DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1 A…, S.A., contribuinte fiscal, pessoa coletiva e matrícula número…, com sede na …, …, …, ... em Lisboa, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.º 1, al. a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT, requerer a constituição de tribunal arbitral.
1.2 É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou os ora signatários para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 04 de Julho de 2017.
1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o alegado indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que a Requerente apresentou dos atos de liquidação de imposto de selo, verba 28.1 da Tabela Geral, referentes aos anos de 2012 e 2013, relativos ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia de … sob o artigo …º, atual artigo….º da freguesia de …, do concelho de Lisboa, liquidações, pedido de revisão e prédio que estão melhor identificados no pedido da Requerente e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.
1.5 A Requerente invoca a ilegalidade dos atos de liquidação, contestando a aplicação da nova verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal, mas que incluam divisões suscetíveis de utilização independente, em que o valor mínimo de incidência fixado na lei seja atingido pelo somatório do VPT dos registos matriciais separados (ou autónomos) correspondentes àquelas várias divisões, mas não por qualquer uma delas individualmente considerada.
Entende que pelo facto de o prédio, apesar de não estar constituído em propriedade horizontal, ser constituído por partes suscetíveis de utilização independente, o VPT relevante para aferir do preenchimento do requisito de que depende a incidência da referida verba não se encontra preenchido, já que cada uma das partes do prédio suscetíveis de utilização independente tem um registo separado na correspondente matriz e, portanto, VPT individualizado inferior ao referido limite mínimo.
Sustenta, pois, a Requerente não ser proprietária de um prédio com VPT igual ou superior ao referido montante mínimo, antes proprietária de um prédio em propriedade vertical em que o VPT superior a esse valor apenas é alcançado pelo somatório do VPT das divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação, sem que nenhuma delas, considerada individualmente, atinja esse montante mínimo de relevância tributária. Por essa razão, para a Requerente, as liquidações em crise padecem de vício de violação de lei, o que as torna anuláveis.
Defende ainda que ocorrera, na data da notificação das liquidações referentes ao ano de 2012, a caducidade do direito à liquidação face ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei 55-A/2012, de 19 de Outubro.
A Requerente alega ainda que que uma interpretação da norma em sentido diferente seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade do artigo 13.º e, bem assim, dos números 1 e 3 do artigo 103.º e dos números 1 e 3 do artigo 104.º da CRP.
Conclui peticionando a anulação das liquidações em crise e o reembolso das quantias por ela pagas em consequência de tais liquidações, bem como os pagos em consequência da instauração dos processos de execução fiscal, acrescidos de juros indemnizatórios.
1.6 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu, sendo de salientar que não colocou em causa nem a possibilidade de a Requerente requerer, em alternativa à reclamação graciosa e à impugnação judicial directa dos atos de liquidação, a revisão de ato tributário, nem o indeferimento tácito e, consequentemente aceitou quer a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral quer a competência do Tribunal Arbitral. No mais, a Requerida defendeu-se por impugnação, sustentando a manutenção das liquidações, salientando, em síntese, que a propriedade total, ou vertical, corresponde a um prédio no conceito do artigo 2.º do CIMI, sendo esta a realidade a atender para apurar da verificação do valor mínimo constante da norma de incidência.
Para a Requerida, o VPT relevante para efeitos de incidência tributária é, pois, o VPT do prédio urbano e não o VPT de cada uma das partes que o integram, ainda que estas sejam suscetíveis de utilização independente, posto que afetas a habitação. Em reforço desta tese salienta também que a unidade do prédio não é afetada, não podendo as suas partes distintas ser juridicamente equiparadas às frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal, até porque a sua titularidade é necessariamente atribuída apenas a um único proprietário (ou mais do que um, mas nos casos de compropriedade).
Acrescenta que entendimento diverso (i.e., que o VPT relevante para a norma de incidência corresponderia ao VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente) seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária (ínsito no art. 103º, nº 2 da CRP), por diferenciar onde o legislador não distinguiu.
Para a Requerida o legislador poderia ter pretendido favorecer um regime juridicamente mais evoluído (a propriedade horizontal), submetendo-o a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, sem que essa discriminação possa ser considerada necessariamente arbitrária.
No que respeita à alegada caducidade do direito à liquidação do imposto referente ao ano de 2012, a Requerida defende que norma invocada pela Requerente não afasta o prazo geral de caducidade do artigo 45.º da LGT, tratando-se de uma norma procedimental, que tem como destinatário os serviços da AT, com “o desiderato de antecipar a cobrança do imposto de selo verba 28 com o fito de cumprir com as metas orçamentais impostas pela Troika com a arrecadação de uma receita extraordinária para o ano de 2012”.
Termina solicitando a dispensa da reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como de alegações e conclui que deve ser julgado improcedente o pedido.
1.7 Notificadas da intenção do Tribunal em dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações, as partes não só não vieram opor-se como manifestaram a sua concordância, a Requerida, na resposta e a Requerente, aquando da junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
1) A 31.10.2012 e 31.12.2013 a ora Requerente era proprietária do prédio urbano sito na Rua …, nºs. … a …, destinado a habitação, e inscrito sob o artigo matricial n.º … da extinta freguesia de … (…), atual artigo matricial n.º… da freguesia de …, concelho de Lisboa;
2) Esse prédio - entretanto sujeito ao regime da propriedade horizontal – correspondia naquelas datas a um edifício em propriedade total, composto por 14 divisões de utilização independente, todas afetas a habitação;
3) O valor tributável de cada uma daquelas divisões VPT, determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre o mínimo de € 196.730,00 e máximo de € 269.660,00 e perfaz, no total, de € 3.162.990,00;
4) As liquidações em causa decorrem da aplicação do imposto do selo previsto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS) na redação que lhe foi dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de 1% ao valor patrimonial tributário de € 3.162.990,00 correspondente ao conjunto das divisões independentes afetas a habitação do referido prédio com referência aos anos de 2012 e 2013.
5) Em 23 de Setembro de 2016 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de imposto do selo relativo a 2012 e 2013 em crise;
6) Até ao momento do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não tinha sido notificada de qualquer decisão que houvesse recaído sobre o seu pedido;
7) O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi submetido a 26 de Abril de 2017.
Factos não provados
Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações da Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta quer pela Requerente quer pela Requerida, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.
4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS
A questão decidendas são as seguintes:
1) Com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, das quais algumas com afetação habitacional, o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais.
2) Constitucionalidade:
A aplicação da nova verba 28.1 da TGIS aos prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal, mas que incluam divisões suscetíveis de utilização independente, em que o valor mínimo de incidência fixado na lei seja atingido pelo somatório do VPT dos registos matriciais separados (ou autónomos) correspondentes àquelas várias divisões, mas não por qualquer uma delas individualmente considerada, pela qual pugna a Fazenda, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e, bem assim, do consagrado nos artigos 103.º e 104.º da CRP? E a interpretação pugnada pela Requerente é, por sua vez, inconstitucional por violação do princípio da legalidade, conduzindo necessariamente nesse caso a decisão em sentido oposto?
Cumpre decidir:
1) Nos prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, das quais algumas com afetação habitacional, qual é o o VPT relevante como critério de incidência do imposto de selo para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGI?
A primeira questão decidenda corresponde à aplicação, nas situações da denominada propriedade vertical, da nova tributação em IS incidente sobre prédios urbanos com afetação habitacional e VPT igual ou superior a um milhão de euros. Esta nova tributação foi introduzida em 2012 para reforço das medidas de controlo orçamental pelo lado da receita, num quadro de estado de necessidade financeira.
Sobre esta questão da determinação do VPT (mínimo) relevante para a aplicação da verba 28.1 da TGS nos casos de propriedade vertical, já se pronunciaram, entre muitas outras, as decisões do CAAD nos processos números 50/2013-T, 132/2013, 181/2013-T, 183/2013-T, 272/2013 2013-T, 280/2013-T, 26/2014-T, 30/2014-T, 88/2014-T, 177/2014-T, 206/2014-T e 349/2015-T.
Em todos a questão residia, tal como nestes autos, em saber se o VPT relevante para a norma de incidência (28.1 da TGIS) é o VPT correspondente a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente separadamente consideradas na matriz ou se, pelo contrário, o VPT relevante deverá corresponder ao somatório de todas essas divisões suscetíveis de utilização independentes, mas integrantes de um mesmo prédio e que se encontrem afetas a habitação.
E a resposta, naquelas decisões, foi sempre pela primeira opção, com o que concordamos.
Importa ter presente que cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial do prédio total, a qual discrimina também o valor patrimonial tributário daquelas (n.º 2 do art.º 12.º do CIMI), sendo o IMI liquidado individualmente em relação a cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).
E, se assim é em IMI, também assim deverá ser em Imposto de Selo, até porque o CIS remete para o CIMI.
Como refere a decisão tomada no processo 206/2014-T: “Dado que o CIS remete para o CIMI, há que concluir que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição do horizontal”. Sendo o IMI e o Imposto de Selo “liquidados individualmente em relação a cada uma das partes”, também “o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo”. Em consequência, haverá incidência da verba 28.1 da TGIS (apenas) caso alguma dessas partes, andares ou divisões com utilização independente apresente um VPT, pelo menos, igual ao montante previsto na norma de incidência.
Como bem explica a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no processo 349/2015-T, “Assim, prédio será a área independente, considerada separada e autonomamente na matriz, sendo sujeito a IS se cumpridos dois requisitos: ser destinado a fins habitacionais e ter um VPT igual ou superior a um milhão de euros, critério de aferição dos imóveis habitacionais “de luxo”. De outro modo, criar-se-ia uma realidade não prevista pelo legislador: a de um, por assim dizer, “prédio habitacional”, eventualmente inserido dentro de um prédio mais vasto, eventualmente com várias finalidades, em que o VPT daquele, espúrio aos registos matriciais, consistiria na ficção de um VPT dado pela adição do VPT autónomo de cada divisão (independente e com finalidade habitacional) considerado na inscrição matricial. Ou seja, onde o legislador considerou duas realidades, teria agora o intérprete, sem apoio no texto legislativo, de ficcionar uma terceira realidade, híbrida, a meio caminho entre o prédio urbano e as suas divisões independentes a que o legislador do IMI, e do IS por remissão para o CIMI, entendeu dar relevo tributário.
Também na decisão proferida no processo 272/2013-T (CAAD) se refere que “considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo Imposto de Selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo”. Aliás, diz-se, a posição da AT “não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de Imposto de Selo”, razão pela qual “a adoção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal”.
E no mesmo sentido se refere na decisão arbitral do processo 30/2014-T encontrar-se na doutrina da AT uma “desconformidade com o elemento literal da parte final da norma de incidência (verba 28 da TGIS) que refere que o imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” e por isso, não deverá incidir sobre a soma de valores patrimoniais tributários de prédios, partes de prédios ou andares, não tendo suporte legal a operação de adição de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, de afetação habitacional, cindido do VPT dos demais com fins diferentes, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de 1 000 000,00 de euros ou mais”.
Como também se refere naquela decisão arbitral, o que acontece no que respeita aos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, é que a AT procede, nas operações de liquidação do IS, à adaptação das regras do CIMI (adicionando os valores patrimoniais tributários de um mesmo prédio, sem considerar os que correspondam a partes do prédio com fim não habitacional, dando assim lugar a um novo e híbrido VPT). Com efeito, essa “adaptação” corresponde a “somar os VPT de cada andar ou divisão independente afeta a fins habitacionais (cindido do VPT dos andares ou divisões destinados a outros fins), criando uma nova realidade jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afetação habitacional”, o que atenta “contra o elemento literal da norma de incidência”.
Assim, “nos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente”, deverá considerar-se o valor patrimonial tributário “que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI. Quer para o IMI, quer para este IS”.
Concretizando, como se concluiu na decisão proferida no processo 26/2014-T do CAAD, “para efeitos de aplicação da verba 28 do TGIS aos prédios em propriedade vertical, aplicam-se as mesmas regras do CIMI que ao prédios em propriedade horizontal, e no mesmo sentido o VPT para efeitos da aplicação da verba é o VPT individual de cada fração independente habitacional, sendo que no presente caso nenhuma das frações ultrapassa o critério de incidência de 1.000.000,00€”, o mesmo ocorrendo no caso dos presentes autos.
Partindo da mesma posição, a decisão arbitral proferida no processo 349/2015-T conclui que “como claramente decorre das decisões citadas, que a interpretação literal da nova verba da TGIS não poderá deixar de ser diversa da sustentada pela AT, aliás, a oposta, dada a clara e indiscutível remissão operada a propósito da nova verba da TGIS para as regras do CIMI, não podendo o interprete da norma “criar” um novo conceito de prédio para assim obter um VPT híbrido, não reconhecido na matriz e sem qualquer apoio no texto da lei.”
E fê-lo invocando também o critério da substância económica dos factos tributários: “a expressão “cada prédio urbano” usada no nº 7 do artigo 23º, por identidade de razões, abrange não apenas os prédios urbanos em propriedade horizontal, como também os andares, divisões ou partes de prédios urbanos em propriedade vertical, desde que afetos a fins habitacionais, partindo sempre, em qualquer dos casos, de uma só base tributável para todos os efeitos legais: o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI (...). A realidade económica da detenção de partes independentes, e.g. suscetíveis de utilização ou de arrendamento autónomos, tal como as frações autónomas no caso da propriedade horizontal, e portanto suscetíveis permitir o uso ou a obtenção de rendimentos de modo similar e exteriorizando, por isso, igual capacidade contributiva (como o exteriorizaria o somatório do VPT de várias frações autónomas de um mesmo prédio em propriedade horizontal ou de vários prédios que no seu conjunto superassem o valor de um milhão de euros, sem que tal tenha sido considerado pelo legislador como exteriorização de capacidade contributiva relevante para efeitos de IS).”
Acresce que, como se refere no Acórdão proferido no processo 26/2014-T do CAAD, não se vislumbra qualquer censura do legislador à propriedade vertical. Com efeito, “dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda mas impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património”.
Com efeito, como se decidiu nos processos 26/2014-T e 272/2014-T e 349/2015-T, “o legislador é indiferente a uma ou outra forma de estruturação da propriedade de prédios urbanos no CIMI, não se perceberia que pretendesse agora favorecer uma em detrimento da outra, nomeadamente por considerar uma forma de estruturação mais avançada do que a outra”. “O regime jurídico atual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal”, razão pela qual “a discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal”, pois “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.”
E o certo é que também nada induz o intérprete à conclusão que o concreto legislador da nova verba da TGIS, contrariamente ao legislador do IMI, que aliás permanece inalterado, tenha pretendido discriminar a propriedade vertical face à horizontal. Como bem se relembra no Acórdão proferido no já referido processo 26/2014-T do CAAD, também referida na já citada decisão do processo 349/2015-T “aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente: “O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (cfr. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32). Ora, como se salienta nesse Acórdão, “o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo sem tibiezas a expressão “casas”… de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, pelo que “resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes suscetíveis de utilização independente quando apenas do respetivo somatório resulta um VPT superior ao que prevê a mesma verba”.
Sendo, portanto, claro, tal como se refere na referida decisão 272/2014-T, que para o legislador só aquele valor de um milhão de euros, desde que afeto “a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal”.
E se assim é, teremos então de atender ao conceito de “casa” enquanto realidade física que possibilita um fim habitacional, uma unidade suscetível de utilização independente, incluindo o seu arrendamento, pois é nessa realidade económica que encontraremos a exteriorização da capacidade contributiva associada a “habitações de luxo” que o legislador considerou relevante. Mais, se assim não fosse, procederia o legislador a uma discriminação que não se encontraria justificada, pois como já se viu não se encontra no sistema uma censura da propriedade vertical quando comparada com a horizontal. Mais, essa distinção chocaria com uma necessária equidade entre idênticas exteriorizações de uma mesma capacidade contributiva.
Ora, as capacidades contributivas exteriorizadas pela propriedade de um prédio composto por um conjunto de frações autónomas em propriedade horizontal ou por um conjunto de divisões de utilização independente em regime de propriedade vertical, não podem deixar de ser consideradas idênticas, se não mesmo, eventualmente, menores no caso da segunda hipótese. Ou seja, um prédio não tem, seguramente, um valor de mercado maior por estar organizado como propriedade vertical. Vale o mesmo (permitindo igual benefício pelo seu uso ou igual rendimento por via do seu arrendamento, como acima se referiu), ou terá mesmo um valor menor, já que as alternativas de transmissibilidade serão eventualmente menores. E sabemos que o VPT pretende ser uma aproximação, precisamente, ao valor de mercado dos prédios e será, portanto, a medida e o limite da capacidade contributiva relevante para a nova verba da TGIS. (cf. a decisão que vimos citando, proferida no processo 349/2015-T).
Assim, a interpretação pugnada pela AT, não encontrando justificação hermenêutica, conforme se viu até agora, conduziria ainda a uma manifesta desigualdade entre proprietários de imóveis em propriedade horizontal e em propriedade vertical (e também já se viu que não se vislumbra uma qualquer intenção penalizadora destes, mesmo que se admitisse que tal fosse constitucionalmente admissível).
Nesse mesmo sentido, como bem se salienta na decisão do processo 272/2014-T do CAAD, a “existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material”.
Concluindo, “a verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio, visto que constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio não impondo sequer uma nova avaliação”, e esse facto “não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio e não do que é efetivamente atribuído a cada parte.” Assim, “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal … e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal” (cf. a decisão proferida no processo 26/2014-T do CAAD).
Em conclusão, nos termos expostos, os atos tributários em crise enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, pois nenhuma parte do prédio possui um VPT de valor igual ou superior ao limiar decorrente da norma aplicada, o que torna os ditos atos tributários anuláveis.
2) Constitucionalidade:
Quanto à segunda questão decidenda, a conclusão a que supra chegamos deixa prejudicada a análise da inconstitucionalidade da norma, quer com base numa violação do princípio da igualdade, quer ainda com base no princípio da legalidade (fundamentos que conduziriam a conclusões opostas).
Isto, porque a interpretação pugnada decorre, precisamente, do texto da lei, e não de uma aplicação divergente do seu comando normativo imediato, por intervenção mediata e subsequente de um qualquer princípio constitucional, ou por intervenção inovadora do intérprete.
A ilegalidade dos atos decorre da norma invocada não ser aplicável à situação em causa, já que nenhuma das liquidações se reporta ao liminar mínimo exigido pela referida verba n.º 28, devendo assim ser anuladas com esse fundamento, o que constitui uma conclusão prévia à análise da constitucionalidade da norma.
E, por outro lado, corresponde à opção do legislador, não à do intérprete que se substituiria àquele com interpretação diversa, pelo que não está igualmente em causa a observância do princípio da legalidade.
Nenhumas das partes levantou qualquer questão que corresponda àquilo que o Tribunal Constitucional vem, na sua jurisprudência e de forma consistente, considerando como constituindo uma questão de constitucionalidade normativa.
Na verdade, de acordo com a jurisprudência sedimentada do Tribunal Constitucional, para se poder considerar estar em causa uma questão de constitucionalidade não é suficiente referir que a interpretação de um determinado preceito legal no sentido contrário ao propugnado pelo interessado viola a Constituição.
É necessário que seja discernível a autonomização da questão de constitucionalidade da norma relativamente ao tema da sua interpretação e aplicação aos factos da causa.
O que claramente não se verifica neste caso.
Na verdade, nem Requerente nem Requerida levantaram uma questão de inconstitucionalidade da norma em crise, que cumprisse apreciar, antes se limitaram, uma e outra, ainda que em sentido inverso, a defender que uma interpretação diversa àquela que acolhem seria contrária ao princípio da igualdade, à uma, e da legalidade, à outra.
Pelo que se entende que não foi levantada qualquer questão de inconstitucionalidade da norma em crise que cumpra ao Tribunal apreciar.
Finalmente, no que respeita à concretização do pedido da Requerente, não se colocando, no entender do Tribunal, em causa o direito a juros indemnizatórios, coloca-se a questão de saber se a Requerente tem direito, nesta sede e em consequência da anulação das liquidações, ao reembolso das quantias referentes a juros e taxa de justiça relativos aos processos de execução fiscal que lhe foram instaurados. E aqui o Tribunal entende taxativamente que a anulação das liquidações não é causa adequada ao peticionado reembolso, que extravasaria, aliás, a competência deste Tribunal porquanto haveria de ser arguida em decidida em sede de oposição às execuções fiscais e jamais de sindicância da legalidade das liquidações.
5. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido da Requerente e, em consequência, anular os atos de liquidação em crise, com fundamento em violação de lei, decorrente de erro nos pressupostos;
b) Condenar a Requerida a indemnizar a Requerente das quantias que esta haja suportado em resultado das liquidações ora anuladas, acrescida dos juros indemnizatórios calculados desde o pagamento até efetivo e integral reembolso às taxas legais em vigor e
c) Absolver a Requerida do pedido de reembolso – e juros indemnizatórios – das quantias suportadas pela Requerente em resultado da instauração de processos de execução fiscal.
* * *
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 66.576,09 (sessenta e seis mil quinhentos e setenta e seis euros e nove cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
Custas
O montante das custas é fixado em € 2.448,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, e será suportado pela Requerida.
§ Notifique-se.
Lisboa, 22 de dezembro de 2017
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(Presidente)
Amândio Silva
(Árbitro Adjunto)
Eva Dias Costa
(Árbitra Adjunta)
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT].