Decisão Arbitral
A presente decisão vai proferida de acordo com a ortografia antiga
I - Relatório.
1. A…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º …, com sede na …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, com vista à anulação dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos juros compensatórios, relativos aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 e aos veículos automóveis identificados pelo respectivo número de matrícula em lista constante do pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dá por reproduzida.
2. Como fundamento do pedido, alega a Requerente, em síntese, que embora os veículos se encontrassem registados em seu nome à data a que se reportam as questionadas liquidações, não era a efectiva proprietária dos veículos em causa porquanto, no quadro do exercício da sua actividade de importação e comercialização de veículos automóveis, os havia já vendido a terceiros em data anterior à do termo do prazo legal de liquidação e pagamento do referido tributo.
3. A Requerida (AT) respondeu suscitando questões prévias quer relativamente à falta de apresentação de documentos de prova dos factos invocados quer no que concerne à contradição entre o objecto e o pedido.
4. O tribunal arbitral foi regularmente constituído em 28-03-2014 e é materialmente competente à face do preceituado no art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT.
5. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
6. As partes prescindiram da reunião do tribunal arbitral prevista no art. 18.º do RJAT
7. O processo não enferma de nulidades.
II - Matéria de facto.
8. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas destacam-se os seguintes elementos factuais:
8.1. A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto é a importação, comercialização e distribuição de automóveis, partes, peças acessórias ou outros serviços complementares ou relacionados, incluindo serviços de assistência técnica.
8.2. No exercício dessa actividade, importa veículos automóveis que vende aos concessionários que integram a sua rede de distribuição que, por sua vez, os vendem a consumidores finais, seus clientes.
8.3. Qualificando-se como operador registado, nos termos do Código do Imposto sobre Veículos, a Requerente, a fim de introduzir no consumo os veículos automóveis que importa, apresenta as competentes Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV).
8.4. Com a emissão das referidas DAV e depois de efectuado o pagamento do Imposto sobre Veículos devido, a Requerente, quando a sua rede de concessionários a informa que celebrou contrato de compra e venda de determinado veículo, solicita à entidade competente a atribuição do respectivo certificado de matrícula.
8.5. Por força das prescrições legais, e desde logo porque para pedir certificado de matrícula é obrigatória a apresentação da DAV em nome da entidade que procede à importação do veículo, o primeiro registo de cada veículo é efectuado em nome da Requerente.
8.6. No entanto, em todos os casos a que respeitam as liquidações questionadas, a propriedade dos veículos a que estas se reportam, é transmitida a terceiro - o concessionário - que, por sua vez, a transmite ao consumidor final, deixando (a Requerente) "de ser o sujeito passivo daquele imposto."
8.7. Dos factos expostos, a Requerente extrai a conclusão de que "à data da liquidação e vencimento dos impostos constantes do pedido de pronúncia arbitral não era a proprietária dos veículos constantes das notificações, conforme documentação e listagem que junta."
III - Questões prévias.
Sintetizados os elementos factuais relevantes importa, antes de mais, analisar e decidir as questões prévias suscitadas pela Requerida (AT) que, como acima referido, se prendem com a falta de apresentação de documentos e contradição ente o objecto e o pedido.
Da falta de apresentação de documentos.
9. Relativamente a esta questão, alega a Requerida não terem sido apresentados, conjuntamente com o pedido de pronúncia arbitral, as liquidações de IUC submetidas a escrutínio deste tribunal arbitral, encontrando-se prejudicada a possibilidade de o fazer em momento ulterior.
10. De tal lacuna, no entender da Requerida, decorre que a Requerente incumpriu o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, que determina dever constar do pedido de pronúncia arbitral a identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido.
11. Conclui assim a Requerida que, caso o tribunal venha a notificar a Requerente para proceder à junção aos autos dos actos de liquidação de IUC e esta o venha a fazer, se reserva o direito de em prazo posterior, a ser concedido pelo tribunal arbitral, vir a apreciar e a exercer o contraditório relativamente a esses factos.
12. Não se lobrigando com clareza o objecto da questão suscitada pela Requerida, assume o tribunal que ao referir-se à apresentação "dos actos de liquidação", se está a AT a referir à apresentação das notificações das liquidações que, entre outros elementos, deverão, nos termos legais, conter a respectiva identificação e fundamentação.
13.Com efeito, a norma do RJAT invocada pela Requerida determina, como é óbvio, que a Requerente identifique o acto ou actos tributários que constituem o objecto do seu pedido de pronúncia arbitral.
14. A Requerente identifica, com exactidão, no n.º 21 da petição, os actos tributários que constituem o seu objecto, identificando o tributo e, pelo número de matrícula, os veículos a que o mesmo respeita, bem como o respectivo período de tributação; e identifica ainda pelo ano e número o documento de cobrança emitido pela AT.
15. Dos elementos que instruem o presente processo não se suscitam quaisquer dúvidas sobre a existência das liquidações questionadas, sua identificação e respectivos montantes. Aliás, da informação elaborada pelos serviços tributários, que se encontra incorporada no processo administrativo junto, pode ler-se: "Da análise individual ao alegado e à documentação apresentada (que no essencial coincidiam com os dados disponíveis da AT e que serviram de base ao início do procedimento, refira-se)..."
16. Não se suscitando, pois, quaisquer dúvidas sobre a existência dos factos tributários impugnados, nem sobre os respectivos montantes, conforme é confirmado pelos serviços tributários, e estando aqueles clara e correctamente identificados na petição apresentada, não se vislumbra qualquer utilidade, ou sequer finalidade, na apresentação dos aludidos "actos de liquidação".
17. Pelo que, consequentemente, o tribunal considera improcedente a questão suscitada pela Requerida no tocante a esta matéria.
Da contradição entre o objecto e o pedido.
18. Segundo a Requerida, o objecto da acção está em contradição com o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente porquanto esta, submetendo ao escrutínio deste tribunal a apreciação de 100 actos de liquidação, no seu pedido pugna pela "anulação de 408 actos de liquidação relativos a IUC, respeitantes a 408 veículos identificados pelo respectivo número de matrícula."
19. Ou seja, "a anulação das liquidações que a Requerente sustenta no pedido (408), não corresponde minimamente às liquidações que a Requerente submete à apreciação do Tribunal Arbitral.
20. Daí concluindo a Requerida da existência de contradição entre o objecto e o pedido.
21. Ora, o objecto do pedido de pronúncia arbitral encontra-se bem balizado no texto da petição e foi bem entendido pelos serviços tributários competentes para a liquidação, conforme se vê do respectivo processo administrativo, circunscrevendo-se às liquidações correctamente identificadas no seu n.º 21.º, cuja anulação, nos termos e com os fundamentos nele constantes, é pedida.
22. A indicação, no articulado do pedido, de se tratar de anulação dos "408 actos de liquidação relativas ao imposto único de Circulação, respeitantes a 408 veículos identificados pelo respectivo número de matrícula" configura, pois, manifesto lapso material de escrita que, segundo a jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, em aplicação do disposto no art. 249.º do C. Civil e, por analogia, do art. 667.º (actual artigo 614.º) do Código de Processo Civil, pode e deve ser corrigido a todo o tempo. [i]
23. Com base nas normas referidas, o tribunal rectifica o pedido da Requerente, no sentido de que o mesmo se reporta à anulação das liquidações que identifica no n.º 21 da petição, considerando, também aqui, insubsistente a questão suscitada pela Requerida.
24. Nos termos e com os fundamentos expostos consideram-se, assim, afastadas as questões prévias suscitadas pela Requerida, nada obstando à apreciação do mérito do pedido.
IV - Cumulação de pedidos.
25. Considerando a existência de uma relação directa entre as liquidações tributárias cuja ilegalidade questiona, a Requerente optou por pedir a apreciação conjunta dos actos tributários em causa.
26. Considerada a identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos arts. 104.º do CPPT e 3-º do RJAT à pretendida cumulação de pedidos.
V – Posições das Partes.
Posição da Requerente.
27. A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral na circunstância de à data de "liquidação e vencimento" do imposto a que se reportam as liquidações no mesmo identificadas não ser a proprietária do veículos e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.
28. No entendimento que expressa, considera a Requerente que da conjugação das disposições dos arts. 3.º, 6.º e 17.º do CIUC com o n.º 2 do art. 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, aprovado pelo DL n.º 55/75, de 12/02, resulta que um operador registado que realiza a importação de veículos em território português e transmite a respectiva propriedade antes de ter decorrido o prazo limite para a liquidação e pagamento do referido imposto não é, nem seria nunca, o sujeito passivo do IUC.
29. A Requerente desenvolve e fundamenta o referido entendimento com extensa argumentação de que, em síntese, se destaca:
a) O art. 3.º, n.º 1, do CIUC estabelece que são considerados sujeitos passivos desse imposto os proprietários (dos veículos tributáveis), considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados;
b) O facto gerador do imposto é, pois, constituído pela propriedade tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional (art. 6.º, n.º 1, do CIUC);
c) Porém, em matéria de liquidação e pagamento de imposto, estabelece o n.º 1 do art. 17.º desse mesmo Código que no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo;
d) De acordo com o art. 42.º, n.º 2, do Regulamento do Registo Automóvel, tratando-se de registo inicial de propriedade, o veículo deverá ser registado no prazo de 60 dias a contar da data da atribuição da matrícula;
e) Ou seja, após a atribuição da matrícula, o proprietário (sujeito passivo de IUC) dispõe de um prazo de 60 dias para registar o veículo, momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo de 30 dias para a liquidação e pagamento do imposto, pelo que entre a atribuição da matrícula e o termo do prazo para liquidação e pagamento do imposto medeia um prazo de 90 dias.
30. Do exposto, a Requerente retira a conclusão de que "se a propriedade do veículo for transmitida no decurso do prazo de 60 dias para o registo dos veículos e, consequentemente, antes do imposto se mostrar liquidado e exigível, é possível afastar a responsabilidade do anterior proprietário registado (o proprietário inicial do veículo)."
31. No sentido de afastar a incidência subjectiva do tributo, adianta ainda a Requerente que:
a) Para além do mais e nos casos em que o proprietário inicial, tal como a requerente, são operadores registados que transmitiram essa propriedade antes de decorrido o prazo para registo e até antes do terminus do prazo para liquidação e pagamento do imposto essa responsabilidade deverá ser sempre afastada até pela própria natureza do imposto;
b) Já que, o princípio da equivalência que subjaz ao Imposto Único de Circulação determina que o que imposto tem em vista é a cobertura de custos viários e ambientais resultantes da utilização dos veículos, sendo que esse benefício não é usufruído pelos operadores registados, mas sim pelos adquirentes dos veículos, tudo em obediência ao princípio do poluidor-pagador.
32. Apelando, assim, ao princípio da equivalência que o art. 1.º do respectivo Código elege como princípio estruturante do IUC, conclui a Requerente que "não utiliza os veículos que importa para Portugal, limitando-se a comercializar esses veículos (com 0 Kms) através da sua rede de distribuição, o que na realidade nos permitir concluir, atenta a génese do IUC, que para efeitos de determinação da incidência subjectiva do tributo apenas se deve considerar como tal o primeiro sujeito passivo que efectivamente utilize o veículo."
Posição da Requerida (AT).
33. Em resposta à argumentação expendida pela Requerente, sustenta a Requerida que tais argumentos, "além de não terem qualquer apoio ou guarida na letra da lei, partem de premissas erradas, pretendendo-se por via de tal a aplicação de um regime de exclusão de tributação em sede de IUC."
34. Apoiando-se nas normas legais já referidas pela Requerente, sustenta a Requerida que:
a) A emissão do certificado de matrícula (dos veículos automóveis) implica a apresentação de uma DAV por parte da Requerente e o pagamento do correspondente ISV (Imposto sobre Veículos) e origina automaticamente o registo da propriedade do veículo ao abrigo do art. 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à importação do veículo e pedido de matrícula;
b) Logo, o primeiro registo de cada veículo é concretizado em nome da entidade importadora, neste caso a Requerente;
c) Tal facto encontra-se bem patente nos documentos juntos ao processo administrativo emitidos pela Conservatória do Registo Automóvel nos quais é peremptório que a Requerente figura como primeira proprietária dos veículos melhor identificados no ponto 21 do pedido de pronúncia;
d) Logo, é peremptório que nos termos do art. 24.º do RRA, o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e nesse sentido é, de acordo com o estatuído nos arts. 3.º e 6.º, ambos do CIUC, sujeito passivo de imposto;
e) Conforme aludimos, o facto gerador em sede de IUC é aferido nos termos do art. 6.º do CIUC, pela matrícula ou pelo registo em território nacional.
35. Face ao exposto, conclui a Requerida que:
a) Como é consabido o facto gerador da relação de imposto será aquele que conjugou os pressupostos previstos na lei tributária, ou seja, é a realidade com vigor jurídico bastante que lhe advém da lei para pôr em movimento, para combinar, os pressupostos tributários, considerados estes como aquelas situações, pessoais e reais, previstas expressa ou tacitamente, pelas normas de incidência tributária;
b) A atribuição à Requerente de um certificado de matrícula consubstancia, nos termos do disposto do art. 6.º do CIUC, o facto gerador do imposto, pelo que, tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula e encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador de IUC bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto."
VI - Factos provados.
36. Estando os factos alegados pela Requerente suportados por prova documental - certidões emitidas pelo Registo Predial e facturas que titulam as transmissões dos veículos identificados - integrada no processo administrativo e que as partes aceitam e não contestam, verifica-se estar apenas em causa matéria de direito.
VII - Matéria de direito.
37. As posições da Requerente e da Requerida encontram-se claramente definidas:
- Para a Requerente, a exigibilidade do imposto constitui-se no termo do prazo para efectuar o registo inicial dos veículos tributáveis, sendo sujeito passivo da obrigação tributária a pessoa em nome da qual o veículo se encontre então registado;
- Para a Requerida, o facto gerador da obrigação tributária e a correspondente exigibilidade definem-se no momento em que é emitido o certificado de matrícula do veículo.
38. Importa, assim, analisar as disposições relevantes do CIUC nesta matéria, designadamente, as noções de incidência subjectiva, articulada esta com o princípio da equivalência, bem como as de facto gerador e exigibilidade do tributo, em articulação com as respectivas regras de liquidação e pagamento.
Da incidência subjectiva.
39. Não obstante o Código do IUC erigir como princípio estruturante deste tributo o princípio da equivalência, entendido como compensação pelos efeitos nefastos em termos ambientais e energéticos resultantes da circulação de veículos [ii], o referido Código elege, no tocante à incidência subjectiva, o proprietário do veículo, considerando como tal a pessoa em nome da qual o mesmo se encontre registado (art. 3.º, n.º 1, do CIUC).
40. Não atribuindo, em geral, especial relevância à utilização efectiva dos veículos, o legislador não deixa, porém, de considerar tal facto em situações específicas que envolvem a sua presuntiva e potencial utilização, equiparando a proprietários, os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direito de opção de compra por força de contrato de locação (art.3.º, n.º 2, do CIUC).
41. O aludido Código não prevê, contudo, qualquer outra situação que afaste a incidência subjectiva definida em função da propriedade do veículo sendo esta aferida em face da presunção derivada do respectivo registo.
42. Assim, na ausência de previsão legal expressa, o operador registado, cujo estatuto e requisitos de atribuição se encontram definidos nos arts. 12.º e 13.º do Código do Imposto sobre Veículos, não beneficia de qualquer regime ou estatuto especial, para efeitos de IUC.
43. Tendo em vista a comercialização dos veículos novos importados ou admitidos em território português, o referido operador terá de obter a respectiva matrícula, sem o que não poderão os mesmos ser admitidos à circulação em Portugal, conforme decorre do disposto no art. 117.º, n.ºs 1 e 4, do Código da Estrada.
44. Atribuída aquela, o operador, por força das normas relativas ao registo obrigatório de veículos automóveis, constantes, designadamente, dos arts. 24.º e 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, deverá proceder ao respectivo registo, no prazo máximo de 60 dias a contar da atribuição da matrícula.
45. Consequentemente, o primeiro registo de um veículo novo é, necessariamente, efectuado em nome do operador que procede à sua importação ou admissão em território português que, na ausência de qualquer excepção ou regime especial, assume, desde logo, a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária.
Do facto gerador, exigibilidade e pagamento do imposto.
46. Constitui facto gerador da obrigação de imposto a propriedade do veículo, conforme atestado pela respectiva matrícula em território nacional (art. 6.º, n.º 1, do CIUC).
47. Verificados assim os pressupostos legais - existência de um veículo tributável, cujo elenco consta do art. 2.º do CIUC e atribuição da respectiva matrícula - fica constituído o facto tributário. E identificada, nos termos acima referidos, a pessoa, singular ou colectiva, vinculada ao cumprimento da prestação tributária, mostra-se integralmente definida a relação jurídica tributária, ficando assim reunidas as condições necessárias à exigibilidade do tributo.
48. Sendo o IUC um imposto periódico anual, cuja periodicidade, no caso de veículos automóveis, corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula e, posteriormente, em cada um dos seus aniversários, a respectiva exigibilidade ocorre no primeiro dia de cada período de tributação (arts. 4.º, n.º 2, e 6.º, n.º 3, do CIUC).
49. No caso de veículos sujeitos a primeira matrícula, é, pois, na data em que esta é efectuada que se define o momento da exigibilidade do imposto, ou seja, o momento a partir do qual o credor tributário pode fazer valer, face ao devedor, o seu direito ao pagamento do imposto, muito embora este possa ser diferido no tempo.
50. Sem prejuízo do disposto no art. 18.º, n.º1, do CIUC, aplicável em caso de incumprimento da obrigação de registo de um veículo a que tenha sido atribuída a primeira matricula, o prazo para a liquidação e pagamento do imposto encontra-se estabelecido no art. 17.º do CIUC, cujo n.º 1 prevê que, no ano da matrícula dos veículos em território nacional o imposto deve ser liquidado e pago pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo.
51. Tal prazo, relativo ao cumprimento da obrigação tributária, já anteriormente constituída nos termos atrás expostos, não configura um prazo de suspensão de imposto nem contende com a respectiva exigibilidade.
52. Diversamente do entendimento sufragado pela Requerente, a exigibilidade do imposto não ocorre no momento em que este é, ou deva ser, liquidado, mas no momento que a lei fixa. E este é situado na data em que se inicia o período de tributação que, no ano da matrícula, corresponde à data em que esta é atribuída, conforme prevê o art. 6.º, n.º 3, do CIUC.
53. A circunstância de, no decurso do prazo que a lei concede ao operador para efectuar o registo, se verificar a transmissão para um terceiro - consumidor final ou outro - do veículo a que o imposto respeita, não implica, concomitantemente, a transmissão da obrigação tributária nem altera a relação jurídica tributária já constituída (vd. art. 36.º da LGT), em que a pessoa em nome da qual se encontra registado naquela data detém a qualidade de sujeito passivo e devedor do imposto.
VIII - Decisão.
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Valor do processo: € 5 810,97.
Custas: Ao abrigo do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerente.
Lisboa, 23 de Junho de 2014,
O árbitro, Álvaro Caneira.
[i] Vd, entre outros, acórdãos de 30-02-2000 do Tribunal da Relação do Porto, proc. 0030416, de 01-02-2005, do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 3259/04 de 19-10-2006, do Tribunal da Relação de Évora, proc. 1342/06-3, disponíveis em http://www.dgsi.pt/.
[ii] Vd. Sérgio Vasques, "Os Impostos Especiais de Consumo", Almedina, 2000 e Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 118-X, que deu origem à Lei n.º 22-A/2007, de 29/05 (reforma da tributação automóvel).