Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 244/2017-T
Data da decisão: 2017-12-15  IRC  
Valor do pedido: € 675.401,09
Tema: IRC – princípio da especialização dos exercícios - gastos e perdas - descontos antecipados - perdas por imparidade em créditos - artigos 18.º, 23.º, 35.º e 36.º do CIRC.
Versão em PDF

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dr. Pedro Galego, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

            I. RELATÓRIO      

1. No dia 5 de abril de 2017, a sociedade comercial A…, S. A., NIPC…, com sede na Rua…, …, … (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando:

- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, que correu termos pela Direção de Finanças do Porto, apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, referente ao exercício de 2011, e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016…;

- A declaração de ilegalidade e a anulação parcial do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, referente ao exercício de 2011, e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016….

A Requerente juntou 6 (seis) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

É uma empresa que opera, essencialmente, nas indústrias do café e do chá e, nesse âmbito, procede, entre outros, à produção, comercialização, distribuição e venda de produtos relacionados com as referidas indústrias.

No exercício de 2011, era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado pelo RETGS, nos termos do artigo 69.º do Código do IRC.

Na sequência de um procedimento de inspeção externa, ao exercício de 2011, a algumas das sociedades dominadas do grupo no qual a Requerente é a sociedade dominante, foram efetuadas correções aos valores declarados por essas empresas que integram o dito perímetro fiscal, com inerentes reflexos na declaração de rendimentos do grupo, tendo a correção total à matéria tributável ascendido a € 675.401,09.

As referenciadas correções são respeitantes (i) a gastos relativos a descontos antecipados no contexto da celebração de contratos de fornecimento de café que, na opinião da AT, foram indevidamente imputados ao período de tributação de 2011 pelas sociedades dominadas “B…”, “C…”, “D…” e “E…” e (ii) à circunstância de a sociedade dominada “C…” não ter adotado as diligências necessárias para poder ver reconhecida, no entender da AT, a imparidade fiscal relativa a créditos sobre clientes.

Na sequência das aludidas correções, foi emitida a liquidação adicional de IRC do ano de 2011, contra a qual a Requerente deduziu Reclamação Graciosa, por um lado, por considerar que não se está perante verdadeiros descontos antecipados, mas sim contrapartidas financeiras e, por outro lado, quanto às imparidades não aceites pela AT, por entender que demonstrou a realização de diligências para o recebimento do montante em dívida. 

A Requerente entende, ainda, que, no âmbito da adoção do Sistema de Normalização Contabilística e atendendo às características dos contratos de fornecimento de café celebrados com os clientes, a imputação dos gastos com a entrega de contrapartidas financeiras em função da duração do contrato de fornecimento é a única que permite refletir a diminuição dos benefícios económicos associados aos referidos contratos; ou seja, as contrapartidas financeiras devem ser imputadas de acordo com a duração do contrato (i.e. repartidos ao longo de 5 anos), uma vez que essa obrigação persiste durante todo o período de vigência do contrato, entendimento este que está em total sintonia com o regime contabilístico do acréscimo.

A AT indeferiu a mencionada Reclamação Graciosa por entender, partindo da existência de um mero desconto de quantidade, ser de efetuar o diferimento do custo, imputando-se o mesmo de forma sistemática a cada período de vigência do contrato, tendo por base as quantidades de café fornecidas; ademais, no respeitante às perdas por imparidade fiscalmente não aceites, a AT concluiu que o Acordo de Pagamento de Dívida apresentado, por ser datado de 15/02/2008, não demonstra que a Requerente, no exercício de 2011, ano em que o gasto está posto em causa, diligenciou no sentido do cumprimento do mesmo, nem que o risco de incobrabilidade ocorreu apenas nesse exercício.

1.2. A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«Nestes termos e nos demais de direito ao caso aplicáveis que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser declarado totalmente procedente determinando-se, em consequência:

a)      A anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada;

b)      A anulação parcial do ato tributário de fixação da matéria tributável de IRC n.º 2016 … relativa ao período de tributação de 2011; e

c)      Nos termos do artigo 100.º da LGT a imediata e plena reconstituição da situação tributária da REQUERENTE que existia previamente à emissão do ilegal ato tributário de fixação da matéria tributável de IRC.»

 

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 19 de abril de 2017.

           

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 5 de junho de 2017, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 21 de junho de 2017.

 

4. No dia 11 de setembro de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual arguiu a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela procedência daquela exceção, com a sua consequente absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

4.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

A Requerida começa por invocar a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, esgrimindo a argumentação de que abaixo daremos conta, quando tratarmos esta questão.

Em seguida, a Requerida passa a defender-se por impugnação, argumentando o seguinte que aqui destacamos:

No atinente à contrapartida financeira concedida pelas sociedades que integram o grupo de sociedades dominado pela Requerente, a AT propugna que deve ser estabelecido um critério objetivo que transmita qual o custo suportado pelo fornecedor de café e quais os proveitos a ele associados, isto é, deverá ser encontrado um fator que permita estabelecer a relação entre o custo e o proveito.

Considerando que existe um nexo de causalidade entre o desconto efetivamente concedido e as quantidades de café adquiridas podemos, com segurança, afirmar que se trata de um desconto de quantidade cujo valor unitário facilmente se apura.

A prática que melhor reflete o resultado real obtido pela requerente e sobre o qual deverá incidir a tributação em IRC é a do deferimento do custo, imputando-se o mesmo de forma sistemática a cada período de vigência do contrato, tendo por base as quantidades de café fornecidas.

No caso de o cliente adquirir a totalidade de café acordada antes do termo do contrato consolida-se, nesse momento, a totalidade do desconto antecipado, nada obstando a que num determinado ano seja imputada uma fração maior de desconto, tudo em razão das quantidades efetivamente fornecidas; apenas desta forma se faz corresponder um maior custo a um maior proveito obtido, cumprindo o desiderato subjacente da especialização dos exercícios.

Ademais, estando contratualmente prevista a restituição dos descontos antecipados não amortizados nos fornecimentos efetuados, existe um nexo de causalidade entre o valor do desconto antecipado concedido e as quantidades de café que o cliente se compromete a adquirir, sendo tal nexo expresso na existência de um desconto de quantidade unitário, obtido pela divisão do montante do desconto antecipado pelo número de quilos de café cuja aquisição está contratualmente prevista.

No respeitante às perdas por imparidade, o Acordo de Pagamento de Dívida junto pela Requerente em sede de Reclamação Graciosa, datado de 15.02.2008, não prova que a Requerente, no exercício de 2011, no ano em que o gasto está a ser posto em causa, diligenciou no sentido do cumprimento do mesmo, tal como não prova que o risco de incobrabilidade correu apenas nesse exercício.

Assim, não tendo sido apresentadas evidências objetivas da imparidade relativamente ao exercício de 2011, não estão reunidos os requisitos para que a perda por imparidade contabilizada possa ser aceite, à luz dos artigos 35.º e 36.º do Código do IRC, em vigor à data dos factos. 

A Requerida remata assim o seu articulado:

            «Nestes termos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve:

a)      Julgar-se verificada a existência de uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;

Ou, caso assim não se entenda,

b)      Deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.»

4.2. Na mesma data, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

 

5. Notificada para o efeito, a Requerente veio pronunciar-se quanto à matéria de exceção alegada pela Requerida, atinente à invocada incompetência material do Tribunal Arbitral, nos termos que adiante melhor se explanarão.

 

6. No dia 27 de setembro de 2017, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a conceder prazo para a apresentação de alegações escritas e a fixar o dia 21 de dezembro de 2017 como data limite para a prolação do acórdão arbitral.

 

7. Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.     

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

*

II.1. DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA

            A Requerida arguiu esta exceção, invocando a seguinte argumentação:

            A Requerente peticiona, ao abrigo do artigo 100.º da LGT e alegando que tal fará parte da reconstituição da situação que existiria se o ato de fixação da matéria tributável de IRC não tivesse sido praticado, que o Tribunal condene a AT a considerar que os gastos por esta não aceites, no período de tributação de 2010, deverão ser imputados aos respetivos períodos de tributação de acordo com o critério preconizado pela Requerente, ou seja, os gastos serão repartidos em partes iguais pelos períodos de vigência dos contratos. 

            A AT entende que, ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer de uma hipotética execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do pedido, o que é certo é que tal pedido extravasa a competência do Tribunal Arbitral.

            Segundo a AT, inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, i.e., poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade, ainda que aqueles outros pedidos constituíssem, hipoteticamente, consequência, a nível de execução, de uma declaração de ilegalidade de atos de liquidação.

            A incompetência material do Tribunal para a apreciação do referenciado pedido consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2e 577.º, alínea a), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

A Requerente pronunciou-se sobre esta exceção, pugnando pela respetiva improcedência, nos seguintes termos que importa respigar:

            É necessário ter presente a particularidade de a situação sub judice não ter os seus efeitos circunscritos a um único exercício, mas sim repercutir-se sobre um período de tempo alargado – o da vigência dos contratos de fornecimento – e, por isso, interferir diretamente noutros atos tributários respeitantes a outros exercícios, sendo que este tipo de situação é contemplado pelo artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

            A procedência da lide terá como consequência imediata e necessária a eliminação da ordem jurídica do ato impugnado – i.e., da correção à matéria coletável de IRC de 2011 – e também a consolidação da legalidade da imputação dos gastos controvertidos, em partes iguais, pelo período de vigência dos contratos, o que, pela sua própria natureza, toca em vários exercícios à semelhança do que sucede com os prejuízos fiscais.  

Num cenário de provimento da pretensão do contribuinte, tudo deverá passar-se como se o ato tributário ilegal nunca tivesse sido praticado, sendo que essa reconstituição do estado de coisas que existia antes da prática da ilegalidade é desencadeada pela própria decisão, ou seja, é independente de qualquer pedido ou manifestação de vontade das partes. Trata-se, efetivamente, de um dever legal da Administração – no caso, a AT – que se constitui, por efeito da lei, com o trânsito em julgado da decisão que anula o ato, pelo que não se exige um pedido da parte, nem a pronúncia expressa do tribunal no sentido de definir as concretas consequências da anulação do ato impugnado.

Se a Administração não der cumprimento espontâneo à decisão, o particular poderá lançar mão do processo de execução de julgado para obter a execução específica da sentença de anulação proferida a seu favor, ou seja, para que o tribunal ordene à Administração que reconstitua a situação preexistente à ilegalidade cometida.

Não se está, pois, perante um desvio à competência material do tribunal arbitral; trata-se, isso sim, do resultado legal, direto e incontornável da decisão anulatória do ato impugnado. Uma consequência que se integra no complexo de atos e operações necessários à reconstrução do estado de coisas anterior à prática da ilegalidade, sendo um dever legal que impende sobre a AT a partir do momento em que a decisão arbitral se consolida na ordem jurídica e que não pressupõe, sequer, uma pronúncia expressa do tribunal arbitral nesse sentido, bastando que anule o ato tributário. Assim, não se verifica a alegada exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral, devendo os autos prosseguir a sua regular tramitação.

Isto posto. Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13.º do CPTA aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT) e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (art. 16.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), importa apreciar, primacialmente, a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do tribunal arbitral.

            Como ponto de partida para a apreciação desta questão, temos de atender ao teor literal do pedido formulado pela Requerente, relativamente ao qual a Requerida entende que se verifica a suscitada incompetência material do Tribunal Arbitral, o qual passamos, por isso, a transcrever: «c) Nos termos do artigo 100.º da LGT [deve determinar-se] a imediata e plena reconstituição da situação tributária da REQUERENTE que existia previamente à emissão do ilegal ato tributário de fixação da matéria tributável de IRC.»

Este pedido formulado pela Requerente emerge diretamente do alegado nos artigos 205.º a 211.º do pedido de pronúncia arbitral, de onde se extrai, em suma, que a Requerente propugna que a peticionada anulação da correção efetuada pela AT relativamente ao exercício de 2011 deverá permitir a correção de todos os exercícios afetados pelo alegadamente erróneo e ilegal entendimento da AT, designadamente a procedência deste pedido de pronúncia arbitral deverá «determinar que os gastos considerados não aceites pela AT, no período de 2010, deverão ser imputados aos respetivos períodos de tributação de acordo com o critério preconizado pela REQUERENTE (i.e. os gastos serão repartidos em partes iguais pelos períodos de vigência dos contratos)».  

Dito isto. Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

Também é inequívoco que nos processos de impugnação judicial é possível apreciar pedidos de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.

Na verdade, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...».

Por outro lado, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.

Assim, conclui-se que tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que este Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar o referenciado pedido formulado pela Requerente.  

No entanto, esta incompetência para apreciar um dos pedidos, havendo outros para os quais este Tribunal Arbitral é competente – a anulação da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa e a anulação parcial do ato tributário controvertido –, apenas tem como consequência que o pedido para o qual o Tribunal é incompetente se considere “sem efeito”, como se infere do que, embora a outro propósito, se refere no n.º 4 do artigo 186.º do CPC, ao aludir a situações em que «um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal».

Assim, é julgada procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral quanto ao citado pedido formulado pela Requerente – no sentido de, ao abrigo do artigo 100.º da LGT, a AT ser condenada a proceder à correção de todos os exercícios afetados pela prática do ato tributário controvertido, determinando-se designadamente «que os gastos considerados não aceites pela AT, no período de 2010, deverão ser imputados aos respetivos períodos de tributação de acordo com o critério preconizado pela REQUERENTE (i.e. os gastos serão repartidos em partes iguais pelos períodos de vigência dos contratos)» –, pelo que se absolve da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a este pedido, não ficando prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos.

*

Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                      

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 2007, cuja atividade, reportada ao exercício de 2011, consistia na gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, atuando como Sociedade Gestora de Participações Sociais (a Requerente era, então, denominada “F…– SGPS, S. A.”). [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

b) A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral do IRC, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil. [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

c) A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, o qual opera, essencialmente, nas indústrias do café e do chá, procedendo, entre outros, à produção, comercialização, distribuição e venda de produtos relacionados com as referidas indústrias. [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]  

d) No ano de 2011, as sociedades que constituíam o perímetro fiscal do aludido grupo dominado pela Requerente eram as seguintes [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

e) Nos contratos celebrados, no âmbito da respetiva atividade, entre as empresas integradas no Grupo dominado pela Requerente (por facilidade de exposição, designaremos empresa) e os seus clientes (por facilidade de exposição, designaremos cliente), constam, entre outras, as seguintes cláusulas [cf. documento n.º 5 anexo à P. I.]:

(i) O contrato é celebrado pelo prazo de 60 (sessenta) meses.

(ii) O cliente obriga-se a:

- adquirir e revender nos seus estabelecimentos comerciais, exclusivamente, café, descafeinado e açúcar comercializados pela empresa ou por distribuidor por ela designado;

- não adquirir a terceiros mas única e exclusivamente ao distribuidor que lhe for indicado pela empresa, para fins de revenda no seu estabelecimento;

- não publicitar outras marcas de café e produtos análogos aos acima mencionados;

- adquirir, durante o prazo de 60 meses, a quantidade mínima mensal de “x” quilos de café (a título de exemplo, 103 kg), marca “y”, perfazendo o total contratual de “z” (a título de exemplo, 6.180 kg).

(iii) Como contrapartida da exclusividade conferida pelo cliente:

- a empresa empresta-lhe, sem juros, a quantia de “x” (a título de exemplo, € 25.000,00) , a restituir nos termos e condições contratualmente estipuladas;

- a empresa adianta a quantia de “x” (a título de exemplo, € 12.300,00), IVA incluído, à taxa normal, pela compra de “n” quilos de café (a título de exemplo, 6.180 kg); 

- a empresa cede ao cliente o equipamento e/ou material publicitário contratualmente acordado, propriedade da empresa e que o cliente utilizará na qualidade de fiel depositário, sendo responsável pela manutenção e reparação de quaisquer avarias que se venham a verificar.

(iv) O incumprimento do contrato pelo cliente tem para este, além de outras, as seguintes consequências:

- o pagamento de uma indemnização à empresa que, por acordo, se fixa em 1/3 do valor de “x” (a título de exemplo, € 12.300,00) adiantado ao cliente;

- a restituição imediata à empresa do valor de “x” (a título de exemplo, € 12.300,00) adiantado ao cliente, deduzido da parte proporcional ao número de quilos amortizados nos fornecimentos efetuados;

- em caso de violação da obrigação de adquirir, durante o prazo de 60 meses a quantidade mínima mensal de “x” quilos de café (a título de exemplo, 103 kg), marca “y”, perfazendo o total contratual de “z” (a título de exemplo, 6.180 kg), o pagamento de uma indemnização à empresa, no montante de € 12,00 (doze euros) por cada quilo de café não adquirido;

- a restituição imediata à empresa do equipamento e/ou material publicitário que lhe tiver sido cedido, bem como o pagamento a título de desvalorização pelo uso, de um montante igual á diferença entre o valor da compra à data do início da vigência do contrato e o valor à data da resolução, ou, em alternativa, o pagamento do referido equipamento e/ou material publicitário, pelo preço indicado no contrato.

f) A empresa C…, S. A. celebrou um denominado “Acordo de Pagamento de Dívida” com o seu cliente H… e no qual também interveio I…, datado de 15 de fevereiro de 2008, cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, no qual, além do mais, ficou consignado o seguinte:

- o H… confessa-se devedor à empresa da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros);

- a empresa aceita reduzir o valor da dívida para a quantia de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros), se o acordo for pontualmente cumprido pelo cliente;

- o I… assume a dívida do H…;

- o I… obriga-se a pagar a quantia de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros) em 12 (doze) prestações mensais e sucessivas, no valor de € 1.100,00 (mil e cem euros), vencendo-se a primeira a 15 de março de 2008 e as restantes nos meses subsequentes;

- a título de cláusula penal, o não pagamento de uma daquelas prestações implica o imediato vencimento da totalidade da dívida, ou seja, € 15.000,00 (quinze mil euros) e respetivos juros moratórios calculados à taxa legal;

- o H… e o I… reconhecem e aceitam que o acordo tem a força de título executivo.           

g) Para pagamento à empresa C…, S. A. da conta-corrente do seu cliente H…, foram emitidas 6 (seis) letras de câmbio, no valor de € 2.770,68 (dois mil setecentos e setenta euros e sessenta e oito cêntimos), cada uma, com datas de vencimento a 30/12/2008, 30/03/2009, 30/06/2009, 30/09/2009, 30/12/2009 e 30/03/2010. [cf. documento n.º 6 anexo à P. I.] 

h) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2015…, de 31 de agosto de 2015, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial (apenas quanto ao IRC), referente ao período de 2011, em virtude da deteção de situações que conduziram a correções aos valores declarados pelas empresas que fazem parte do seu perímetro fiscal e, como tal, com reflexos na respetiva declaração de rendimentos do Grupo, submetida pela empresa dominante. [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

i) Na sequência dessa ação inspetiva, foi elaborado o respetivo Relatório da Inspeção Tributária – cuja cópia constitui o documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, o qual foi notificado à Requerente, através do ofício n.º …/…, datado de 14 de abril de 2016, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, remetido por carta registada com aviso de receção. [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

j) Nesse Relatório da Inspeção Tributária, aprovado em 12 de abril de 2016 pela Chefe de Divisão por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças do Porto, destaca-se o seguinte com interesse para os presentes autos: [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

IRC – Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas

De acordo com o disposto no artigo 69.º do Código do IRC, tendo o SP optado pelo RETGS relativamente ao período fiscal de 2011, o lucro tributável do Grupo foi calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais (Modelo 22), de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo.

III.1 – Correções efetuadas na esfera das sociedades que integravam o perímetro fiscal para efeitos de tributação pelo RETGS 

A.     D…, SA – NIPC … No âmbito do procedimento externo de inspeção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2015…, procedeu-se à elaboração do projeto de relatório, notificado à D…, SA, através do ofício n.º …/…, de 2016/02/05, de onde constam correções ao resultado tributável declarado, no valor de € 54.756,51, referentes a gastos com descontos antecipados indevidamente imputados ao período.

A D…, SA não exerceu o direito de audição, pelo que se procedeu à elaboração e notificação (através do ofício n.º …/… de 2016-03-10) do Relatório Final da Ação de Inspeção Tributária.

Decorrente das correções efetuadas, o resultado tributável foi corrigido cfr. quadro seguinte:

Correções Meramente Aritméticas

2011

Lucro Tributável / Prejuízo Declarado (1)

455.827,48 €

Correções Meramente Aritméticas (2)

54.756,51 €

Resultado tributável corrigido = (1)+(2)

510.583,99 €

 

B.     E…, SA – NIPC …

No âmbito do procedimento externo de inspeção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2015…, procedeu-se à elaboração do projeto de relatório, notificado à E…, SA, através do ofício n.º …/…, de 2016/02/11, de onde constam correções ao resultado tributável declarado, no valor de € 30.350,15, referentes a gastos com descontos antecipados indevidamente imputados ao período.

A E…, SA não exerceu o direito de audição, pelo que se procedeu à elaboração e notificação (através do ofício n.º …/…de 2016-03-14) do Relatório Final da Ação de Inspeção Tributária.

Decorrente das correções efetuadas, o resultado tributável foi corrigido cfr. quadro seguinte:

Correções Meramente Aritméticas

2011

Lucro Tributável / Prejuízo Declarado (1)

-529.468,89 €

Correções Meramente Aritméticas (2)

30.350,15 €

Resultado tributável corrigido = (1)+(2)

-499.118,74 €

  

C.     C…, SA – NIPC …

 No âmbito do procedimento externo de inspeção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2015…, procedeu-se à elaboração do projeto de relatório, notificado pessoalmente à C…, SA, através do ofício n.º …/…, de 2016/02/22, de onde constam correções ao resultado tributável declarado, no valor de € 135.562,05, referentes a gastos com descontos antecipados indevidamente imputados ao período e gastos com perdas por imparidade não aceites.

A C…, SA não exerceu o direito de audição, pelo que se procedeu à elaboração e notificação (através do ofício n.º …/… de 2016-03-14) do Relatório Final da Ação de Inspeção Tributária.

Decorrente das correções efetuadas, o resultado tributável foi corrigido cfr. quadro seguinte:

Correções Meramente Aritméticas

2011

Lucro Tributável / Prejuízo Declarado (1)

-225.108,36 €

Correções Meramente Aritméticas (2)

135.562,05 €

Resultado tributável corrigido = (1)+(2)

-89.546,31 €

 

D. B…, SA – NIPC…

No âmbito do procedimento externo de inspeção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2015…, procedeu-se à elaboração do projeto de relatório, notificado pessoalmente à B…, SA, através do ofício n.º…/…, de 2016/02/22, de onde constam correções ao resultado tributável declarado, no valor de € 454.732,38, referentes a gastos com descontos antecipados indevidamente imputados ao período.

A B…, SA não exerceu o direito de audição, pelo que se procedeu à elaboração e notificação (através do ofício n.º …/… de 2016-03-14) do Relatório Final da Ação de Inspeção Tributária.

Decorrente das correções efetuadas, o resultado tributável foi corrigido cfr. quadro seguinte:

Correções Meramente Aritméticas

2011

Lucro Tributável / Prejuízo Declarado (1)

745.578,26 €

Correções Meramente Aritméticas (2)

454.732,38 €

Resultado tributável corrigido = (1)+(2)

1.200.310,64 €

 

III.2 – Correções ao Lucro Tributável, Matéria Coletável e Derrama declarados pelo GRUPO

Face ao exposto no ponto anterior, o resultado tributável imputável ao Grupo, relativo ao período de 2011, deve ser recalculado da forma seguinte:

NIPC

DESIGNAÇÃO

RESULTADO DECLARADO

CORREÇÕES

RESULTADO CORRIGIDO

A…, SA

39.118,49 €

0,00 €

39.118,49 €

E…, SA

-529.468,89

30.350,15 €

-499.118,74€

C…, SA

-225.108,38

135.562,05€

-89.546,31 €

G…, Lda.

130.838,52 €

0,00 €

130.838,52 €

D…, SA

455.827,48 €

54.756,51 €

510.583,99 €

B…, SA

745.578,26 €

454.732,38 €

1.200.310,64

TOTAL GRUPO (soma algébrica dos resultados fiscais)

616.785,50€

675.401,09€

1.292.186,59

Prejuízos Fiscais Dedutíveis

616.785,50€

675.401,09€

1.292.186,59

Matéria Coletável

0,00 €

0,00 €

0,00 €

Derrama

20.754,44 €

-1.187,64 €

19.382,80 €

 

 

 

 

k) Em 4 de maio de 2016, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2016…, datada de 27 de abril de 2016 e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016…, datada de 3 de maio de 2016, relativas ao exercício de 2011, das quais resultou o valor a reembolsar de € 25.362,45 (vinte e cinco mil trezentos e sessenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos) e que aqui se dão por integralmente reproduzidas. [cf. documento n.º 2 anexo à P. I. e PA junto aos autos]  

            l) Em 1 de setembro de 2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa, cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido, peticionando o seguinte [cf. PA junto aos autos]: «A anulação parcial do ato tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2016… relativa ao período de tributação de 2011, i) por se encontrarem reunidas as condições para a dedutibilidade do gasto reconhecido pela Reclamante a título de contrapartidas financeiras e ii) por se ter feito prova de se terem efetuado as diligências necessárias para o recebimento do crédito com o cliente H... .»

m) A referida reclamação graciosa foi autuada, sob o n.º …2016…, no Serviço de Finanças de … e sequentemente remetida à Direção de Finanças do Porto, tendo sido, em 12 de dezembro de 2016, proferido despacho, pela Chefe de Divisão por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças do Porto, a concordar com o respetivo projeto de decisão, em conformidade com a Informação datada de 9 de dezembro de 2016 – cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, de que consta, além do mais, o seguinte com pertinência para o presente processo [cf. documento n.º 4 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:   

«DO ALEGADO PELA RECLAMANTE

Dos fundamentos constantes da petição inicial (PI), que se dão aqui como integralmente reproduzidos, a reclamante, enquanto sociedade dominante, até 31 de dezembro de 2015, de um grupo de sociedades, com opção pela tributação em IRC de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), contesta algumas das correcções levadas a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) desta Direção de Finanças, relativamente a algumas das suas dominadas, a saber:

A) CONTRAPARTIDAS FINANCEIRAS/DESCONTOS ANTECIPADOS, no valor total de € 610.683,91, assim distribuído:

B…SA

NIPC …

€ 454.732,38

C… SA

NIPC …

€ 70.844,87

D… SA

NIPC …

€ 54.756,51

E… SA

NIPC …

€ 30.350,15

 

B) PERDAS POR IMPARIDADE NÃO ACEITES, no valor de € 16.874,08, registadas pela dominada C… SA, decorrentes de um crédito sore o cliente H… .

Solicita a anulação parcial do ato de liquidação adicional de IRC das referidas correções à matéria coletável, bem como a anulação da derrama estadual liquidada no montante de € 8.156,60 acrescida dos correspondentes juros compensatórios.

Solicita, ainda, o pagamento de juros indemnizatórios.

 

DA APRECIAÇÃO DO PEDIDO

A) CONTRAPARTIDAS FINANCEIRAS/DESCONTOS ANTECIPADOS

As sociedades dominadas acima identificadas, que integram o grupo do qual a reclamante é sociedade dominante, no âmbito da atividade que desenvolvem, celebram contratos de fornecimento de café com os seus clientes, assegurando a exclusividade desse fornecimento por tempo determinado, na condição de disponibilizarem aos seus clientes equipamentos e material publicitário e uma contrapartida financeira para a compra do referido café.

A questão que aqui se discute consiste em saber de que modo deverá ser fiscalmente tratada esta contrapartida financeira, uma vez que os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) não concordaram com a contabilização efetuada pelas dominadas, no sentido de imputar o gasto suportado com as contrapartidas financeiras, em partes iguais durante o período de vigência do contrato.

A reclamante invoca que o benefício económico obtido não se cinge às quantidades mínimas de café que o cliente está obrigado a adquirir, sendo especialmente relevante a exclusividade de fornecimento pelo período contratado e a obrigatoriedade do cliente publicitar a marca, através da utilização de equipamentos e material publicitário, a fim de serem obtidas as chamadas “externalidades de rede”. Contesta o argumento dos SIT de que se trata de um mero desconto de quantidade antecipado, alegando a complexidade dos contratos celebrados, remetendo para os restantes benefícios económicos que obtém ao longo da sua duração (publicidade e exclusividade/fidelização do cliente).

Refere, ainda, ser esse o entendimento preconizado pela AT através da Informação 371/95, de 18 de julho de 1995, sancionada pelo Subdiretor Geral, a propósito da contabilização e respetivo enquadramento fiscal aplicável a descontos antecipados concedidos pela exclusividade de consumo e café.

Por fim, questiona como seria de proceder, à luz do entendimento dos SIT, quando o cliente adquirisse a totalidade dos montantes mínimos de café durante a fase inicial do contrato, caso em que o gasto seria totalmente imputado na fase inicial do contrato, alegando que não haveria um correto balanceamento entre os gastos e os réditos, conforme previsto na Estrutura Conceptual do SNC.    

Quanto ao ajustamento a fazer em situação de rescisão contratual, a reclamante defende que o gasto ainda por reconhecer, à data da rescisão, deverá ser reconhecido totalmente no exercício da respetiva rescisão, sendo de desreconhecer o correspondente ativo. Discorda, assim, do entendimento dos SIT, por considerar que não se trata de um ativo sobre um cliente, sujeito aos testes de imparidade, mas antes um custo indispensável, nos termos do art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

Da leitura exaustiva do contrato de fornecimento que a reclamante anexa a título exemplificativo retira-se o seguinte:

- Cláusula Segunda: O cliente obriga-se a adquirir e revender nos seus estabelecimentos, em exclusivo, café, descafeinado e açúcar comercializados pela reclamante – alínea a), não podendo adquirir tais produtos a terceiros mas apenas ao distribuidor indicado – alínea b), a não publicitar outras marcas de café – alínea c) e a adquirir, durante o prazo de 60 meses, uma quantidade mínima mensal de 103 kg de um determinado café, perfazendo o total de 6180 kg – alínea d); 

- Cláusula Terceira e Quarta: Como contrapartida da exclusividade, a reclamante empresta ao seu cliente o montante de € 25.000,00, sem juros, montante que será restituído de acordo com um plano pré-determinado e sujeito a condições específicas;

- Cláusula Sexta: Ainda como contrapartida dessa exclusividade, a reclamante adianta a quantia de € 12.300,00, INA incluído, pela compra dos 6180 Kg de café – alínea a) e cede equipamento diversos, bem como material publicitário devidamente descrito – alínea b);

- Cláusula Sétima: Pelo incumprimento do contrato o cliente obriga-se ao pagamento:

Ponto 2: de uma indemnização correspondente a 25% do valor emprestado (25% de € 25.000,00);

Ponto 3: de todas as prestações em dívida;

Ponto 4: de uma outra indemnização correspondente a 1/3 do valor indicado na alínea a) da Cláusula Sexta do contrato (1/3 de € 12.300,00);

Ponto 5: do valor referido na alínea a) da Cláusula Sexta (€ 12.300,00) deduzido da parte proporcional ao número de quilos amortizados nos fornecimentos já efetuados;

Ponto 6: € 12,00 por cada quilo de café não adquirido;

Ponto 7: de um montante igual à diferença entre o valor da compra à data de início do contrato e o valor à data de resolução do mesmo, relativamente ao equipamento e/ou material publicitário, conjuntamente com a restituição do mesmo, podendo optar, em alternativa, pelo pagamento do valor atribuído ao referido equipamento na Cláusula Sexta.

Para o que aqui importa analisar, retira-se, no essencial, que a reclamante, no início do contrato, concede aos seus clientes um empréstimo de uma determinada quantia acrescido do fornecimento de equipamento e material publicitário, concedendo, ainda, um desconto antecipado no valor de € 12.300,00 do qual faz depender a aquisição, por parte dos seus clientes, de uma determinada quantidade de café, num determinado horizonte temporal (normalmente 5 anos).   

Ora, relativamente ao desconto antecipado, cuja forma de contabilização efetuada pelo contribuinte diverge daquele que é o entendimento dos SIT, importa realçar, antes de mais, que o contrato não estabelece em que moldes deverá o cliente adquirir a quantidade de café a que está obrigado, pelo que a mesma não tem necessariamente que ser adquirida em partes iguais ao longo do período de duração do contrato.

Como tal, conclui-se que esse desconto antecipado não se altera consoante a quantidade seja totalmente adquirida numa fase mais inicial ou numa fase mais final do contrato. Pelo contrário, o cliente pode até adquirir a totalidade de café acordada, por exemplo, ao fim de 1 ano de contrato não advindo de tal facto qualquer incumprimento contratual, no que a essa Cláusula diz respeito. Nestes termos, uma vez atingido o volume de compras de café pré-determinado, consolida-se o direito ao referido desconto já concedido, pelo que a nosso ver apenas faz sentido que o mesmo seja relevado como um custo diferido, que influenciará o resultado do(s) exercício(s) seguinte(s) à medida que as quantidades de café contratualmente impostas forem sendo adquiridas.

Aliás, nem se concebe diferente entendimento tendo em conta que, em caso de incumprimento, o cliente terá que restituir o valor do desconto já recebido, abatido do valor proporcional de desconto já amortizado nas aquisições até então efetuadas. Ou seja, verificando-se que o cliente não atinge o objetivo inicialmente proposto, este não está obrigado a restituir a totalidade do desconto antecipado, mas tão só o valor correspondente aos quilos de café em falta, pelo que não faz sentido que esse desconto influencie, tal como pretende a reclamante, os resultados dos 5 exercícios de vigência do contrato em partes iguais, mas sim, tal como defendem os SIT, em função das quantidades que vão sendo adquiridas.

Quanto ao argumento invocado pela reclamante de que o benefício económico obtido não se cinge às quantidades mínimas de café que o cliente está obrigado a adquirir, sendo especialmente relevante a exclusividade de fornecimento e a utilização de equipamentos e material publicitário, sempre se dirá que o contrato prevê um conjunto de outras penalidades que, em caso de incumprimento, visam ressarcir a reclamante do investimento efetuado, pelo que nos parece seguro afirmar que este desconto, bem como a penalização a ele associada, se encontram estreitamente conexos apenas com as quantidades a adquirir.

Já no que respeita à Informação 371/95, de 18 de julho de 1995, sancionada pelo Subdiretor Geral, a propósito da contabilização e respetivo enquadramento fiscal aplicável a descontos antecipados concedidos pela exclusividade de consumo e café, entende a reclamante que o entendimento da AT, vertido na mencionada informação, se assemelha ao seu.

Discordamos da leitura e interpretação que a reclamante faz da mesma. Vejamos. A referida informação foi prestada tendo em vista esclarecer se, na ótica do cliente, o desconto deveria ser considerado proveito no ano em que é concedido ou se deveria ser imputado aos cinco anos de vigência do contrato. De acordo com o parecer emitido, o valor adiantado a título de desconto, estando associado à quantidade de café que vier a ser consumida, deverá ser reconhecido quando obtido ou incorrido independentemente de ter sido já recebido ou pago, devendo efetuar-se a imputação numa base sistemática durante o período de vigência do contrato. Conclui-se na referida informação que, na ótica do cliente, deverá o mesmo ser registado como um proveito diferido sendo de imputar uma fração a cada exercício da vigência do contrato.      

Quanto à posição assumida na Informação prestada estamos plenamente de acordo, pois transpondo para o caso em apreciação, concordamos que o custo não poderá ser assumido inteiramente no exercício económico em que é pago, atendendo à lógica de balanceamento de rendimentos e gastos, bem como, em respeito pelo princípio da especialização dos exercícios previsto no art. 18.º do CIRC.

Nesse sentido, defendeu-se, e bem, na referida Informação que o custo deverá ser diferido e imputado de forma sistemática, na base de uma fração a cada exercício da vigência do contrato. Porém, a referida Informação não especifica, contrariamente ao que a reclamante quer fazer crer, qual o critério que deverá ser usado para efeitos da imputação sistemática, na base de uma fração a cada exercício.

A nosso ver, deverá estabelecer-se um critério objetivo, que transmita qual o custo suportado pelo fornecedor do café e quais os proveitos a ele associados, isto é, deverá encontrar-se um fator que nos permita estabelecer a relação entre o custo e o proveito.

Ora, considerando que existe um nexo de causalidade entre o desconto efetivamente concedido e as quantidades de café adquiridas podemos, seguramente, afirmar que se trata de um desconto de quantidade, que diverge dos ditos “normais” descontos de quantidade, apenas por ter sido concedido a anteriori. Contudo, ainda assim, não deixa de ser um desconto de quantidade, cujo valor unitário facilmente se apura.

            Entendemos que a prática que melhor reflete o resultado real obtido pela reclamante, e sobre o qual deverá incidir a tributação em IRC, é a do diferimento do custo, imputando-se o mesmo de forma sistemática a cada período de vigência do contrato, tendo por base as quantidades de café fornecidas, caso o cliente adquira a totalidade de café acordada antes do término do contrato consolida-se, nesse momento, a totalidade do desconto antecipado, pelo que nada obsta a que num determinado ano seja imputada uma fração maior do desconto, tudo em razão das quantidades efetivamente fornecidas. Julgamos que só assim se faz corresponder um maior custo incorrido, a um maior proveito obtido, cumprindo o desiderato subjacente ao princípio da especialização dos exercícios. Pelo que também nesta matéria não assiste razão à reclamante quando invoca a Estrutura Conceptual do SNC, alegando que a lógica de balanceamento entre gastos e réditos não fica assegurada com a forma de imputação proposta pelos SIT, pois tal como já ficou aqui demonstrado, é precisamente essa forma de imputação que melhor espelha esse mesmo balanceamento.

A este propósito refira-se o entendimento da Ordem dos Contabilistas Certificados (à data Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas) na revista “TOC 89 – Agosto de 2007, págs. 57 e 58”, a propósito dos contratos de exclusividade no fornecimento de café, segundo o qual:

“Contratos de exclusividade, onde esteja subjacente uma obrigatoriedade de consumo de “x” quantidade do produto da marca em questão com a atribuição de descontos antecipados – quando existem quantias pagas com vista a garantir a comercialização exclusiva de uma determinada marca, no âmbito de contratos de exclusividade, estas poderão assumir a natureza de descontos de quantidade antecipados se atribuídos em função de aquisições futuras estimadas.   

O que distingue este tipo de desconto de quantidade é a sua mera antecipação, ou seja, ser atribuído antes dos fornecimentos.

Todavia, tal não invalida a sua qualificação como desconto, já que existe uma conexão entre o valor atribuído e os consumos a verificar no futuro. (…)

Em conformidade com o Plano Oficial de Contabilidade, os descontos concedidos em virtude da quantidade de bens vendidos, configurando a natureza de um desconto comercial, deverão ser reconhecidos através da movimentação a crédito da conta 31.8 – Descontos e abatimentos em compras, se forem concedidos fora da factura. Dizendo respeito a vendas efectuadas em mais do que um exercício, deverá o diferimento ser efectuado pelos exercícios correspondentes, contabilizando o montante total do desconto numa conta 27 e afectando as contas de existências na medida em que estas forem vendidas.”

Por fim, quanto ao ajustamento a fazer em situação de rescisão contratual, a reclamante defende que o gasto ainda por reconhecer, à data da rescisão, deverá ser reconhecido totalmente no exercício da respetiva rescisão, sendo de desreconhecer o correspondente ativo. Discordamos em pleno desta interpretação porquanto, em caso de rescisão, o que a reclamante tem é, tal como contratualizado, o direito a ser ressarcida dos valores adiantados, numa base proporcional, constituindo-se, nesse momento, um direito sobre o cliente, sob a forma de um ativo, que estará sujeito aos testes de imparidade, não existindo enquadramento legal para que o custo incorrido no início do contrato e objeto de diferimento se assuma como um custo indispensável, nos termos do art. 23.º do CIRC.  

Concluindo, dir-se-á que, estando contratualmente prevista a restituição dos descontos antecipados não amortizados nos fornecimentos efetuados, existe um nexo de causalidade entre o valor do desconto antecipado concedido e as quantidades de café que o cliente se compromete a adquirir, sendo tal nexo expresso na existência de um desconto de quantidade unitário, obtido pela divisão do montante do desconto antecipado pelo número de quilos de café cuja aquisição está contratualmente prevista. Perante este nexo de causalidade é possível fazer o balanceamento entre os gastos incorridos e os réditos obtidos, com vista à tributação do rendimento real das empresas.

B) PERDAS POR IMPARIDADE NÃO ACEITES

Relativamente às correções efetuadas pelos SIT, respeitantes às imparidades de créditos sobre clientes, a reclamante discorda apenas da correção efetuada sobre a imparidade registada relativamente ao crédito detido sobre o cliente H…, no valor de € 16.874,08, argumentando que foram efetuadas diligências com vista à cobrança do crédito, juntando, para o efeito, cópia do Acordo de Pagamento de Dívida (Doc. n.º 4 da pi).

Analisado o documento apresentado pela reclamante conclui-se que o mesmo mais não é do que um contrato, datado de 2008.02.15, através do qual o cliente reconhece ser devedor da reclamante pela quantia de € 15.000,00, a qual passará a ser de € 13.200,00 uma vez cumpridas as condições de pagamento dele constantes. Todavia, tal documento não prova que a reclamante, no exercício de 2011, ano em que o gasto está a ser posto em causa, diligenciou no sentido do cumprimento do mesmo, nem que o risco de incobrabilidade ocorreu apenas nesse exercício, pelo que não se podem considerar reunidas as condições para que a imparidade fiscal possa ser reconhecida no exercício de 2011.

Pelo que, não tendo sido apresentadas evidências objetivas da imparidade relativamente ao exercício de 2011, não estão reunidos os requisitos para que a perda por imparidade contabilizada possa fiscalmente ser aceite, à luz dos arts. 35.º e 36.º do CIRC, em vigor à data dos factos.

CONCLUSÃO

Em face do exposto, propõe-se a manutenção da liquidação de IRC reclamada relativamente ao exercício de 2011 e, consequentemente, o indeferimento do pedido.»    

n) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º 2016…, datado de 12 de dezembro de 2016, da Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, remetido por carta registada, do projeto de decisão da mencionada reclamação graciosa. [cf. documento n.º 4 anexo à P. I.]   

o) Por despacho de 30 de dezembro de 2016, da Chefe de Divisão por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças do Porto, a sobredita reclamação graciosa foi indeferida [cf. documento n.º 1 anexo à P. I. e PA junto aos autos].

p) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º 2017…, datado de 2 de janeiro de 2017, da Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, remetido por carta registada com aviso de receção, da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa. [cf. documento n.º 1 anexo à P. I. e PA junto aos autos]  

q) Em 5 de abril de 2017, foi apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

*

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultou provado que tenham sido realizadas todas as diligências necessárias para o recebimento do crédito da empresa C…, S. A. sobre o seu cliente H…, no valor de € 16.874,08 (dezasseis mil oitocentos e setenta e quatro euros e oito cêntimos), nem que o risco de incobrabilidade desse crédito ocorreu no exercício de 2011.

*

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto não provada, a mesma foi assim considerada em virtude da inexistência de qualquer elemento probatório suscetível de a comprovar.

*

III.2. DE DIREITO

            A questão que é colocada ao Tribunal assenta, essencialmente, em descortinar se as controvertidas correções efetuadas à matéria tributável de IRC do exercício de 2011 se afiguram ou não corretas quer na parte referente à não aceitação de determinados gastos, atinentes a alegados descontos antecipados, quer na parte em que radicam na não aceitação de perdas por imparidade emergentes de créditos sobre clientes alegadamente incobráveis; da resposta que se der àquela questão dependerá o juízo de legalidade quer quanto à liquidação adicional de IRC controvertida, quer quanto à decisão de indeferimento da sobredita reclamação graciosa e, portanto, se devem ou não ser mantidas.

§1. DO ENQUADRAMENTO LEGAL

§1.1. DO BLOCO NORMATIVO APLICÁVEL

            A apreciação jurídico-tributária da situação sub judice tem, necessariamente, de iniciar pela delimitação do bloco normativo aplicável, para o que é necessário convocar as normas legais que se afiguram concretamente relevantes, as quais terão de ser consideradas na redação aplicável ratione temporis.

            Assim, cumpre atender às seguintes normas do Código do IRC:

Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

            1. O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

            (…)

            3. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

            a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

            b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeita ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

            1. Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

            2. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(…)

 

Artigo 23.º

Gastos

            1. Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

            (…)

c)      De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

            (…)

 

Artigo 35.º

Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis

            1. Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

            a) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

            (…)

 

Artigo 36.º

Perdas por imparidade em créditos

            1. Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

            a) O devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução;

            b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

            c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.

            (…)

*

§1.2. DO PRINCIPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS: DEFINIÇÃO E APLICAÇÃO

            O princípio da especialização dos exercícios está positivado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC e traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.

No n.º 2 daquele mesmo artigo 18.º prevê-se uma exceção para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data do encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde», impondo essa especialização «a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses»[1].

            A importância e razão de ser do princípio da especialização dos exercícios resultam evidentes se se tiver presente que «a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo a, designadamente:

            a) Diferir no tempo os lucros;

            b) Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;

c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v. g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).»[2]  

            Efetivamente, existem, «em abstracto, dois tipos de erros fiscais ligados à imputação temporal das componentes positivas e negativas do rédito ao exercício competente:

            - a omissão ou esquecimento (erro voluntário ou involuntário): conhece-se a regra, que é indisputável, mas por algum motivo (ilegítimo ou justificado) não se regista o proveito ou o custo no ano devido;

            - a álea ou abertura interpretativa: errónea inscrição temporal dum proveito ou um custo, efectuada, todavia, com base numa interpretação plausível da regra fiscal (geral ou específica) da especialização dos exercícios, regra essa que possui um conteúdo aplicativo equívoco (ou não concludente) diante do caso concreto.»[3]

É, pois, vedado aos contribuintes definirem como bem entenderem ou segundo critérios de oportunidade ou, ainda, em conformidade com a sua estratégia comercial ou de gestão, o timing para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua actividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente no sentido de os obrigar a imputar esses proveitos e custos ao exercício a que digam respeito.

            Assim, todos os custos e proveitos que sejam reconhecidos em determinada data devem ser registados no exercício a que correspondem de modo a que se produza uma imagem fidedigna da posição da empresa para esse período; ou seja, devem ser imputados «ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro» (acórdão do STA, proferido em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, disponível em www.dgsi.pt).   

Não obstante o que se vem de dizer, como salienta Tomás Cantista Tavares, os tribunais nacionais já se confrontaram «com o problema da compaginação entre o interesse tributário e os erros contabilísticos e fiscais da especialização dos exercícios. Com a questão da hipotética aceitação fiscal (e, em caso afirmativo, sob que condições) duma errónea inscrição contabilística, em violação formal do princípio da especialização dos exercícios; com a admissibilidade do registo fiscal de um custo ou de um proveito num ano diverso (anterior ou posterior) ao da sua correcta imputação temporal.

            A Jurisprudência gira em torno de duas teses antagónicas:

            a) a corrente primitiva, de cariz formal e legalista, não admite quaisquer violações do princípio da especialização de exercícios;

            b) a tese actual, de cariz material, aceita a violação formal do princípio da especialização, desde que essas inscrições erróneas não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

            (…)

            Esta corrente jurisprudencial [a tese primitiva] não pactua com a violação da regra legal da especialização de exercícios. Não aceita a inscrição duma rubrica (positiva ou negativa) do rendimento, em exercício diverso do que lhe compete. Fica-se pelo mero enunciado do princípio. Sobrevaloriza-o face à ponderação doutros factores de justiça material, como a interferência em exercício alheio ao objecto do processo ou ao atendimento de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação plausível dum comando complexo).

            (…)

            A Jurisprudência consente, actualmente, a violação formal do princípio da especialização de exercícios, desde que não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios. Aceita a inscrição dum custo ou proveito em exercício diverso do que lhe competia, por intervenção de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição).

(…)

A tese actual (…) rompe com o facilitismo do formalismo legalista. Procura a solução material e justa. Faz prevalecer um princípio estrutural (capacidade contributiva) sobre uma regra operacional (especialização de exercícios). O seu ponto de partida é irrepreensível: se a sociedade incorreu num verdadeiro custo, esse decaimento tem de modelar, obrigatoriamente, o rédito fiscal. A convenção formal da especialização não tem o condão de impedir o efeito material, nem de torná-lo excessivamente oneroso ou complexo. O mesmo se passa, mutatis mutandis, com os proveitos. Contribuem uma só vez para o lucro (…)»[4]

            Constitui, de facto, jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que a rigidez do princípio da especialização dos exercícios tem de ser temperada com a invocação do princípio da justiça – nomeadamente, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado –, o qual funcionará então como uma válvula de escape. Neste sentido, ficou lapidarmente consignado o seguinte no acórdão proferido em 19/11/2008, no processo n.º 0325/08 (disponível em www.dgsi.pt)[5]:

            «O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Embora estes princípios constitucionais tenham um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo neste exercício aspectos vinculados cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei, a sua relevância não se esgota nos actos praticados no exercício desses poderes discricionários.

Na verdade, por um lado, o texto do art. 266.º da CRP não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa, pelo que, em princípio, dever-se-á fazer tal aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade.
Por outro lado, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do CC).

Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário.

Tanto são normas legais a primeira parte do n.º 2 do art. 266.º da CRP, que impõe à Administração a observância do princípio da legalidade prevê o princípio da legalidade (…), como a sua segunda parte em que se prevêem os outros princípios e que generalizadamente impõem os modelos de actuação de toda a actividade administrativa, como também é uma norma legal a que, em determinada situação específica, prevê uma determinada actuação da Administração, designadamente, no caso em apreço, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios (art. 18.º, n.º 1, do CIRC).

Por isso, para definir a legalidade a que a Administração está vinculada, terão de se ter em conta todas essas normas e fazer uma ponderação e escolha entre elas caso a sua aplicação global, abstractamente compatível, se demonstre inviável em determinada situação concreta.

Assim, (…), do referido art. 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes.

Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.

Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.»

Neste mesmo sentido, já anteriormente o Tribunal Central Administrativo do Sul se havia pronunciado da seguinte forma[6]:

«I - O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

II - Tal princípio sofre as excepções, previstas na lei, quais sejam: nos casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual (artigos 18.º, n.ºs 2 e 5 e 19.º do CIRC); nas situações em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte e quando esse erro não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios.»    

Na jurisprudência tributária do CAAD, também constatamos o mesmo sentido decisório, entre outros, nos acórdãos proferidos em 24/11/2014, no processo n.º 367/2014-T e em 22/01/2016, no processo n.º 262/2015-T (disponíveis em www.caad.org.pt/tributário/decisoes). 

Acompanhando este entendimento jurisprudencial, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[7] preconizam a seguinte posição quanto à aplicação do princípio da especialização dos exercícios:

«Quando há divergência entre o critério do contribuinte e o da administração fiscal sobre a imputação de determinado ganho ou perda a determinado exercício esta deve proceder a correcção da matéria colectável, fazendo acrescer o proveito ou custo ao ano a que entende que ele deve respeitar e, correspondentemente, deveria abater tal proveito ou custo à matéria colectável do ano ao qual o contribuinte a imputou.

Com este procedimento, não haverá qualquer situação de injustiça, pois ao acréscimo de imposto em determinado ano, corresponderá uma diminuição tendencialmente semelhante noutro, não havendo, assim, tributação de um mesmo proveito em dois exercícios ou não dedução em qualquer deles de um custo que deva ser considerado.

  Porém, em certas situações em que a correcção é efetuada no último ano em que pode ser feita e tem por objecto um custo que deveria ter sido considerado no exercício anterior, não é já (ou pode não ser já) possível corrigir a matéria colectável desse anterior ano, por ter já transcorrido o prazo em que podiam ser efectuadas correcções. O mesmo sucede quando, embora no momento em que a administração fiscal faz a alteração da matéria colectável fosse possível efectuar a correspondente correcção no ano a que se entende ser de imputar os custos, ela não o faz e, com o decurso do tempo, se torna inviável fazê-lo.

Nestas condições, se a administração fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir.

Assim, no caso de não poder ser feita já a correcção relativamente ao ano anterior, o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não tinha direito.

Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.

Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça. 

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.

Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações de injustiça deste tipo.»                     

            Na mesma esteira, Tomás Cantista Tavares[8] propugna o seguinte entendimento:

            «A violação formal da especialização dos exercícios provoca a antecipação temporal do imposto devido, com diferimento do custo fiscal ou a antecipação do proveito tributário (em anos lucrativos). Aqui, o auto-declarante do imposto prejudica-se a si próprio. Paga-se o mesmo imposto – mantém-se a taxa efectiva, em ambos os anos. Mas fá-lo mais cedo. Antecipa-o, por comparação com o resultado da rigorosa aplicação das regras da especialização de exercícios.            

            (…) o sujeito interpreta e aplica o princípio da especialização em seu desfavor. Entrega o imposto mais cedo. Antecipa-o temporalmente. Este desfecho confirma a inexistência duma intenção fraudatória ou culposa do agente e impõe a total aceitação da conduta do contribuinte, embora sob violação formal da especialização.

            (…) no vazio legal, (…), a jurisprudência deve impor (…), por razões de justiça:

a)      a antecipação do imposto confirma a boa fé do contribuinte – que actuou numa interpretação plausível da regra da especialização;

b)      a correcção assimétrica dum só exercício corre o risco de transformar uma questão temporal num problema material – com uma indesejada dupla tributação, dada a dificuldade em se conseguir a dupla correcção fiscal inversa do balanço.

Em suma: em caso de antecipação temporal do imposto devido, deve-se aceitar a violação formal da especialização dos exercícios, independentemente de juízos sobre a censurabilidade do agente (quer a sua actuação se fique a dever a um erro intencional ou desculpabilizante). Essa tese assenta ainda em duas outras nuances acessórias:

- à entrega antecipada do imposto não se associa a concessão dum direito de juros a favor do contribuinte. O sujeito tomou a atitude que tomou, por sua livre e exclusiva vontade. (…)

- o sujeito passivo, para beneficiar deste regime, tem de alegar e provar qual o exercício em que contabilizou (ou vai contabilizar) o proveito ou o custo.»

*

§2. DO CASO SUB JUDICE: SUBSUNÇÃO AO BLOCO NORMATIVO APLICÁVEL

Após a incursão que fizemos pelo bloco normativo aplicável e pela doutrina e jurisprudência sobre o sentido e alcance do princípio da especialização dos exercícios – que perpassa transversalmente as duas componentes em que se decompõem o thema decidendum –, cumpre agora apreciar a situação sub judice, por via da sua subsunção àquelas normas jurídicas.

            §2.1. DOS GASTOS NÃO ACEITES (CONTRAPARTIDAS FINANCEIRAS / DESCONTOS ANTECIPADOS?)

Conforme resultou provado (cf. facto provado e)), nos «contratos celebrados, no âmbito da respetiva atividade, entre as empresas integradas no Grupo dominado pela Requerente (por facilidade de exposição, designaremos empresa) e os seus clientes (por facilidade de exposição, designaremos cliente), constam, entre outras, as seguintes cláusulas [cf. documento n.º 5 anexo à P. I.]:

(i) O contrato é celebrado pelo prazo de 60 (sessenta) meses.

(ii) O cliente obriga-se a:

- adquirir e revender nos seus estabelecimentos comerciais, exclusivamente, café, descafeinado e açúcar comercializados pela empresa ou por distribuidor por ela designado;

- não adquirir a terceiros mas única e exclusivamente ao distribuidor que lhe for indicado pela empresa, para fins de revenda no seu estabelecimento;

- não publicitar outras marcas de café e produtos análogos aos acima mencionados;

- adquirir, durante o prazo de 60 meses, a quantidade mínima mensal de “x” quilos de café (a título de exemplo, 103 kg), marca “y”, perfazendo o total contratual de “z” (a título de exemplo, 6.180 kg).

(iii) Como contrapartida da exclusividade conferida pelo cliente:

- a empresa empresta-lhe, sem juros, a quantia de “x” (a título de exemplo, € 25.000,00) , a restituir nos termos e condições contratualmente estipuladas;

- a empresa adianta a quantia de “x” (a título de exemplo, € 12.300,00), IVA incluído, à taxa normal, pela compra de “n” quilos de café (a título de exemplo, 6.180 kg); 

- a empresa cede ao cliente o equipamento e/ou material publicitário contratualmente acordado, propriedade da empresa e que o cliente utilizará na qualidade de fiel depositário, sendo responsável pela manutenção e reparação de quaisquer avarias que se venham a verificar.

(iv) O incumprimento do contrato pelo cliente tem para este, além de outras, as seguintes consequências:

- o pagamento de uma indemnização à empresa que, por acordo, se fixa em 1/3 do valor de “x” (a título de exemplo, € 12.300,00) adiantado ao cliente;

- a restituição imediata à empresa do valor de “x” (a título de exemplo, € 12.300,00) adiantado ao cliente, deduzido da parte proporcional ao número de quilos amortizados nos fornecimentos efetuados;

- em caso de violação da obrigação de adquirir, durante o prazo de 60 meses a quantidade mínima mensal de “x” quilos de café (a título de exemplo, 103 kg), marca “y”, perfazendo o total contratual de “z” (a título de exemplo, 6.180 kg), o pagamento de uma indemnização à empresa, no montante de € 12,00 (doze euros) por cada quilo de café não adquirido;

- a restituição imediata à empresa do equipamento e/ou material publicitário que lhe tiver sido cedido, bem como o pagamento a título de desvalorização pelo uso, de um montante igual á diferença entre o valor da compra à data do início da vigência do contrato e o valor à data da resolução, ou, em alternativa, o pagamento do referido equipamento e/ou material publicitário, pelo preço indicado no contrato.»

A problemática que neste conspecto se discute consiste em saber de que modo deverá ser fiscalmente tratada a mencionada quantia que as ditas empresas adiantam aos seus clientes, com IVA incluído, à taxa normal, pela compra de “n” quilos de café, a qual a Requerente considera ser uma contrapartida financeira e a AT considera configurar um desconto antecipado, não tendo os Serviços de Inspeção Tributária concordado com a contabilização efetuada pelas ditas empresas, no sentido de imputar o gasto suportado com as contrapartidas financeiras, em partes iguais, durante o período de vigência dos contratos.

Importa, pois, aferir qual a qualificação jurídico-tributária daquelas quantias monetárias que as empresas do Grupo dominado pela Requerente adiantam aos seus clientes, isto é, descortinar se aquelas devem ser consideradas contrapartidas financeiras – como sustenta a Requerente – ou descontos antecipados – como propugna a Requerida – e, consequentemente, apurar qual o respetivo tratamento fiscal em sede de IRC.

Na prossecução deste desiderato, importa começar por dilucidar a natureza e os efeitos dos contratos celebrados entre as empresas dominadas pela Requerente e os seus clientes – denominados contratos de fornecimento de café –, uma vez que a qualificação de uma operação consubstancia o ponto de partida para o respetivo enquadramento em sede de imposto e, uma vez esgotadas as restantes regras hermenêuticas, se persistirem dúvidas sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, a substância económica dos factos tributários tem prevalência sobre a respetiva forma (cf. artigo 11.º, n.º 3, da LGT).

Como é elucidativamente explanado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 4 de junho de 2009, no âmbito do processo n.º 257/09.1YFLSB (disponível em www.dgsi.pt):

«Importa, ora, caracterizar aquilo que é designado por contrato de fornecimento, que, grosso modo, é o acto ou o efeito de fornecer alguma coisa. Daí que, em sentido não jurídico, se possa qualificá-lo como todo aquele que tenha por objecto essa coisa ou um serviço. Essa designação também tem sido atribuída aos contratos geradores de obrigações duradouras em que o âmbito das prestações de cada uma das partes dependa do consumo efectivo de uma delas.

            Mas o contrato que visa directamente a transmissão do direito de propriedade sobre essa coisa ou a prestação de algum serviço há-de traduzir-se em contrato de compra e venda ou de prestação de serviços, conforme os casos, ainda que se trate de contratos de execução contínua ou emparelhada, com a sua especificidade de não homogeneidade quantitativa de prestações.

            O designado contrato de fornecimento reconduz-se, em regra, a um contrato de compra e venda desenvolvido por sucessivas, contínuas e periódicas prestações autónomas de coisas pelo vendedor mediante o pagamento pela contraparte do respectivo preço.

            (…) estamos perante declarações negociais que envolvem, por um lado, a promessa por parte (…) [do vendedor], no confronto do (…) [cliente], de lhe vender, durante 60 meses, café da marca que explora, e do último, em relação (…) [ao primeiro], de … [àquele] só o comprar em determinada quantidade mensal.   

            E, por outro, a promessa do (…) [cliente] no confronto do (…) [vendedor] de lhe publicitar a marca do café em elementos materiais afectos aos seus estabelecimentos, mediante o pagamento imediato de determinada quantia, e a colocação (…) [pelo último] nos estabelecimentos do primeiro de uma máquina e de um moinho de café para o seu uso gratuito.

            A partir do referido contrato, ao longo do tempo, (…) [os contraentes] celebraram vários contratos de compra e venda de café (…).

            Estamos, pois, perante um complexo contrato de natureza comercial que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de e comodato e, finalmente, de compra e venda de café, em exclusividade em relação ao comprador (artigos 2.º, 13.º e 463.º, n.º 1, do Código Comercial, 410.º, n.º 1, 874.º, 1129.º 3 1154.º do Código Civil).»

Isto posto. Atenta a diversidade das ações que são desenvolvidas com vista à angariação e fidelização de clientela, não é possível extrair, do quadro legal atualmente vigente, um conjunto unívoco de regras suscetível de ser aplicado à generalidade dos esquemas promocionais adotados pelos agentes económicos. Neste sentido, aferida a substância económica da atividade promocional, são essencialmente três as categorias em que esta se pode consubstanciar:

a)      A concessão de um desconto, abatimento ou bónus;

b)      A concessão de amostras e ofertas de pequeno valor; ou

c)      A prestação de um serviço a título gratuito.

A concessão de descontos, abatimentos e bónus – única categoria que aqui interessa analisar – consiste numa prática empregue pelos agentes económicos tendo em vista a angariação e fidelização de clientela, consubstanciando uma das políticas empresariais promocionais por excelência.

A concessão de um desconto pressupõe, desde logo, a entrega de um bem ou a prestação de um serviço a título oneroso, na medida em que o próprio termo desconto faz referência a uma redução apenas parcial do preço total acordado.

Em termos genéricos, os descontos constituem uma redução do preço a que um artigo é licitamente oferecido ao cliente, dado que o vendedor aceita privar-se de receber a quantia que o desconto representa; efetivamente, quando é efetuado um desconto existe uma diferença entre o preço de venda normal dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro recebida pelo vendedor por esses artigos.

Por outro lado, em geral, a concessão do desconto não proporciona ao vendedor ou prestador outras vantagens que não a perspetiva de, através da captação e fidelização de clientes, aumentar o respetivo volume de negócios ou efetuar o escoamento dos seus produtos ou serviços.

No caso sub judice, da análise exaustiva do contrato de fornecimento de café que a Requerente junta, a título exemplificativo, como documento n.º 5 anexo à P. I., resulta, naquilo que ora interessa atentar, o seguinte:

(i) os clientes ficam constituídos na obrigação de adquirirem, durante o prazo de 60 meses, a quantidade mínima mensal de “x” quilos de café (a título de exemplo, 103 kg), marca “y”, perfazendo o total contratual de “z” (a título de exemplo, 6.180 kg);

(ii) as referidas empresas:

- emprestam, sem juros, aos seus clientes a quantia de “x” (a título de exemplo, € 25.000,00), a restituir nos termos e condições contratualmente estipuladas, alegadamente como «contrapartida da exclusividade conferida pelo segundo contraente [cliente, à empresa]»; e,

- adiantam aos seus clientes a quantia de “x” (a título de exemplo, € 12.300,00), IVA incluído, à taxa normal, pela compra de “n” quilos de café (a título de exemplo, 6.180 kg), alegadamente «como contrapartida da exclusividade conferida pelo segundo contraente [cliente] à primeira contraente [empresa]»

  O epicentro do dissenso que opõe as partes radica, precisamente, na qualificação e respetivo tratamento fiscal a conferir a esta última quantia monetária, a qual configura, para a Requerente, uma contrapartida financeira pela exclusividade assumida pelos clientes quanto à compra e revenda de cafés comercializados pelas ditas empresas, e, para a AT, um desconto antecipado.

Adiantamos, desde já, que a posição da AT merece o nosso acolhimento, atento o vertido nas diversas cláusulas contratuais que aludem a esta quantia monetária – das quais resulta uma estreita interligação entra esta e as quantidades de café adquiridas pelos clientes –, a saber:

- a forma como é contratualmente configurada a entrega dessa quantia, na medida em que a mesma é adiantada pela compra de “x” quilos de café no decurso de um determinado período temporal; e

- o incumprimento do contrato pelo cliente tem como consequência para este, além de outras, a restituição imediata à empresa daquele valor que lhe foi adiantado, deduzido da parte proporcional ao número de quilos amortizados nos fornecimentos efetuados.

Tendo em consideração que existe um nexo de causalidade entre o desconto efetivamente concedido e as quantidades de café adquiridas podemos, então, afirmar que se trata de um desconto de quantidade, com a particularidade de ser concedido com anterioridade às aquisições de café pelos clientes.

Não se descortina, efetivamente, que possa ser perfilhado um diferente entendimento, considerando que, em caso de incumprimento contratual quanto à quantidade de café a adquirir, o cliente terá que restituir o valor do desconto já recebido, abatido do valor proporcional de desconto já amortizado nas aquisições até então efetuadas; por outras palavras, verificando-se tal incumprimento, o cliente não fica obrigado a restituir à empresa a totalidade do desconto antecipado, mas apenas o valor correspondente aos quilos de café que não adquiriu no período temporal contratualmente estabelecido.

Acresce que se se trata, como defende a Requerente, de uma contrapartida financeira pela exclusividade concedida pelas empresas aos clientes, não se descortina a razão pela qual esta surge autonomizada face à referenciada quantia monetária que é mutuada aos clientes, nem por que motivo, contrariamente a esta última, é aquela correlacionada expressamente com a aquisição de determinada quantidade de café, num determinado período temporal.     

Ademais, a entrega da quantia monetária em causa aos clientes é contabilisticamente suportada por uma nota de crédito, na qual é a mesma descrita como um «desconto antecipado» (cf. documento n.º 5 anexo à P. I.), o que não deixaria margem para dúvidas, se ainda as houvesse, quanto à natureza e escopo dessa quantia.

Por outro lado, não se extrai do contrato de que forma deverá o cliente adquirir a quantidade de café a que está obrigado – apenas se estatuindo determinada quantidade mínima mensal – pelo que aquela não tem necessariamente que ser adquirida de igual forma ao longo do período contratualmente estipulado, podendo conhecer oscilações, desde que nunca seja inferior à quantidade mínima mensal contratualmente fixada; isto sem que, frise-se, o desconto antecipado que é concedido se altere consoante a quantidade de café adquirida e o momento em que a mesma se processa.

Uma vez atingido o volume contratual total de café que o cliente se obrigou a adquirir, o seu direito ao desconto anteriormente concedido fica então consolidado, pelo que, contrariamente ao caminho trilhado pela Requerente, apenas faz sentido que o mesmo seja relevado como um custo diferido, que influenciará o resultado do(s) subsequente(s) exercício(s) à medida que a quantidade total de café contratualmente imposta for sendo adquirida pelo cliente.

Tanto mais que, como já se deixou dito, em caso de incumprimento contratual, o cliente não está obrigado a restituir a totalidade do desconto antecipado, mas tão só o valor correspondente aos quilos de café que não adquiriu, pelo que não faz sentido que esse desconto influencie os resultados dos cinco exercícios de vigência do contrato em partes iguais, mas sim, como propugna a AT, em função das quantidades que vão sendo adquiridas.

Noutra ordem de considerações, relativamente ao argumento da Requerente de que o benefício económico obtido pelas empresas não está circunscrito às quantidades mínimas de café que os clientes estão obrigados a adquirir, sendo particularmente relevante a exclusividade de fornecimento e a utilização de equipamentos e material publicitário, sempre diremos que o contrato prevê diversas penalidades que, em caso de incumprimento contratual por banda dos clientes, visam ressarcir as empresas do investimento efetuado, sendo este mais um argumento no sentido de que este desconto, tal como a predita penalização a ele associada, estão estreitamente conexos (apenas) com as quantidades de café a adquirir.

 Nestes termos, concluindo, subscrevemos o entendimento da AT vertido na decisão da mencionada reclamação graciosa, no sentido de «que a prática que melhor reflete o resultado real obtido pela reclamante [Requerente], e sobre o qual deverá incidir a tributação em IRC, é a do diferimento do custo, imputando-se o mesmo de forma sistemática a cada período de vigência do contrato, tendo por base as quantidades de café fornecidas, (…) pelo que nada obsta a que num determinado ano seja imputada uma fração maior do desconto, tudo em razão das quantidades efetivamente fornecidas. Julgamos que só assim se faz corresponder um maior custo incorrido, a um maior proveito obtido, cumprindo o desiderato subjacente ao princípio da especialização dos exercícios.

(…) estando contratualmente prevista a restituição dos descontos antecipados não amortizados nos fornecimentos efetuados, existe um nexo de causalidade entre o valor do desconto antecipado concedido e as quantidades de café que o cliente se compromete a adquirir, sendo tal nexo expresso na existência de um desconto de quantidade unitário, obtido pela divisão do montante do desconto antecipado pelo número de quilos de café cuja aquisição está contratualmente prevista. Perante este nexo de causalidade é possível fazer o balanceamento entre os gastos incorridos e os réditos obtidos, com vista à tributação do rendimento real das empresas.»

  Assim sendo, as controvertidas correções efetuadas à matéria tributável de IRC do exercício de 2011, radicadas na não aceitação dos gastos relativos aos sobreditos descontos antecipados, não merecem qualquer censura, pelo que, nessa estreita medida, devem ser mantidas quer a decisão da referenciada reclamação graciosa quer a liquidação adicional de IRC impugnada.

*

§2.2. DAS PERDAS POR IMPARIDADE NÃO ACEITES

A AT efetuou as controvertidas correções também em virtude de ter considerado existir falta de elementos probatórios que evidenciem diligências realizadas para o recebimento do crédito relativo ao cliente H…, J…, Ld.ª, no valor de € 16.874, 08.

Contra-argumenta a Requerente defendendo que quanto à correção imposta relativa à imparidade fiscal registada sobre o crédito do cliente H…, no montante total de (€16.874,08), juntou cópia de documentação comprovativa das diligências de cobrança efetuadas. Trata-se de cópia de um acordo de pagamento de Dívida celebrado entre a C…, H… e I…, em que o cliente H… se confessa devedor do primeiro e o último (I…) assume a dívida do cliente H… . Juntamente com o referido acordo foram apresentadas diversas letras datadas de 2008, 2009, e 2010.

Segundo a Requerente encontra-se comprovada a realização de diligências atinentes ao cumprimento do Acordo, principalmente a apresentação de Letras sendo que o devedor apresentou a última em 2010 e nenhuma em 2011.     

Vejamos.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º do Código do IRC podem ser deduzidas fiscalmente as perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou períodos anteriores, “relacionadas com créditos resultantes da atividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosas e sejam evidenciados como tal na contabilidade”. Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 36.º do mesmo compêndio legal, “consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos: a) O devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução; b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu reconhecimento.”

Os artigos 35.º e 36.º do Código do IRC estabelecem as condições ou requisitos legais que, embora formais, têm subjacente a proteção de um princípio fundamental que é o da especialização dos exercícios.

Segundo o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido em 30 de junho de 2009, no processo n.º 02475/08 (disponível em www.dgsi.pt): «o princípio da tributação do lucro real não conflitua, antes está intimamente relacionado com o princípio da especialização de exercícios e ambos estão conexionados com o princípio da anualidade, segundo o qual as empresas deverão apurar, no fim de cada ano, os resultados do exercício da atividade durante o mesmo período e decidir, desde logo, sobre o destino a dar aos mesmos resultados, quando positivos».

As exigências legais previstas nos artigos 35.º e 36.º do Código do IRC visam garantir por um lado, que o contribuinte possa deduzir créditos de cobrança duvidosa e, por outro, que não sejam deduzidos artificialmente os lucros sujeitos a tributação.

A inobservância da regra da periodização económica propiciaria a transferência de resultados de um período para o outro. Visa-se garantir, no fundo, que as empresas não tenham à sua escolha o exercício em que reportam as perdas e façam a gestão fiscal dos resultados.

No caso dos autos, num primeiro momento, até se aceitaria que, do ponto de vista da gestão da empresa, a Requerente pudesse ter entendido que não havia risco de incobrabilidade e, nessa sequência, tivesse adiado para mais tarde o reconhecimento da incobrabilidade, atendendo aos dados objetivos de que dispunha.

 Acontece, porém, que, o referido acordo celebrado em 2008 não é suficiente para dar cumprimento às regras dos artigos 35.º e 36.º do Código do IRC de modo a justificar que o crédito em causa possa constituir um custo fiscal em 2011.

Da análise do RIT conclui-se que o documento em causa não passa de um contrato, datado de 15 de fevereiro de 2008, o qual não prova que tenham sido realizadas todas as diligências necessárias para o recebimento do crédito da empresa C…, S. A. sobre o seu cliente H…, no valor de € 16.874,08 (dezasseis mil oitocentos e setenta e quatro euros e oito cêntimos), nem que o risco de incobrabilidade desse crédito ocorreu no exercício de 2011 (cf. facto não provado).

Termos em que assiste razão à Requerida devendo, por isso, também com este fundamento, serem mantidas as correções em causa e, por consequência, devem ser mantidas quer a decisão da referenciada reclamação graciosa quer a liquidação adicional de IRC impugnada.

***

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar o pedido formulado pela Requerente no sentido de, ao abrigo do artigo 100.º da LGT, a AT ser condenada a proceder à correção de todos os exercícios afetados pela prática do ato tributário controvertido, determinando-se designadamente «que os gastos considerados não aceites pela AT, no período de 2010, deverão ser imputados aos respetivos períodos de tributação de acordo com o critério preconizado pela REQUERENTE (i.e. os gastos serão repartidos em partes iguais pelos períodos de vigência dos contratos)» e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto a este pedido.

b)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

c)       Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, referente ao exercício de 2011, e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016…, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

d)      Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

*

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 675.401,09 (seiscentos e setenta e cinco mil quatrocentos e um euros e nove cêntimos).

*

CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 10.098,00 (dez mil e noventa e oito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

*

Lisboa, 15 de dezembro de 2017.

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs)

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 

(Pedro Galego)

 

 



[1] Manuel Henrique de Freitas Pereira, “A periodização do lucro tributável”, Ciência e Técnica Fiscal, 1988, n.º 349, pp. 77 e ss.

[2] Idem, ibidem, pp. 80-81.

[3] Tomás Cantista Tavares, IRC e contabilidade: da realização o justo valor, Coimbra, Almedina, 2011, p. 63.

[4] Ob. cit., pp. 63-66.

[5] No mesmo sentido, vide, entre outros, os acórdãos proferidos em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, em 25/06/2008, no processo n.º 0291/08 e em 09/05/2012, no processo n.º 0269/12. 

[6] Acórdão proferido em 28/03/2007, no processo n.º 01551/06, disponível em www.dgsi.pt.

[7] Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita, 2012, pp. 452-454.

[8] Ob. cit, pp. 67-69.