Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 264/2017-T
Data da decisão: 2017-12-27  IRS  
Valor do pedido: € 9.206,91
Tema: IRS – Artigo 41.º do Código do IRS – Deduções aos rendimentos prediais da categoria F – Despesas de conservação e manutenção – Proporcionalidade das despesas em função do número de dias de arrendamento do imóvel.
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Decisão Arbitral

 

I.                   RELATÓRIO

 

1.                  Em 13 de Abril de 2017, os contribuintes A… e B…, não residentes em Portugal para efeitos fiscal, com os números de identificação fiscal … e …, respectivamente, com morada fiscal na Rua …, n.º…, …-… …, adiante designados por os Requerentes, solicitaram a constituição de Tribunal Arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.                  Os Requerentes são representados, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dra. E…, e a Requerida é representada pelos juristas, Dr. C… e Dr. D… .

3.                  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 17 de Abril de 2017.

4.                  Mediante o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, os Requerentes pretendem a declaração de ilegalidade da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º …2016…, e consequente, anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios, dos anos de 2012, 2013 e 2014 e, consequentemente, a restituição do montante total de € 9.206,91 (nove mil, duzentos e seis euros e noventa e um cêntimos).

5.                  Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.

6.                  O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 28 de Junho de 2017, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do Tribunal Arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.                  Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 18 de Setembro de 2017, a sua resposta.

8.                  Por despacho de 09 de Outubro de 2017, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respectivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de actos inúteis, o Tribunal entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o art.º 18 do RJAT, devendo ser de dispensar igualmente a apresentação de alegações, caso as partes a isso não se oponham. Face ao silêncio das Partes, a aludida reunião foi dispensada, bem como as mencionadas alegações.

9.                  O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 28 de Dezembro de 2017 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido os Requerentes, no despacho de 09 de Outubro de 2017, de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

Os Requerentes sustentam o pedido de anulação do deferimento parcial da reclamação graciosa n.º …2016… e das liquidações de IRS referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014, corporizadas pela (i.) demonstração de liquidação de IRS n.º 2016…, de 18 de Abril de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como da respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, estas duas de 3 de Maio de 2016, (ii.) pela demonstração de liquidação de IRS n.º 2016…, de 18 de Abril de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como da respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, ambas 2 de Maio de 2016, e (iii.) pela demonstração de liquidação de IRS n.º 2016…, de 7 de Abril de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como pela respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, as duas de 11 de Abril de 2016, no valor global de € 10.220,33 (dez mil, duzentos e vinte euros e trinta e três cêntimos), em que, na sequência da referida decisão final de deferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada pelos Requerentes, os mesmos receberam reembolsos de € 446,24 (quatrocentos e quarenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos) e € 567,18 (quinhentos e sessenta e sete euros e dezoito cêntimos), referentes ao imposto pago em excesso relativamente aos exercícios de 2013 e 2014 a que foram sujeitos, por enfermarem nos seguintes vícios:

a)        Os Requerentes foram objecto de uma acção inspectiva tributária interna, relativa aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, no âmbito das Ordens de Serviço n.º OI2015…/…/…, de 17 de Setembro de 2015.

b)        Na sequência da mencionada acção de inspecção, os serviços da AT entenderam efectuar correcções aritméticas, das quais originaram liquidações adicionais de IRS e respectivas liquidações de juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, obrigando os Requerentes a reclamar graciosamente, da qual resultou decisão final de deferimento parcial, aceitando a AT: «a dedutibilidade fiscal de todas as despesas que a Requerente reclamara relativamente aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, com excepção das seguintes despesas no exercício de 2014: Instalação de equipamento de internet - € 92,25; Materiais router internet - € 79,95; Socorros conjunto/moradia - € 30,75 e Instalação IPTV box - € 119,98.».

c)         Com efeito, «pese embora a Requerente tenha apresentado suporte documental de todas estas despesas que não foram nesta fase aceites, conforme consta dos documentos anexos à Reclamação Graciosa, as referidas despesas não foram aceites para efeitos fiscais por serem consideradas despesas correntes e não despesas de manutenção e conservação.»

d)        Adicionalmente, «a AT manteve a aplicação de um coeficiente de proporcionalidade das despesas tendo por base o número de dias de arrendamento do imóvel.»

e)         No entanto, «o Relatório de Inspecção abstém-se de indicar quais são em concreto as despesas que não são dedutíveis quando o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviços suportado, aquelas que não são dedutíveis por se tratarem de ‘despesas correntes’ ou, as outras despesas não dedutíveis.»

f)         Para além de que, a alegada proporcionalidade que deverá existir entre as despesas incorridas e os períodos em que os imóveis dos Requerentes geram rendimentos, vertida no Relatório de Inspecção e no despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, não está legitimada pela Lei.

g)        Nestes termos, «considerando o incumprimento, por parte da AT, do especial dever de fundamentação a que a lei a obriga, todas as demonstrações de liquidação ora reclamadas deverão ser consideradas não fundamentadas, ao abrigo do n.º 2 do artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) – aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º do CPPT –, bem como dos supra citados artigos, e, consequentemente, por vício de forma, serem anuladas.»

h)        Ainda assim, mesmo que os actos, «não sejam anulados por vício de forma por falta de fundamentação, os mesmos o sejam em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.»

i)          Por um lado, «parece pacífica a posição doutrinária que defende que a ratio subjacente ao conceito de ‘despesas de conservação’ consiste em aceitar para efeitos da dedutibilidade nos termos do artigo 41.º do Código do IRS, todas as despesas de conservação, sejam elas ordinárias ou extraordinárias.».

j)         Assim, «deverão ser consideradas ‘despesas de manutenção’ todas aquelas que sejam necessárias à manutenção dos imóveis e da sua actividade económica, tais como, aquelas relacionados com o funcionamento da internet do imóvel, o qual é arrendado com essa mesma funcionalidade.»

k)        Por outro, «Ao defender que a aplicação de um coeficiente de proporcionalidade de despesas de manutenção e conservação Vs. rendimentos deverá ser aplicado à Requerente, a AT apresenta um certo alheamento da realidade e da lei.»

l)          Face o exposto, entendem os Requerentes «solicitar a anulação na sua totalidade das correcções respeitantes a IRC alegadamente devido em razão de despesas não dedutíveis ao abrigo do mencionado artigo 41.º do Código do IRS», bem como «em razão da aplicação de um coeficiente de proporcionalidade e, consequentemente, dos actos de liquidação e da decisão final de deferimento parcial da Reclamação Graciosa que lhes estão associados.»

m)     Acresce ainda que, «Impõe-se, assim, concluir haver ausência de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, nomeadamente no que respeita à culpa da Requerente no suposto atraso na liquidação de imposto, o que viola o disposto no n.º 1 do artigo 35.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 77.º, ambos da LGT, bem como o disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP.»

n)        Por isso, requerem que o Tribunal Arbitral declare: (i.) a ilegalidade dos actos de liquidação adicional do IRS, relativos aos exercícios de 2012, 2013 e 2014; (ii.) a ilegalidade do acto de deferimento parcial da Reclamação Graciosa relativa aos exercícios de 2012, 2013 e 2014; (iii.) o reembolso do montante de € 9.206,91 pago indevidamente em excesso; (iv.) o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante pago indevidamente.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se por impugnação, do seguinte modo:

a)   Entende a Requerida que: «Sobre a falta de fundamentação, sempre se dirá que, com o devido respeito por entendimento diverso, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação do acto tributário.»

b)   Com efeito, «para se atingir aquele desiderato basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual, sendo a fundamentação do acto administrativo-tributário suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.»

c)      No caso concreto, «é inelutável, que a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que os Requerentes por via do presente pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação.»

d)     Pelo que, «ainda que o ato sub judice padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador – o que só por mera hipótese académica se admite – tais deficiências degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais.»

e)    Todavia, «ainda que se entendesse que o acto padecia de qualquer omissão de fundamentação, o que não se concede, a Requerente teria sempre ao seu dispor o procedimento previsto no art.º 37.º do CPPT.»

f)    Quanto ao alegado erro de direito nas correcções efectuados, por conseguinte, nas liquidações emitidas, isso é, vício de violação de lei, mormente do artigo 41.º do Código do IRS, na redacção à data dos factos, «não assiste razão à Requerente, como se encontra amplamente demonstrado na informação que fundamentou a decisão da correcção proposta e, bem assim, do indeferimento da Reclamação Graciosa para onde se remete e que desde já se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.»

g)   De acordo com a Requerida, «Uma vez que, para efeitos de tributação em sede da Categoria F do Código do IRS, se atende ao rendimento líquido obtido, i.e., às rendas recebidas deduzidas das despesas e encargos suportados para produzir os rendimentos prediais englobados e para manter íntegra a respetiva fonte produtora, ou seja, os prédios objeto de arrendamento, afigura se deverem tais despesas ser proporcionalmente consideradas tendo por base o número de meses de arrendamento.»

h)   Ora, «Nos períodos em que o imóvel não esteve ocupado e, por tal razão, não produziu qualquer rendimento predial, não existindo um rendimento bruto a que possa ser deduzido qualquer encargo suportado, pelo que, na circunstância, não será possível apurar um rendimento líquido sujeito a tributação em sede de categoria F do Código do IRS.»

i)     Continuando a sua tese, manifesta a Requerida o entendimento de que «qualquer outra interpretação que não sufrague a posição vertida no RIT, e que é a interpretação da AT, viola frontalmente preceitos Constitucionais, nomeadamente o principio da igualdade (art.º 13.º CRP) e, bem assim, o da capacidade contributiva (104.º CRP), ao discriminar aqueles que arrendam um imóvel por escassos dias, deduzindo todas e quaisquer despesas previstas no art.º 41.º sem qualquer limite, daqueles que, usando constantemente e durante todo o ano fiscal o imóvel para arrendamento, se vêm na contingência de serem colocados no mesmo patamar de capacidade contributivo (que não é de todo igual) que aqueles outros.»

j)    Pelo que, «é evidente a conformidade legal do acto tributário objecto do presente pedido arbitral.», encontrando-se «afastada a possibilidade de reconhecimento de direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.os 1 e 2 do artigo 43.º da LGT.»

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

Tendo em conta a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, a ora cumulação de pedidos é admissível, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.    Os Requerentes são proprietários do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º…, da freguesia de …, do concelho de Loulé, sito … – Urbanização … (cfr. doc. n.º 2 junto com a Petição Arbitral);

B.    Os rendimentos prediais da categoria F declarados pelos Requerentes, bem como as despesas e encargos conexos suportados e declarados foram os seguintes (cfr. anexo 7 a 9 junto com a Petição Inicial):

 

 

2012

2013

2014

Rendas recebidas

€ 24.969,57

€ 27.185,20

€ 19.200,95

IMI

€   2.059,04

€   2.017,76

€   2.017,76

Despesas de Manutenção e Conservação

€ 12.967,83

€ 15.061,99

€ 11.128,90

Rendimento colectável

€   9.942,70

€ 10.105,45

€   6.054,29

 

C.    No âmbito das Ordens de Serviço n.º OI2015…/…/…, de 17 de Setembro de 2015, foi por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira efectuada uma acção inspectiva interna aos Requerentes, respeitante aos anos de 2012, 2013 e 2014, de âmbito parcial, referente aos procedimentos adoptados em sede de apuramento do IRS (cfr. anexo 2 junto com a petição arbitral);

D.    No decurso da mencionada acção de inspecção, os serviços inspectivos tributários entenderam fazer as seguintes correcções (cfr. anexo 2 junto com a Petição Inicial):

 

 

2012

2013

2014

Total

Correcção ao rendimento tributável

€ 13.321,71

€ 13.587,08

€ 12.724,49

€ 39.633,28

Imposto em falta

€   2.198,08

€   3.804,38

€   3.562,86

€    9.565,32

 

E.      Neste seguimento, os Requerentes foram notificados dos seguintes actos tributários relativos aos anos de 2012, 2013 e 2014:

 

·         demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2016…, de 18 de Abril de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como da respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, estas duas de 3 de Maio de 2016;

·         demonstração de liquidação de IRS n.º 2016…, de 18 de Abril de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como da respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, ambas 2 de Maio de 2016;

·         demonstração de liquidação de IRS n.º 2016…, de 7 de Abril de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como pela respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, as duas de 11 de Abril de 2016; cfr. cópias de notas de liquidação juntas com as reclamações graciosas – cfr. fls. 73 a 75, 78 a 80, 83 a 85, todas do processo administrativo.

F.       Os Requerente procederam ao pagamento dos actos de liquidação subjacentes à petição arbitral em 18 de Maio de 2016 (cfr. fls. 76, 81 e 86 do processo administrativo).

G.      Uma vez que não concordaram com a correcção levada a cabo pelos Inspectores Tributários, no âmbito da acção de inspecção mencionada, os Requerentes apresentaram, em 29 de Julho de 2016, uma reclamação graciosa referente aos exercícios de 2012, 2013 e 2014 (cfr. documento n.º 1 junto com a petição arbitral).

H.      Em 13 de Janeiro de 2017, os Requerentes foram notificados da decisão final de deferimento parcial da referida reclamação graciosa (cfr. documento n.º 2 junto com a petição arbitral).

I.       Na sequência da referida decisão final de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes, estes receberam reembolsos no valor de € 446,24 e € 567,18 referentes ao imposto pago em excesso relativamente aos exercícios de 2013 e 2014 (cfr. doc. n.º 3 e 4 junto com a petição arbitral).

 

 

 

VI. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VII. Motivação da matéria de facto dada como provada

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.

 

VIII. Questão decidenda

 

10.              Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:

−                   Os actos tributários das liquidações de IRS, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014, são ilegais, na medida em que decorreram da não consideração de despesas declaradas pelos Requerentes, para efeitos de dedução ao rendimento da categoria F do IRS, em respeito pelo no artigo 41.º do Código do IRS.

 

IX. Fundamentos de direito

 

11.              Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 10).

12.              Em sede de IRS e de acordo com o n.º 2 do artigo 13.º do Código do IRS, são sujeitos passivos de IRS “(…) as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.”, incidindo o IRS sobre “o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos.” (cfr. artigo 1.º, n.º 1 do Código do IRS).

As importâncias recebidas pelos Requerentes a título de rendas são consideradas rendimentos prediais – categoria F (cfr. artigo 8.º do Código do IRS).

Por outro lado, as despesas suceptíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais encontram-se previstas no artigo 41.º do Código do IRS.

Tendo em conta a redacção à data dos factos, o artigo 41.º do Código do IRS em vigor no ano de 2012 previa que “aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º, deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios (…) cujo rendimento tenha sido englobado.”. Para os anos de 2013 e 2014 disponha que “aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º, deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios (…) cujo rendimento seja objecto de tributação no ano fiscal.”.

13.              Atento ao disposto, este artigo prevê os seguintes pressupostos legais para consideração de despesas e encargos efectuados: i. Despesas de manutenção e conservação que incumbam ao sujeito passivo; ii. Despesas efectivamente suportadas e documentalmente provadas; iii. IMI incidente sobre o valor do prédio arrendado, cujo rendimento seja objecto de tributação no ano fiscal, ou seja, pago no ano dos rendimentos a tributar em IRS.

14.              No entanto, o Código do IRS não define o que se entende por “despesas de manutenção e conservação”, pelo que, a interpretação daquele conceito deverá ser efectuada tendo por referência o artigo 11.º da LGT.

Atendendo à noção civilística constante no Regime do Arrendamento Urbano (RAU), por ser o diploma que definia as regras do arrendamento urbano e definia quais as obras que incumbia ao senhorio, apesar de não existir correspondência terminológica entre “despesas de manutenção e conservação”, previstas no artigo 41.º do Código do IRS, e o RAU, que distingue entre "obras de conservação ordinária", "obras de conservação extraordinária" e "obras de beneficiação", o artigo 11.º dispunha que:

1 - Nos prédios urbanos, e para efeitos do presente diploma, podem ter lugar obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária e obras de beneficiação.

2 - São obras de conservação ordinária:

a) A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências;

b) As obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização;

c) Em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.

3 - São obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.

4 - São obras de beneficiação todas as que não estejam abrangidas nos dois números anteriores.”.

Veja-se, a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.07.2016, proferido no processo n.º 088/16, onde, para além do mais, se pode ler: “As despesas de manutenção e de conservação serão despesas que sejam necessárias à conservação e manutenção dos imóveis que são geradores de rendimento. Poderão ser, como antes definidas no Regime do Arrendamento Urbano, art. 11.º, despesas efectuadas com obras de conservação ordinária - reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; obras de conservação extraordinária – de reparação de defeitos de construção do prédio ou supervenientes; ou até de beneficiação do imóvel, mas sempre com repercussão no imóvel e na susceptibilidade de ele gerar rendimentos.”.

15.              Assim, as despesas de manutenção e de conservação serão despesas que sejam necessárias à conservação e manutenção dos imóveis geradores de rendimento. Poderão ser despesas efectuadas com obras de conservação ordinária, de reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, todas as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; obras de conservação extraordinária, de reparação de defeitos de construção do prédio ou supervenientes ou até de beneficiação do imóvel, mas sempre com repercussão no mesmo e na susceptibilidade de ele gerar rendimentos. Sendo que apenas as obras de conservação ordinária é que estão a cargo do senhorio. Contrariamente, as obras de conservação extraordinária e de beneficiação só ficam a cargo do senhorio quando a sua execução lhe seja ordenada pela câmara municipal competente ou quando haja acordo escrito das partes no sentido da sua realização, com discriminação das obras a efetuar.

16.              No caso concreto, de acordo com os Requerentes e a decisão final de deferimento parcial da reclamação graciosa, nos termos do artigo 41.º do Código do IRS, as despesas relativas a instalação de equipamento de internet, no valor de € 92,25, materiais router internet, no valor de € 79,95, socorros conjuntos/moradia, no valor de € 30,75, e instalação IPTV box, no valor de € 113,98, não resta dúvida que são suceptíveis de consubstanciar despesas manutenção e, por conseguinte, consideradas como enquadradas no âmbito do artigo 41.º do Código do IRS, uma vez que são necessárias à manutenção do imóvel e à produção de rendimento, estando devidamente comprovadas e suportadas pelos Requerentes.

A própria Requerida não pôs em causa a existência de tais despesas e encargos, bem como a exigência do pagamento das mesmas pelas empresas contratadas mas, pelo facto de serem consideradas despesas correntes, o que, como vimos, não tem qualquer acolhimento face à letra da lei.

17.              Quanto ao argumento de que os Requerentes deviam ter aplicado um coeficiente de proporcionalidade às despesas dedutíveis nos termos do artigo 41.º do Código do IRS, tendo por base o número de dias de arrendamento do imóvel, também entendemos que tal procedimento não pode ser aceite, porquanto todas as despesas realizadas, tais como, limpeza das habitações e da piscina e respetivo tratamento de salubridade, água, luz, seguro, IMI e outros, terão sempre que ser suportadas, independentemente do número de dias em que o imóvel está arrendado.

Por um lado, a base do IRS “incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias (…), depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos.” e, portanto, é relativamente a cada ano civil que devem ser considerados os elementos que permitem determinar a incidência, designadamente, rendimento bruto, deduções e abatimentos. Por outro, todas as despesas respeitam as condições cumulativas previstas no artigo 41.º do Código do IRS (i. despesas que incumbissem ao sujeito passivo; ii. tratar-se de despesas efectivamente suportadas pelo sujeito passivo; e, iii. encontrarem-se tais despesas documentalmente comprovadas.

18.              Neste sentido, pelo menos, já se pronunciaram as decisões do CAAD dos processos n.º 201/2015- T, 294/2015-T, 434/2016- T, 42/2017- T e 103/2017T.

19.              Assim, deverão ser consideradas despesas de manutenção todas as suportadas e documentalmente comprovadas pelos Requerentes, uma vez necessárias à manutenção do imóvel e da sua actividade económica, i.e. susceptíveis de produzir rendimento, sendo assim ilegais as liquidações de IRS aqui impugnadas, tanto as respectivas ao imposto supostamente em falta como as referentes aos juros compensatórios, devendo ser restituído aos Requerentes os impostos que foram pagos.

20.              No que se refere aos alegados vícios de inconstitucionalidade por violação dos princípios da (i) falta de fundamentação, (ii) da capacidade contributiva, (iii) da legalidade, e (iv) da igualdade, enunciados na Constituição da República Portuguesa, o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade das liquidações de IRS vertentes, por vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação. 

Como refere o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em anotação ao artigo 95.º desse diploma, p. 483 (aplicável por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT) “Se o Tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.”.

Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados aos actos de liquidação impugnados.  

21.              Por último, de acordo com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O direito a juros indemnizatórios a que alude a mencionada norma da LGT pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01215/12, de 10.04.2013).

22.              No presente caso, mostram-se preenchidas ambas as condições, constituindo-se, pois, a obrigação de juros indemnizatórios a favor dos Requerentes, que assim se declara.

 

X. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente o pedido formulado pelos Requerentes no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º …2016…, e consequente anulação dos actos tributários de liquidação de IRS, dos anos de 2012 a 2014, no valor global de € 9.206,91 (nove mil e duzentos e seis euros e noventa e um cêntimos).
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar aos Requerentes o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.

 

XI. Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 9.206,91, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Dezembro de 2017

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O Árbitro,

 

 

 

(Jorge Carita)