Decidem, nestes autos, os Árbitros Clotilde Celorico Palma (Árbitro Presidente), Luís Menezes Leitão designado pela A…, S.A., e Manuel Pires, designado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (Árbitros Vogais), para formarem o presente Tribunal Arbitral:
I. Relatório
1 – A…, S.A., sociedade com sede na Avenida …, n.º…, em Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva … doravante A… ou Requerente), solicitou, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido como RJAT), a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, com vista a requerer Pronúncia Arbitral sobre a decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada com referência à liquidação do Imposto do Selo n.º 2015…, no montante de € 1.481.299,66, e respectivas liquidações de juros compensatórios, referentes ao ano de 2012, tendo em vista a “declaração de ilegalidade daquelas decisões de indeferimento, assim como dos respetivos atos tributários”.
2 – Fundamentando estes pedidos a Requerente alegou, em resumo, que:
a) Estamos perante uma ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo (IS) sobre duas realidades, a saber: (i) os juros de mora relativos ao crédito à habitação e, (ii) a Taxa de Serviço do Comerciante (doravante TSC);
b) No tocante à primeira ilegalidade, o fundamento das correcções reside numa errónea interpretação por parte dos serviços de inspecção tributária da aplicação da isenção prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (doravante CIS);
c) O relatório de inspecção de Janeiro de 2015 da Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) está ferido de ilegalidade ao prever que os juros de mora cobrados pela Requerente não se encontram abrangidos pela referida isenção, por não haver base legal ou qualquer intenção do legislador nesse sentido;
d) A AT faz uma interpretação errada dos elementos literal, histórico, teleológico e sistemático da norma supra mencionada, já que o IS “nunca teve um caráter sancionatório, o que, de acordo com a interpretação da administração tributária teria” e “o sistema jurídico português é “uno”, e há uma clara preocupação do ordenamento jurídico com o apoio e incentivo ao acesso à habitação própria[...] não é lógico, penalizar agora os devedores com o Imposto de Selo sobre os juros moratórios”;
e) Não pode haver qualquer distinção entre os tipos de juros previstos na lei, para efeitos de aplicação da norma de isenção do imposto, que recai, genericamente, sobre todos os juros, desde que associados a operações realizadas por ou com instituições de crédito ou equiparadas, referentes a “empréstimos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria”;
f) Ainda que assim erroneamente não se entendesse e, portanto, caso se entenda que é de sujeitar a IS os juros de mora supra referidos, a AT incorre em “erro sobre a responsabilidade pelo pagamento do IS”, devendo o encargo deste imposto recair sobre os devedores desses juros, conforme resulta da conjugação dos artigos 1.º e 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea g), do CIS;
g) Por sua vez, no que se reporta à alegada ilegalidade das liquidações de IS relativas à TSC, é erróneo o entendimento da AT ao assumir que se “trata de uma comissão, sujeita a IVA, mas deste imposto isenta nos termos da alínea c) do n. º 27 do artigo 9.º do CIVA e, por esse motivo, segundo a Requerida está sujeita a Imposto do Selo, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do CIS e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, tendo cabimento na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante TGIS)”;
h) Não há fundamento para extrair da norma contida no artigo 1.º, n.º 2, do CIS, que as operações que sejam isentas de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (doravante IVA) estejam necessariamente sujeitas a IS;
i) A TSC não é uma comissão, porque “não estamos diante de uma contraprestação de um serviço financeiro e que o desconto aqui em causa [a TSC] não tem a mesma causa que as comissões pelas operações de prestação de serviços”;
j) Convém atender ao procedimento das operações referentes aos Terminais de Pagamento Automático (doravante TPA), dispositivo de aceitação de cartões que permite realizar pagamentos por via electrónica, conforme determinado pelo Caderno n.º 10, do Banco de Portugal, de Maio de 2011 - “Terminais de Pagamento e Caixas Automáticas”:
“1. O titular do cartão (consumidor final) dá ordem de pagamento ao comerciante para a compra;
2. O adquirente ou acquirer (Banco do comerciante que forneceu o TPA) pede autorização ao Banco emissor do cartão (Banco do consumidor final) para o pagamento;
3. O Banco emissor do cartão autoriza o pagamento e fornece uma garantia de pagamento;
4. O adquirente paga ao comerciante descontando um valor ao preço da compra (a denominada “Taxa de Serviço de Comerciante”);
5. O Banco emissor do cartão reembolsa o Banco adquirente e este, por sua vez, paga ao primeiro uma taxa multilateral de intercâmbio;
6. O Banco emissor do cartão cobra ao seu cliente (o consumidor final, o titular do cartão) o valor da transação.”;
k) O adquirente presta o serviço de disponibilização do TPA, sendo que pela prestação é remunerado pelas diversas contraprestações, facturadas aos seus clientes, nas quais se incluem, designadamente, os proveitos de aluguer do TPA, os proveitos da taxa de ligação e ligação a linhas DOV (“Data Over Voice”);
l) Na relação entre o adquirente e o comerciante que se estabelece no seio desta operação, estipula-se que o primeiro paga ao segundo o valor do crédito que este último detém sobre o consumidor final, ficando assim exonerado este último, ou seja, é o adquirente que adquire o crédito do comerciante;
m) Estipula-se que tal aquisição é realizada contemplando um desconto sobre o valor nominal dos créditos cedidos e é essa diferença positiva entre o valor de aquisição dos créditos (preço da cessão) e o valor dos créditos cedidos que é designada por TSC;
n) O comerciante não recebe, assim, o montante correspondente às transações na sua totalidade, mas uma quantia inferior ao preço dos bens ou serviços vendidos ou prestados – que corresponde à denominada TSC;
o) Pela prestação dos diversos serviços inerentes à disponibilização dos TPA, o comerciante remunera o Banco através das diversas comissões: comissões de aluguer e de gestão, mensalidades de linhas, matrículas, taxas de ligação e comissões por outros serviços adicionais;
p) Mesmo que se considere que a TSC está sujeita a IS, este constitui encargo dos devedores, ou seja, dos clientes da Requerente, nos termos da conjugação do disposto nos artigos 1.º e 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea g), do CIS;
q) Por outro lado, ainda que se entenda que a TSC é uma comissão e que, por isso, está sujeita a IS, para que seja enquadrada na verba 17.3.4 da TGIS, é necessário que se admita que estamos perante uma prestação de serviços, o que não é verdade, já que “não existe sequer o objetivo de atingir um determinado resultado”, nem se “reconduz a nenhum trabalho intelectual ou manual”;
r) Caso ainda assim se entenda que a TSC corresponda a uma “comissão por prestação de serviço financeiro sujeita a Imposto do Selo”, deverá considerar-se a verba 17.3.4 da TGIS como materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP);
s) Ainda que tudo o supra exposto seja considerado improcedente, o artigo 153.º da Lei do Orçamento de Estado para 2016 determinou que a verba 17.3.4 da TGIS passaria a ter a seguinte redação “17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, o que significa que, se esta redacção da norma se aplicasse aos factos em questão, ocorridos antes da sua entrada em vigor, “a TSC não teria cabimento na verba 17.3.4 da TGIS, sobre a qual não incidiria o Imposto do Selo”.
3 – Neste contexto vem a Requerente, em suma, solicitar a este Tribunal:
- Que declare a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento da reclamação graciosa;
- Que declare a anulação do acto tributário que daquele foi objecto;
- Que condene a Requerida à restituição à Requerente do montante entregue em excesso, seja a liquidação de Imposto do Selo, bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios, no total de € 1.621.732,40, acrescido de juros indemnizatórios.
Juntou à petição diversos documentos.
4 – Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011 e na Portaria n.º 112-A/201l, de 22 de Março, foi constituído Tribunal Arbitral Colectivo em 11 de Abril de 2017, formado pelo Professor Doutor Luís Menezes Leitão – Árbitro designado pela Requerente -, pelo Professor Doutor Manuel Pires – Árbitro designado pela Requerida, e pela Professora Doutora Clotilde Celorico Palma – Árbitro Presidente, designados nos termos do artigo 11.º, n.º8, do RJAT.
5 – Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, veio a AT apresentar resposta na qual vem impugnar os fundamentos do pedido, alegando, sumariamente, que:
a) Quanto ao alegado erro sobre a responsabilidade pelo pagamento do IS, embora o encargo do imposto pertença ao beneficiário do crédito, é a Requerente o sujeito passivo do imposto e portanto responsável pela liquidação e pagamento do mesmo;
b) Em sede de IS o “conceito “sujeito passivo” é diferenciado do “encargo do imposto” e que, muitas vezes, a pessoa que em determinada situação assume uma das posições é distinta da que assume a outra posição”;
c) A indicação da Requerente dos seus clientes como responsáveis pelo pagamento do imposto e, apontando-os, dessa forma, como “putativos alvos de ações inspetivas e das eventuais correções fiscais consequentes”, é uma “técnica” da Requerente, que tem como principal objetivo “manietar a AT”, por ter conhecimento da “pulverização de clientes da Requerente”;
d) Sobre a alegada errónea interpretação da alínea l) do n.º1 do artigo 7.º, do CIS, a Requerente faz uma interpretação enviesada dos elementos literal, histórico, teleológico e sistemático, aliás, não apenas do CIS e da TGIS, mas de todas as normas fiscais aplicáveis ao caso concreto;
e) Efectivamente o legislador não especificou quais os juros a que se estava a referir na alínea l) do n.º1 do artigo 7.º, do CIS, mas não nos devemos apenas cingir à letra da lei, mas sim, reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do ordenamento jurídico na sua íntegra;
f) Assume-se que, tendo em conta a interpretação teleológica do preceito, estamos perante um benefício fiscal, afigurando-se como uma medida de carácter excepcional, porém, “a lei não pode prever todas as situações passíveis de ocorrência no concreto plano dos factos, não sendo, por isso, possível concluir-se, sem mais, e por mero apelo ao elemento literal, que, por não estarem tais situações expressamente excluídas da letra da lei, as mesmas têm cabimento na previsão normativa em causa”;
g) A norma, deve assim, à luz dos elementos supra expostos, ser interpretada no sentido de apenas “os juros remuneratórios serem enquadráveis nos propósitos da referida premissa, na medida em que constituem a retribuição típica de um contrato de mútuo, enquanto que os juros moratórios, resultando da mora no cumprimento das obrigações pelo cliente, distanciam-se da identificada premissa”;
h) Quanto ao argumento supra exposto da não sujeição dos juros de mora a IS, e uma vez que a Requerente reconhece a aplicação do IS a juros moratórios relativos ao incumprimento de outros contratos de empréstimo (e não financeiros), “há uma incongruência que destrói o argumento, já que estes juros de mora cobrados pelo incumprimento de um contrato de empréstimo, resultam de uma operação financeira, ou seja da normal atividade bancária, pelo que, mesmo que não estivessem em causa um contrato de crédito à habitação, seria sempre tributado em sede de Imposto do Selo”;
i) Por outro lado, em relação à TSC houve uma simplificação da leitura do relatório inspectivo, na medida em que, contrariamente ao afirmado pela Requerente, a AT não chegou à conclusão “de ser devida esta tributação, por a mesma estar isenta de IVA”;
j) Diversamente do defendido pela Requerente, a mesma é enquadrável na verba 17.3.4 da TGIS por uma conjugação de vários factores: não só por estar isenta de IVA, mas também por se qualificar a operação subjacente como uma prestação de serviços;
k) Todos os outros argumentos esgrimidos pela Requerente são argumentos “tendenciosos, que enviesam a questão, uma mescla de sofismas com omissões de parte dos textos citados, cujo único objetivo é desviar a atenção do que realmente acontece”;
l) Deve, pelo supra exposto, ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.
6 – Houve dispensa da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, por Despacho de 26 de Maio de 2017, com o fundamento de não estar em causa qualquer excepção nem terem sido arroladas testemunhas.
7– Por Despacho de 26 de Maio de 2017, as partes foram notificadas para apresentação de alegações escritas facultativas, não tendo, no entanto, nenhuma delas apresentado.
8– Pelo mesmo Despacho, o Tribunal indicou como data de prolação da Decisão Arbitral o dia 30 de Setembro de 2017.
9– Com fundamento na especial complexidade processual, decidiu o Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, pela prorrogação por dois meses do prazo de prolação de decisão arbitral no Processo sob epígrafe, a contar do prazo de seis meses previsto no respectivo n.º 1.
II. Saneamento do Processo
O Tribunal é competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo.
III. Fundamentação
1 – Questões decidendas
As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a AT procedeu adequadamente ao ter, nos termos indicados, feito as correcções de liquidações adicionais do Imposto do Selo relativamente ao exercício de 2012 sobre: (i) os juros de mora decorrentes de incumprimento de contratos de crédito à habitação com fundamento na inaplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do CIS e, (ii) a comissão designada “Taxa de Serviço do Comerciante” com fundamento na aplicação da verba 17.3.4 da TGIS.
Vejamos.
2 – Matéria de facto
Em face das posições das partes expressas nos articulados e dos documentos integrantes do processo administrativo anexo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:
a) A Requerente no exercício de 2012 não liquidou IS sobre os juros de mora devidos por incumprimento de contratos de créditos à habitação, ao abrigo do disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;
b) A Requerente no exercício de 2012 não liquidou IS sobre a Taxa de Serviço de Comerciante, de acordo com o previsto n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do CIS e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do respectivo artigo 2.º, por não se enquadrar na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo;
c) A Directiva 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro, que estabeleceu a base jurídica para a criação de um mercado interno de pagamentos na União Europeia, criando regras uniformes aplicáveis à prestação de serviços de pagamento, transposta pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, estava em vigor à data dos factos em apreciação;
d) A TSC é paga pelo beneficiário (de um pagamento através de cartão de crédito, tipicamente, um comerciante), ao adquirente, respeitando a um segmento da operação de pagamento num sistema quadripartido, encontrando-se expressamente prevista e regulada, desde 2015, no Regulamento (UE) 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões;
e) De acordo com o procedimemto das operações referentes aos Terminais de Pagamento Automático (doravante TPA), dispositivo de aceitação de cartões que permite realizar pagamentos por via electrónica, conforme previsto pelo Caderno n.º 10, do Banco de Portugal, de Maio de 2011 - “Terminais de Pagamento e Caixas Automáticas”:
“1. O titular do cartão (consumidor final) dá ordem de pagamento ao comerciante para a compra;
7. O adquirente ou acquirer (Banco do comerciante que forneceu o TPA) pede autorização ao Banco emissor do cartão (Banco do consumidor final) para o pagamento;
8. O Banco emissor do cartão autoriza o pagamento e fornece uma garantia de pagamento;
9. O adquirente paga ao comerciante descontando um valor ao preço da compra (a denominada “Taxa de Serviço de Comerciante”);
10. O Banco emissor do cartão reembolsa o Banco adquirente e este, por sua vez, paga ao primeiro uma taxa multilateral de intercâmbio;
11. O Banco emissor do cartão cobra ao seu cliente (o consumidor final, o titular do cartão) o valor da transação.”;
f) A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva à escrita do exercício de 2012, realizada pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, durante o período decorrido entre Março e Novembro de 2014;
g) A 27 de Novembro de 2014, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária, do qual constavam diversas correcções em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), IVA e IS.
h) Em face da notificação do aludido projecto de relatório de inspecção, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia;
i) A 5 de Janeiro de 2015, a Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária, o qual converteu em definitivo o projecto de relatório de inspecção;
j) No que respeita ao IS, a Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições Financeiras procedeu às seguintes correcções:
- € 343.286,85, resultante da aplicação da taxa de 4% sobre juros de mora devidos por incumprimento de contratos de créditos à habitação;
- € 1.138.012,78, decorrente da aplicação da taxa de 4% da comissão designada “Taxa de Serviço do Comerciante”;
- € 19.751,68, resultante da aplicação da taxa de 0,5% sobre o valor de contratos de reporte;
k) Na sequência daquelas correcções, foi a Requerente notificada da liquidação do Imposto do Selo n.º 2015…, no montante de € 1.481.299,66, e respectivas liquidações de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2012, que totaliza um valor de € 1.621.732,40;
l) A 6 de Março de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e respectivos juros;
m) Não se conformando com as liquidações supra descritas, a Requerente apresentou reclamação graciosa, circunscrita às seguintes correcções:
- € 343.286,85, resultante da aplicação da taxa de 4% sobre juros de mora devidos por incumprimento de contratos de créditos à habitação;
- € 1.138.012,78, decorrente da aplicação da taxa de 4% da comissão designada “Taxa de Serviço do Comerciante”;
n) A 23 de Setembro de 2015, a Requerente foi notificada do projecto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
o) No seguimento daquela notificação, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia;
p) Posteriormente, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
q) A 18 de Novembro de 2015, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
r) Em Dezembro de 2016, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Os factos que acima se consideraram provados resultam da aplicação de dois critérios ao julgamento da matéria de facto: o primeiro, da pertinência de cada facto concreto para a decisão, a qual compete ao Tribunal Arbitral determinar, seleccionando de entre todos os factos que foram alegados pelas partes aqueles que revelam idoneidade para tal fim e descriminando a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Isto é, a selecção da matéria de facto pertinente para a solução da causa é feita através da condensação da materialidade fáctica alegada nos articulados, tendo em conta o silogismo que deve existir entre os factos seleccionados, a fundamentação jurídica e o segmento dispositivo que decidirá a causa.
No caso vertente a selecção dos factos pertinentes para o julgamento da causa foi feita através da escolha dos factos que, em função das várias soluções plausíveis de Direito, apresentavam relevância para a solução jurídica das questões debatidas nos autos (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
O segundo critério que subjaz à decisão sobre a matéria de facto assenta na convicção do tribunal. A convicção do tribunal emerge da análise crítica das provas, das ilacções retiradas dos factos instrumentais e de todos os elementos que são decisivos para essa convicção. Mas, para além dessa convicção, devem ser tomados em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, tal como impõe o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
A convicção do tribunal baseia-se na livre apreciação das provas que, contudo, não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (artigo 607.º, n.º 5, do CPC).
Da aplicação destes critérios ao caso concreto, resulta que a convicção do tribunal quanto aos factos seleccionados e considerados provados assentou nos documentos constantes dos autos.
Por último, importa dizer que o tribunal teve ainda em consideração, na resposta à matéria de facto, as máximas indiciárias de conteúdo determinístico-natural que, juntamente com o grau de probabilidade aceitável, deram ao tribunal, na apreensão dos factos, a verdade material tal como foi apurada e que, não existindo factos não provados, não se justifica a motivação da falta de prova dos mesmos (Sobre os referidos conteúdos e máximas indiciárias, juízos de probabilidade e presunções judiciais, vd. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª edição, pp. 367 e ss. e Pires de Lima - Antunes Varela, Cód. Civil Anot., 4ª ed., I vol., p. 312).
4. Das questões de direito
Importa agora analisar as questões de direito suscitadas, o que faremos separadamente.
4.1 Da liquidação de IS sobre os juros de mora relativos ao crédito à habitação
A verba 17.3.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho (anterior verba 17.2.1.), prevê a aplicação da taxa de 4% a «juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação».
A alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, estabelece que «são também isentos de imposto» «os juros cobrados por empréstimos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria».
«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária/LGT).
Por isso, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Em face desta última presunção, o facto de em ambas as normas referidas do CIS e da TGIS se fazer referência a «juros ... por empréstimos», sem qualquer especificação de algum tipo de juros, conduz à conclusão de que a isenção se reporta aos mesmos tipos de juros que são abrangidos pela norma de incidência, desde que os empréstimos sejam «para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria». Na verdade, à luz daquela presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, se em duas normas conexas o legislador utiliza a mesma expressão, que é a que considera mais adequada para exprimir o seu pensamento, é de concluir que o faz com a intenção de exprimir a mesma realidade.
Assim, tem de se concluir que, se os juros de mora por empréstimos são abrangidos no âmbito de incidência objectiva definido pela verba 17.3.1 da TGIS, estarão abrangidos pela isenção quando esses empréstimos se destinem a aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria.
De resto, a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas restritivamente não tem qualquer suporte legal.
As normas que prevêem benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que devem ser interpretadas, em princípio, nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições, de forma a abrangerem todos os casos nelas literalmente previstos e apenas esses, como é jurisprudência pacífica sobre a interpretação desse tipo de normas, sem prejuízo de eventuais ampliações ou restrições que permitam concluir com segurança que o legislador não exprimiu adequadamente a intenção legislativa, designadamente trabalhos preparatórios e textos explicativos.
Isto é, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos e não restritos.
No caso em apreço, não havendo no artigo 7.º, n.º 1, alínea l), da TGIS suporte textual para restrição do seu campo de aplicação apenas a alguns tipos de juros abrangidos pela norma de incidência e não havendo qualquer manifestação de intenção legislativa por outra via (como preâmbulo de diploma ou exposição de motivos ou discussão parlamentar) que permita concluir que se pretendeu consagrar solução diferente da que resulta do teor literal, tem de se concluir que há que aplicar a norma da alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º com o sentido que resulta dos seus termos.
Além do mais, trata-se também de uma solução de evidente razoabilidade, à face do perceptível desígnio legislativo de facilitar o acesso a habitação própria, pois a aplicação do imposto apenas aos juros de mora dos empréstimos com este fim, iria sobrecarregar os contribuintes que presumivelmente estão com maiores dificuldades em efectuar os pagamentos contratados, facto que revela menor capacidade contributiva.
Por outro lado, o argumemto, referido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de os juros de mora terem por fundamento um facto ilícito não tem qualquer relevância para este efeito.
Na verdade, sendo os juros de vários tipos, inclusivamente os devidos por incumprimento ilícito, uma realidade omnipresente nas relações jurídicas tributárias, não é defensável que o legislador fiscal, ao utilizar a expressão «juros por empréstimos», que potencialmente abrange todos os tipos, se tivesse «esquecido» de que essa fórmula abrangia os devidos por incumprimento ilícito.
Por outro lado, é consabido que a lei tributária, em matéria de incidência objectiva, atende mais à realidade económica do que às qualificações jurídicas, princípio que tem um afloramento explícito no n.º 3 do artigo 11.º da LGT, que é corolário dos princípios constitucionais da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva. Desta perspectiva, não há justificação razoável para dar tratamento fiscal mais favorável aos juros remuneratórios do que aos juros de mora, já que, em qualquer dos casos, se está perante quantias que o devedor tem de entregar ao credor como contrapartida do empréstimo e o devedor de juros de mora estará, presumível e tendencialmente, em situação especialmente menos favorável a nível da capacidade contributiva do que o devedor que apenas tem de pagar juros remuneratórios.
Não se trata, assim, nesta interpretação, de beneficiar legislativamente uma situação originada pela verificação de um ilícito, mas sim de lhe dar o mesmo tratamento que é dado às outras situações de pagamento de juros por empréstimo.
Por outro lado, esta igualdade de tratamento fiscal justifica-se por valer em relação a qualquer tipo de juros devidos por empréstimos para habitação própria a razão primacial que justifica a isenção, que é o cumprimento pelo Estado da obrigação de estimular o acesso à habitação própria, que constitui uma das incumbências constitucionalmente impostas ao Estado em matéria de habitação (artigo 65.º, n.º 2, alínea b), da CRP).
Pelo exposto, é de concluir que não há lugar a tributação em Imposto do Selo de juros de mora por empréstimos destinado a aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria, pelo que a liquidação impugnada viola o preceituado no artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do Código do Imposto do Selo, conjugado com a verba 17.3.1. da TGIS.
Nos mesmos termos se pronunciou já este Tribunal em situação similar à controvertida no Acórdão de 3 de Novembro de 2016 exarado no Processo n.º 292/2016-T.
Nestes termos, fica assim prejudicada a análise das demais questões relativas à liquidação do IS sobre os juros de mora supra referidos.
4.2 Da liquidação de IS sobre a Taxa de Serviço do Comerciante
Como vimos, a AT procedeu a correcção de imposto no montante de 1.138.012,78 €, decorrente da aplicação da taxa de 4% em Imposto do Selo à “Taxa de Serviço do Comerciante” (TSC), com fundamento na aplicação da verba 17.3.4 da TGIS.
Para a Requerente, esta correcção padece desde logo, do ponto de vista subjectivo, de ilegalidade por erro sobre a responsabilidade pelo pagamento do IS.
Por sua vez, como vimos, do ponto de vista objectivo, entende a Requerente que esta correcção é também ilegal porque, segundo alega, não há, em primeiro lugar, fundamento para extrair da norma contida no artigo 1.º, n.º 2, do CIS, que as operações que sejam isentas de IVA estejam necessariamente sujeitas a IS e, por outro lado, porque considera que a TSC não é uma comissão, considerando que “não estamos diante de uma contraprestação de um serviço financeiro e que o desconto aqui em causa [a TSC] não tem a mesma causa que as comissões pelas operações de prestação de serviços”.
Entende ainda a Requerente que caso ainda assim se entenda que a TSC corresponde a uma “comissão por prestação de serviço financeiro sujeita a Imposto do Selo”, deverá considerar-se a verba 17.3.4 da TGIS como materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º e 104.º da CRP.
Por fim, invoca que o raciocínio e interpretação por si sustentada em nada sai prejudicado pela nova redacção conferida à verba 13.3.4 da TGIS pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2016, a qual entrou em vigor em 31 de Março de 2016, ao ter passado a ter a seguinte redacção: “17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.
Segundo alega, a TSC, não consubstanciando uma comissão pela prestação de serviços financeiros, por não ter subjacente qualquer prestação de serviços, continua a não ter cabimento na verba 17.3.4 da TGIS, também face à nova redacção da norma. Mas, ainda que tal raciocínio se visse prejudicado por esta nova redacção, segundo a Requerente, sempre inexistiria incidência de IS no caso concreto, sob pena de violação do princípio da retroactividade fiscal plasmado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, bem como do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artigo 2.º da CRP.
Para a AT, diversamente ao defendido pela Requerente, esta TSC é enquadrável na verba 17.3.4 da TGIS por uma conjugação de vários factores: não só por estar isenta de IVA, mas também por se qualificar a operação subjacente como uma prestação de serviços financeiros. No entendimento da AT, a TSC enquadra-se, sem qualquer dúvida, na verba 17.3.4 da TGIS, na parte em que se refere a “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”. Responde ainda a AT no sentido de não se verificar qualquer inconstitucionalidade na interpretação por si sufragada por alegada violação dos princípios dos artigos 103.º e 104.º da CRP.
Cumpre apreciar e decidir.
a) Da responsabilidade pelo pagamento do IS
A Requerente contesta, em primeiro lugar que, do ponto de vista subjectivo, seja a responsável pelo IS perante a AT. Reconhece a Requerente que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIS, é sujeito passivo de IS. Todavia, considera que o encargo daquele imposto recai sobre os seus clientes, enquanto titulares do interesse económico da operação subjacente, nos termos dos artigos 1.º e 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea g) do CIS.
Considera a Requerente que a presente situação configura um caso de substituição sem retenção, não sendo, por conseguinte, aplicável o artigo 28.º da LGT, pelo que no seu entender inexiste responsabilidade da Requerente, enquanto substituto tributário, pelo pagamento do imposto não liquidado. Refere a Requerente, neste contexto, que inexistindo no caso concreto uma comissão, na medida em que a TSC consubstancia, no seu entender, um “desconto” efectuado pela Requerente aquando do pagamento aos clientes dos créditos que aquela lhes adquire, a Requerente não tinha forma de proceder à cobrança do imposto e, assim, não tendo sido cobrado o imposto, este não lhe é exigível, enquanto substituto tributário, constituindo antes um encargo dos devedores da mesma, ou seja, dos seus clientes.
Em suma, a Requerente defende a ilegalidade do acto tributário impugnado na medida em que considera que daquele resulta a sua oneração com o encargo do imposto, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do CIS.
Atentemos nas normas em questão.
O artigo 3.º, n.º 1, do CIS, prevê que o imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º. Por sua vez, o n.º 3, alínea g), especifica que se considera titular do interesse económico, nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas.
In casu, é a Requerente o sujeito passivo do imposto, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, onde se prevê que são sujeitos passivos do imposto as entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações;
Neste contexto, há que distinguir os conceitos de sujeito passivo e de encargo do imposto e respectivo titular do interesse económico e aferir quem é o responsável do imposto.
O artigo 28.º da LGT ocupa-se dos casos de responsabilidade em caso de substituição tributária, dispondo o seguinte:
“Artigo 28.º
Responsabilidade em caso de substituição tributária
1 - Em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.
3 - Nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram.”
Antes, porém, há que atentar no conceito de substituição tributária, previsto no artigo 20.º da LGT, que é definida como a situação em que, por imposição da lei, a prestação tributária é exigida a pessoa diferente do contribuinte (n.º 1), sendo que o mecanismo por via do qual é efectivada esta substituição é o da retenção na fonte do imposto devido (n.º 2).
Ora, no caso concreto do IS, não se pode dizer que a prestação tributária é exigida a pessoa diferente do contribuinte, dado que o contribuinte é o sujeito passivo do imposto de acordo com as normas de incidência subjectiva. Não existe, pois, substituição tributária. Quanto muito, existirá aquilo que commumente se designa “contribuinte de facto” no âmbito da distinção que usualmente se faz entre “contribuinte de direito” e “contribuinte de facto” atento o fenómeno da repercussão tributária ocorrido na tributação sobre o consumo.
Esta distinção está bem sedimentada na jurisprudência. Assim, por exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 22-04-2004 (Rel. Oliveira Barros), Proc. 04B837, afirma-se o seguinte: “Enquanto responsável fiscal chamado a pagá-lo (contribuinte de direito), é-o também pela falta da sua oportuna liquidação e cobrança a quem efectivamente o desembolsa (ou seja, ao contribuinte de facto). Como o imposto de selo, o IVA é, na verdade, um imposto cobrado por uns, mas posto a cargo de e suportado economicamente por outros. [...] são estes últimos que vêm na realidade a ser os contribuintes. [...] são eles os devedores principais e originários desse tributo, e, assim, o seu sujeito passivo propriamente dito.”
Como defendem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, o repercutido do tributo não é sujeito passivo do imposto e, sendo a obrigação do repercutido uma obrigação legal, ainda assim está na mão do sujeito passivo repercutir ou não o imposto na esfera jurídica daquele no âmbito de uma relação jurídica privada em que se admitiria a figura da renúncia contratual (cf. Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, pp. 188 a 189).
Importa, pois, fazer a destrinça entre os conceitos de substituição tributária e de repercussão tributária. Cite-se, neste contexto, o seguinte Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 30-04-2013 (Rel. Jorge Cortês):
“1) Seja pela constituição da garantia, seja pela utilização do crédito concedido é devido Imposto de Selo, cujo dever de liquidação e pagamento recai sobre a recorrente, caixa de crédito agrícola mútuo, sujeito passivo do imposto, mas não titular do interesse económico sobre o qual recai o encargo do imposto.
2) Verifica-se a repercussão fiscal do imposto, dado que o sujeito directamente determinado pela lei para pagar o imposto não é verdadeiramente o titular da riqueza a tributar, mas apenas um sujeito sobre quem é mais fácil executar a cobrança.”
Na repercussão fiscal, “[t]udo se passa apenas entre dois sujeitos privados, com o afastamento do sujeito activo da relação jurídica tributária” (cf. Diogo Feio, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, p. 93).
Neste sentido, o único responsável tributário, perante o Estado, pela falta de imposto liquidado é, em caso de divergência entre a pessoa que figura como sujeito passivo e a que figura como titular do interesse económico que tem o encargo do imposto, o sujeito passivo, e não o repercutido ou o titular daquele interesse económico.
Cumpre ainda referir que desde 2017, com a alteração da Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, nas situações como a que estão aqui a ser discutidas nem sequer existe uma divergência entre a pessoa que constitui o sujeito passivo e a pessoa titular do interesse económico que deverá suportar o encargo do imposto. Com efeito, não obstante esta norma não estar em vigor à data dos factos, a mesma prescreve actualmente na alínea h) do n.º 3 deste artigo 3.º que nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da TGIS, consideram-se titulares do interesse económico as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas. I.e., desde esta alteração que o conceito de sujeito passivo tem correspondência com o conceito de titular do interesse económico que suporta o encargo do imposto neste tipo de situações.
Inexiste, assim, qualquer vício de ilegalidade por erro sobre a responsabilidade pelo pagamento do imposto pelo que, nesta parte e com este fundamento, improcede o pedido da Requerente.
b) Da incidência objectiva
Vejamos, agora, a questão da incidência objectiva do imposto.
De acordo com o artigo 1.º, n.º 1, do CIS, o IS incide objectivamente sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral.
Por sua vez, em conformidade com o estatuído no n.º 2 do mesmo preceito, que procede à delimitação negativa da incidência do imposto, não são sujeitas a IS as operações sujeitas a IVA e dele não isentas. Esta delimitação negativa encontra a sua ratio, como é sabido, no objectivo de evitar a dupla tributação.
O caso concreto dos autos relativo à TSC, como afirma a AT, não se enquadra nesta norma de delimitação negativa. Com efeito, não obstante a operação em causa estar sujeita a IVA, na medida em que constitui uma prestação de serviços onerosa praticada em território nacional, abrangida pela norma de incidência acolhida na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, está do mesmo isenta nos termos do artigo 9.º, n.º 27, do CIVA.
Sendo assim, poderá ou não estar sujeita a IS, havendo que analisar as normas que delimitam positivamente este imposto para verificar se a TSC está ou não sujeita a IS, em particular o alcance da verba 17.3.4 da TGIS.
Naturalmente que não vale o argumento a contrario de que, por determinada operação estar isenta de IVA, está necessariamente sujeita a IS. Nem a AT afirma que assim o é. Neste ponto, vem a AT afirmar que este não é o único fundamento de que se socorre para defender que a TSC está sujeita a IS, defendendo-se dizendo que é, pois, uma conjugação de vários factores que sustenta o seu entendimento.
Concretamente, positivamente vem a AT sustentar que a TSC se enquadra na verba 17.3.4 da TGIS que, na redacção à data dos factos, referia-se a “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”.
Há, então, que determinar se esta expressão tem o alcance pretendido pela AT ao entender que, no caso concreto da TSC, a mesma corresponde a uma comissão devida em contrapartida da prestação de um serviço financeiro.
A questão crucial da nossa análise é a seguinte: a TSC consubstancia ou não a contrapartida de uma prestação de serviços financeiros face à legislação e prática do sector? A natureza jurídica da TSC é, pois, determinante para aferir da sua sujeição ou não a IS.
Admite a Requerente que, efectivamente, o adquirente presta o serviço de disponibilização do terminal de pagamento automático (TPA) e que pela prestação do mencionado serviço é remunerado por diversas contraprestações, facturadas aos seus clientes, nas quais se incluem, designadamente, os proveitos de aluguer do TPA, os proveitos da taxa de ligação e ligação a linhas DOV (“Data over Voice”).
Começa a Requerente por descrever o mecanismo de funcionamento das operações referentes a TPA (“Terminais de Pagamento e Caixas Automáticas”), alegando que pela prestação de serviços inerente à disponibilização de TPA o comerciante remunera o Banco através de diversas comissões, a saber: comissões de aluguer e de gestão, mensalidades de linhas, matrículas, taxas de ligação e comissões por outros serviços adicionais.
Afirma, no entanto, que a TSC não consubstancia uma comissão pela prestação deste serviço de disponibilização de TPA, apresentando causa distinta daquelas outras comissões. Essa causa distinta funda-se, segundo alega, no facto de, na relação entre o adquirente e o comerciante que se dá no seio desta operação, se estipular que o primeiro paga ao segundo o valor do crédito que este último detém sobre o consumidor final, ficando assim exonerado este último. Para a Requerente, quer isto dizer que o adquirente adquire o crédito do comerciante. Afirma ainda que, por seu turno, tal aquisição é celebrada contemplando um desconto sobre o valor nominal dos créditos cedidos e é essa diferença positiva entre o valor da aquisição dos créditos e o valor dos créditos cedidos que é designada por TSC. Neste sentido, afirma que o comerciante não recebe o montante correspondente às transacções na sua totalidade, recebendo uma quantia inferior ao preço dos bens ou serviços vendidos ou prestados - é justamente essa diferença que corresponde à TSC.
Entende, neste sentido que, para lá da prestação de serviços inerentes à disponibilização dos TPA, a qual é devidamente remunerada por outras comissões, na aquisição dos créditos do comerciante com um desconto não há qualquer obrigação de prestar assumida pelo adquirente.
Em suma: defende a Requerente que a operação em causa não consubstancia, no segmento da aquisição dos créditos e pagamento do preço dos mesmos com desconto, uma prestação de serviços para efeitos do Direito Civil, pelo que não poderão os serviços de inspecção tributária entender que se trata de uma prestação de serviços, para efeitos do Direito Fiscal. Defende que uma acepção de “serviços financeiros” para efeitos de sujeição a Imposto do Selo, sem qualquer correspondência com o conceito de prestação de serviços no Direito Civil, enfermaria de manifesto erro de Direito.
Conclui, assim, a Requerente que, ao invés de uma prestação de serviços financeiros estamos, na verdade perante uma operação que se qualifica como cessão de créditos nos termos dos artigos 577.º e ss. do Código Civil.
Será assim? Vejamos o enquadramento normativo da TSC. Antes de partir para o conceito civilístico em que se ancora a argumentação da Requerente, há que partir para os conceitos próprios dos ramos do Direito Bancário e Financeiro.
Com efeito, constitui critério geral de interpretação da lei fiscal, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, que sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
A Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro, estabeleceu a base jurídica para a criação de um mercado interno de pagamentos em toda a União Europeia ao facilitar substancialmente a actividade dos prestadores de serviços de pagamento, criando regras uniformes aplicáveis à prestação desses serviços.
Esta Directiva foi transposta, ao nível do Direito interno, pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, actualmente em vigor e também em vigor à data dos factos, que veio aprovar o regime jurídico relativo ao acesso à actividade das instituições de pagamento e à prestação de serviços de pagamento. De acordo com o artigo 4.º desde Decreto-Lei, constituem serviços de pagamento, designadamente, as actividades que consubstanciem execução de operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do prestador de serviços de pagamento do utilizador ou de outro prestador de serviços de pagamento, tais como a execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo semelhante.
Em particular em relação à TSC, a mesma encontra-se expressamente prevista e regulada, desde 2015, em legislação de Direito da União Europeia, concretamente no Regulamento (UE) 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões. Sendo certo que, à data dos factos de que nos ocupamos, não tinha ainda sido aprovado este Regulamento, não poderá ignorar-se que este constitui um auxiliar interpretativo essencial na definição do conceito de TSC.
Desde logo, o artigo 2.º, n.º 12, deste Regulamento, define a “Taxa de serviço do comerciante” como a taxa paga pelo beneficiário ao adquirente relativa a operações de pagamento baseadas em cartões. Há, então, que atentar nas noções de “beneficiário” e de “adquirente”, bem como de “operações de pagamento baseadas em cartões” por forma a descortinar o alcance desta definição legal.
O “beneficiário” é, nos termos do artigo 2.º, n.º 13, do Regulamento, uma pessoa singular ou colectiva que é a destinatária prevista dos fundos pagos através de uma operação de pagamento: é o destinatário dos fundos na operação de pagamento. Será o comerciante na compra e venda de um produto.
O “adquirente”, por sua vez, é um prestador de serviços de pagamento vinculado por contrato a um beneficiário para aceitar e processar operações de pagamento baseadas em cartões, as quais dão origem a uma transferência de fundos para o beneficiário (artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento).
Por fim, a “operação de pagamento baseada num cartão” é, de acordo com o artigo 2.º, n.º 7, deste Regulamento, um serviço baseado na infraestrutura e nas regras comerciais de um sistema de pagamento com cartões para efectuar operações de pagamento por meio de cartões, dispositivos ou programas de telecomunicações, digitais ou informáticos, que dá origem a uma operação com cartões de débito ou de crédito. As operações de pagamento baseadas em cartões excluem as operações baseadas noutros tipos de serviços de pagamento. I.e., a operação de pagamento consubstancia a operação financeira pela qual, através dos prestadores de serviços de pagamentos, os fundos são disponibilizados ao comerciante (os fundos são o preço).
O sistema de pagamento com cartões pode ser tripartido ou quadripartido. O “sistema quadripartido” é um sistema de pagamento com cartões em que as operações de pagamento baseadas em cartões são efectuadas a partir da conta de pagamento de um ordenante para a conta de pagamento de um beneficiário por intermédio do sistema, de um emitente de cartões de pagamento (do lado do ordenante) e de um adquirente (do lado do beneficiário) (artigo 2.º, n.º 17, do Regulamento).
Assim, se o cartão for de crédito, a operação é quadripartida nos termos desta definição legal dado que no sistema quadripartido intervém, segundo a definição legal, o ordenante (titular da conta a partir da qual se efectua o pagamento), o beneficiário, destinatário dos fundos; o emitente do cartão, do lado do ordenante e o adquirente (do lado do beneficiário).
Se o pagamento for em numerário, não há intermediário, mas se o pagamento for mediante transferência bancária ou utilização de cartões (de débito ou crédito) a operação é intermediada. Os intermediários são prestadores de serviços de pagamentos, isto é, prestadores de serviços financeiros nos termos deste Regulamento e demais legislação do sector.
A TSC, repita-se, é paga pelo beneficiário (de um pagamento através de cartão de crédito, tipicamente, um comerciante), ao adquirente. Respeita a um segmento da operação de pagamento num sistema quadripartido. O adquirente ao qual é paga a taxa de comerciante é um prestador de serviços de pagamento por efeito da parte final do n.º 24 do artigo 2.º do Regulamento n.º 2015/751. Com efeito, este preceito define “prestador de serviços de pagamento” como uma pessoa singular ou colectiva autorizada a prestar os serviços de pagamento enumerados no anexo da Directiva 2007/64/CE ou reconhecida como emitente de moeda eletrónica nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2009/110/CE. O prestador de serviços de pagamento pode ser um emitente e/ou um adquirente.
In casu, verificamos que a operação subjacente à TSC se enquadra na definição de prestação de serviços de pagamento, na medida em que estamos perante uma execução de operação de pagamento nos termos da alínea c) do artigo 4.º do daquele Decreto-Lei, concretamente na execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento. Esta TSC visa, em particular, remunerar a execução da operação de pagamento em si em virtude da disponibilização daquele serviço, sendo esta operação de pagamento baseada num cartão e não em numerário, pressupondo por isso um intermediário financeiro, que é o prestador de serviços - neste caso, a Requerente. Não corresponde, assim, a qualquer valor devido em contrapartida de uma (alegada) cessão de créditos.
Na relação entre o adquirente e o comerciante que se estabelece no seio desta operação, a operação de disponibilização do terminal de pagamento implica, como vimos, para além da simples disponibilização deste, mediante uma garantia de pagamento, o próprio pagamento ao comerciante descontando um valor ao preço da compra (a denominada “Taxa de Serviço de Comerciante”).O Banco emissor do cartão reembolsa o Banco adquirente e este, por sua vez, paga ao primeiro uma taxa multilateral de intercâmbio, resultante assim, de um conjunto de prestações de serviços interligadas entre si, respeitando a um segmento da operação de pagamento num sistema quadripartido.
Face ao quadro normativo acabado de expor, não subsistem dúvidas quanto à existência de uma prestação de serviços de pagamento no caso sob análise. E esta prestação de serviços de pagamento cabe, pois, dentro do conceito “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” onde, como veio confirmar a nova redacção da verba 17.3.4 dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, estão incluídas “as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, estando por conseguinte sujeita a IS, mediante a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS.
c) Das inconstitucionalidades invocadas pela Requerente
A Requerente defende ainda que, ainda que se considere que a TSC se enquadra na verba 17.3.4 da TGIS, como aqui se defende, sempre se deverá concluir pela inconstitucionalidade desta norma por violação do princípio da capacidade contributiva.
Ora, no caso concreto da verba 17.3.4 da TGIS, verifica-se que, como bem defende a AT, o comerciante é credor de uma determinada quantia, que deposita no seu banco, aumentando o volume do capital ali depositado e, por utilizar um serviço de uma instituição financeira para esse efeito, paga uma comissão. Neste sentido, fica evidenciado que o “incremento de uma conta bancária” é demonstrativo da capacidade contributiva e, embora o imposto incida sobre a comissão paga, esta comissão só existe nos casos em que há um crescimento monetário na esfera do comerciante. Além disso, do prisma do banco adquirente, a comissão que lhe é paga consubstancia também um incremento patrimonial, pelo que não se vê como é que a aplicação de um imposto sobre esta a uma taxa de 4% viole o princípio da capacidade contributiva.
Sustenta, ainda, a Requerente a inconstitucionalidade da verba 17.3.4 da TGIS na redacção dada Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, por violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 2.º da CRP, i.e., dos princípios da proibição da retroactividade da lei fiscal e da tutela da confiança enquanto corolário do Estado de Direito Democrático.
A este respeito, cabe desde já esclarecer que, na interpretação sufragada por este Tribunal que se expôs a respeito da verba 17.3.4 da TGIS, não se aplicou esta nova redacção que, como vimos, passou a fazer uma referência expressa às “taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões” como fazendo parte do conceito “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”.
Na verdade, não veio o legislador alterar, substantivamente, o que já decorria da anterior formulação legal, mas apenas esclarecer que dentro daquele mais amplo conceito se incluem as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões. O legislador, aliás, declarou expressamente no artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016, que a redacção atribuída à verba 17.3.4 da TGIS tem carácter interpretativo. Mas nem necessitaria de o ter feito, pois uma correcta interpretação da redacção anteriormente em vigor e aplicável à data dos factos in casu já permitia considerar a TSC como uma comissão devida em contrapartida da prestação de serviços financeiros, tal como supra exposto. Não se trata sequer, consequentemente, de uma qualquer norma interpretativa com carácter inovador.
Como bem defende a AT, “as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões são, efectivamente contraprestações por serviços financeiros […] Daí que legislador até tenha tido o cuidado de colocar a expressão «incluindo» realçando que tais taxas já estavam previstas na «redacção antiga», agora apenas se faz uma explicitação”, o que é evidenciado e sublinhado “pelo caracter interpretativo que o legislador confere à nova redacção”.
Neste sentido, contrariamente ao que pretende a Requerente, esta nova redacção não tem carácter inovador, pelo que não se coloca a questão da retroactividade da lei fiscal nem da tutela da confiança para que se possa concluir pela violação destes princípios constitucionais.
Improcede, pois o requerido pelo sujeito passivo, sendo válidas as liquidações adicionais efectuadas pela AT e respectivos juros, nesta parte.
4.3 Do pagamento de juros indemnizatórios
A Requerente cumula com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência da notificação das liquidações ora anuladas.
É pressuposto da atribuição de juros indemnizatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável (cfr. o disposto no artigo 43.º da LGT).
No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação apontados, pelas razões que se indicaram, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico das Infracções Tributárias e Aduaneiras (RJAT) e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
É também claro nos autos que a referida ilegalidade do acto de liquidação de imposto impugnado é directamente imputável à Requerida que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada apreciação dos factos juridicamente relevantes e consequente aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.
Assim, a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, no que se reporta à parte do pedido julgada procedente.
Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos à Requerente desde a data em que efectuou o pagamento do imposto em causa nos autos, até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.
IV. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral no tocante à liquidação de IS no montante de € 343.286,85, sobre os juros de mora relativos ao crédito à habitação referentes ao exercício de 2012, anulando-a e condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira à respectiva restituição bem como dos correspondentes juros compensatórios;
– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral no tocante à liquidação de IS no montante de € 1.138.012,78 sobre a Taxa de Serviço do Comerciante, absolvendo da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira no que se reporta a esta parte;
- julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente ao pedido de juros indemnizatórios no que se reporta ao pedido de pronúncia arbitral julgado procedente, à taxa legal, desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento do imposto em causa nos autos, até ao integral reembolso do montante pago.
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.621.732,40.
VI. Custas
Fixa-se o montante das custas em € 60.000,00, nos termos da Tabela II anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na sua totalidade, de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, daquele Regulamento.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2017
Os Árbitros
(Clotilde Celorico Palma)
(Luís Menezes Leitão,
vencido quanto à decisão tomada sobre a liquidação de IS sobre a taxa de serviço do comerciante, nos termos da declaração de voto anexa)
(Manuel Pires,
vencido quanto à decisão tomada sobre os juros de mora relativos ao crédito à habitação, nos termos da declaração de voto anexa).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanho a posição que fez vencimento em relação à incidência de imposto de selo sobre a taxa de serviço do comerciante, uma vez que a Verba 17.3.4. da TGIS, na redacção anterior, apenas previa a incidência do imposto de selo "sobre outras comissões e contraprestações por serviços financeiros", não sendo nela incluída "as taxas relativas a operações e pagamento baseadas em cartões", que só passou a integrar a incidência do imposto de selo, a partir da redacção dada pela Lei 7-A/2016, de 30 de Março. Não sendo admitida a retroactividade em matéria fiscal, não pode esta alteração valer em relação a situações anteriores.
Não concordo que possa ser enquadrado como um serviço financeiro um pagamento com um cartão de crédito pelo cliente, em que o Banco disponibiliza depois ao comerciante o valor desse pagamento com um desconto. Nesse caso, o que existe é uma operação de cessão de créditos, em que o comerciante recebe como contrapartida da cessão do seu crédito ao Banco um montante inferior ao valor do crédito cedido. Não se vê que neste caso o comerciante se possa considerar como beneficiário de qualquer serviço, sendo o efectivo beneficiário o cliente do comerciante, que tem a possibilidade de utilizar o serviço electrónico de pagamento, e que é ele que decide dessa utilização. Já o comerciante é, pelo contrário, prejudicado por essa utilização, uma vez que se ela não ocorresse, receberia o pagamento desse crédito sem qualquer desconto.
Não me parece que tenha cabimento invocar a este propósito o Regulamento (UE) 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões, que não estava em vigor à data dos factos e que por isso não serve de argumento interpretativo, devendo invocar-se antes a Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu de 13 de Novembro de 2007 relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Directivas 97/7/CE, 2002/65/CE, 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Directiva 97/5/CE. Ora, face ao art. 4º, nº 8 da Directiva, , o beneficiário é apenas o destinatário dos fundos resultantes da operação de pagamento, tendo por isso uma posição meramente passsiva neste âmbito. Mas o serviço que é prestado consubstancia-se na operação de pagamento, a qual é definida no art. 4º, nº5, da Directiva como "o acto, praticado pelo ordenante ou pelo beneficiário, de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário". Assim embora sejam considerados como utilizadores de serviços de pagamento tanto o ordenante como o beneficiário (art. 4º, nº10) da Directiva), a consideração deste último como contraparte do serviço de pagamento dependia da sua participação na operação de pagamento, o que neste caso não sucede.
A situação veio a ser alterada pelo Regulamento (UE) 2015/751, cujo art. 2º, nº 26, passou a definir a operação de pagamento de uma forma mais vasta como "um ato praticado pelo ordenante, ou em seu nome ou pelo beneficiário dos fundos a transferir, independentemente das obrigações subjacentes existentes entre o ordenante e o beneficiário". Para além disso, o art. 2º, nº 12 do Regulamento define a «Taxa de serviço do comerciante», como "uma taxa paga pelo beneficiário ao adquirente relativa a operações de pagamento baseadas em cartões". Esse diploma não estava, porém, em vigor no momento da prática dos actos, pelo que não nos parece que nessa data a taxa de serviço do comerciante pudesse ser entendida como uma contraprestação por serviços financeiros, uma vez que o comerciante é mero destinatário dos fundos, que recebe com desconto. Por esse motivo, voto vencido esta parte da decisão.
(Luís Menezes Leitão)
DECLARAÇÃO DE VOTO
1.1 O artigo7º.nº.1 alínea l) do Código do Imposto do Selo (CIS) refere como beneficiando de isenção “juros cobrados por empréstimos...”. Ora “...o credor tem, em princípio, direito apenas ao capital e ao juro estipulado, não ao juro moratório, que se destina somente a reparar o dano causado pela mora... a indemnização do credor é representada pelo juro moratório” (Vaz Serra, Mora do Devedor in Boletim do Ministério da Justiça nº. 48 - Maio - 1955, p. 213) e o mesmo autor, a propósito do âmbito das garantias e citando doutrina, escreveu também - o que é igualmente relevante - que “os juros compensatórios, ou outra reparação, devidos em consequência do não cumprimento ou da mora não são compreendidos…, porque se trata de prestações derivadas de circunstâncias alheias à causa do crédito...” (Privilégios in cit. Boletim nº. 64 - Março - 1957, p.83 nota 62). Como escreve, no âmbito fiscal, Martinez Lafuente, o juro de mora é uma indemnização, “com a finalidade de evidente justiça que persegue”, por lucro auferido pelo contribuinte, visto dispor por mais tempo do capital alheio, que devia pagar e não pagou, evitando o enriquecimento ilícito do devedor e garantindo o equilíbrio patrimonial”. (El Interès de Demora en las Relaciones Tributarias, in Estudios de Derecho Tributário, vol.I, p. 840). Existem, pois, e no que ora interessa, dois tipos de juros, com fontes e finalidades diversas, bem como regras diferentes, visto um resultar da disponibilidade normal do capital e o outro do atraso do cumprimento, do prolongamento indevido da respectiva disponibilidade, um de fonte saudável, outro de fonte patológica, porque um constitui remuneração que o respectivo titular aufere por deixar outrem dispor de algo que lhe pertence, outro que é resultado do incumprimento de algo convencionado, de um facto ilícito e daí visar o ressarcimento do prejuízo da utilização do capital em desacordo com o negociado. Com a exigência do capital mutuado, com o pagamento da remuneração pela correspondente disponibilidade, o pressuposto do juro desapareceu, mas, em sua substituição, começam a vencer- se os juros de mora e daí a conclusão mencionando- se “acrescido do imposto de selo à taxa em vigor à data em que os juros de mora foram cobrados” (Acórdão da Relação do Porto, Processo 4919/06.7YXLSB.P1). Os dois tipos de juros estão incluídos na sujeição, atento esta abranger juros de forma ampla, dada a enumeração não fechada - utiliza-se o advérbio de modo “designadamente” - diferentemente na isenção, em que estão compreendidos unicamente os normais, não derivados “de circunstancias alheias à causa do crédito” e, portanto, não os patológicos. Mesmo que assim não se entendesse - que se escreve apenas para não omitir outra visão do problema e não porque possa afastar-se a solução anterior-, sendo, desde há muito, obsoletos princípios como in claris non fit interpretatio ou ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, não é impossível, perante uma norma literalmente sem distinção, distinguir. No caso, tratando-se de benefício fiscal, estar-se-ia perante excepção, por afastamento do princípio da igualdade ( qualquer excepção à norma de sujeição constitui modificação da repartição equitativa, a fair taxation é afectada, ocorre o afastamento dos subprincípios da universalidade ou generalidade e da capacidade contributiva), impondo-se também aí a metodologia principialista na interpretação, resistindo à tentação do que se poderia denominar orientação normativista ou pragmatismo, ainda que com louváveis intenções. Assim a excepção, com as consequências antes mencionadas, não deveria ser aplicada, no caso, a algo alheio ao decorrer da vida normal do empréstimo, não esquecendo a incongruência que ocorreria de ser consagrada excepção a favor de casos de violação da obrigação assumida. A conclusão, obedecendo à ratio da disposição, seria absolutamente conforme e não colidiria com o preceituado na norma de sujeição, atenta a diversidade de razões para a amplitude da sujeição - a regra - e para a limitação do seu impedimento, como denomina a lei, excepção cuja ratio tem de ser plenamente justificada. A invocação, sem mais, das regras de interpretação, a invocação, sem mais, de que o legislador considerou as decisões mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados poderia conduzir a não se ultrapassar a letra da lei, mesmo que existisse justificação do contrário, o que constituiria orientação vetusta, tendo já também decorrido o tempo do odiosa restringenda favorabilia amplianda, não constituindo o artigo 11º da LGT e o artigo 10º do EBF argumentos invocáveis em contrário porque apenas eliminam as dúvidas quanto à possibilidade de interpretação extensiva e, no domínio da integração, a proibição da analogia, nada se prescrevendo quanto à possibilidade de interpretação restritiva que, em matéria de direito fiscal mesmo no domínio dos benefícios, é acolhida pela doutrina actual, nomeadamente estrangeira, porque não se olha o tributo como algo que deve ser rejeitado, pelo contrário deve evitar-se desequilíbrios, ampliações da não satisfação do princípio da igualdade, princípio que só deve ser afastado por razões assaz ponderosas. O Estado deve estimular o acesso à habitação própria [artigo 65º nº2 alínea b) da CRP] mas não deve beneficiar quem não cumpre, igualizando as posições do adimplente e do inadimplente, com base numa presunção de alteridade. A equidade, entendida como regra de adaptação a cada caso concreto, poderia proporcionar solução adequada para situações moralmente justificáveis, mas o tribunal arbitral não tem possibilidade de a aplicar, aliás, o casuísmo constitui via assaz perigosa. Concluindo, os juros de mora, no âmbito de empréstimos para habitação própria estão sujeitos a imposto de selo e dele não isentos.
1.2. Sendo assim, como é, ocorrendo, no caso, a substituição tributária ( artigo 20º nº.1 da LGT: “A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte” ) - e sem entrar na discussão se a substituição compreende duas relações jurídicas (Betti) ou apenas uma (Allorio), sobre as distinções entre o momento jurídico e o pré-jurídico e sobre o formalismo e o atomismo - e o incumprimento da respectiva obrigação, o substituto, apesar de não ser caso de retenção na fonte, deverá responder, em primeira linha, pelo incumprimento, visto ser sujeito passivo originário ( artigo 18º nº. 3 da LGT: “O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva
...que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como...substituto…”) e como tal sobre ele impende o cumprimento da obrigação do imposto, não sendo um adjectum solutionis causa, é devedor em nome próprio e a título principal, apesar de a capacidade contributiva manifestada não se verificar na sua pessoa, daí não dever suportar o imposto, devendo ser evitado, através do exercício do direito de regresso, o locupletamento à custa alheia ou o desequilíbrio patrimonial. Daí todo o estabelecido na lei nos aspectos substantivo (obrigação principal e deveres auxiliares) e adjectivo, constituindo o seu património, como qualquer sujeito passivo, garantia da obrigação (Andrea Parlato, Il sostituto, p.91). O contribuinte, relativamente ao qual se verifica o pressuposto da tributação, será responsável no caso de o sujeito activo não ser satisfeito dada a insuficiência dos bens penhoráveis do substituto, se a lei estabelecer a responsabilidade do contribuinte de tipo subsidiária, (diferentemente do que ocorreria se a responsabilidade fosse do tipo solidária), mas nunca podendo o sujeito activo optar pela exigência do imposto ao contribuinte, afastando sem mais o substituto, visto não se estar perante pluralidade de sujeitos passivos, daí já se ter escrito que o substituto enquadra-se na estatuição da norma e o contribuinte na previsão, daí também não ser correcto dizer que o substituto é sujeito passivo formal e o contribuinte sujeito passivo material. O substituto é sujeito passivo da obrigação do imposto e, no caso de incumprimento, os seus bens respondem pela dívida, embora deva actuar, como escrito acima, o princípio do não locupletamento à custa alheia ou a reposição do equilíbrio patrimonial.
1.3. Apesar de estar de acordo com o acórdão sobre a denominada responsabilidade da chamada “adquirente”, a fundamentação que considero aplicável é a que imediatamente se segue: Por força do artigo 2º nº.1 alínea b) do Código do Imposto do Selo:” São sujeitos passivos do imposto: ... b) Entidades concedentes do crédito, da garantia ou credores de juros, prémios, comissões e outras contraprestações” (cfr. ainda artigo 23º nº 1 do mesmo Código). Por seu turno, “O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º [previstas na Tabela Geral]”, considerando-se, no caso sob julgamento, como titular do interesse económico, o cliente da instituição chamada adquirente [artigo 3º nº. 3 alínea g) do citado Código]. A adstrição da instituição de crédito a uma obrigação por pressuposto que não se verifica relativamente a ela dá origem à situação de substituição ( artigo 20º nº 1 da LGT: “A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”), tornando, no caso sob julgamento, a apelidada instituição adquirente em sujeito passivo originário e a título principal da obrigação tributária (artigo 18º nº 3 da LGT: “ O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável”), existindo, no caso, retenção na fonte, dado o comerciante receber o quantitativo de um crédito diminuído da comissão, da Taxa respectiva ( artigo 34º da LGT: “As entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário constituem retenção na fonte”). Não tendo o substituto cumprido a obrigação, surge a questão da responsabilidade e daí a aplicação do artigo 28º da LGT disciplinando esse instituto em caso de substituição tributária. Segundo esse preceito, importa distinguir consoante se operou ou não a retenção, no primeiro caso o substituto fica totalmente desonerado, no segundo e não se tratando de a retenção ter a natureza de pagamento por conta, o que é o caso sob julgamento, a responsabilidade do substituído é apenas subsidiária “pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram” ( artigo 28º nº3 da LGT), dependendo a reversão contra o responsável tributário de “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal [no caso, a chamada instituição adquirente] e sem prejuízo do benefício de excussão” (artigo 23º nº 2 da LGT). Esta construção não viola os artigos 103º e 104º da CRP, visto que, como em todos casos de substituição, é no substituído, que ocorre o índice da capacidade contributiva, gozando o substituto do direito de regresso - embora, no caso de retenção, possa dizer-se efectivado por antecipação - de modo a evitar o locupletamento à custa alheia ou a repor o equilíbrio patrimonial, como acima mencionado.
Divirjo igualmente no relativo ao reconhecimento da competência do Tribunal em matéria de reembolso do imposto - reembolso que não deve ter lugar, dado o escrito anteriormente - atenta a limitação da competência estabelecida na lei (cfr. Acórdãos 52/2012-T, 244/2013-T, 587/2014-T e 71/2015).
(Manuel Pires)