Decisão Arbitral
Os árbitros José Baeta de Queiroz (presidente), Luís M. S. Oliveira e Sérgio Pontes (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, Lda., contribuinte fiscal n.º…, com sede na …, …, …, …-…, Carcavelos, apresentou, no dia 28 de abril de 2017, pedido de pronúncia arbitral, para apreciação da legalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2016…, de 24 de novembro de 2016, referente ao exercício fiscal de 2012, o qual apurou imposto a pagar no valor de EUR 92.968,75, bem como, em consequência, contra o documento de demonstração de acerto de contas n.º 2016…, no montante de EUR 92.999,85.
Formula também pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal instaurado em virtude do não pagamento voluntário da liquidação de imposto por si contestada.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no mesmo dia 28 de abril de 2017.
Nos termos do disposto nas alíneas a) do n.º 2 do artigo 6.º e b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação no prazo aplicável. Em 14 de junho de 2017, foram as Partes devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, foi comunicado às Partes que o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 30 de junho de 2017.
O pedido é tempestivo, à face do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, e o tribunal arbitral coletivo é competente para dele conhecer, nos termos do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo diploma. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. O processo não enferma de nulidades e não há exceções nem obstáculos à apreciação do mérito.
I. Em síntese, e com interesse para a apreciação e decisão da matéria relativa à apreciação da legalidade do ato de liquidação adicional de IRC, a Requerente alega o seguinte:
(1) Foi constituída em 2003, com o objeto social de construção de edifícios e de compra e venda de bens imobiliários.
(2) De acordo com a contabilidade referente ao exercício de 2012, tinha recorrido a financiamentos, no montante global de EUR 3.732.002,48, sendo EUR 2.732.002,48 de financiamentos bancários e EUR 1.000.000 de ‘suprimentos e outros mútuos’.
(3) Como contrapartida dos referidos financiamentos, suportou encargos no valor de EUR 308.746,47, que a AT considerou não serem gasto aceite fiscalmente.
(4) Em 2012, era detentora de ativos financeiros no valor global de EUR 3.087.039,59.
(5) No Relatório de Inspeção Tributária, foi vertido o seguinte entendimento da AT, em síntese: “(…) os meios líquidos disponíveis € 3.087.039,59 são manifestamente superiores aos montantes com os quais o sujeito passivo se financiou junto das instituições de crédito € 2.732.002,48 e pelos quais suportou encargos no montante de € 308.746,47; (…) a empresa detinha ativos líquidos suficientes que permitiam o funcionamento, se não a custo zero, certamente com um encargo manifestamente inferior; (…) o requisito da indispensabilidade não ficou demonstrado pelo sujeito passivo, logo, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, não são aceites fiscalmente os encargos financeiros no montante de € 308.746,47”.
(6) Na pronúncia em exercício do direito de audição, referiu, em síntese: que necessita de recorrer às instituições financeiras para financiar a sua atividade, ou a capitais individuais dos seus sócios, sempre que assim se justifique; que qualquer destas formas de financiamento tem encargos financeiros, que devem ser fiscalmente considerados, desde que relativos à atividade exercida ou à manutenção da sociedade, como aconteceu; que em 2012 estávamos em plena crise financeira, com extrema dificuldade na obtenção de financiamento bancário, nomeadamente para a atividade de construção, só possível mediante garantias reais, dando as instituições bancárias preferência às realizadas através de depósito a prazo; que o seu património imobiliário em curso no ano 2012 tinha o valor de EUR 18.564.326,40 e detinha em disponibilidades o valor de EUR 3.087.039,59, corresponde a 17% desse património, o que face às despesas de manutenção e de finalização das obras em curso não parece desajustado; que, considerando não haver uma previsão sobre o prazo de venda, era contra todos os princípios da prudência a anulação das disponibilidades financeiras por financiamento bancário, até em parte, quanto mais no todo; que o contrato de empréstimo com o Santander, com o valor inicial de EUR 4.000.000, teve um período de carência de capital de 48 meses e em 2012 já estava a ser amortizado em prestações trimestrais, tendo, à data de dezembro de 2016 o valor de EUR 243.293,98; que conseguiu aguentar até aos dias de hoje, mantendo a sua fonte produtora, fruto de todos os atos de gestão, tendo em consideração o controlo dos custos, minimizando os mesmos e tendo sempre em consideração o princípio da prudência.
(7) O seu nível de liquidez era congruente para o valor dos ativos alocados à atividade produtiva, sendo que o inventário está contabilizado ao custo histórico.
(8) Em 2012 e nos anos anteriores (a partir de 2008), é do conhecimento comum que Portugal foi abalado por gravíssima crise económico-financeira, mergulhando as PMEs em extremas dificuldades de liquidez, sendo muito difícil, senão impossível, estas conseguirem nessa altura obter financiamento para o desenvolvimento da sua atividade, sendo de boa gestão, em especial para as construtoras, que têm necessidades de cash flow em maior escala que empresas de outros ramos de atividade, manter os níveis de liquidez adequados não só à cobertura de despesas correntes mas também que possibilite investir e continuar ter negócios a jusante, não devendo amortizar, mesmo podendo, os empréstimos existentes e colocar em risco a sobrevivência.
(9) É lógico e pressuposto da atividade operacional de construção e venda de imóveis que uma PME como a Requerente contraísse financiamentos quando teve essa oportunidade em época de crise, dado que não conseguiria prever (para mais devido ao histórico do comportamento das entidades financeiras nestes anos de crise no que concerne à concessão de financiamento) se o iria conseguir obter mais tarde. Estas preocupações atingem maior intensidade em PMEs com o objeto social da Requerente, dado que necessitam de efetuar elevados investimentos em património imobiliário e correspetivos gastos associados às empreitadas, sendo também consabida a não coincidência temporal neste setor entre contração de gastos / investimentos e registo dos réditos associados aos mesmos.
(10) Deparou-se a partir dos anos 2008/2009 com a estagnação do mercado de venda habitacional, com enormíssimas dificuldades em vender grande parte dos imóveis que se iam construindo até aos anos 2012/2013. Ficou durante o ano 2012 com muitos lotes de terrenos e moradias que apenas conseguia vender ao preço de custo e/ou abaixo.
(11) É do conhecimento comum que, durante os anos em análise, para se conseguir crédito para compra de habitação, apenas se conseguia obter taxas de spread toleráveis, assim como percentagens do valor de financiamento, caso se adquirissem imóveis cuja construção tivesse sido financiada pelas entidades bancárias. Além deste facto, um cliente que contactasse uma entidade bancária para solicitar financiamento para adquirir habitação, caso a construção desse imóvel não estivesse já financiada junto dessa entidade bancária (e objeto de hipoteca), esta iria incentivar, por via da atribuição de condições de crédito bastante mais vantajosas, a comprar uma habitação semelhante cuja construção tivesse sido financiada por esta, ou que estivesse na sua titularidade por via da execução de hipotecas (executadas contra o incumprimento de clientes contratantes de crédito habitação ou contra empresas de construção contratantes de financiamento).
(12) Assim, os potenciais clientes que pretendiam comprar imóveis na … (empreendimento financiado pelo empréstimo bancário cujos juros foram desconsiderados) iriam ter disponível uma taxa de spread até 1,75%, quando em condições normais, e oferecendo as mesmas condições ao banco, o valor de mercado ia até 8%, e ainda conseguiam um financiamento de 100% do valor de avaliação do imóvel, assumindo-se este como o fator que garantia as vendas da … que iram ocorrendo em época de crise.
(13) Se tivesse amortizado logo em 2012 a totalidade do empréstimo teriam, muito provavelmente, ocorrido as seguintes consequências: teria ficado com uma liquidez total de cerca de 300.000 Euros, o que apenas daria para fazer face a despesas de gestão de natureza ordinária em período temporal curtíssimo; mesmo a nível de despesas de natureza ordinária, as mesmas têm um elevado peso mas coerente com os custos associados à manutenção e cumprimento das obrigações associadas a inventário que no exercício de 2012 perfazia o valor de EUR 18.564.326,40, contabilizado e valorizado ao custo histórico (sendo consabido pelos peritos imobiliários que, salvo ocorra uma estagnação muito forte no mercado, o valor venal é sempre superior ao do custo histórico); os custos fixos anuais de despesas de natureza de pura gestão ordinária (gastos com remunerações e encargos com trabalhadores, de natureza fiscal, água, eletricidade, economato e de controlo de gestão/contabilidade) eram cerca de EUR 100.000 anuais, sendo incoerente e ilógico do ponto de vista de gestão e financeiro que procedesse à amortização dos financiamentos para ficar com liquidez total de cerca de EUR 300.000; a hipotética amortização do empréstimo em análise, ao provocar a redução da liquidez para cerca de EUR 300.000, também iria provocar a estagnação do investimento e consequentemente do negócio e atividade operacional, inviabilizando a sua capacidade de implementar projetos que geram cash in, dado que as empresas de construção necessitam de efetuar elevados investimentos em património imobiliário e correspetivos gastos associados às empreitadas e manutenção de inventário, sendo também consabida a não coincidência temporal neste setor de atividade entre a contração de gastos/investimentos e o registo dos respetivos réditos associados aos mesmos.
(14) Não encontra correspondência legal no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC o entendimento de que os gastos com os financiamentos em apreço não se afiguram indispensáveis à prossecução da atividade, em virtude da existência de ativos líquidos suficientes, contendendo ainda contra a liberdade de gestão empresarial.
(15) O critério da indispensabilidade dos gastos foi introduzido pelo legislador com o objetivo de excluir os gastos incorridos tendo em vista objetivos estranhos ao escopo empresarial, mais concretamente, estranhos à prossecução do lucro.
(16) Não cabe à AT tecer juízos sobre a oportunidade, necessidade ou conveniência dos gastos incorridos pelas empresas. Em primeiro lugar, porque apenas a posteriori é que estas podem saber, com total certeza, que gastos geraram efetivamente lucro – o que significa que, ao longo do exercício, os gastos vão sendo incorridos com vista à obtenção de lucro, mas quase sempre com algum grau de incerteza. Assim, o critério assenta na capacidade potencial de determinado gasto contraído gerar lucro. Em segundo lugar, porque a liberdade de gestão empresarial obsta a que a AT ajuíze sobre as decisões de gestão das empresas.
(17) Contraiu os financiamentos junto de instituições de crédito com a finalidade de fornecer apoio à tesouraria, à construção de imóveis e aquisição de lotes de terrenos. Ora, qualquer das finalidades visadas pelos financiamentos estão orientadas para a obtenção de lucro, além de se encontrarem abrangidas pelo seu objeto social, razão pela qual não há motivo para não considerar os juros suportados, como contrapartida dos referidos financiamentos, como gasto fiscal.
(18) Ao considerar que a Requerente não tinha necessidade de suportar aquelas despesas, por possuir outros ativos líquidos suficientes para assegurar o mesmo nível de produção, desconsiderando aqueles encargos financeiros como gasto fiscal, a AT valora as decisões de gestão, atentando diretamente contra a liberdade de gestão empresarial.
(19) A opção pelo recurso a financiamento bancário configura um ato puro de gestão relativamente ao qual a AT não tem que valorar.
Sobre a matéria, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) respondeu, em síntese, no que tem interesse para a causa, que:
(20) Como é referido no ponto III.1.2. e ponto IX do RIT, a Requerente suportou encargos financeiros, nomeadamente juros e despesas bancárias, por via de empréstimos bancários obtidos, com a finalidade de “apoio à tesouraria, o apoio à construção de imóveis e a aquisição de lote de terreno”, mediante contratos celebrados com o Banco B…, S.A. e o Banco C…, S.A.
(21) Os gastos financeiros suportados são aceites para efeitos fiscais se cumprirem as disposições previstas no n.º 1 do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), o qual dispunha, na redação vigente à data dos factos: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…)”.
(22) Consta do RIT: “O segundo requisito [da indispensabilidade] faz depender a dedutibilidade fiscal do custo, da verificação de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa. Esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro. É o da exigência de ligação aos ganhos sujeitos ou à manutenção da fonte produtora. […] os encargos financeiros suportados são integralmente gerados com os financiamentos obtidos junto de terceiros, contudo, a empresa detinha ativos líquidos suficientes que permitiam o financiamento, se não a custo zero, certamente com um encargo manifestamente inferior. Em face do exposto verifica-se que os gastos financeiros suportados estão conexos com a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, contudo, considera-se que a indispensabilidade não é inequívoca, já que a entidade detinha outros instrumentos, integralmente por si controlados, que permitam a obtenção dos mesmos recursos, sem os ónus envolvidos. Considera-se que o requisito da indispensabilidade não ficou demonstrada pelo sujeito passivo, logo, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, não são aceites fiscalmente os encargos financeiros no montante de € 308.746,471.”
(23) A análise do balancete a 31 de dezembro de 2012 permitiu que a Inspeção Tributária verificasse a existência de um passivo por via do financiamento junto do Banco C… SA, no valor de EUR 2.732.002,48, bem como a existência de ativos líquidos detidos pela Requerente, no montante de EUR 3.087.039,59, sendo que no Banco C… SA constam depósitos a prazo no valor de EUR 2.624.841,27. Assim, concluiu a Inspeção Tributária que não obstante se verificar, através dos contratos celebrados, que o financiamento obtido foi pedido para fins de construção e apoio de tesouraria, verifica-se também que, no período de 2012, existem fundos da Requerente aplicados em contas a prazo de valor semelhante na mesma Instituição Bancária, pelo que se mostra comprovada a dispensabilidade do financiamento e consequentemente dos gastos financeiros associados.
(24) A Requerente afirma (como já tinha invocado em sede de direito de audição sobre o projeto de correções) que o rácio de 17%, referente à relação entre o valor que consta em disponibilidades e o valor de inventário, é “totalmente congruente”, no entanto analisando o mesmo rácio em 2013 verifica-se que é inferior a 0,8% considerando que o património da Requerente ascende ao total de EUR 17.763.306,52 e o valor das disponibilidades ascende a EUR 135.290,54, e nos períodos seguintes o rácio ascende a cerca de 5,6% e 4%, de acordo com os elementos declarados pela Requerente na Informação Empresarial Simplificada (IES), o que demonstra a incongruência do argumento.
(25) Ainda relativamente ao valor do financiamento obtido, verificou a Inspeção Tributária, mediante análise dos valores declarados pela Requerente na IES, que em 2012 tal valor ascendia a EUR 3.732.002,48 e em 2013 ascendia a EUR 1.767.182,55, o que permite constatar que o financiamento que consta em dívida em 2012 é fortemente reduzido em 2013 (EUR 1.964.819,93) e o valor que consta depositado a prazo em 2012 é eliminado em 2013, donde se conclui que a indispensabilidade dos gastos de financiamento no período de 2012 não se mostra comprovada.
(26) Assim, conforme comprova o RIT, o valor do financiamento obtido que consta em dívida em 2012, implicou para a Requerente gastos financeiros que não se mostram indispensáveis à realização de rendimentos sujeitos a imposto no exercício de 2012.
(27) Desta forma, é inquestionável que a AT cumpriu o ónus da prova dos pressupostos da correção, demostrando a dispensabilidade dos gastos de financiamento, tal como lhe impõe o artigo 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
(28) Cumprindo a AT o ónus de provar a existência dos pressupostos que fundamentam a correção controvertida, incumbia à Requerente apresentar prova da indispensabilidade dos gastos financeiros para a realização de rendimentos no período em análise, o que não logrou fazer. A Requerente só cumpriria o ónus da prova a que se encontra adstrita se procedesse à junção dos documentos de suporte respeitantes aos movimentos das contas de depósitos a prazo, por forma a demostrar que a liquidez proveniente dos contratos de empréstimo foi adstrita aos gastos com a construção dos imóveis.
(29) De igual forma, não se encontra minimamente demostrada a alegação de que os imóveis foram vendidos ao preço de custo ou abaixo, porquanto não foram juntos aos autos quaisquer documentos, designadamente faturas de aquisições de bens ou de serviços, respeitantes aos gastos incorridos com a construção. Dos documentos atinentes à publicitação dos imóveis apenas resulta que o preço de venda desceu dum valor de 355 mil euros para o valor de 320 mil euros, nada demostrando quando à margem de lucro obtida.
(30) Quanto ao argumento de que a liberdade de gestão empresarial obsta a que a AT ”ajuíze sobre as decisões de gestão das empresas”, dir-se-á apenas que a Inspeção Tributária atuou, in casu, no âmbito da competência que lhe é atribuída pelo artigo 2.º do RCPITA, que consiste em aferir da conformidade dos elementos declarados pelos sujeitos passivos com a legislação fiscal, bem como verificar o cumprimento das exigências formais atinentes à idónea comprovação e à verificação dos requisitos necessários para efeitos da sua elegibilidade fiscal.
(31) A Inspeção não pretendeu, como resulta do RIT, pôr em causa a livre iniciativa e autonomia privada ou questionar as opções de gestão tomadas pelos órgãos da Requerente, mas tão só proceder ao correto enquadramento fiscal dos factos apurados mediante a análise dos elementos atinentes à situação em sede de IRC no período em causa. Não é a prática societária que está em causa, mas apenas o seu correto enquadramento fiscal no sentido de garantir a verificação dos requisitos que o artigo 23.º do CIRC exige para a consideração fiscal dos gastos declarados.
(32) A argumentação expendida pela Requerente não se encontra suportada por prova idónea, nos termos do artigo 74.º da LGT.
II. Sobre o pedido de indemnização à Requerente pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal instaurado em virtude do não pagamento voluntário da liquidação de imposto, alega a Requerente que:
(33) No dia 6 de fevereiro de 2017, apresentou, antecipadamente, pedido de prestação de garantia, oferecendo à penhora o terreno para construção correspondente ao artigo matricial … da freguesia de …, para suspensão do processo de execução fiscal que viria a ser instaurado, em 14/02/2017, para cobrança coerciva da alegada dívida de IRC, objeto da presente ação, identificado com o número …2017…,
(34) Conjugando as normas previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT, extrai-se que, em caso de erro imputável aos serviços na liquidação do imposto, o devedor é indemnizado pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia independentemente do tempo por que tenha tido que a manter. Estão reunidas as condições para a Requerente ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal instaurado em virtude do não pagamento voluntário da liquidação de imposto aqui contestada,
Sobre este pedido, veio responder a AT, em síntese:
(35) Resulta do estabelecido no artigo 53.º, n.º 1, da LGT que a Requerente só teria direito a ser indemnizada pelos encargos suportados e comprovados com a prestação de garantia bancária ou equivalente e não qualquer outra, designadamente a penhora ou hipoteca de bens.
Instrução e alegações
No dia 3 de novembro de 2017, foi realizada reunião do tribunal, em que foi produzida prova, como requerido pela Requerente, por declarações de parte do sócio e gerente da Requerente, D…, e por prova testemunhal, por depoimento de E…, contabilista certificado da Requerente, e de F…, gerente bancária do Banco C… . A AT não formulou pedido de realização de prova em audiência.
Na mesma reunião, foi decidido que o processo prosseguisse com alegações orais, as quais foram de imediato produzidas pelos representantes da Requerente e da AT, por esta ordem, e o Tribunal anunciou a decisão para 29 de dezembro de 2017.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada teve por base a análise crítica de toda a prova constante dos autos e produzida em audiência, segundo juízos de experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação. A prova por declarações de parte e testemunhal mereceu a credibilidade do tribunal, porquanto se apresentaram com uma postura séria e produziram relatos desprovidos de contradições e hesitações, conhecedores, pormenorizados e consonantes com os demais elementos probatórios carreados para os autos, evidenciando conhecimento direto a respeito da factualidade.
Consideram-se provados os seguintes factos:
(A) A Requerente foi constituída em 2003, com o objeto social de construção de edifícios e de compra e venda de bens imobiliários.
(B) A Requerente necessita de recorrer a instituições financeiras para financiar a sua atividade, ou a capitais individuais dos sócios, suportando encargos financeiros.
(C) Em 2012 o país estava ainda em crise financeira, mergulhando as PMEs em extremas dificuldades de liquidez e de obtenção de financiamento bancário para o desenvolvimento da atividade, nomeadamente para a atividade de construção, só possível mediante garantias reais, dando as instituições bancárias preferência às realizadas através de depósito a prazo.
(D) De acordo com a contabilidade referente ao exercício de 2012, tinha recorrido a financiamentos, no montante global de EUR 3.732.002,48, sendo EUR 2.732.002,48 de financiamentos bancários e EUR 1.000.000 de ‘suprimentos e outros mútuos’.
(E) Como contrapartida dos referidos financiamentos, suportou encargos no valor de EUR 308.746,47.
(F) O património imobiliário em curso da Requerente, no ano 2012, tinha o valor de EUR 18.564.326,40 e a Requerente detinha em disponibilidades EUR 3.087.039,59.
(G) O contrato de empréstimo com o Banco C…, com o valor inicial de EUR 4.000.000, teve um período de carência de capital de 48 meses e em 2012 já estava a ser amortizado em prestações trimestrais.
(H) A Requerente entendeu que o seu nível de liquidez era congruente para o valor dos ativos alocados à atividade produtiva, sendo que o inventário está contabilizado ao custo histórico, bem como que, não havendo previsão sobre o prazo de venda do empreendimento financiado, era contra os princípios da prudência a anulação das disponibilidades financeiras que tinha através do financiamento bancário, mesmo que em parte.
(I) A Requerente entendeu de boa gestão, dadas as necessidades de cash flow, manter os níveis de liquidez adequados à cobertura das suas despesas correntes e a possibilitar investir e continuar ter negócios a jusante, pelo que não deveria amortizar, mesmo podendo, os empréstimos existentes e colocar em risco a sua sobrevivência.
(J) A Requerente entendeu de boa gestão contrair financiamentos quando teve essa oportunidade em época de crise, por tal ser pressuposto da atividade operacional de construção e venda de imóveis, em particular quando prosseguida por uma PME, dado que não conseguiria prever, atento o histórico do comportamento das entidades financeiras nesses anos, no que concerne à concessão de financiamento, se o iria conseguir obter mais tarde, tanto mais quanto necessitava de efetuar investimentos em património imobiliário e suportar gastos associados às empreitadas. Não há coincidência temporal no setor entre contração de gastos / investimentos e registo de réditos associados aos mesmos.
(K) A Requerente deparou-se a partir dos anos 2008/2009 com a estagnação do mercado de venda habitacional, com dificuldades em vender grande parte dos imóveis que ia construindo até aos anos 2012/2013. Ficou durante o ano 2012 com muitos lotes de terrenos e moradias.
(L) Os bancos – como o Banco C…– privilegiavam o crédito à aquisição para ativos financiados ao construtor, através do rácio financiamento / valor de avaliação (100% contra 70 a 80% de ativos fora dessas condições) e do spread (1,75% a 2%, contra valores à volta de 5% para ativos fora dessas condições) (depoimento de F…).
(M) Assim, os potenciais clientes que pretendiam comprar imóveis na … (empreendimento financiado pelo empréstimo bancário do Banco C…, cujos juros foram desconsiderados) iriam ter acesso a uma taxa de spread em redor de 1,75%, quando em condições normais, e oferecendo as mesmas condições ao banco, o valor de mercado andava pelos 5%. Também conseguiam financiamento de 100% do valor de avaliação do imóvel, acima do rácio de financiamento de outros imóveis. Estes fatores sustentavam as vendas da … em época de crise.
(N) Se tivesse amortizado em 2012 a totalidade do empréstimo, a Requerente teria, provavelmente, suportado as seguintes consequências: teria ficado com liquidez total de cerca de 300.000 Euros, o que apenas lhe daria para fazer face a despesas de gestão ordinária em período temporal curtíssimo; as despesas de gestão ordinária têm elevado peso mas coerente com os custos associados à manutenção e cumprimento das obrigações associadas a inventário que no exercício de 2012 perfazia o valor de EUR 18.564.326,40, contabilizado e valorizado ao custo histórico (sendo que, salvo estagnação muito forte no mercado, o valor venal é superior ao custo histórico); os custos fixos anuais de despesas de gestão ordinária (com remunerações e encargos com trabalhadores, de natureza fiscal, água, eletricidade, economato e de controlo de gestão/contabilidade) eram cerca de EUR 100.000 anuais, sendo pela Requerente considerado incoerente e ilógico do ponto de vista de gestão e financeiro que procedesse à amortização dos financiamentos, para ficar com a liquidez total de cerca de EUR 300.000; a hipotética amortização do empréstimo em análise, ao provocar a redução da liquidez para cerca de EUR 300.000, iria conduzir à estagnação do investimento e consequentemente do negócio e atividade operacional, comprometendo a capacidade da Requerente para implementar projetos que geram cash in, dado necessitar de efetuar investimentos em património imobiliário e suportar gastos associados a empreitadas e manutenção de inventário, num quadro de não coincidência temporal entre a contração de gastos / investimentos e o registo de réditos associados aos mesmos.
(O) A Requerente contraiu os financiamentos junto de instituições de crédito com a finalidade de fornecer apoio à tesouraria e de financiar a construção de imóveis e a aquisição de lotes de terrenos.
(P) Os gastos em análise encontram-se devidamente suportados documentalmente.
2.2. Factos não provados
Não existem factos que o Tribunal tenha por relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
3. Matéria de direito
3.1. Sobre a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016 …
A matéria de direito, relativamente ao pedido principal, é de enunciação linear, não sendo a arbitragem tributária de plena jurisdição: existe ilegalidade no ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, de 24 de novembro de 2016, referente ao exercício fiscal de 2012, o qual apurou imposto a pagar no valor de EUR 92.968,75, bem como, em consequência, no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2016…, no montante de EUR 92.999,85?
A Requerente alega que tal ato está ferido de ilegalidade. Parte das seguintes premissas valorativas dos factos, em síntese feita pelo Tribunal:
O argumento utilizado pela AT (pelo SIT, no RIT) de que os gastos com financiamento em apreço não se afiguram indispensáveis à prossecução da sua atividade, em virtude da existência de ativos líquidos suficientes, não encontra correspondência legal no número 1, do artigo 23.º do Código do IRC. O critério da indispensabilidade dos gastos foi introduzido pelo legislador com o objetivo de excluir gastos incorridos tendo em vista objetivos estranhos ao escopo empresarial, mais concretamente, estranhos à prossecução do lucro, o que sucede sempre que um gasto que não esteja orientado para a obtenção de lucro. Conforme sufragado pela doutrina e jurisprudência que a Requerente cita ou transcreve, não cabe à AT tecer juízos sobre a oportunidade, necessidade ou conveniência dos gastos incorridos pelas empresas. Apenas a posteriori é que as empresas podem saber, com total certeza, que gastos geraram, efetivamente lucro – o que significa que, ao longo do exercício, os gastos vão sendo incorridos com vista à obtenção de lucro, mas quase sempre com algum grau de incerteza, pelo que o critério factual capaz de demonstrar a verificação do requisito legal assenta na capacidade potencial de determinado gasto contraído gerar lucro. A liberdade de gestão empresarial obsta a que a AT ajuíze sobre as decisões de gestão das empresas.
A Requerida propugna pela inexistência de ilegalidade do ato e pela improcedência do pedido:
A Inspeção Tributária não pretendeu, como resulta do RIT, pôr em causa a livre iniciativa e autonomia privada ou questionar as opções de gestão tomadas pelos órgãos da Requerente, mas tão só proceder ao correto enquadramento fiscal dos factos apurados mediante a análise dos elementos atinentes à situação em sede de IRC no período em causa. Não é a prática societária que está em causa mas apenas o seu correto enquadramento fiscal no sentido de garantir a verificação dos requisitos que o artigo 23.º do CIRC exige para a consideração fiscal dos gastos declarados. A lei fiscal não deve obediência a todas as práticas societárias, ainda que as mesmas sejam legais. O financiamento obtido foi pedido para fins de construção e apoio de tesouraria, mas no período de 2012 existem fundos da Requerente aplicados em contas a prazo de valor semelhante na mesma Instituição Bancária, pelo que não se mostra comprovada a dispensabilidade do financiamento e consequentemente dos gastos financeiros associados. O requisito da indispensabilidade não ficou demonstrada pelo sujeito passivo, logo, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, não são aceites fiscalmente os encargos financeiros no montante de EUR 308.746,47.
Da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros
Cabe, em síntese, verificar se os encargos financeiros suportados por um sujeito passivo de IRC, quando as aplicações financeiras por este detidas se apresentem suficientes para liquidar o passivo gerador dos referidos encargos, são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, o qual à data de verificação dos factos estabelecia, na alínea c) do seu n.º 1, que: “1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado”.
Alega a Requerente que foram por si contraídos empréstimos de acordo com o seu próprio interesse social, não advindo para nenhum dos sócios qualquer vantagem económica, não sendo, consequentemente, legítimo que se coloquem em causa os atos de gestão da empresa, pelo que os encargos financeiros são fiscalmente aceites nos termos do referido artigo 23.º do Código do IRC.
Em sentido distinto, argumenta a Requerida que, apesar da existência de conexão entre os gastos de financiamento e a atividade desenvolvida pela Requerente, esses gastos financeiros, incorridos por via de empréstimos bancários obtidos, não satisfazem o requisito da indispensabilidade, porquanto o sujeito passivo detinha ativos líquidos suficientes que permitiam o financiamento, se não a custo zero, certamente com um encargo manifestamente inferior. A Requerida considera que a Requerente detinha outros instrumentos, integralmente por si controlados, que permitiam a obtenção dos mesmos recursos, sem os ónus envolvidos.
Considera, portanto, que a indispensabilidade dos gastos se sujeita ao teste das alternativas de gestão, sendo fiscalmente dedutíveis os gastos gerados pela opção que permita a obtenção dos mesmos recursos com o menor dos ónus. Não está em causa a dedutibilidade dos gastos de financiamento per se, mas antes a opção de gestão da Requerente de contratar financiamentos geradores de gastos, quando dispunha, conforme patenteia o seu Balanço, de outros instrumentos, leia-se ativos, que lhe proporcionavam liquidez.
Importa, portanto, interpretar o preceito constante do artigo 23.º do Código do IRC, designadamente, em face da jurisprudência entretanto produzida.
No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de março de 2006, proferido no processo n.º 01236/05, lê-se que: “o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito. O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. (…) O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa, mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável. (…) E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”.
Do Acórdão acima citado infere-se o que se pode designar como um quadro interpretativo da norma constante do referido artigo 23.º do Código do IRC, na redação vigente em 2012, que se sistematiza nas seguintes traves mestras: são indispensáveis e, portanto, fiscalmente dedutíveis, os gastos que se inscrevam no âmbito da atividade do sujeito passivo, isto é, incorridos para a prossecução da atividade e não para outros interesses alheios à mesma, não ficando sujeitos a um juízo estrito de imperiosa necessidade, nem a um teste de conveniência feito a posteriori. Desta forma, só podem ser fiscalmente excluídos gastos quando se demonstre uma forte motivação que convença de que estes foram incorridos para além do objeto social. Ainda que se revele que não era imperioso incorrer nos mesmos ou que os ditos não lograram um resultado proveitoso, tal não obsta à sua aceitação fiscal. A jurisprudência que se lhe segue, incluindo a arbitral, reforça e refina este quadro interpretativo.
No acórdão do CAAD de 2 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 101/2013-T, refere-se que “só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente”. E na mesma decisão, citando Faveiro[i], pode ainda ler-se que não pode “o agente administrativo competente para determinar a matéria coletável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal”.
Na mesma linha, a decisão do Tribunal Arbitral de 23 de fevereiro de 2015, processo 438/2014-T, cita Tavares [ii] para concluir que “só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa”.
Em sentido idêntico, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 695/2015-T, de 18 de maio de 2015, e 528-2015-T, de 31 de maio de 2016. Na segunda, refere-se que “(…) comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Autoridade Tributária realizar juízos de valor sobre a bondade de gestão empresarial prosseguida pela Requerente”.
“Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. Art.º. 23, n.º 1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica” (Acórdão do TCA-Sul, proferido a 16 de outubro de 2014, processo n.º 06754/13).
Em síntese, são indispensáveis e portanto, fiscalmente dedutíveis, os gastos que se inscrevam no âmbito da atividade do sujeito passivo, isto é, incorridos para a prossecução da atividade, ainda que de forma indireta ou mediata, e não para outros interesses alheios à mesma; em que se verifique um nexo causal com os rendimentos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica, não ficando sujeitos a um juízo estrito de imperiosa necessidade, nem a um teste de conveniência feito a posteriori, mas antes um teste, a priori, da potencialidade para influenciar positivamente os ganhos.
Embora, no caso concreto, possa não ser imperiosa a necessidade de constituir liquidez, essa opção é normal e racional, sobretudo numa perspetiva de prudência, antecipando potenciais problemas futuros de financiamento. A existência de liquidez, em maior ou menor grau, apresenta, portanto, a potencialidade para influenciar positivamente os ganhos futuros.
Por outro lado, se o preceito constante do artigo 23.º do Código do IRC permitisse uma análise, a posteriori, do resultado de uma decisão de gestão e a sua comparação com decisões alternativas, como procedeu a Requerida quando desconsidera os encargos de financiamento como gasto fiscal com base no pressuposto de que a Requerente poderia ter tomado outra opção de gestão, gerar-se-ia um sem número de decisões alternativas a avaliar, incrementado o incerteza do resultado fiscal apresentado pelo sujeito passivo.
Em jeito de conclusão, e preparando a decisão, tendo o financiamento bancário gerador de encargos financeiros sido aplicado no ativo da Requerente, quer como inventários imobiliários ou como liquidez, foi-o no âmbito da sua atividade, e não para outros interesses alheios à mesma. A decisão de, perante a liquidez existente, não liquidar o passivo bancário é uma decisão normal de gestão não menos racional do que a decisão de o liquidar.
3.2. Sobre o pedido de indemnização à Requerente pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal instaurado em virtude do não pagamento voluntário da liquidação de imposto
A Requerente apresentou, antecipadamente, pedido de prestação de garantia, oferecendo à penhora o terreno para construção correspondente ao artigo matricial … da freguesia de … .
Este simples enunciado do tipo de garantia basta para o Tribunal decidir pela improcedência do pedido formulado no presente processo.
Pode a Requerente ter suportado gastos e sofrido prejuízos em resultado direto da prestação da garantia. Tais prejuízos, adequadamente alegados e provados, devem ser efetivamente ressarcidos. Como foi entendido pelo STA, em Ac. de 22-06-2011 (Proc. 0216/11), “(…) as despesas que o contribuinte teve de suportar com a prestação de garantia para obter a suspensão da execução onde estava a ser cobrada a dívida proveniente do ato de liquidação ilegal devem ser vistas como um dano emergente da ilicitude desse ato, tendo em conta que este gozava do privilégio da executoriedade ou privilégio da execução prévia, determinante da sua imediata cobrança coerciva (…), e que a suspensão da execução dependia da prestação de garantia que o contribuinte se viu, assim, forçado a prestar, pelo que esta constitui, ainda, consequência lesiva da atuação administrativa ilegal. Deste modo, e no âmbito da (…) execução de julgado, a indemnização de tais despesas, necessariamente assumidas pelo contribuinte para obter a suspensão de eficácia do ato que veio a ser eliminado da ordem jurídica por força da sua ilegalidade, traduz-se em operação necessária à reconstituição da situação económica em que aquele estaria se não tivesse sido praticado o ato ilegal. Por outras palavras, a Administração Tributária incorreu na prática de um ato ilegal, forçando o contribuinte a recorrer à via judicial para remover essa ilegalidade e a ter de suportar despesas para obter a suspensão da cobrança coerciva da dívida que emergia desse ato, pelo que não há razão para que a reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado não passe pela indemnização desses danos que por ele foram diretamente provocados. Em suma, do ato de anulação da liquidação (…) efetuada ao Exequente resulta o dever, para a Administração, de reconstituir a situação que atualmente existiria se tal ato ilegal não tivesse sido praticado, dever que decorre diretamente da lei, sem necessidade de uma decisão declarativa, não fazendo hoje sentido a doutrina, antes seguida, de obrigar o contribuinte a munir-se previamente de uma prévia decisão condenatória do pagamento dessa indemnização, obtida no processo de impugnação judicial. E é este dever de reconstituição que justifica que a pretensão indemnizatória prevista no artigo 53.º da LGT seja requerida e obtida em processo de execução de julgado”.
Porém, o ressarcimento de tais gastos e prejuízos não pode ter lugar ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT, por não se tratar de caucionamento equivalente a garantia bancária. O Tribunal acompanha, quanto a esta questão de direito, o entendimento do STA, no Acórdão de 24-10-2012 (Proc. 0528/12), bem como da doutrina aí citada, em particular a impressiva explanação de António Lima Guerreiro: “(…) o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (seguro-caução). Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (…), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efetivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais.”
Neste mesmo sentido, o Acórdão do CAAD no Proc. 117/2016-T: “a indemnização por garantia indevida não abrange, no contencioso tributário, outros tipos de garantias para além da garantia bancária ou equivalente, ficando delas excluídas, designadamente, as garantias prestadas através de hipoteca voluntária (…)”.
Assim, o pedido formulado pela Requerente improcede no presente processo.
4. Decisão
De acordo com os fundamentos expostos, decide-se:
Julgar procedente o pedido impugnatório, anulando-se, por ilegal, a liquidação adicional de IRC n.º 2016…, de 24 de novembro de 2016, referente ao exercício fiscal de 2012, na qual a AT apurou imposto a pagar no valor de EUR 92.968,75;
Julgar improcedente o pedido de indemnização da Requerente pela prestação de garantia indevida;
Condenar a Requerida na totalidade das custas. Embora com decaimento da Requerente num dos pedidos, este nem é quantificado nem chega a ser determinado, pelo que, aplicando o regime que decorre da conjugação do disposto nos n.ºs 2 do artigo 297.º e 4 do artigo 299.º do Código de Processo Civil, o valor do único pedido líquido é o que determina o valor da causa e neste a Requerente obtém ganho total.
5. Valor do processo e custas
De harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nos n.ºs 2 do artigo 297.º, 4 do artigo 299.º e 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 92.968,75 (noventa e dois mil, novecentos e sessenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos).
Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em EUR 2.754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Requerida.
Lisboa, 21 de dezembro de 2017.
Os árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Luis M. S. Oliveira)
(Sérgio Pontes)
[i] Vítor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, vol. II, p. 601.
[ii] Tomás Tavares, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, 396, pp. 136 ss.