular para apreciar os indeferimentos em torno dos pedidos de Revisão Oficiosa de Acto Tributário, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei”.
3.3. Reitera a Requerida que “(…) o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto, ainda que de forma mediata, liquidações de IMI”, “liquidações essas que foram alvo de pedido de Revisão Oficiosa de Ato tributário”.
3.4. “Todavia, as liquidações alvo de pedido de Revisão Oficiosa não podem ser apreciadas por parte do Tribunal Arbitral Singular” porquanto, segundo a Requerida, “o artigo 2º a) Portaria 112·A/2011, de 22 de março exclui, literalmente do âmbito da vinculação da Requerida à jurisprudência arbitral (…)”, “ou seja, da redação conferida ao citado preceito legal, constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, tenham sido precedidas de reclamação”.
3.5. Assim, entende a Requerida que, “(…) da simples leitura do artigo 2.° a), da Portaria n.º 11212011,de 22 de março, infere-se a obrigatoriedade expressa da prévia apresentação de Reclamação Graciosa como forma de abrir a via arbitral para apreciação do presente litígio”, concluindo que “a incompetência material do Tribunal Arbitral Coletivo para a apreciação das liquidações de IMI inerentes aos pedidos de Revisão Oficiosa de Ato Tributário consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa (…)”.
Por Impugnação
3.6. Contudo, a Requerida, defende-se também por impugnação, alegando que “(…) a argumentação expendida pela Requerente não pode de todo proceder, porquanto tal argumentação (…) assenta num errado pressuposto e faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice”.
3.7. Neste âmbito, entende a Requerida que “(…) a argumentação expendida pela Requerente não pode de todo proceder, porquanto (…) assenta num errado pressuposto e (…) faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso (…)”.
3.8. Com efeito, segundo a Requerida (após apresentar “A evolução do conceito de Classificação” e efectuar a “(…) distinção dos diversos conceitos patentes no artigo 15º da LBPC”), “(…) constata-se que o raciocínio enviesado em que incorreu a Requerente resulta (…) de dois factos de extrema importância no caso vertente (…)” (negrito da Requerida):[4]
3.8.1. “A Requerente confunde os atuais conceitos de Classificação e de Designação” (sublinhado da Requerida) e,
3.8.2. “A Requerente confunde o conceito de Designação introduzido pela LBPC com o conceito de graduação da Classificação como Monumento Nacional que vigorou entre o início da vigência do Decreto 20.985 de 1932 e a entrada em vigor da LBPC em 2001” (sublinhado da Requerida).
3.9. Segundo a Requerida, “(…) desde 2001 que NÃO existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal (…)” pelo que “é manifestamente impossível afirmar (…) que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional” e “por outro lado, o conceito de classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 NÃO equivale ao conceito de designação de Monumento Nacional constante da LBPC” (negrito, sublinhado e maiúsculas da Requerida).
Da natureza da (pretensa) “classificação Património Mundial da UNESCO”
3.10. Segundo a Requerida, “(…) a maior confusão e imprecisão lançada pela Requerente prende-se com a circunstância desta (…) afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como sendo Monumento Nacional em decorrência direta daquele ter sido classificado como Património Mundial da UNESCO”, porquanto entende a Requerida que “(…) NÃO existe qualquer classificação da UNESCO denominada Património da Humanidade, Património da UNESCO, Património Mundial ou outra expressão equivalente”, mas somente “(…) uma lista (…) que está a cargo do Comité do Património Mundial” (negrito, sublinhado e maiúsculas da Requerida).
3.11. Reitera a Requerida que “ao inscrever um bem cultural na Lista do Património Mundial, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem” mas “(…) está assim a reconhecer que aquele bem cultural também constitui um património universal para a protecção do qual a comunidade internacional no seu todo tem o dever de cooperar (…)”.
3.12. Por outro lado, refere a Requerida que “a classificação de um bem cultural depende SEMPRE de um prévio procedimento administrativo de Classificação” sendo que “(…) ao inscrever o Centro Histórico do Porto na Lista do Património Mundial, o Comité do Património Cultural da UNESCO JAMAIS procedeu a qualquer prévio procedimento administrativo de classificação (…)” (negrito, sublinhado e maiúsculas da Requerida).
3.13. Assim, entende a Requerida que “a classificação de que goza o Centro Histórico do Porto resulta necessariamente da articulação de três diplomas legais” (negrito da Requerida):
3.13.1. “O Aviso nº 15.173/2010, de 30 de julho (…)”,
3.13.2. “A LBPC” e,
3.13.3. “O Decreto-Lei nº 309/2009, de 23 de outubro”.
3.14. Face à legislação que entende aplicável, a Requerida defende que “(…) à luz do artigo 15.°/7da LBPC, o Centro Histórico do Porto está, quando muito, classificado com uma das três graduações possíveis (…)”, “isto é, resulta (…) da lei (…) que o denominado Centro Histórico do Porto está, quando muito, classificado de Interesse Nacional, em resultado, já não de uma decisão por parte de uma entidade competente, mas sim em resultado direto da lei (…)” (negrito e sublinhado da Requerida).
3.15. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) forçoso é concluir que a argumentação da Requerente assenta num errado pressuposto e faz a uma errada interpretação da LBPC e, por inerência do artigo 44º, l - n) do EBF”, pelo que, “(…) para poderem usufruir de isenção de IMI o EBF exige a classificação individual de cada um dos prédios que integram aquele Conjunto”.
3.16. Assim, para a Requerida, “é abusiva a interpretação de que TODOS os prédios inseridos no Interior do Conjunto se encontram, apenas por esse facto, classificados e, como tal, isentos de IMI”, referindo que “(…) o sentido da posição expendida ao longo desta peça processual vai ao encontro da Informação Vinculativa prestada a 2013-02-25 pela Direção de serviços do IMI, no âmbito do pedido nº … (…),” cujo teor transcreve parcialmente, e cujo “(…) entendimento é igualmente subscrito pela própria Direção Geral do Património Cultural (…)” (negrito da Requerida).
Da indissociabilidade da isenção sub judice ao conceito fiscal de prédio
3.17. Adicionalmente, a Requerida na sua extensa Resposta refere ainda que, segundo entende, “(…) um conjunto nunca poderá ser UM prédio, mas sim uma PLURALIDADE de prédios”, “porque (…) uma PLURALIDADE de prédios que é (…) um conjunto, não é UM prédio no sentido fiscal” (maiúsculas, negrito e sublinhado da Requerida).
3.18. Ora, para a Requerida, sendo “do artigo 2º do CIMI que se colhe o sentido que o conceito de prédio tem em direito fiscal (…)”, entende que “(…) a isenção patente no artigo 44º (…) do EBF, porque só pode ser dirigida a prédios fiscais (…), exige a classificação individual dos prédios, independentemente da Categoria patrimonial em que os mesmos se inserem (…)”, concluindo ser “esta (…) a única interpretação plausível e que está em sintonia com a unidade do sistema jurídico” (negrito e sublinhado da Requerida).
3.19. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) à luz de tudo quanto se expôs, forçoso é concluir que as liquidações ora colocadas em crise encontram suporte factual e legal, devendo por isso permanecer na ordem jurídica”.
Quanto à prova subministrada pela Requerente
3.20. No que diz respeito à prova documental apresentada pela Requerente, a Requerida impugna na sua Resposta o documento nº 3 anexado com o pedido arbitral “(…) não porque o mesmo seja falso, mas sim porque o mesmo enferma e veicula um grave ERRO”, anexando com a Resposta documento emitido por uma Direção-Geral, no sentido de afastar as dúvidas causadas pelo documento anexado pela Requerente (maiúsculas, negrito e sublinhado da Requerida).
Quanto à jurisprudência invocada
3.21. No que diz respeito à jurisprudência invocada pela Requerente, desvaloriza a Requerida a mesma, nomeadamente a arbitral, referindo que “(…) as invocadas (…) não tiveram o elenco de questões suscitadas pela Requerida ao longo do (…) articulado, nem os documentos ora anexos, uns e outros que necessariamente deverão ser alvo de pronúncia” concluindo, uma vez mais, que “(…) as decisões ora colocadas em crise encontram suporte factual e legal, devendo por isso permanecer na ordem jurídica”.
Da interpretação desconforme à Constituição
3.22. Por último, alega a Requerida na sua Resposta que “(…) a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição da República Portuguesa (…), na medida em que viola os constitucionais princípios: (i) da igualdade tributária, (iii) da justiça fiscal, (iii) da capacidade contributiva, (iv) da autonomia local e (v) da participação na decisão” apresentando argumentação quanto à defesa dos mesmos (negrito da Requerida).
4. QUESTÕES PRÉVIAS
Excepção da Incompetência Material do Tribunal Arbitral
4.1. A Requerida, na Resposta apresentada, veio suscitar a “(…) incompetência parcial do Tribunal Arbitral Singular para apreciar os indeferimentos em torno dos pedidos de Revisão Oficiosa de Atro Tributário (…)”, porquanto entende que “(…) a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei”.
4.2. Neste âmbito, refere a Requerida que “(…) o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto, ainda que de forma mediata, liquidações de IMI” “(…) que foram alvo de pedido de Revisão Oficiosa de Ato Tributário” e, nessa medida, entende a Requerida que “(…) as liquidações alvo de pedido de Revisão Oficiosa não podem ser apreciadas por parte do Tribunal Arbitral (…)” dado que “(…) a Portaria 112-A/2011, de 22 de março, exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da Requerida à jurisdição arbitral (…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigo 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem que aí seja mencionado o mecanismo de Revisão Oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (…)”.
4.3. Assim, expande a Requerida a sua argumentação no sentido de concluir que “a incompetência material do Tribunal Arbitral (…) para a apreciação das liquidações de IMI inerentes aos pedidos de Revisão Oficiosa de Ato Tributário consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa (…)”.
4.4. A Requerente, devidamente notificada para se pronunciar sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida, veio referir que “(…) é manifesta a equiparação dos pedido de revisão do ato tributário, nomeadamente, à reclamação graciosa sobre os atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta”, referindo neste sentido que “existe (…) jurisprudência do STA que vai no sentido de considerar que o pedido de revisão de ato tributário é um mecanismos de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa”.[5]
4.5. E reitera a Requerente que “(…) excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efetivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art.º 20.º da CRP”.
4.6. Por outro lado, alega a Requerente que “como sustenta (…) JORGE LOPES DE SOUSA, a referência expressa ao prévio recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.° a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso e obrigatório através de reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos (…) do CPPT, para cujos termos se remete”.[6]
4.7. Expandida a argumentação pela Requerente, com referência a diversas decisões arbitrais no mesmo sentido, conclui que “(…) não deve proceder a exceção de incompetência absoluta por violação das regras de competência material, alegada pela Requerida (…)”, entendendo que o Tribunal deve “(…) declarar-se competente para julgar as questões suscitadas na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela requerente (…)”.
4.8. Nestes termos, face ao acima exposto, no que diz respeito à posição assumida por cada uma das Partes, em matéria da excepção suscitada pela Requerida, cumpre aqui analisar o enquadramento legal das competências dos Tribunais Arbitrais.
4.9. Em termos gerais, a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2º, nº 1, do RJAT sendo que, nos termos desta norma, a competência dos Tribunais Arbitrais compreende “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, bem como “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (sublinhado nosso).
4.10. Para além da apreciação directa da legalidade do tipo de actos descritos no ponto anterior, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as competências para apreciar actos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daquela natureza, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, conforme se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10º, nº 1, alínea a), do RJAT ao nº 2 do artigo 102º do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT), que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas e à decisão do recurso hierárquico.
4.11. Por outro lado, tem também sido entendido, em sintonia com jurisprudência do STA que, na sequência da declaração de ilegalidade de actos de liquidação, proferida em processo de impugnação judicial, podem ser proferidas decisões de condenação no pagamento de juros indemnizatórios bem como, por força do artigo 171.º, n.º 1, do CPPT, de condenação no pagamento de indemnizações por garantia indevida.
4.12. Ora, para além das situações acima elencadas, tem sido entendido que não há qualquer suporte legal para permitir que sejam proferidas, pelos tribunais arbitrais, condenações de outra natureza, mesmo que sejam consequência da declaração de ilegalidade de actos de liquidação.
4.13. No que diz respeito ao caso em análise, na sequência da excepção suscitada pela Requerida, quanto à alegada incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação na sequência de pedidos de revisão oficiosa, será necessário aferir, em maior detalhe, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, acima genericamente já elencada.
4.14. Assim, e em primeiro lugar, esta competência encontra-se limitada às matérias indicadas no artigo 2º, nº 1, do RJAT e, numa segunda linha, a referida competência (dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD) está também limitada pelos termos em que Administração Tributária se encontra vinculada àquela jurisdição, de acordo com o disposto na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.15. Com efeito, o artigo 4º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, (…)”.
4.16. Assim, em face desta segunda limitação da competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende, essencialmente, dos termos desta vinculação porquanto, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável no já referido artigo 2º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação acima identificada, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
4.17. Ora, de acordo com o disposto na alínea a), do artigo 2º da Portaria acima referida, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, pelo que esta referência expressa ao precedente “recurso à via administrativa” deverá ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa (que é o meio administrativo indicado nos artigo 131º a 133º do CPPT), para que cujos termos se remete.
4.18. No caso concreto, sendo tendo sido pedida a declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativo às liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) dos anos 2012, 2013 e 2014 importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT), se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT.
4.19. Na verdade, neste artigo 2º do RJAT não é efectuada qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, quando se refere a “pedidos de revisão de actos tributários” e “actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação”.
4.20. Contudo, a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a), do nº 1 do artigo 2º do RJAT não restringe (numa mera interpretação declarativa), o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto daquela natureza.
4.21. Com efeito, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
4.22. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.
4.23. Ora, relativamente aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta é imposta, como regra, a reclamação graciosa (conforme previsto nos artigos 131º a 133º do CPPT) pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade daqueles actos, o qual se o confirma tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de primeiro grau.[7]
4.24. Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.
4.25. Assim, a referência expressa ao artigo 131º do CPPT que se faz no artigo 2º da Portaria acima referida não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de liquidação.[8]
4.26. Nestes termos, é manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, nos casos elencados (ou seja, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta) tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
4.27. Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no nº 3, do artigo 131º do CPPT, ao estabelecer que “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º”.
4.28. Ora, no caso em análise, sendo os actos tributários subjacentes ao pedido as liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013 e 2014, efectuadas pela própria Requerida, esta teve conhecimento das regras que aplicou, sendo por isso desnecessária uma pronúncia prévia (via reclamação graciosa) sobre a legalidade da situação jurídica criada com os referidos actos de liquidação em causa.
4.29. E tendo sido formulado um pedido de revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI (no caso relativos aos anos de 2012 a 2014), foi proporcionada à Administração Tributária (com este pedido), uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional pelo que, em coerência, não pode aqui ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa, no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de uma reclamação graciosa.
4.30. Assim, sendo inequívoco que a lei expressamente faculta aos contribuintes a possibilidade de optarem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de liquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que um contribuinte não possa aceder à via arbitral quando tenha optado, no caso de um acto de liquidação de imposto, pela apresentação de pedido de revisão do acto tributário em vez de apresentar uma reclamação graciosa.
4.31. Aliás, é de notar que a interpretação acima produzida, não se cingindo ao teor literal, até se justifica especialmente no caso do disposto na alínea a), do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições porquanto, uma coisa é associar a fórmula abrangente “recurso à via administrativa” (que abrange, para além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à “expressão nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa, outra será utilizar a expressão “precedidos” de recurso à via administrativa, reportando-se às “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos” que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a palavra “precedidas”.
4.32. Nestes termos, assegurando com a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa (que se pretende alcançar com a impugnação) a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de “reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (manifestado no nº 2 do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril), é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão sem necessidade de apresentação prévia de reclamação graciosa.
4.33. E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9º, nº 3 do Código Civil).
4.34. Assim, será de concluir que o artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/2011 (devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9º do Código Civil) e sendo aplicáveis as normas tributárias substantivas a adjectivas (por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da LGT), viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de liquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa improcedendo, em consequência, a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, suscitada pela Requerida.
5. SANEADOR
5.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[9]
5.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
5.3. A cumulação de pedidos aqui efectuada pela Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
5.4. O Tribunal é, como vimos no Capítulo 4. desta Decisão, competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.[10]
5.5. Para além da excepção suscitada pela Requerida e já analisada no Capítulo 4. desta Decisão, não existem outras excepções de que cumpra conhecer.
5.6. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
6. MATÉRIA DE FACTO
Dos factos provados
6.1. Consideram-se como provados os seguintes factos:
6.1.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano em propriedade total sito na Rua…, nº…, …, nºs … a … e Rua …, nºs … a …, da União de Freguesias de …, …, …, … e … (extinta Freguesia …), Concelho do Porto, Distrito do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº … e inscrito sob o artigo matricial nº … (extinto …).
6.1.2. O “Centro Histórico do Porto” está classificado, desde 1996, como Património Mundial da UNESCO [tendo sido integrado na respectiva Lista indicativa, com fundamento “(…) no valor universal excepcional do tecido urbano do seu centro histórico (…)”], conforme declarado pelo Aviso nº 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Julho de 2010.
6.1.3. O imóvel acima identificado no ponto 6.1.1. faz parte integrante do conjunto denominado “Centro Histórico do Porto” e está classificado como Monumento Nacional (por estar inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO), de acordo com o disposto nos nºs 3 e 7 do artigo 15º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro.
6.1.4. A Requerente foi notificada das seguintes notas de cobrança de IMI, relativas às liquidação de imposto respeitantes ao imóvel descrito no ponto 6.1.1., supra, referentes aos anos de 2012 a 2014, datadas de 16 de Março de 2013, de 9 de Março e de 26 de Abril de 2014 e de 28 de Fevereiro de 2015, respectivamente:
ANO
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DOCUMENTO
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MONTANTE
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DATA LIMITE PAGAMENTO
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DATA PAGAMENTO
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2012
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2012 …
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761,46
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Abril/2013
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26/04/2013
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2012 …
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761,46
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Julho/2013
|
10/07/2013
|
2012 …
|
761,45
|
Novembro/2013
|
10/10/2013
|
2013
|
2013 …
|
685,31
|
Abril/2014
|
10/04/2014
|
2013 …
|
685,31
|
Agosto/2014
|
18/07/2014
|
2013 …
|
708,10
|
Novembro/2014
|
27/10/2014
|
2014
|
2014 …
|
740,09
|
Abril/2015
|
15/04/2015
|
2014…
|
740,09
|
Julho/2015
|
10/07/2015
|
2014 …
|
740,09
|
Novembro/2015
|
22/10/2015
|
TOTAL
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6.583,36[11]
|
|
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6.1.5. A Requerente apresentou, em 18 de Março de 2016, pedido de Revisão Oficiosa de Acto Tributário (nº…2016…, …2016… e …2017…) relativo às liquidações de IMI dos anos de 2012 a 2014.
6.1.6. A Requerente foi notificada do Ofício nº 2017…, de 1 de Março de 2017, relativo ao projecto de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa identificado no ponto anterior e para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de participação na decisão (audição prévia).
6.1.7. A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, reiterando a argumentação apresentada no pedido de Revisão Oficiosa dos actos de liquidação de IMI identificados.
6.1.8. A Requerente foi notificada do Ofício nº 2017…, de 5 de Abril de 2017, respeitante ao despacho de indeferimento do referido pedido de Revisão Oficiosa dos actos de liquidação de IMI dos anos 2012, 2013 e 2014.
6.2. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
Motivação quanto à matéria de facto
6.3. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos, por ambas as Partes, aos autos.
Dos factos não provados
6.4. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
7. FUNDAMENTOS DE DIREITO
7.1. Nos autos, a questão principal que se coloca reconduz-se a saber se os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados como Património Mundial da UNESCO (como é o caso do Centro Histórico do Porto), beneficiam de isenção de IMI, ao abrigo do disposto no artigo 44º, nº 1, alínea n) do EBF.
7.2. A este propósito, entende a Requerente, em síntese, que “de acordo com o disposto na alínea n) do n.º 1 do art. 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ficam isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados de interesse público ou de interesse municipal (…)”, sendo que “(…) no caso concreto do imóvel em apreço, o mesmo está classificado como monumento nacional (…) por estar inscrito na lista do Património Mundial da Unesco (…) como Centro Histórico do Porto (Zona Especial de Protecção)” e “(…) ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º15.°, todos os bens culturais imóveis incluídos na lista de património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista de bens classificados como de interesse nacional”.
7.3. Adicionalmente, entende a Requerente que “(…) estando em causa imóveis da Zona Histórica do Porto, os mesmos estão isentos de IMI, uma vez que o Centro Histórico do Porto foi classificado como monumento nacional”, e “por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre prédio classificado como monumento nacional e prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal, só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já dos prédios de interesse nacional”.
7.4. Entende a Requerente que “a Zona Histórica do Porto deve ser vista como um conjunto, uma vez que a lei visou a protecção de todos os imóveis, nela inseridos, como um todo e por conseguinte não faz sentido qualquer classificação individual dos imóveis integrados na referida Zona Histórica”, concluindo que “(…) a intenção do legislador foi a de dispensar a classificação individualizada para efeitos de IMI aos monumentos nacionais (…)”.
7.5. Por outro lado, a Requerida assim não entende tendo, em síntese, alegado que “ao inscrever um bem cultural na Lista do Património Mundial, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem” mas “(…) está assim a reconhecer que aquele bem cultural também constitui um património universal para a protecção do qual a comunidade internacional no seu todo tem o dever de cooperar (…)”, referindo que “a classificação de um bem cultural depende SEMPRE de um prévio procedimento administrativo de Classificação”, pelo que “(…) ao inscrever o Centro Histórico do Porto na Lista do Património Mundial, o Comité do Património Cultural da UNESCO JAMAIS procedeu a qualquer prévio procedimento administrativo de classificação (…)” (maiúsculas da Requerida).
7.6. Reitera a Requerida que “a classificação de que goza o Centro Histórico do Porto resulta necessariamente da articulação de três diplomas legais, o Aviso nº 15.173/2010, de 30 de julho (…), a LBPC e o Decreto-Lei nº 309/2009, de 23 de outubro”, sendo que entende que “(…) o denominado Centro Histórico do Porto (1º) Pertence à categoria de Conjunto (…), (2º) Está incluído na lista de bens classificados como de Interesse Nacional (…) e (3º) É designado por Monumento Nacional (…) sendo certo que (…)” esta designação “não se confunde nem equivale ao conceito de classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 de 1932”.
7.7. Assim, entende a Requerida que “(…) forçoso é concluir que a argumentação da Requerente assenta num errado pressuposto e faz a uma errada interpretação da LBPC e (…) do artigo 44º, l - n) do EBF” porquanto “(…) para poderem usufruir de isenção de IMI o EBF exige a classificação individual de cada um dos prédios que integram aquele Conjunto”, sendo que para a Requerida “um conjunto nunca poderá ser UM prédio , mas sim uma PLURALIDADE de prédios” e “uma PLURALIDADE de prédios que é (…) um conjunto, não é UM prédio no sentido fiscal” (negrito sublinhado e maiúsculas da Requerida).
7.8. Nestes termos, entende a Requerida que “é abusiva a interpretação de que TODOS os prédios inseridos no interior do Conjunto se encontra, apenas por esse facto, classificados e, como tal, isentos de IMI” (negrito e maiúsculas da Requerida).
7.9. Nestes termos, face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, será necessário verificar qual é das duas interpretações deverá ser efectuada ao artigo 44º, nº 1, alínea n) do EBF.
Enquadramento geral em sede de IMI
7.10. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 1º do Código do IMI, na actual redação, “o imposto municipal sobre imóveis (…) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizam” sendo que, de acordo com o previsto no nº 1 do artigo 7º “valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código”.
7.11. No que diz respeito à noção de prédio, dispõe o artigo 2º do Código do IMI que:
“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
7.12. No que diz respeito aos sujeitos passivos de imposto, prevê o artigo 8º, nº 1 do Código do IMI que “o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar”, presumindo-se como “proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n.º 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio” (nº 4 do mesmo artigo).
7.13. No que aqui nos interessa, prevê o artigo 9º, nº 1, alínea a) do Código do IMI que “o imposto é devido a partir (…) do ano, inclusive, em que a fracção do território e demais elementos referidos no artigo 2.º devam ser classificados como prédio (…)”.
7.14. No que diz respeito à competência e prazo para a liquidação do imposto, dispõe o artigo 119º do Código do IMI que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”, sendo que “a liquidação (…) é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte” e deverá o imposto ser pago dentro do prazos previstos no artigo 120º do Código do IMI.
Do regime dos benefícios fiscais em geral
7.15. O sistema fiscal português dispõe de um conjunto de benefícios fiscais, com vista a promover ou incentivar determinadas operações, setores económicos, actividades, regiões ou agentes económicos, desempenhando, por isso, um papel relevante no desenvolvimento do nosso país, sendo que algumas dessas alternativas constam do EBF, publicado pelo Decreto-Lei nº 215/89 de 1 de Julho, diploma que já sofreu diversas actualizações.
7.16. Assim, no que diz respeito ao regime dos benefícios fiscais propriamente ditos, há desde logo que ter em consideração a definição de benefício fiscal (o qual se traduz num incentivo de natureza económica, social ou cultural), representando todas as vantagens atribuídas aos sujeitos passivos, tendo em vista a realização de um determinado comportamento.
7.17. Com efeito, a concessão de um benefício fiscal opõe-se à aplicação do sistema normativo, porquanto se traduz num facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária.
7.18. Por se poder tratar de um incentivo económico, social ou cultural, prosseguindo finalidades diversas das que presidem ao sistema de tributação regra, devem os benefícios fiscais caracterizar-se pela sua natureza excepcional e pelo fundamento extrafiscal:
7.18.1. Pela sua natureza excepcional, porque obstam à tributação normal;
7.18.2. Pelo fundamento extrafiscal, na medida em que, a existir um fundamento fiscal, ele deveria ser incorporado no próprio sistema de tributação regra.
7.19. Constituindo o acto de tributar um acto de interesse público haverá que reconhecer que a criação de um benefício fiscal irá alterar o equilíbrio na distribuição da carga fiscal ao tratar de modo desigual os cidadãos, à luz do critério da capacidade contributiva, inviabilizando a aplicação do princípio da igualdade.[12] [13]
7.20. Nestes termos, poder afirmar-se que os benefícios fiscais encerram três requisitos:[14]
a) Desde logo, constituem uma derrogação às regras gerais de tributação;
b) Em segundo lugar, prosseguem um objectivo social e económico relevante que determina a derrogação da regra geral referida no ponto anterior;
c) E, por último, atribuem, em consequência, uma vantagem aos contribuintes que deles beneficiam.
7.21. Ora, de acordo com o disposto no artigo 2º do EBF, “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, sendo consideradas como benefícios fiscais, nomeadamente, “(…) as reduções de taxas (…)” (sublinhado nosso).
7.22. Neste sentido, o artigo 2º, nº1 do EBF considera o conceito de benefício fiscal como sendo um facto impeditivo da constituição da relação tributária, pelo que as normas que presidem à sua criação, e que legitimam a sua concessão, são:
7.22.1. Juridicamente especiais e,
7.22.2. Factualmente excepcionais, porquanto encontram-se fundamentadas em interesses públicos, extrafiscais, mas constitucionalmente relevantes.
7.23. Assim, a quebra do núcleo essencial da tributação passa, primordialmente, por uma derrogação ao princípio da capacidade contributiva ([15]) porquanto, de acordo com este princípio, a tributação seria praticada de acordo com a situação subjectiva da cada contribuinte, ou seja, o imposto justo é aquele que garante a igualdade material na repartição dos encargos tributários.
7.24. No entanto, a capacidade contributiva reporta-se ao critério da repartição das receitas destinadas ao financiamento das despesas públicas directas (e não àquelas destinadas à prossecução de fins sociais extrafiscais concretos), o que significará que a repartição das receitas não seria possível se não fosse a possibilidade de modelação do conteúdo do princípio da capacidade contributiva.
7.25. A capacidade contributiva, tal como foi definida, reclama não só a personalização da tributação mas também que o legislador dirija o imposto às três manifestações de riqueza relevantes que indiciem a capacidade económica do contribuinte e que constituem a base tributável, ou seja, a riqueza que angaria (o rendimento), a riqueza que possui (o património) e a riqueza que despende (o consumo).[16]
7.26. Embora o princípio da capacidade contributiva não consuma o princípio da igualdade fiscal, ele constitui, todavia, umas das suas expressões ou manifestações mais fortes, bem como a de um elemento conformador da ideia de Estado de Direito Material.
7.27. Nestes termos, o princípio da capacidade contributiva compreende duas dimensões, que são a de pressuposto e a de limite da tributação: como pressuposto ou fonte da tributação, o princípio da capacidade contributiva baseia-se na força económica do contribuinte expressa na titularidade ou utilização da riqueza; já como limite ou medida valor do imposto, veda que o legislador adopte elementos de ordenação incidentes sobre os elementos constitutivos do imposto, contrários às exigências de justiça fiscal enunciadas pelo mesmo princípio.[17]
7.28. Por outro lado, os benefícios fiscais podem ser distinguidos como benefícios condicionados, benefícios temporários e benefícios permanentes.
7.29. Os benefícios fiscais condicionados são aqueles cuja eficácia fica dependente da verificação de certos pressupostos acessórios secundários (que são a sua “conditio juris”), distinguindo-se deste modo, dos benefícios ditos puros cuja eficácia não está dependente da verificação de nenhum pressuposto acessório.[18]
7.30. Nos benefícios condicionados, a condição pode revestir uma de duas formas, ou suspensiva ou resolutiva:
7.30.1. A condição diz-se suspensiva quando o benefício é concedido depois de verificados determinados pressupostos acessórios e,
7.30.2. Considera-se resolutiva quando o benefício é concedido mas a sua eficácia fica dependente da verificação dos pressupostos do benefício, cuja não verificação determina a caducidade do mesmo.
7.31. Relativamente aos benefícios temporários, como o nome indica, são concedidos por um período limitado fixado na lei, por contraposição aos benefícios permanentes concedidos para o futuro sem pré determinação da respectiva duração.[19] [20]
7.32. Sendo os benefícios temporários criados com o objectivo de produzirem certos resultados de interesse público relevante, os benefícios de carácter permanente, dada a sua longa duração, têm por inconveniente, a possibilidade de ultrapassado o interesse público prosseguido com a sua concessão, se virem a transformar em favores ou privilégios fiscais.
7.33. Ainda neste âmbito, importa também proceder à distinção pela qual os benefícios fiscais podem ser considerados estáticos ou dinâmicos:
7.33.1. Os primeiros são norteados para situações que já se verificaram (ou que ainda não se verificando totalmente), não visando (pelo menos de um modo directo), incentivar ou estimular, mas tão só beneficiar (por razões de ordem superior e de natureza de política geral de defesa, económica, religiosa, social, cultural, etc);
7.33.2. Pelo contrário, os incentivos dinâmicos visam incentivar ou estimular determinadas actividades, procedendo ao estabelecimento de uma relação entre as vantagens atribuídas e as actividades estimuladas em termos de causa-efeito.
7.34. Assim, enquanto nos benefícios fiscais estáticos a causa do benefício é a situação ou actividade em si mesma, nos benefícios fiscais dinâmicos a causa prende-se com a adopção futura do comportamento beneficiado ou exercício futuro da actividade que se pretende fomentar.
7.35. Conforme estabelece o artigo 12º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento (…)” (sublinhado nosso).
7.36. Depreende-se, desta transcrição, que, por via de regra, o direito aos benefícios fiscais se constitui com a verificação dos respectivos pressupostos.
7.37. Contudo, tal como a obrigação tributária não se vence no exacto momento em que se verifica, é compreensível que se um benefício fiscal não for devida e atempadamente requerido, não produza os seus efeitos no exacto momento da verificação dos factos.[21]
7.38. Nesta matéria, de acordo com o disposto no artigo 5º do EBF, os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo que “os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento” (sublinhado nosso).
7.39. Na verdade, no que diz respeito à concessão dos benefícios fiscais, a lei distingue dois tipos de reconhecimento:
7.39.1. Nos benefícios fiscais automáticos, o reconhecimento resulta directa e imediatamente da lei, operando pela simples verificação dos respectivos pressupostos de facto, não carecendo de qualquer acto da administração tributária;
7.39.2. Nos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este pode ser efectuado por acto administrativo (caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento unilateral) ou através de contrato (caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento bilateral).
7.40. Para efeitos do acima descrito, dispõe o artigo 65º do CPPT que “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei” (sublinhado nosso).
7.41. De acordo com o disposto no artigo 7º do EBF, “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira (…) para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (sublinhado nosso).[22]
7.42. Quanto à forma de extinção dos benefícios fiscais, em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 14º do EBF, a mesma pode ser provocada pela caducidade, pela alienação de bens para fins diferentes daqueles para que foi concedido o benefício, pela revogação do acto administrativo de concessão e pela renúncia aos benefícios, sendo que “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação regra” (sublinhado nosso).[23]
7.43. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 15º do EBF, “o direito aos benefícios fiscais (…) é intransmissível inter vivos, sendo, porém, transmissível mortis causa se se verificarem no transmissário os pressupostos do benefício, salvo se este for de natureza estritamente pessoal”, sendo que esta regra da intransmissibilidade comporta duas excepções, previstas no artigo 15º, nº 2 e nº 3 do EBF, a primeira de aplicação automática e a segunda dependente de autorização do Ministro das Finanças (sublinhado nosso).[24]
7.44. De acordo com o previsto no artigo 14º do EBF, conforme acima já referido, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra”.
7.45. Nestes termos, e tendo em consideração o regime geral dos Benefícios Fiscais acima apresentado concluiremos, após efectuarmos o enquadramento do caso em análise, se assiste ou não razão à Requerida quando, na Resposta, refere que “(…) a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição da República Portuguesa (…), na medida em que viola os constitucionais princípios Li) da igualdade tributária, (ii) da justiça fiscal, (iii) da capacidade contributiva, (iv) e (v) da participação na decisão”.
Do enquadramento do caso em análise
7.46. Neste âmbito, e para efeitos desta análise, de modo a aferir a qual das Partes assiste razão na interpretação que deverá ser efectuada quanto ao disposto no artigo 44º, nº 1, alínea n) do EBF, aqui seguiremos, de muito perto, a posição defendida no Acórdão do TCAN de 7 de Dezembro de 2016 (processo nº 00134/14.4BEPRT), porque concorda este Tribunal com a posição adoptada no referido Acórdão, ainda que a Requerida tenha vindo referir, nas suas alegações, que foi interposto recurso de revista daquela decisão.[25]
7.47. Mas, neste âmbito, refira-se também que a mesma posição foi adoptada no Acórdão do TCAN de 01 de Junho de 2017 (processo nº 00693/14.1BEPRT), nos termos do qual se conclui que “os imóveis situados nos Centros Históricos, incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se domo sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de monumentos nacionais” e, nessa medida “estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais (…)”.
7.48. Mas analisemos a questão sub judice desde o início.
7.49. “A Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, que teve lugar em Paris, e foi aprovada pelo Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho, procurou estabelecer quais os bens naturais e culturais que podem vir a ser inscritos na Lista do Património Mundial, fixando os deveres dos Estados-Membros quanto à identificação e protecção desses bens”.
7.50. “Nesta sequência, diversos monumentos, sítios ou conjuntos vieram a obter a classificação de Património Mundial da UNESCO, salientando-se, em particular, os conjuntos classificados, mais concretamente, os Centros Históricos classificados como Património Mundial da UNESCO, in casu, o Centro Histórico do Porto”.
7.51. “Os referidos conjuntos classificados como Património Mundial beneficiaram, durante vários anos, de isenção de IMI, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 15.º, n.º 2, 3 e 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases de Protecção do Património Cultural)”.
7.52. Em termos gerais, e transcrevendo apenas a legislação aplicável ao caso em análise, de acordo com o artigo 44º, nº 1, alínea n) do EBF “estão isentos de imposto municipal sobre imóveis (…) os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”.
7.53. Deste modo, tendo em consideração a previsão da norma em análise, os prédios em causa estão isentos de IMI desde que estejam classificados como monumentos nacionais, nos termos da legislação aplicável.
7.54. Com efeito, defende-se no Acórdão acima identificado que “podemos verificar que este artigo é composto por duas previsões. Em primeiro lugar, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos do mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal” (sublinhado nosso).
7.55. Adicionalmente, nos termos do disposto no nº 2, alínea d) do referido artigo, “as isenções a que se refere o número anterior iniciam-se (…) relativamente às situações previstas na alínea n), no ano, inclusive, em que ocorra a classificação”, sendo que de acordo com o disposto no nº 5 do referido artigo 44º do EBF “a isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos” (sublinhado nosso).
7.56. Por último, de acordo com o nº 6 do mesmo artigo do EBF, “para os efeitos previstos no número anterior, os serviços do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., e as câmaras municipais procedem à referida comunicação, relativamente aos imóveis já classificados à data da entrada em vigor da presente lei: a) Oficiosamente, no prazo de 60 dias, ou b) A requerimento dos proprietários dos imóveis, no prazo de 30 dias a contar da data de entrada do requerimento nos respectivos serviços”.
7.57. “Por sua vez, o artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, consagra” que “1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII. 2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal. 3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional». 4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação. (...) 7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional” (sublinhado nosso).
7.58. Ora, “da articulação destes preceitos resulta que os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de monumentos nacionais e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, formulação “(…) reiterada no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, referindo o seu artigo 3.º, n.º 1 que um bem imóvel pode ser qualificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, e acrescentando o n.º 3 que a designação monumento nacional é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios" (sublinhado nosso).
7.59. Contudo, “(…) com a entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2007, que introduziu alterações à norma do Estatuto dos Benefícios Fiscais aqui em análise, foi introduzido um novo elemento literal no texto do artigo 44.º, n.º 1, alínea n) (...) – a classificação individual do prédio”.
7.60. Com base neste novo elemento, a Requerida entende que “é abusiva a interpretação de que TODOS os prédios inseridos no Interior do Conjunto se encontram, apenas por esse facto, classificados e, como tal, isentos de IMI”, referindo que “(…) para poderem usufruir de isenção de IMI o EBF exige a classificação individual de cada um dos prédios que integram aquele Conjunto” (negrito e maiúsculas da Requerida).
7.61. No caso, o imóvel identificado, como documentado, faz “(…) parte da Zona Histórica do Porto, que foi inscrita na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso n.º 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do n.º 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro”.
7.62. E, recorde-se que “o artigo 15.º, n.º 7, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, refere expressamente que os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, os bens qualificados como de interesse nacional”.
7.63. Neste âmbito, reitera o Acórdão do TCAN 00134/14.4BEPRT que “é esse o caso da Zona Histórica do Porto, tendo sido alterada a sua classificação como imóveis de interesse público, que constava originariamente do Decreto n.º 67/97, de 31 de Dezembro” pelo que “hoje, em face da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (…)” um prédio aí inserido é “(…) de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo, consequentemente (…)” classificado como monumento nacional.
7.64. “Efectivamente, e conforme consta do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, um bem classificado como de interesse nacional é designado como monumento nacional, independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação”.
7.65. “O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio” e, “por esse motivo se compreende que o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre prédio classificado como monumento nacional e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal, só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional”.[26]
7.66. “Nesta senda, mais se acrescentou que o artigo em causa – o artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais – alude a duas realidades distintas: por um lado, estabelece que estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais (nada mais sendo exigido a este respeito); por outro, contempla semelhante isenção para os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal”.
7.67. Ora, salvo melhor opinião, no que diz respeito aos monumentos nacionais, “(…) a lei não impõe uma classificação individualizada (…)” tendo em consideração “(…) o facto de o legislador não ter efectuado tal exigência, ao contrário do que se verificou, por exemplo, em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), em que a alínea g), do artigo 6.º, do Código do IMT foi alterada, tendo deixado de abranger as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro para passar apenas a contemplar as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”.
7.68. “Sucede, porém, que o legislador não alterou simultaneamente os benefícios fiscais em sede de IMI no mesmo sentido, apesar de ter procedido à modificação da redacção do próprio artigo 44.º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo exigência semelhante para os monumentos nacionais”.
7.69. Com efeito, neste âmbito, “antes pelo contrário, a norma do n.º 5 do artigo 44.º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que a isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)” (sublinhado nosso).
7.70. Assim, “resulta, pois, em termos muitos claros que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal”.
7.71. Ora, estando em causa prédio integrado na Zona Histórica do Porto, legalmente qualificada como monumento nacional, é forçoso concluir que:
7.71.1. “Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.
7.71.2. “Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de monumentos nacionais – cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro”.
7.71.3. “Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis”.
7.72. Também o Acórdão do TCAN de 1 de Junho de 2017 (processo nº 00693/14.1BEPRT), acima já referido, que analisou recurso interposto de sentença proferida pelo TAF do Porto (na qual se julgou procedente impugnação interposta no sentido de anular liquidações de IMI dos anos de 2009 a 2012, que recaíram sobre prédio inserido no Centro Histórico do Porto, por entender que “está classificado como Monumento Nacional, não persistindo qualquer dúvida quanto ao enquadramento deste no disposto na alínea n) do nº 1 do artigo 44º do CIMI”), veio considerar que “a questão que nos é submetida neste recurso foi já objecto de vários arestos deste TCA onde se decidiu pela improcedência dos argumentos apresentados pela AT em termos que integralmente sufragamos, pelo que, com a devida vénia, recolhemos o essencial da argumentação exposta no acórdão deste TCA nº 00134/14.4 BEPRT de 07-12-2016” (sublinhado nosso).
7.73. E prossegue o Acórdão, referindo que “não se descortinando quaisquer razões ou argumentos que justifiquem decisão divergente”, “(…) parece-nos claro que a alínea n do artigo 44º do EBF prevê duas realidade elegíveis para isenção de IMI: (i) os prédios classificados como monumentos nacionais e os (ii) prédios individualmente classificados como de interesse público ou interesse municipal”, sendo que “só estes últimos requerem a classificação para beneficiarem da isenção. Para os outros basta a comunicação da classificação como monumentos nacionais (…) para que os imóveis nele integrados assumam esta classificação”.
7.74. Assim, face às conclusões apresentadas no ponto 7.71., supra, entende este Tribunal Arbitral que as liquidações objecto do pedido são ilegais, por vício de violação de lei.[27]
7.75. No caso, acrescente-se que, face às características apontadas aos Benefícios Fiscais (ponto 7.23. a 7.27. e 7.44.e 7.45., supra), não assiste razão à Requerida quando invoca que “(…) a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição da República Portuguesa (…), na medida em que viola os constitucionais princípios (i) da igualdade tributária, (ii) da justiça fiscal, (iii) da capacidade contributiva, (iv) e (v) da participação na decisão”, não se vislumbrando qualquer inconstitucionalidade decorrente da aplicação do artigo 44º, nº 1, alínea n) ao caso em análise (sublinhado nosso).
7.76. Nestes termos, e face a tudo o acima exposto, também o despacho de indeferimento do pedido de revisão dos actos de liquidação de IMI dos anos 2012, 2013 e 2014, deve ser anulado porquanto, contrariamente ao alegado na Informação que o suporta (e com a qual refere que concorda), verifica-se que houve erro imputável aos serviços quando efectuaram as liquidações de IMI referentes aos anos 2012, 2013 e 2014, devendo tais actos ser anulados, com as devidas consequências legais (para além da anulação do referido despacho de indeferimento).
7.77. Na verdade, quanto ao “erro imputável aos serviços constante do art. 78º, nº 1 in fine da LGT (…)”, têm sido entendido pela jurisprudência do STA, nomeadamente, no Acórdão nº 01009/10, de 22/03/2011 que aquele “(…) compreende o erro de direito cometido pelos mesmos que não apenas o simples lapso, erro material ou de facto, como aliás esclarece o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro”.[28]
7.78. E, conforme se refere no Acórdão do STA de 12/12/2001 (rec. 26.233), citado no Acórdão identificado no ponto anterior, “havendo erro de direito na liquidação (…) e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro (…)”, sendo “(…) esta imputabilidade aos serviços (…) independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro já que a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” (sublinhado nosso).[29]
7.79. Por último, refira-se que, face ao acima exposto, e tendo em consideração que “o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições”, entende este Tribunal Arbitral que, com as conclusões expressas nos pontos 7.71., 7.74. e 7.76, fica prejudicada a análise dos restantes argumentos apresentados pela Requerida.[30]
Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios
7.80. No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.
7.81. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
7.82. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[31] [32]
7.83. Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ainda que não sejam expressamente pedidos.[33]
7.84. Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (erro que, como acima vimos, se verificou – vide ponto 7.76. a 7.78., supra).
7.85. Na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação de IMI relativos aos anos 2012, 2013 e 2014 (vide ponto 7.74., supra), nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso do montante de IMI pago em excesso pela Requerente, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
7.86. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia paga em excesso, no âmbito das liquidações de IMI respeitantes ao ano de 2012, 2013 e 2014, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
7.87. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
7.88. Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
7.89. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
7.90. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
8. DECISÃO
8.1. Tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:
8.1.1. Julgar improcedente a excepção suscitada pela Requerida;
8.1.2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, mandando-se revogar a decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa do acto de liquidação de IMI dos anos de 2011, 2012 e 2013 (porque contrária à lei), bem como mandando-se anular as liquidações de IMI subjacentes, por enfermarem de vício de ilegalidade;
8.1.3 Condenar, em consequência, a Requerida no reembolso do IMI indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;
8.1.4. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 299º e 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 6.560,57.
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2017
O Árbitro,
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] Em sede de alegações a Requerida vem também referir que o Acórdão do TCAN (processo n- 1034/14.4BEPRT, de 07 de Dezembro de 2016), invocado pela Requerente, bem como outras jurisprudência, (designadamente arbitral), não são aptos a proceder porquanto, no que diz respeito àquele Acórdão “(…) tal decisão não transitou em julgado, uma vez que a Requerida dele interpôs recurso de revista (...)”, conforme documento que anexa.
[3] Neste âmbito, refere a Requerente que “esta questão - prédios integrados na Zona Histórica do Porto já foi objecto de várias decisões (…)” arbitrais, tendo estas “(…) dado razão à posição da ora Requerente (cfr. Proc. n.°s 325/2014, 76/2015 e 98/2016)”.
[4] LBPC – Lei de Bases para a Protecção e Valorização do Património Cultural (Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro).
[5] Neste sentido, cita Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006 (processo nº 0402/06).
[6] Cfr. Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in “Guia da Arbitragem Tributária”, Almedina, 2013, pág. 132.
[7] A referência que na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT se faz ao nº 2 do artigo 102º do CPPT (em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas), desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem, nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau. Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria nº 112-A/2011, acima já referida, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que tem como alcance restringir a sua vinculação aos casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
[8] Na verdade, uma interpretação exclusivamente baseada no teor literal não pode ser aceite pois, na interpretação das normas fiscais, são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11º, nº 1, da LGT), sendo que o artigo 9º nº 1 do Código Civil, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei”, devendo “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Assim, quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, bastará “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9º, nº 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa. Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer.
[9] Neste âmbito, dado que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (apresentado em 18 de Março de 2016), contra os actos de liquidação respeitante ao IMI dos anos 2012, 2013 e 2014 do prédio identificado nos autos (como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de IMI objecto do pedido), a qual foi notificada à Requerente em 10 de Abril de 2017 [sendo que a referida decisão remete para Informação na qual se procedeu à apreciação da legalidade dos referidos actos de liquidação de IMI], está o pedido abrangido na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º do CPPT.
Tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do CPPT, o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”, bem como o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”, pelo que, tendo em conta a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (3 de Julho de 2017), o referido pedido é tempestivo.
[10] Neste âmbito, refira-se ainda que decorre do disposto no artigo 97º, nº 1, alínea d) e nº 2 do CPPT que são impugnáveis “os actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”, e recorríveis os “os actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”. Com base nesta formulação legal a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) têm entendido que a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (actualmente acção administrativa especial, por força do disposto no artigo 191º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA) depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial (o que sucede de acordo com a nota anterior) e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial (vide neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 14.05.2015 (recurso nº 01958/13), de 02.07.2014 (recurso 1950/13), de 28.05.2014 (recurso 1263/13), de 29.02.2012 (recurso 441/11), de 08.07.2009 (recurso 306/09), de 02.02.2005 (recurso 1171/04), de 16.02.2005 (recurso 960/04) e de 20.05.2003 (recurso 305/03) e ainda “A Lei Geral Tributária Anotada”, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, (4ª edição, pág. 713), e Jorge Lopes de Sousa, no “Código de Procedimento e Processo Tributário”, Áreas Editora (6ª edição, Volume II, pág. 54).
Como salienta Jorge Lopes de Sousa (obra citada, comentário ao artigo 97º do CPPT), no “que concerne aos actos proferidos em processo de revisão oficiosa (…), a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Se no acto praticado em processo desses tipos não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação (…) o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n° 2 deste art. 97°, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação”, concluindo que “(…) a alínea d) do n° 1 e o n° 2 deste art. 97° fazem depender a opção pela impugnação ou pela acção administrativa especial (recurso contencioso) do conteúdo do acto e não de qualquer outro factor” (sublinhado nosso).
[11] Este montante total difere do valor do pedido arbitral (EUR 6.560,57) em EUR 22,79 que corresponde à diferença existente ente o valor da primeira e segunda de IMI relativo ao ano 2013 (EUR 685,31) e o valor da terceira prestação do IMI relativo ao ano 2013 (EUR 708,10). Anda assim, manteremos o valor económico atribuído ao pedido (ou seja EUR 650,57) pois aquela diferença deverá resultar de lapso da Requerente, não afectando a decisão arbitral porque o que está em causa, no pedido arbitral, são as liquidações de IMI dos anos de 2012, 2013 e 2014, e não as notas de cobrança associadas com as referidas liquidações.
[12] De acordo com Costa A., Rainha J. e Pereira M. [in “Benefícios Fiscais em Portugal: Objetivos económico-sociais - sistematização por atividades, legislação”, Coimbra, Livraria Almedina (1977)], os benefícios fiscais são instrumentos de política que visam certos objetivos económicos e sociais, sendo referido que o benefício fiscal existe sempre que uma entidade ou actividade abrangida pela incidência dum imposto fica em situação mais favorável relativamente às que se encontram sujeitas ao regime fiscal geral.
[13] O princípio da capacidade contributiva é caracterizado consensualmente pela doutrina e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional como um princípio estruturante do sistema fiscal que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária e que tem assento implícito na “Constituição Fiscal”, por força da conjugação do disposto nos artigos nº 103° e 104° da CRP.
[14] Neste sentido, Freitas, M. [in “Os incentivos fiscais e o financiamento do investimento privado, influência da fiscalidade na forma de financiamento das empresas”, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, (1980)], reconhece que existem três requisitos nos benefícios fiscais: (i) serem uma derrogação às regras de tributação, (ii) constituírem uma vantagem para os contribuintes e (iii) terem um objetivo económico ou social relevante.
[15] De acordo com Azevedo, R. (in “Estatuto dos Benefícios Fiscais, III Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto), está implícito no conceito de benefício fiscal uma natureza excepcional, sendo que essa excepção constitui, porém, uma vantagem (ou desagravamento) em favor de certa entidade, actividade ou situação.
[16] Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no âmbito do Processo nº 1067/06, de 29 de Dezembro.
[17] Nesta matéria, vide Acórdão referido na nota de rodapé anterior.
[18] Citando Alberto Xavier (in “Direito Fiscal, Manuais da FDL”, Lisboa, 1974), “(…) os benefícios condicionados traduzem-se em subordinar o direito ao benefício a contrapartidas de interesse público na forma de deveres ou ónus impostos aos beneficiários (…)”.
[19] Para Alberto Xavier, in “Direito Fiscal, Manuais da FDL”, Lisboa, 1974, “(…) a outorga de uma isenção temporária gera para o sujeito que dela beneficia uma expectativa de manutenção do benefício ao longo do período a que respeita – a qual deve ser tutelada em nome do princípio da segurança jurídica – mediante o reconhecimento do direito a que esse beneficio não seja suprimido ou suspenso durante o tempo de vigência da isenção (…)”. Assim, ainda segundo o mesmo autor, “(…) trata-se de um caso de necessário reconhecimento de direitos adquiridos, que deve conduzir a que eventuais hipóteses de derrogação das normas em que a isenção foi concedida não envolva a perda dos aludidos direitos, que poderão ser invocados contra o estado enquanto durar o período de vigência inicialmente previsto”.
[20] Neste sentido, como afirma Nuno Sá Gomes (in “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 165, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1991, pág. 145) “os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando são estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração; dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício”.
[21] Com efeito, o processo de reconhecimento dos benefícios fiscais depende da análise conexa e contínua de vários parâmetros, entre eles, o tipo de procedimento envolvido, a averiguação das causas que levaram ao impedimento de reconhecimento do benefício, as vicissitudes resultantes da atribuição do benefício fiscal e a verificação da extinção do direito ao benefício.
[22] Redacção dada pela Lei nº 64/2015, de 1 de Julho (na redacção anterior, a referência para a “Autoridade Tributária e Aduaneira” era efectuada para a “Direcção-Geral dos Impostos”).
[23] Assim, nos termos do disposto no artigo 9º do EBF, “as pessoas titulares do direito aos benefícios fiscais são obrigadas a declarar, no prazo de 30 dias, que cessou a situação de facto ou de direito em que se baseava o benefício, salvo quando essa cessação for de conhecimento oficioso” (sublinhado nosso).
[24] Note-se que, quanto a esta segunda derrogação da regra da intransmissibilidade, esta é meramente aparente, quando não assuma o carácter mortis causa, porque faz depender a transmissibilidade inter vivos da concessão de um novo benefício, mediante um processo de reconhecimento.
[25] Com efeito, a decisão tomada no referido Acórdão é pública e, a não ser que o recurso dela apresentado tenha provimento, é válida.
[26] Neste sentido, refere o Acórdão do TCAN de 7 de Dezembro de 2016 que “encontram-se publicadas três decisões, proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito dos Processos n.º 256/2014-T, n.º 325/2014-T (…) e n.º 76/2015-T” nos termos da quais “ficou expresso que, em face da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, os prédios em questão são de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo, consequentemente, classificados como monumentos nacionais, independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio”.
[27] Neste sentido também diversas Decisões Arbitrais, nomeadamente, as referidas pela Requerente no pedido arbitral e em sede de alegações.
[28] Neste sentido, cfr. Casalta Nabais, “A Revisão dos Actos Tributários”, in “Por um Estado Fiscal Suportável: Estudos de Direito Fiscal”, Volume III, Coimbra, Almedina, 2010, p. 236).
[29] No mesmo sentido, vide os Acórdãos do STA de 06/02/2002 (rec. 26.690), de 05/06/2002 (rec. 392/02), de 12/12/2001 (rec. 26.233), de 16/01/2002 (rec. 26.391), de 30/01/2002 (rec. 26.231), de 20/03/2002 (rec. 26.580) e de 10/07/2002 (rec. 26.668).
[30] Neste sentido, vide Acórdão do STJ nº 05S2137, de 29 de Novembro de 2005, nos termos do qual se cita Alberto dos Reis [in “Código de Processo Civil Anotado, Volume V”, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), página 143], autor que defendia que “há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (sublinhado nosso).
[31] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).
[32] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).
[33] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS nº 05110/11, de 31-01-2012, nos termos do qual “a reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido” (sublinhado nosso).
No mesmo âmbito, cfr. artigo 100º da LGT, artigo 61º, nº 3, do CPPT, o Acórdão do STA de 11/2/2009 (rec.1003/08), o Acórdão do TCAS de 11/7/2006 (proc.1258/06), o Acórdão do TCAS de 23/1/2007 (proc.205/04) e Diogo Leite de Campos e Outros, in “Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada”, Vislis, 3ª Edição, 2003, pág.520.