Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 280/2017-T
Data da decisão: 2017-12-22  IRS  
Valor do pedido: € 9.953,16
Tema: IRS – Compensação por cessação do contrato de trabalho. ACT do Setor Bancário. Alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.         RELATÓRIO

1.      A…, número de identificação fiscal … e B…, número de identificação fiscal …, residentes na Rua …, nº …, ..., …-… Lisboa, doravante designados como “Requerentes”, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, aprovada pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral em matéria tributária em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional do IRS do ano de 2013, com o n.º 2017…, no valor de € 3.661,80 e nota demonstrativa do acerto de contas com o número 2017… no valor de € 9.953,16, e da respectiva liquidação de juros compensatórios.

2.      O pedido de constituição de tribunal arbitral, correspondente ao registo n.º 4163 foi validado e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 21 de abril de 2017, tendo sido notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”) em 28 de abril de 2017.

3.      O Requerente optou por não designar árbitro, tendo o Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, designado como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, a qual aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4.      As partes foram devidamente notificadas da designação do árbitro em 14 de junho de 2017, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.

5.      O tribunal arbitral singular ficou, assim, constituído em 30 de junho de 2017, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 artigo 11.º do RJAT.

6.      Em 4 de julho de 2017, a Requerida foi notificada do despacho proferido pelo tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo.

7.      Em 19 de setembro de 2017, os ilustres representantes da Requerida juntaram aos autos o processo administrativo e em 20 de setembro de 2017, na qual pugnaram pela improcedência integral do pedido de pronúncia arbitral.

8.      No seguimento da resposta da Requerida, em 22 de setembro de 2017, o Tribunal arbitral emitiu despacho, dispensando a realização da primeira reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, considerando a autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, prevista designadamente na alínea c) do artigo 16º do RJAT, por razões de economia processual, tendo em conta a simplicidade das questões em apreço. Adicionalmente, concedeu um prazo de 10 dias sucessivos para as partes, querendo, apresentarem alegações finais por escrito.

9.      Em 21 de novembro de 2017, o tribunal arbitral notificou os Requerentes para juntarem aos autos cópia legível do documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

II.      PRETENSÕES DAS PARTES

 

A.     Pretensão da Requerente

10.  Os Requerentes pretendem que seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares referente ao ano 2013, relativa a indemnização por rescisão do contrato de trabalho com entidade bancária recebida pelo Requerente. Com efeito, o Requerente prestou serviço em mais do que uma entidade bancária, pelo que, a sua antiguidade no Sector bancário, deverá ser contada por referência a todo o tempo de serviço prestado no Sector bancário e não apenas perante a entidade patronal que suportou o encargo com a indemnização. Nessa medida, da indemnização de € 204.692,50, apenas será de considerar sujeita a IRS a importância de € 85.142,65 e não de €100.196,94. Em consequência, requer a anulação parcial dos actos de liquidação e o reembolso do imposto a mais liquidado e pago no montante de € 9.953,16, acrescido de juros indemnizatórios.

B. Pretensão da Requerida

11.  A Requerida, por seu turno, sustenta que, a liquidação adicional de IRS consubstanciaria uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, na medida em que o Requerente não teria provado a sua filiação a um dos sindicatos subscritores do ACT em vigor no setor bancário, o seria motivo excludente da invocação da cláusula 17.ª do ACT para efeitos de cálculo da indemnização excluída de tributação em sede de IRS, não padecendo a referida liquidação de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida dos pedidos.

III.             SANEAMENTO

12.  O Tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído.

13.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3.º, 6.º e 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).

14.  Não se verificam quaisquer nulidades, nem foram alegadas pelas partes quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da questão.

 

IV.             MATÉRIA DE FACTO

A.    Factos dados como provados

15.  Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos.

a)      O Requerente foi trabalhador no Banco C… no período compreendido entre 08/06/1987 e 14/04/1990, com uma interrupção entre 8/06/1988 e 14/07/1988.

b)      O Requerente celebrou um contrato de trabalho com termo certo com o D…– sucursal em Portugal, pessoa colectiva n.º … (doravante “D…”) em 28/07/1990 com prazo de seis meses, com início em 20/08/1990 e termo em 19/02/1991, tendo o mesmo sido convertido em contrato sem termo em 19/02/1991, ficando o mesmo integrado nos seus quadros a partir dessa data.

c)      No ano de 2013, em virtude de uma reestruturação, o D…, reduziu efetivos, tendo chegado a acordo de revogação do contrato de trabalho com alguns trabalhadores, incluindo com o Requerente.

d)      Em 30/06/2013, o Requerente celebrou um acordo de revogação do contrato de trabalho com o D…, sendo relevantes para a decisão do pleito as cláusulas detalhadas infra.

e)      Conforme estabelecido na cláusula segunda do acordo, a compensação pecuniária global ascendeu à quantia ilíquida de €204.692,50 (e não a €206.692,50):

f)       Decorre, ainda, do n.º 2 da cláusula décima quinta que para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, o D… e o Requerente reconheceram o seu acordo a que a determinação da antiguidade fosse feita pela contagem do tempo de serviço em entidades bancárias, nos termos da Cláusula 17.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (“ACT”):

g)      Mais se transcreve infra o teor da Cláusula 17.ª do Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e a FEBASE – Federação do Sector Financeiro, em vigor, em 2013[1], doravante “ACT”:

h)      No cálculo da referida indemnização, o D… PLC considerou uma remuneração mensal média de € 4.637,31, a qual não foi impugnada, bem como uma antiguidade de 27 anos, impugnada pela Requerida, que considerou 22,88 anos, bem como pelo Requerente que considera uma antiguidade de 25,78 anos

i)       O Requerente foi sócio do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas no período de 29/06/1987 a 30/06/2013, conforme declaração emitida pelo referido sindicato e junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 8. A este propósito, refira-se que a Requerida afirma na sua resposta que o Requerente não comprovou a sua filiação no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. Contudo, tal prova foi feita através da junção aos autos de declaração emitida pelo Sindicato supra. Nesta medida, não tendo sido arguida a falsidade do documento, não poderá deixar de se dar como provado este facto.

j)       Na sequência de um procedimento de inspeção realizado ao D…, ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI2016…, emitida na Direção de Finanças de Lisboa, com incidência no exercício de 2013, foram detetadas irregularidades, concretamente no pagamento de indemnizações, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

k)      No âmbito da referida inspeção, foi elaborado relatório de inspeção pelos SIT, tendo estes concluído que o Requerente auferiu uma indemnização em resultado de uma rescisão do contrato de trabalho, tendo, para efeitos do cálculo da parte sujeita a IRS, considerado a antiguidade de todo o tempo de serviço prestado na atividade bancária e não o tempo de serviço prestado na entidade empregadora, conforme era entendimento dos serviços.

l)       Face ao supra exposto, em 29/02/2016, pelo ofício n.º…, os SIT notificaram o Requerente para, no prazo de 15 dias, substituir a declaração de rendimentos de 2013, acrescendo a parte da indemnização que não foi declarada no montante de €19.122,61:

m)   O Requerente apresentou resposta a este ofício em 10/03/2016, alegando sumariamente que a antiguidade não se poderia limitar ao tempo de serviço prestado naquele Banco, mas à atividade bancária prestada noutras instituições de crédito, pelo que não haveria que substituir a declaração de IRS de 2013.

n)      Os SIT elaboraram o projeto de correções do relatório de inspeção, defendendo posição contrária ao Requerente, tendo este projeto sido notificado ao Requerente em 29/08/2016, para exercer Direito de Audição, nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCIPTA.

o)      O Requerente exerceu direito de audição em 06/09/2016, em que manteve a mesma posição.

p)      A Requerida emitiu o Relatório Final de inspeção, tendo o Requerente sido notificado das correções decorrentes do referido relatório em 04/01/2017.

q)      Em 21/02/2017, o Requerente pagou a quantia de €9.953,16.

r)       No entanto, por não se conformar com a liquidação adicional de IRS, o Requerente apresentou o presente pedido Pedido de pronúncia Arbitral.

B.     Factos não provados

37.  Não existem outros factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

C.    Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

38.  A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou de todo o exame dos documentos juntos aos autos, bem como na apreciação do teor dos articulados e do processo administrativo.

 

 

V.                mATÉRIA DE DIREITO

  1. Do conceito de antiguidade para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS

O artigo 2.º do Código do IRS, sob a epígrafe “Rendimentos da categoria A” (redação vigente em 2013[2]), dispunha nos seguintes termos:

ARTIGO 2.º

(Rendimentos da categoria A)

“(…) 4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, (…), as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

a) (…);

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.” (negrito nosso)

O limite da não sujeição é, assim, o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, sendo o excedente tributado segundo as regras gerais.

Sobre a ratio legis subjacente a esta norma, “Como sublinha Rui Duarte Morais (Ob. citada, pag 54.), a intenção do legislador revela aqui uma dupla motivação: em primeiro lugar, atender ao facto de que o montante indemnizatório será necessário ao trabalhador para assegurar a sua subsistência durante o período de desemprego que, na maioria dos casos, se seguirá. Por outro lado, terá em conta que o recebimento de tal soma, em geral relativamente avultada, terá um efeito disparador sobre a taxa do imposto: o rendimento obtido nesse ano será excepcionalmente elevado, pelo que resultará tributado a taxas elevadas dada a progressividade do tributo. E porque esta não sujeição das indemnizações era susceptível de fraude através da manipulação das formas jurídicas pelo contribuintes (rescisão de contratos por trabalhadores a troco de uma indemnização, não tributável, que depois passavam a ser prestadores de serviços da sua antiga entidade patronal, ou, por exemplo, despedimento, recebendo indemnização não tributável e posterior celebração de novo contrato com outra sociedade do mesmo grupo) o legislador introduziu cláusulas anti-abuso de que são exemplo as constantes do nº 4 e do nº 10 do artº 2, e cuja aplicação é questionada no presente recurso.”[3]

Pelo que, no caso em apreço, de cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo entre o Requerente e a entidade patronal, a tributação em sede de IRS só poderá incidir sobre o montante da indemnização recebida que exceda o valor médio da remuneração sujeita a imposto, auferida nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade.

As partes não divergem até este ponto, sendo o conceito de antiguidade previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS o ponto de discordância, dado que o Requerente pretende que sejam considerados todos os anos de serviço junto de instituições bancárias, ao abrigo do disposto na cláusula 17ª do ACT[4], no total de 25,78 anos, enquanto que a Requerida pretende que sejam considerados apenas os anos de serviço junto da instituição bancária com a qual foi celebrado o acordo de rescisão do contrato de trabalho, ou seja, 22,88 anos.

A questão controvertida é, então, saber se qual o conceito de antiguidade relevante para efeitos do cálculo da indemnização por cessação do contrato de trabalho, não sujeita a tributação ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.

Na ausência de definições no Código do IRS ou em outras normas fiscais, haverá que analisar e interpretar as normas jurídicas aplicáveis, considerando as regras e princípios gerais de interpretação das leis, designadamente o artigo 9.º do Código Civil (CC), bem como as regras específicas de interpretação das leis fiscais previstas nos números 2 a 4 do artigo 11.º da LGT.

Assim, tratando-se de um termo próprio de outro ramo de direito – in casu do direito do trabalho – haverá que recorrer às definições constantes do Código do Trabalho[5].

Sucede, porém, que o Código do Trabalho não contém uma definição de “antiguidade”.

Segundo a doutrina, existem referências várias à antiguidade do trabalhador de que retiram como sendo a expressão mais corrente de “medida da duração da situação laboral que, paradigmaticamente envolve um trabalhador e um empregador”, reconduzida à expressão “antiguidade na empresa”[6], admitindo-se que o próprio Código do Trabalho manuseia mais dimensões do conceito, como sejam “antiguidade no posto de trabalho”, “antiguidade na categoria profissional”, e que outros diplomas e convenções coletivas ainda acrescentam outras acepões e regras de contagem.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que o conceito de antiguidade poderá resultar de outras fontes de direito laboral, senão vejamos.

No acórdão de 2004, o TCAS veio decidir que “(…)Daí que, embora um trabalhador não possa ter a antiguidade que a empresa entenda arbitrariamente dotá-lo, mas tão só e apenas a antiguidade que efectivamente resulte do tempo durante o qual vem exercendo uma função, nada impede que na contagem desse tempo seja tomada em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutra ou noutras entidades patronais, por forma a que o trabalhador seja admitido sem prejuízo da sua antiguidade na profissão, pois que tal não é proibido nem pelas normas referidas no nº 1 do art. 12º da LCT nem pelos princípios da boa fé, sendo até por vezes essa prática atendida nos usos da profissão do trabalho e das empresas. Por isso, não raras vezes os Instrumentos de Regulamentação Colectiva conferem tutela a uma antiguidade mais ampla e, logo, mais favorável do que a antiguidade na empresa É o que acontece, por exemplo, com a situação contemplada na Cláusula 13ª do CCT aplicável ao Sector dos Despachantes Oficiais, publicado no BTE n° 44, de 29.11.78.2 onde se estipula que "Na admissão de qualquer trabalhador será tomado em linha de conta o tipo de serviço e a categoria já alcançada noutra ou noutras entidades patronais, não podendo o trabalhador ser admitido com prejuízo da sua antiguidade...", sendo que o estabelecimento de uma antiguidade anterior à da admissão na empresa tanto pode ser obtido por lei (art. 37º da LCT por exemplo), como por contrato individual de trabalho, como por contrato colectivo de trabalho.(…)”[7]

No acórdão do TCAS de 2010 entendeu-se que “(…), temos então de nos socorrer dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis no sector bancário em causa, onde se define e consagra no direito laboral o termo antiguidade do trabalhador, por força daquelas normas do RJCIT e da LCCT que lhes atribuem tal relevância, primeira, segundo este último diploma, de fontes do direito laboral, onde tal antiguidade se mostra definida, como sendo a correspondente àquela que o trabalhador detenha por todo o tempo de serviço prestado em Portugal nas instituições de crédito com actividade em território português, cláusulas 16ª, alínea a) do ACTV publicado no BTE, 1.ª Série n.º 28, de 29/7/1986 e 17ª, do ACTV publicado no BTE, 1.ª Série n.º 31, de 22/8/1999, como a ora recorrente nem coloca em causa nesta parte, pelo que a antiguidade tem de ser efectivamente esta a reportada a Maio de 1988, que não só pelo tempo prestado nesta última entidade patronal, como pretende a recorrente, já que também não se coloca em causa que o mesmo tenha trabalhado no respectivo sector de actividade, pelo menos desde Maio de 1988, como consta na matéria provada na alínea A) da matéria fixada no probatório da sentença recorrida, por referência ao doc. constante de fls 30 a 32 dos autos, que a Exma RFP, na sua posição, constante de fls 79 dos autos, nem contestou, já que também nada se prova que não tenha sido este o conceito de antiguidade para este efeito, que o legislador do CIRS tenha querido vazar na norma do citado art.º 2.º, n.º4, citada. (…)”[8]

Mais recentemente, no acórdão do TCAS de 2013, conclui-se que“(…), assenta a questão controvertida no problema de saber qual a antiguidade a ter em conta no caso de ter sido estabelecida entre a entidade patronal e o trabalhador uma antiguidade anterior à da admissão na empresa, cumprindo, antes de mais, esclarecer que, tal como parece unânime no direito laboral, são três as fontes que poderão estabelecer essa antiguidade, a saber (tendo por pano de fundo o princípio da liberdade contratual - cfr.artº.405, do C.Civil):

1-A lei;

2-O Contrato Individual de Trabalho;

3-Os Instrumentos de Regulação Colectiva de Trabalho.

Não resultando da norma sob exame (cfr.artº.2, nº.4, do C.I.R.S.) que o conceito de antiguidade se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, a noção mais lata de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul, 11/5/2004, proc.6002/01; ac.T.C.A.Sul, 21/9/2010, proc.3748/10).(…)”[9]

Face ao supra exposto, não decorrendo do Código do Trabalho um conceito de antiguidade, poderá recorrer-se a outras fontes de direito laboral, mais precisamente aos instrumentos de regulamentação coletiva, dos quais faz parte o ACT do Sector Bancário.

O referido ACT estabelece na cláusula 2ª o seguinte:

“O presente Acordo Coletivo de Trabalho é aplicável em todo o território nacional, no âmbito do sector bancário, e obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscrevem (adiante genericamente designadas por Instituições de Crédito ou Instituições), bem como todos os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, representados pela outorgante FEBASE – Federação do Sector Financeiro e doravante designados por Sindicatos, abrangendo 26 empregadores e estimando-se em 54.300 os trabalhadores abrangidos.(…)” (negrito nosso).

Ora, não tendo sido emitida qualquer Portaria de Extensão (artigo 514.º do Código do Trabalho)[10] do referido ACT, para que o mesmo fosse aplicável ao caso em apreço, era necessário que a instituição de crédito fosse subscritora do aludido Acordo e que o trabalhador em causa fosse filiado num dos aludidos sindicatos.

Neste sentido, veja-se a decisão arbitral citada pela Requerida, proferida no âmbito do processo n.º 616/2015-T, segundo a qual “(…) no que respeita à aplicação das convenções colectivas, a regra delimitativa basilar consiste no chamado “principio da dupla filiação” (cfr. Art. 496.º do Código do Trabalho) que estabelece, em suma, que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho se aplicam apenas aos trabalhadores filiados em associação sindical que, directa ou indirectamente, tenham outorgado na contratação colectiva e que prestem trabalho a uma entidade empregadora que também tenha estado na mesma contratação. Assim é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado num sindicato signatário. Por esse facto, no caso em apreço, o ACT é aplicável, apenas, aos trabalhadores que são filiados nos sindicatos outorgantes do mesmo não ficando os demais trabalhadores abrangidos pelo seu âmbito de aplicação.” (negrito nosso)

Assim, sendo o D… um dos signatários do ACT e tendo o Requerente comprovado a sua filiação no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, conforme documento n.º 8 junto aos autos, verifica-se o requisito da dupla filiação supra exposto.

Prosseguindo na análise, o ACT para o sector bancário prevê na cláusula 17ª que “a antiguidade do trabalhador será determinada pela contagem do tempo de serviço prestado nos seguintes termos: a) Todos os anos de serviço, prestado em Portugal, nas instituições de crédito com atividade em território Português;(…)”.

Contudo, o D… subscreveu o ACT para o sector bancário e outorgou a revisão do mesmo datada de 2011, com a seguinte ressalva (vide página 1876 do Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 20 de 29/05/2011): “Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado à instituições signatárias de presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições ou empresas, mas neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador.”

Face ao supra exposto, para que o conceito de antiguidade estabelecido na cláusula 17ª do ACT seja relevante para efeitos de cálculo do artigo 2.º n.º 4 do Código do IRS, seria, ainda, necessária a existência de um acordo individual entre o Requerente e D… .

O contrato individual de trabalho celebrado entre o Requerente e o D… não estabeleceu qualquer regra relativa à antiguidade do trabalhador.

No entanto, na cláusula décima quinta do acordo de revogação do contrato de trabalho, o Requerente e D… estabeleceram o seguinte: “ambos os Outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador pela contagem do tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula [17ª] do ACT”. (negrito nosso)

Da ressalva feita pelo D… não decorre a forma que deverá revestir o acordo individual, nem a data em que tal acordo deverá ser celebrado, nem a possibilidade de limitação dos efeitos dessa antiguidade. Apenas se estabelece a possibilidade de aplicação da regra prevista na Cláusula 17ª do ACT por acordo individual, ou seja, com cada um dos seus trabalhadores.

Ou seja, da ressalva feita ao ACT apenas decorre que deverá haver uma manifestação de vontade do D… e do colaborador para que tal regra prevista na Cláusula 17.ª do ACT vincule as partes.

Decorre do supra exposto, que o D… e o Requerente reconheceram no acordo de revogação do contrato de trabalho o seu acordo na determinação da antiguidade por referência à Cláusula 17ª do ACT.

Por outro lado, a validade deste acordo de revogação do contrato de trabalho, não foi posta em causa pela Requerida.

Não pode, assim, deixar de concluir-se que, não existindo qualquer limitação expressa pelo D… na ressalva aposta ao ACT, sobre a forma, o momento e os efeitos que tal acordo individual deveria assumir, esta manifestação de vontade das partes, ocorrida ainda no âmbito da relação laboral, deverá relevar para efeitos de aplicação da Clausula 17ª do ACT.

Relembre-se que, caso o D… não tivesse aposto esta ressalva à aplicação do ACT, estariam reunidas todas as condições de aplicação da Cláusula 17ª ao Requerente.

Nessa medida, verifica-se a condição em falta para aplicação da Cláusula 17ª do ACT, para efeitos de contagem de antiguidade do Requerente, ou seja, o acordo individual a que se refere a ressalva aposta pelo D… no ACT.

Considera-se que o referido acordo individual poderia ser formalizado no acordo de revogação do contrato de trabalho, dado que o mesmo é um instrumento contratual celebrado entre as partes, cuja validade não foi contestada.

A este propósito reconhece-se que existem decisões do CAAD que apontam no sentido de desconsideração do acordo de revogação do contrato de trabalho como manifestação de acordo individual, pressuposto de aplicação da Cláusula 17ª ACT: “(…)“Importa pois, determinar, qual dos acordos é o relevante para o exame em causa, circunstância tanto mais relevante quando, como igualmente resulta dos Autos, a relevância atribuída à antiguidade no setor é diferente in casu consoante o acordo em análise. Com efeito, enquanto no contrato de trabalho (2007) existe uma limitação taxativa e exaustiva da extensão da relevância do conceito antiguidade no setor (ou seja, há uma limitação negativa clara dessa extensão), já no acordo de cessação (2013), e precisamente a propósito do valor da indemnização, a antiguidade do setor é efetivamente considerada. Ora, a este propósito, seguimos de muito perto o pronunciamento de Carla Trindade no processo 616/2015 T, um caso com contornos análogos ao presente, no sentido em que «não se venha dizer que o conceito de antiguidade que inclui a prestação de serviços noutras entidades empregadoras decorre […] do Acordo de Revogação pois este não pode ser considerado como uma adenda ao Contrato Individual de Trabalho no qual, como se viu, nem sequer se reconhece esta antiguidade para efeitos de cálculo de indemnização por rescisão de contrato de trabalho. Tanto mais que o acordo de revogação do contrato de trabalho é precisamente o contrato extintivo da relação laboral, o qual não visa estabelecer condições respeitantes à execução da relação laboral mas sim à sua cessação». Continuamos a citar a fazer referência expressa à referida decisão, quando esta subscreve que «não resultando nem do Contrato Individual de Trabalho celebrado entre o Requerente e o Banco B..., nem do ACT a antiguidade do Requerente nas anteriores entidades empregadoras, a única antiguidade a considerar no cálculo da indemnização por cessação de contrato de trabalho será a antiguidade do Requerente no B… . Esta é a única à qual a entidade devedora estava obrigada a pagar nos termos das regras jus-laborais»(…) [11] [12].

Contudo, face a todo o supra exposto, não decorrendo do Código do Trabalho, nem do contrato de trabalho celebrado entre o trabalhador e o D… uma definição de antiguidade, estando o D… e o trabalhador vinculados ao ACT e tendo havido uma manifestação expressa e individualizada de adesão à definição de antiguidade constante da cláusula 17ª do ACT, a mesma deverá relevar para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.

Desta feita, conclui-se que, o conceito de antiguidade relevante para efeitos de cálculo do montante da compensação por acordo de revogação do contrato de trabalho não sujeita a IRS nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, deverá decorrer da Cláusula 17ª do ACT, ou seja, antiguidade relativamente ao tempo de serviço prestado pelo trabalhador a outras instituições de crédito e não antiguidade perante a entidade devedora, porquanto se têm por verificadas todas as condições de aplicação do referido ACT ao Requerente.

Assim sendo, deverá proceder o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação parcial do ato de liquidação em apreço.

  1. Do direito aos juros indemnizatórios

No que concerne ao pedido formulado pelo Requerente de juros indemnizatórios, atente-seno disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”):

“1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Com efeito, nos termos do artigo 100.º da LGT: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Acrescenta o artigo 61.º do CPPT que:

“(…) 2 - Em caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

3 - Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.

4 - Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea. 

5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos. (…)”

Por seu turno, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, refere-se que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, estabelecendo-se, assim, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Pelo que, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, nos termos das normas supra citadas, calculados sobre a quantia paga indevidamente, à taxa dos juros legais[13] prevista no artigo 559.º do Código Civil (n.º 10 do artigo 35.º ex vi n.º 4 do artigo 43.º ambos da LGT)

Os juros indemnizatórios serão devidos a partir da data de pagamento indevido da liquidação adicional de IRS até à execução da presente decisão arbitral.

Assim sendo, para além do reembolso do IRS liquidado em excesso, a Requerida deverá a liquidar juros indemnizatórios ao Requerente.

 

VI.   DECISÃO

Termos em que decide este tribunal arbitral:

  1. Julgar o pedido arbitral procedente, anulando-se parcialmente o ato tributário de liquidação adicional de IRS do ano de 2013, com o n.º 2017…, no valor de € 3.661,80 e nota demonstrativa do acerto de contas com o número 2017… no valor de € 9.953,16.
  2.  Julgar o pedido de juros indemnizatórios procedente; e,
  3. Condenar a Requerida em custas.

 

VII.VALOR DA CAUSA

Em conformidade com o disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 306.º do CPC e da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 97.°-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de € 9.953,16 (nove mil novecentos e cinquenta e três euros e dezasseis cêntimos).

VIII.       CUSTAS

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos a Tabela I do RCPTA, a pagar pela Requerida.

Notifique-se esta decisão arbitral às partes.

Lisboa, 22 de dezembro de 2017

O Árbitro Singular,

 

(Vera Figueiredo)

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131º, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, redigido segundo a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto.

 



[1] Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e a FEBASE – Federação do Sector Financeiro, publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 20 de 29/05/2011, com a alteração publicada no Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 8 de 29/02/2012.

[2] Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

[3] Acórdão do STA no recurso n.º 0517/16, de 23/11/2016, disponível em www.dgsi.pt

[4] ACT do Sector Bancário, acima melhor identificado.

[5] Aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro e subsequentes alterações, na versão em vigor à data dos factos, e.g., a da Lei n.º 69/2013 de 30 de Agosto.

[6] Confr. Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), de Cláudia Reis Duarte e Filipe Fraústo da Silva, em Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012.

[7] Acórdão do TCAS no processo n.º 06002/01, datado de 11/05/2004 disponível em www.dgsi.pt

[8] Acórdão do TCAS no processo n.º 03748/10, datado de 21/09/2010, disponível em www.dgsi.pt

[9] Acórdão do TCAS no processo n.º 05974/12, de 12/03/2013, disponível em www.dgsi.pt

[10] Acórdão do STJ no processo n.º 161/15.4T8VRL.G1.S1, de 09.03.2017,disponível em www.dgsi.pt

 

[11] Decisão arbitral no Processo n.º 126/2017 de 19/10/2017, disponível em www.caad.org.pt,

[12] No mesmo sentido do aresto citado, a Decisão arbitral no Processo n.º 616/2015 de 2/05/2016, disponível em www.caad.org.pt

[13] Taxa de juros legais prevista atualmente na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.