Decisão Arbitral
A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 27 de abril de 2017, decide nos termos que se seguem:
I. RELATÓRIO
1) Enquadramento processual
No dia 15-02-2017, A… e B…, NIF’s … e …, respetivamente, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-02-2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 10-04-2017.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66 B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 27-04-2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
2) Posições das Partes
Os Requerentes apresentaram um pedido de constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2016…, da demonstração de liquidação de juros n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, do ano 2013.
Os Requerentes discordam da referida liquidação pelos seguintes motivos:
O Requerente iniciou a sua atividade profissional em 26.06.1995 no Banco C…, onde trabalhou até ao dia 31.03.2002, data em que começou a trabalhar no Banco D…; mais tarde, a 14.11.2009, começou a trabalhar no E…, onde trabalhou até 28.06.2013.
Quando celebrou o contrato de trabalho com o E…, ficou estipulado na respetiva cláusula 7.ª que o Banco garantia a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras instituições de crédito, desde a data constante da declaração emitida pelo anterior empregador.
Na data da revogação do contrato de trabalho com o E… (06.05.2013) foi paga ao Requerente uma compensação no valor de € 89.190,00 e assinado um acordo do qual consta o seguinte:
“Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17.ª dos ACT do Setor Bancário e atenta a interpretação sustentada nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de maio de 2004 (processo 06002/01) e, em especial de 21 de setembro de 2010 (processo 03478/10), ambos os outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do colaborador pela contagem do seu tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula do ACT, para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redação que lhe foi dada pelo artigo 108.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.”
Tendo em conta a natureza da indemnização recebida – compensação pela cessação do contrato de trabalho – o artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS determina uma exclusão de tributação com o limite de uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com caráter de retribuição sujeitas a imposto auferidas nos últimos doze meses, multiplicado pelo número de anos, ou fração, de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.
O E… considerou que a remuneração média mensal para efeitos do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS contemplava os 19 anos de antiguidade no setor bancário, correspondendo ao montante de € 3.893,79 pelo que, do valor total recebido só estaria sujeito a tributação o valor de € 15.207,99 – valor que foi declarado na declaração de rendimentos do ano de 2013.
Nas correções que efetuou à declaração apresentada pelos Requerentes, a AT considerou errada a sujeição a tributação apenas daquele montante por considerar que os anos que deveriam ser tidos em conta para efeitos de cômputo da antiguidade eram apenas os 4 anos de trabalho prestado no E… e não os 19 anos de trabalho no setor bancário. Nesse sentido, o valor que deveria, em seu entender, ser declarado para efeitos de tributação era o valor de € 58.406,85.
O Requerente marido alega ser membro do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários beneficiando, por isso, do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário, publicado no BTE n.º 29, de 08 de agosto de 2016, o qual dispõe, na respetiva cláusula 10.ª, que “a antiguidade do trabalhador é determinada pela contagem do tempo de serviço prestado noutras instituições subscritoras do presente Acordo e do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário ora revogado” (e que se encontravam em vigor em 2013).
Alega ainda que não resulta do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS que o tempo de serviço relevante para efeitos de cômputo da antiguidade seja apenas o tempo de serviço prestado na entidade que paga a compensação, citando jurisprudência no sentido do que defende, ou seja, que o conceito de antiguidade relevante para se determinar o montante sujeito a tributação nos termos do artigo 2.º, n.º 4 do CIRS é aquele que resulta da legislação laboral, designadamente do instrumento de regulamentação coletiva aplicável ao setor bancário, onde tal antiguidade se encontra definida como sendo aquela que o trabalhador detenha por todo o tempo de serviço prestado em Portugal nas instituições de crédito com atividade em território português.
Por fim, requerem o pagamento de juros indemnizatórios por terem pago a liquidação controvertida em função de um erro da responsabilidade da AT.
Quanto à Requerida, defende que a antiguidade a contabilizar, para efeitos do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho (4 anos), não sendo de ponderar, na aplicação do referido preceito legal, a antiguidade em anteriores entidades empregadoras.
Em síntese, argumenta o seguinte:
- Resulta de forma clara da letra da lei fiscal que a delimitação negativa de incidência tributária de IRS se estabelece usando como fator multiplicador a antiguidade na entidade devedora dos rendimentos em causa (e não a antiguidade prevista em cláusula contratual ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou até em acordo de cessação).
- Decorre do elemento literal e sistemático que o conceito relevante de “antiguidade na entidade devedora” se reporta ao número de anos na entidade com a qual cessa o contrato – veja-se também o n.º 10 do artigo 2.º do CIRS. Consequentemente, a “entidade devedora” a que se refere o n.º 4 do artigo 2º, tem de ser a “entidade patronal” mencionada no n.º 10 do mesmo preceito legal, o que fica explícito quando no n.º 4 se condiciona a exclusão da tributação à não criação de novo vínculo profissional ou empresarial no prazo de 24 meses com a mesma “entidade”.
- Mesmo que se entendesse que o conceito de “antiguidade” não tem recorte próprio para efeitos de tributação em sede de IRS, sempre se diga que o mesmo não está preenchido no ramo de direito que o acolhe, ou seja, no direito do trabalho, conforme estipula o nº 2 do art. 11º da LGT, De facto, o Código do Trabalho não contém uma definição do que seja “antiguidade”, depurando-se entre as inúmeras utilizações do conceito, com amplitudes e contextos distintos, uma, mais coerente e sistemática, que é a que conforma o termo “antiguidade” a “antiguidade na empresa” (cfr. artigos 368.º, n.º 1, alínea e); artigo 112.º, n.º 6, artigo 147.º, n.º 3, etc.) - o que perfilha e sustenta, também por esta via, o conceito de antiguidade, para efeitos fiscais, aplicado pela AT.
- A propósito do entendimento jurisprudencial consignado no acórdão do TCA Sul de 21/09/2010, proferido no Processo 03748/10, invocado pelos Requerentes para sustentar a ilegalidade do ato de liquidação em crise, refere a AT que o mesmo mereceu uma Anotação doutrinal - Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), de Cláudia Reis Duarte e Filipe Fraústo da Silva. Em Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012). Extrai-se do escrito, pelos mencionados autores, o seguinte: “Realmente, temos por incontestável que o conceito de antiguidade incluído na fattispecie das normas do Código do trabalho que estabelecem os referidos critérios de definição de indemnizações (ou compensações) no âmbito do regime da cessação do contrato de trabalho é o da antiguidade na empresa (…)”.Acrescentando-se na referida Obra que, “o conceito de antiguidade de que se servem os preceitos legais do capítulo codicístico relativo à cessação do contrato de trabalho e que estabelecem critérios de definição de indemnizações ou compensações é o de antiguidade na empresa e que, por conseguinte, não são atendíveis, nessa definição ou cômputo indemnizatório, períodos adicionais de duração do vínculo que possam ter sido reconhecidos pelo empregador por mero efeito de consenso contratual ou, até, por admissão unilateral, ou seja, que não resultem diretamente da aplicação de normas legais ou convencionais coletivas que tenham por consequência essa extensão, como por exemplo sucede nos casos já aludidos de cessão de posição contratual, transmissão de titularidade ou exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, fusão, cisão, etc. A estes casos, as convenções coletivas podem acrescentar vários outros. Este regime tem uma razão de ser muito clara: a antiguidade na empresa, enquanto mecanismo parcelar de tutela dos trabalhadores mais antigos, tem a sua expressão mais radical na proteção da estabilidade do seu emprego, colocando-os, relativamente aos menos antigos, numa situação mais favorável em caso de cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador (…)”– negrito e sublinhado nossos. Conclui-se ainda na referida obra “que a doutrina decorrente do aresto sob anotação nos merece as críticas antes enunciadas, e tendemos por isso a considerar antes, quanto à questão específica da antiguidade, que da própria literalidade do preceito normativo resulta que esta corresponde ao número de anos ou fração de antiguidade na entidade empregadora com a qual cessa o contrato na origem das importâncias pagas (com a ressalva da antiguidade verificada em outras entidades em relação de domínio ou de grupo com aquela por força da extensão do conceito operada pelo n.º 10 do artigo 2.º do CIRS). Acresce que — e ainda que houvesse que fazer recurso, no preenchimento do conceito em causa (o que entendemos não ser o caso na medida em que o legislador fiscal foi claro e consagrou em letra de lei que a antiguidade é a verificada na entidade devedora), ao direito laboral — a solução seria ainda idêntica, uma vez que no Código do Trabalho não encontramos uma definição de antiguidade e, se alguma tivermos que daí extrair, essa será a antiguidade na empresa, e não a antiguidade que resulta de uma cláusula de qualquer convenção coletiva de trabalho ou de acordo estabelecido entre as partes”.
- Também a doutrina, a propósito da antiguidade a considerar na aplicação do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS (com plena aderência à redação à data dos factos, no que para aqui releva), entende que “Não é oponível à administração fiscal o clausulado no ACTV do sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjetiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do artigo 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação” (cfr. Fiscalidade 13/14, Manuel Faustino e Outros, “Sobre o sentido e alcance da nova redacção do art. 2.º, n.º 4 do CIRS”).
- Acrescenta ainda a AT que, mesmo que se entendesse que o conceito de antiguidade pode emergir do contrato individual de trabalho, através do reconhecimento pelo E… da antiguidade decorrente da prestação de serviços a outras instituições de crédito, para todos os efeitos, designadamente os fiscais, os Requerentes não fizeram a respetiva prova: em sede inspetiva não demonstraram que lhes tinha sido reconhecido, pelo Banco E…, aquando da contratualização do vínculo laboral, para todos os efeitos legais, o direito à antiguidade em anteriores entidades empregadoras, designadamente através da junção do contrato individual de trabalho. E não o fizeram porquanto o contrato individual de trabalho não reconheceu ao Requerente o direito à antiguidade decorrente da prestação de serviços noutras instituições de crédito, para efeitos de compensação económica por rescisão do contrato. Com efeito, o banco garante a antiguidade “mas apenas para os efeitos constantes das alíneas a) – fundo de pensões do E…, nomeadamente para cálculo do montante da pensão de reforma, b) – cálculo da pensão de reforma e c) – o tempo de serviço prestado noutras entidades não releva para o cálculo de diuturnidades.
Invoca ainda a AT a decisão proferida no Processo n.º 616/2015 “não se venha dizer que o conceito de antiguidade que inclui a prestação de serviços noutras entidades empregadoras decorre da cláusula 10ª (no caso dos autos, cláusula 15ª) do Acordo de Revogação pois este não pode ser considerado uma adenda ao contrato individual de trabalho (…). Tanto mais que o acordo de revogação do contrato de trabalho é precisamente o contrato extintivo da relação laboral, o qual não visa estabelecer condições respeitantes à execução da relação laboral, mas sim à sua cessação.”
- Mais refere a AT que não pode aproveitar aos Requerentes a cláusula 17.ª do ACT do sector bancário, a que se alude no Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho, porque o ACT, na sua cláusula 2.ª, estabelece que o acordo apenas obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscreveram e os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, não tendo o Requerente feito prova de que era filiado nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, não bastando para tanto o doc. n.º 9 junto ao requerimento inicial, que, de resto, só declara que o Requerente beneficia do sistema de saúde SAMS de que beneficiam todos os bancários.
- Alega ainda que, mesmo que o Requerente tivesse feito prova bastante da sua filiação sindical, nos termos do ACT, sempre tal Acordo (e, consequentemente, a clausula 17.ª) não se lhe aplicaria, na medida em que, apesar de o E… ter subscrito o ACT, o fez com a seguinte ressalva: “Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias Instituições signatárias da ressente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador.” (cfr. ACT em vigor para o ano de 2013, BTE nº 8 de 29/2/2012).
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. MATÉRIA DE FACTO
Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo (PA) junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
III.1. Factos provados
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O Requerente A… trabalhou no Banco E… entre 14/11/2009 e 28/06/2013.
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No contrato de trabalho, foi acordado, na cláusula 7ª, que:
1. O Banco garante ao Segundo Outorgante a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras instituições de crédito, desde a data constante na Declaração de Antiguidade emitida pelo empregador anterior, documentalmente comprovada, mas apenas para os efeitos seguintes:
a) Para efeitos do Fundo de Pensões do E…, o Primeiro Outorgante terá em consideração o tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito, sendo o montante da pensão de reforma por invalidez presumível calculado de acordo com o regime previsto no ACTV dos bancários.
b) A parte de reforma correspondente ao tempo de serviço prestado pelo Segundo ao Primeiro Outorgante será calculada nos termos da Cláusula 6.ª do Plano de Pensões do E… .
c) O tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito anteriormente à assinatura do presente contrato também não será tido em conta para o cálculo do número de diuturnidades.
2. [...]”
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Em 6/5/2013, o Requerente e o E… assinaram um acordo de revogação de contrato de trabalho no qual ficou estabelecido, no n.º 2 da Cláusula 15.ª, o seguinte:
“Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17ª dos ACT do Sector bancário (“ACT”) e atenta a interpretação sustentada nos acórdãos do TCA Sul de 11 de maio de 2004 (Procº 06002/01) e, em especial, de 21 de Setembro de 2010 (Procº 03478/10), ambos os outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador pela contagem do seu tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula do ACT, para os efeitos do disposto na al. b) do nº 4 do art. 2º do Código do imposto sobre o rendimento das Pessoas Singulares, na redação que lhe foi dada pelo art. 108º da lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro.”.
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O Requerente recebeu, pela rescisão do contrato de trabalho, uma indemnização de € 89.190,00, correspondente a uma antiguidade de 19 anos.
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A aludida indemnização foi calculada com base na antiguidade, não apenas no E…, mas também noutra(s) entidades empregadoras(s) onde tinha trabalhado anteriormente.
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O E… considerou, aquando do pagamento da indemnização, que esta não estava sujeita a tributação na medida em que aquela não excedia o limite a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos (apuramento pela AT, em procedimento inspetivo, ao Banco E…).
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Através do ofício nº …/…, de 12/04/2016, junto ao PA, os Requerentes foram notificados para, querendo, exercer o direito de audição quanto à omissão no Anexo A da declaração de rendimentos modelo 3/IRS da importância de € 58.406,85.
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Os Requerentes não exerceram o direito de audição.
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Em 31/10/2016, foi decidido manter a correção inicialmente proposta no projeto de relatório quanto à matéria coletável, para efeitos de IRS referente ao ano de 2013, no montante de € 58.406,85.
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Em 2013, a cláusula 2.ª do ACT do sector bancário estabelecia que:
“O presente Acordo Coletivo de Trabalho é aplicável em todo o território nacional, no âmbito do sector bancário, e obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscrevem (adiante genericamente designadas por Instituições de Crédito ou Instituições), bem como todos os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, representados pela outorgante FEBASE – Federação do Sector Financeiro e doravante designados por Sindicatos, abrangendo 26 empregadores e estimando-se em 54.300 os trabalhadores abrangidos.”
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O E… subscreveu o ACT mediante a seguinte ressalva:
“Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias Instituições signatárias da presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições signatárias de presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras entidades ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador”.
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O Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários emitiu uma declaração, em 15.12.2016, dizendo que o Requerente tinha usufruído dos serviços de assistência médico-social (SAMS/Quadros) desde 16.04.2002 até 28.06.2013.
III.2. Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.
IV. THEMA DECIDENDUM
A questão controvertida no presente processo prende-se com saber se a contagem da antiguidade do Requerente, para efeitos de incidência de IRS, no caso de indemnização por rescisão do contrato de trabalho, deve fazer-se tendo em conta o tempo de serviço prestado anteriormente pelo trabalhador que recebe a compensação noutras instituições bancárias, ou, pelo contrário, apenas considerando o tempo de trabalho prestado na entidade com a qual rescindiu o contrato de trabalho, que motivou o direito à compensação.
V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Dispõe a alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS que ficam sujeitas a tributação as importâncias auferidas “(…) na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos doze meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora (…)”.
O conceito-chave neste caso é o conceito de antiguidade, do qual se serviu o legislador para estabelecer o cálculo que deve ser feito para se apurar o montante sujeito a tributação em caso de atribuição, ao trabalhador, de uma compensação pela cessação do contrato de trabalho.
Torna-se, portanto, necessário saber a que antiguidade se quis referir o legislador – se à antiguidade na empresa que atribui a compensação, se à antiguidade vertida no número de anos de trabalho no setor bancário em Portugal.
Em segundo lugar, importa saber se o trabalhador em concreto deste caso tem direito à aplicação do critério de contagem da antiguidade previsto no instrumento de regulamentação coletiva aplicável ao setor bancário. Nesse sentido, importa apreciar os termos do contrato de trabalho com o E…, bem como a ressalva feita por esta instituição ao ACT do Setor Bancário, avaliando, assim, o âmbito pessoal da convenção coletiva por contraponto com o princípio da filiação.
A forma como se deve proceder à interpretação da lei fiscal está regulada no artigo 11.º da LGT nos seguintes termos:
1 — Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 — Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.
3 — Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 — As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.
Como decorre do Acórdão do STA de 23-01-2013, proferido no processo n.º 0968/12, “também no direito fiscal, o preceito fundamental da hermenêutica jurídica radica no art. 9º do Código Civil”. Assim, também no Direito Fiscal podem ser usadas as demais técnicas ou cânones interpretativos há muito usados no direito civil. Neste sentido, ver J. L. Saldanha Sanches no Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, p. 147, que, a propósito da interpretação da lei, escreve:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
No caso em apreço, no entanto, é relevante o n.º 2 do artigo 11.º da LGT, que determina o modo de interpretação de conceitos utilizados na lei fiscal com origem noutros ramos do Direito. Na verdade, não são raras as vezes em que as normas tributárias fazem uso de termos e conceitos próprios de outros ramos de Direito, nomeadamente do Direito Administrativo, Laboral ou Civil. Nestes casos, o artigo 11.º, n.º 2 da LGT determina que tais conceitos devem ser interpretados no sentido idêntico ao que têm nos seus ramos de origem, exceto se outro decorrer diretamente da lei tributária.
Não há dúvida de que a “antiguidade” constitui um conceito com origem no Direito do Trabalho, e também não há dúvida de que o legislador fiscal não conferiu a este conceito um recorte próprio. Assim, este conceito deve ser interpretado no mesmo sentido daquele que tem no direito laboral, na medida em que o legislador fiscal não o definiu para efeitos de tributação em sede de IRS, não decorrendo, insista-se, expressamente da lei fiscal nenhum sentido diverso.
Ora, embora seja verdade que não podemos extrair do Código do Trabalho uma definição do conceito de antiguidade, acompanhamos o entendimento do acórdão do TCA SUL de 21-09-2010, proferido no processo n.º 03748/10, de que o artigo 11.º, n.º 2 da LGT “manda remeter para os termos próprios de outros ramos de direito, que não apenas para as normas de outras leis”. O mesmo acórdão refere que, embora o atual Código do Trabalho não regule, ele próprio, o conceito de antiguidade do trabalhador, coloca, em primeiro lugar, os instrumentos de regulamentação coletiva como as fontes do direito de onde emergem as normas aplicáveis ao contrato de trabalho, definindo ainda no seu artigo 2.º as formas que estes podem assumir (contratos coletivos, acordos coletivos e acordos de empresa).
Assim, tal como bem entendeu o TCA Sul no acórdão de 12-03-2013, proferido no âmbito do processo n.º 591/12, é hoje unânime no direito laboral que são três as fontes que podem estabelecer a antiguidade: a lei, o contrato individual de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
No caso concreto, do ACT do sector bancário resulta, por força da cláusula 17.ª, que a antiguidade do trabalhador, para todos os efeitos previstos no Acordo, será determinada pela contagem de todos os anos de serviço prestado em Portugal, nas instituições de crédito com atividade em território português. No entanto, resulta do artigo 2.º do ACT que o mesmo apenas obriga (i) as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscreverem e (ii) os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas.
No caso concreto, o Requerente juntou uma prova indireta da sua filiação no referido Sindicato – uma declaração do mesmo referindo que o Requerente tinha usufruído dos serviços de assistência médico-social entre 2002 e 2013 – serviços estes, abreviadamente designados por SAMS, que estão disponíveis apenas para filiados no Sindicato dos Bancários[1]. Quanto a esse ponto, entendemos não ser necessária qualquer indagação adicional, pelo que consideramos provado que o Requerente era membro do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários.
Quanto à subscrição do ACT pela entidade pagadora da compensação ao trabalhador, importa saber que impacto tem a seguinte ressalva feita pelo E…:
“Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias instituições signatárias da ressente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador”. (cfr. ACT em vigor para o ano de 2013, BTE n.º 8 de 29/2/2012).
Alega a Requerida que o contrato individual de trabalho não reconheceu ao Requerente o direito à antiguidade decorrente da prestação de serviços noutras instituições de crédito, para efeitos de compensação económica por rescisão do contrato e que o banco garantiu a antiguidade “mas apenas para os efeitos constantes das alíneas a), b) e c)”, ou seja, para efeitos do fundo de pensões do E…, para efeitos de cálculo do valor da reforma, ficando expressamente excluída a consideração do tempo de serviço de prestado anteriormente à assinatura do contrato para efeitos de cálculo do número de diuturnidades. Ou seja, não ficou reconhecida, no contrato de trabalho celebrado entre o E… e o Requerente, a relevância da antiguidade decorrente da prestação de serviços noutras instituições de crédito para efeitos de cálculo do quantum indemnizatório no momento da cessação de contrato.
Resulta, portanto, do exposto, que, por efeitos da conjugação (i) da ressalva feita pelo E… no momento da subscrição do ACT com (ii) a previsão restritiva do contrato de trabalho celebrado com o Requerente, o critério de antiguidade previsto no ACT não é aplicável ao caso sub judice.
Quanto à alegação do Requerente de que o critério mais abrangente de antiguidade decorre do próprio acordo de revogação do contrato de trabalho, não se pode aceitar pelo simples facto de que o ato através do qual se termina um contrato não se torna parte desse contrato, passando a regular (retroativamente) as condições de execução de uma relação (no caso, laboral), limitando-se a regular os termos da sua extinção.
Em conclusão, não resultando, nem do contrato individual de trabalho celebrado entre o Requerente e o E…, nem do ACT, a relevância da antiguidade nas instituições de crédito onde o Requerente havia trabalhado antes, não pode essa ser considerada relevante para efeitos do cálculo da compensação por cessação do contrato de trabalho nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do CIRS.
Deste modo, o ato tributário de liquidação adicional não enferma de um vício de violação de lei, tendo a Administração Tributária procedido à correta aplicação do artigo 2.º, n.º 4, alínea b) do CIRS.
Neste sentido, confirma-se o ato tributário de liquidação adicional, bem como os restantes atos impugnados, não sendo procedente o pedido do Requerente de anulação dos mesmos nem, consequentemente, de pagamento de juros indemnizatórios.
VI. DECISÃO
Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se:
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter a liquidação de IRS n.º 2016…, a demonstração de liquidação de juros n.º 2016 … e a demonstração de acerto de contas n.º 2016…, do ano 2013.
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Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
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Condenar a Requerente nas custas processuais.
Valor: em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 315.º do CPC, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e com o n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 28.604,71.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, a suportar pela Requerente nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 27 de dezembro de 2017
A Árbitro,
Raquel Franco
[1] Veja-se a informação constante do site dos SAMS/SBSI, de onde consta que são beneficiários do SAMS as pessoas abrangidas pelo IRCT (Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho) do sector bancário que lhe seja aplicável, com as especificações constantes do Regulamento e Normas Complementares. Em termos gerais são beneficiários do SAMS, nos termos contratual ou regulamentarmente previstos:
- Trabalhadores no ativo ou na situação de reforma;
- Familiares dos mesmos trabalhadores no ativo ou na situação de reforma.
Pode também ler-se aí, em resposta à questão “Que bancários podem ser beneficiários (regime geral) do SAMS?”, o seguinte: “Todos os trabalhadores bancários ao serviço de IC subscritoras de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho que contemplem a assistência médica através do SAMS, sendo necessária a formalização do pedido de inscrição.”