Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 112/2017-T
Data da decisão: 2017-12-19  IVA  
Valor do pedido: € 467.885,88
Tema: IVA – direito à dedução – SGPS.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), Magda Feliciano e Leonor Fernandes Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19 de Abril de 2017, acordam no seguinte:

 

I.                   RELATÓRIO

A…, SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …-… Lisboa, notificada, em 14 de novembro de 2016, da decisão de indeferimento proferida pela Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes no âmbito da Reclamação Graciosa n.º …2016…, vem requerer a anulação:

     (i)            dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015… e n.º 2015…, referentes ao ano 2013;

  (ii)            dos correspondentes actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2015… a n.º 2015…; e

(iii)            das correspondentes demonstrações de acerto de contas n.º 2015… a n.º 2015… .

A Requerente pretende, assim, que seja declarada a ilegalidade dos referidos actos de liquidação de IVA e dos correspondentes juros compensatórios.

 

A Requerente pede ainda indemnização pelos prejuízos decorrentes da prestação de garantia indevida para obter a suspensão do processo de execução fiscal n.º …2016… e apensos.

 

No dia 22 de maio de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT, respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

 

No dia 13 de Julho de 2017, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), tendo sido produzida prova testemunhal e acordado que o processo prosseguiria para alegações escritas.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), com sede em território nacional, que exerce a actividade de gestão de participações sociais e presta serviços técnicos de administração e gestão às sociedades por si participadas;

b)     A Requerente está sujeita ao regime jurídico das SGPS, consagrado no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro;

c)      Para efeitos de IVA, encontra-se a Requerente enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º Código do IVA (CIVA).

d)     Na sequência da Ordem de Serviço n.º OI2015…, de 5 de Maio de 2015, realizou-se o procedimento externo de inspecção de âmbito geral à Requerente, com referência ao ano 2013;

e)      Deste procedimento resultou o Relatório de Inspecção Tributária que foi notificado à Requerente em Novembro de 2015, no qual foi proposta uma correcção de IVA, no valor de € 516.006,22 correspondente a IVA indevidamente deduzido, valor este que é discriminado nos seguintes moldes:

- Aquisição de serviços afectos a actividade não económica (gestão de participações) no montante de € 9.913;

- Aquisição de serviços relacionados com a avaliação de activos de entidades relacionadas no montante de € 144.275,35;

- Parte proporcional dos gastos geraís que não se encontram afectos à actividade sujeita e não isenta (prestação de serviços) no montante de € 268,853,29;

- Despesas de investimento da Requerente, no valor de € 92.964,60;

f)       A Requerente (i) gere participações sociais (actividade excluída de IVA); (ii) faz empréstimos remunerados às suas participadas (actividade sujeita, mas isenta de IVA); (iii) e presta a estas últimas, serviços técnicos de administração e de gestão (actividade sujeita e não isenta de IVA);

g)      A Requerente dotou-se de uma estrutura organizativa adequada à prossecução do conjunto das suas actividades, tendo optado por não autonomizar orgânica ou contabilisticamente cada uma das três actividades;

h)     A actividade de prestação de serviços às suas participadas é aquela que consome a maior parte dos recursos da Requerente (quer horas de trabalho, quer bens e serviços adquiridos a terceiros);

i)       Quando a Requerente realiza operações de gestão de participações sociais, os principais gastos que suporta são (i) os custos de aquisição de partes sociais e (ii) os juros associados ao financiamento dessas operações;

j)       A Requerente não suporta IVA sobre os (i) os custos de aquisição de partes sociais; (ii) os juros associados ao financiamento dessas operações; e (iii) as horas de trabalho despendidas pelos seus colaboradores na gestão de participações sociais;

k)     O número de horas de trabalho despendidas pelos colaboradores da Requerente com a actividade de gestão de participações sociais é muito reduzido face ao dedicado às demais actividades;

l)       No decurso do ano de 2013, a Requerente não realizou qualquer operação de financiamento relevante, limitando-se a dar continuidade aos apoios à tesouraria das suas participadas (cf. doc. 53);

m)   A Requerente dispõe continuamente de informação completa e actualizada sobre a situação das suas participadas, não necessitando de recorrer aos serviços de terceiros para avaliar as condições de financiamento a aplicar nas operações em que lhes concede crédito (depoimento da Testemunha B…);

n)     Quando a Requerente realiza operações de financiamento às participadas, os principais gastos que suporta são os juros dos seus próprios financiamentos (depoimento da Testemunha B…);

o)      O montante dos proveitos auferidos pela Requerente no âmbito de actividades sujeitas a IVA ascendeu, em 2013, a €11.616.848,20 (onze milhões, seiscentos e dezasseis mil, oitocentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), correspondente à soma do valor registado na conta 72 (prestações de serviços de administração às participadas) com o valor registado na subconta 781 (rendimentos suplementares), expurgado do montante não sujeito a IVA (cf. doc. 54).

p)     Se a Requerente deixasse de gerir participações sociais e de financiar as suas participadas, a sua estrutura não teria de sofrer alterações, pois estas actividades consomem recursos insignificantes (depoimento da testemunha B…);

q)     Para além de determinados gastos de rendimento – aqueles que são directamente alocáveis a uma certa actividade – a Requerente suporta regularmente gastos gerais (também designados por gastos de utilização mista ou gastos de período), cujo emprego não pode ser directamente imputado a uma determinada operação ou a um certo tipo de operações, mas sim ao conjunto da actividade da sociedade (depoimento da testemunha B…);

r)      Os gastos gerais suportados pela Requerente integram os elementos constitutivos dos preços praticados no âmbito de todas as suas operações, incluindo as prestações de serviços às participadas (depoimento da testemunha B…);

s)      A Requerida utilizou a chave de repartição de custos utilizada pela Requerente, para efeitos de IRC, para corrigir parte das deduções efectuadas pela Requerente para efeitos de IVA, no montante global de € 268.853,29;

t)       A Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios: n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015…, n.º 2015… e n.º 2015…, referentes aos doze períodos tributários de 2013; n.º 2015… a n.º 2015…; e n.º 2015… a n.º 2015…;

u)     O valor total dos actos de liquidação adicional de IVA é de € 516.006,24, sendo de € 44.844,26 o valor de juros compensatórios;

v)      Foi prestada garantia bancária para obter a suspensão dos processos de execução fiscal de cobrança dos actos de liquidação adicional de IVA identificados;

w)    Os actos de liquidação adicional acima identificados são consequentes das correcções efectuadas pela Requerida às declarações de IVA da Requerente relativas ao ano 2013.

 

 

2. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo e suportados no depoimento da testemunha inquirida, que mostrou ter conhecimento da actividade realizada pela Requerente e aparentou depor com isenção.

 

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos prende-se com saber se os actos de liquidação adicional de IVA, objecto da presente petição, são ou não válidos, considerando o direito à dedução do IVA previsto nos artigos 20.º e ss. do CIVA.

 

 

 

a.      Posição da Requerente

 

A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em síntese, o seguinte:

1.      A AT considerou ilegal a dedução de todo o imposto suportado pela Requerente com a aquisição de serviços de estudos sobre temas societários e de certificação legal de contas, no montante global de € 9.913,00 (nove mil novecentos e treze euros);

2.      Quanto a esta matéria, o Relatório de Inspeção Tributária refere, singelamente, que «Através da análise efetuada às contas de IVA dedutível, foram identificadas um conjunto de inputs consubstanciados na aquisição a terceiros de serviços especializados, relativas a operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica, isto é, pela sua natureza e fim os encargos identificados relacionam-se única e exclusivamente com os atos de gestão no interesse da A…, ou seja, consegue-se estabelecer uma correlação com a atividade de gestão da sociedade. Considera-se que os encargos com estudos sobre temas societários e revisão legal de contas são incorridos no interesse da sociedade e necessários para o seu bom e correto funcionamento, sendo suportados exclusivamente no seu interesse, não apresentando qualquer relação ou benefício direto, nem sequer reflexo, com qualquer uma das suas participadas» (cf. página 19 do cit doc. 50);

3.      Sucede que, o regime do IVA assegura igualmente aos sujeitos passivos a dedução do imposto suportado no âmbito da realização de gastos gerais, relacionados com o conjunto da sua actividade e não com um ou outro tipo de operações activas em particular;

4.      De facto, como o TJUE vem reiteradamente afirmando, o sistema do imposto garante «igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo» (cf., por exemplo, o n.º 24 do Acórdão proferido no Caso Investrand, o n.º 58 do Acórdão proferido no Caso SKF e o n.º 37 do Acórdão proferido no Caso PT SGPS);

5.      Também na Decisão Arbitral proferida a 27 de Dezembro de 2012, no âmbito do Processo n.º 77/2012-T, foi decidido que «tem cobertura legal a dedução [por parte de uma SGPS] de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo direto e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito à dedução ou que, não tendo nexo direto e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais [dessa SGPS] que tenham nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica» (no mesmo sentido, v., também, a Decisão Arbitral proferida em 8 de janeiro de 2015, no âmbito do Processo n.º 409/2014-T);

 

 

6.      Ora, como é manifesto e a própria AT assume no Relatório de Inspeção Tributária, os

gastos sobre os quais recaiu o imposto agora desconsiderado (repita-se: estudos sobre temas societários e certificação legal de contas) são gastos gerais, que garantem o normal funcionamento da sociedade como um todo (e, portanto, da sua actividade materialmente mais relevante: a prestação de serviços às participadas);

7.      Acresce que, resulta provado que a Requerente faz repercutir nos preços dos serviços prestados às suas participadas os gastos gerais inerentes ao funcionamento da sociedade;

8.      Neste contexto, «tem de se concluir que se verificam os requisitos que no citado acórdão do TJUE [Acórdão de 6 de setembro de 2012, proferido no Caso C-496/11 (PT SGPS)] se consideram necessários para a dedução do IVA, pois aí se considera que ela é viável para uma holding mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta» (cf. Decisão Arbitral proferida em 5 de Janeiro de 2016, no Processo n.º 316/2015-T, relativo ao IVA de 2011 da Requerente);

9.      Para desconsiderar a dedução do IVA suportado pela Requerente na aquisição de bens e serviços acima identificados, impunha-se, portanto, à AT aplicar o método de afectação real a que se refere o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, gizando critérios objetivos que permitissem «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito»;

10.  Como não o fez, e optou pela desconsideração in totum das deduções em análise, sem atender ao facto de os gastos serem necessários ao desenvolvimento das várias actividades da Requerente, a AT laborou em erro e a correção aqui em causa deve ser declarada ilegal, conjuntamente com os actos de liquidação que a refletem;

11.  No decurso da acção inspetiva ao exercício de 2013, a AT analisou as consequências tributárias da aquisição de um conjunto de serviços especializados necessários à realização de uma operação de permuta de activos direta e indiretamente detidos pela Requerente, tendo concluído que (i) tais serviços beneficiaram materialmente sujeitos passivos domiciliados fora do território nacional e com relações especiais com a Requerente; e que, nessa medida, (ii) deviam ter sido redebitados pela Requerente àqueles outros sujeitos passivos relacionados com a Requerente, tendo corrigido a matéria tributável de IRC da Requerente, imputando-lhe proveitos no montante correspondente ao preço dos serviços que deveria ter redebitado e não redebitou e desconsiderando todas as deduções do imposto suportado pela Requerente com a aquisição daqueles serviços, no montante de € 144.275,35;

12.  Contudo, e como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima exposta, é inequívoco que os gastos aqui em causa (qualificados pela própria Autoridade Tributária como gastos relacionados com prestações de serviços) têm uma relação direta e imediata com a atividade tributada da Requerente e, nessa medida, o IVA que recaiu sobre os mesmos é dedutível;

13.  Como refere o TJUE no já referido Acórdão proferido no Caso Investrand «importa recordar que o regime das deduções instituído pela Sexta Diretiva visa libertar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados das mesmas, na condição de estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (v., nomeadamente, acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.° 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C‑37/95, Colect., p. I‑1, n.° 15; e de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C‑408/98, Colect., p. I‑1361, n.° 24)»;

14.  Em face do exposto, e atentos os pressupostos delimitados pela própria AT, a correção aqui em causa deve ser considerada ilegal, conjuntamente com os actos tributários que a refletem.

15.  Uma vez desconsiderados os montantes de IVA que a AT qualificou como suportados exclusivamente em função da actividade não tributada da Requerente, os Serviços de Inspecção da Administração Tributária passaram a analisar a dedutibilidade do imposto relacionado com os demais serviços adquiridos pela sociedade no decurso do ano de 2013, no valor global de € 649.717,95;

16.  Em relação a estes serviços, a AT afirma que a determinação do montante do IVA dedutível deve decorrer da aplicação do «método da afetação real tendo em atenção que o critério de repartição dos montantes do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante entre atividades económicas e não económicas deve refletir objetivamente a parte da imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades». Relativamente aos critérios ou chaves de repartição a utilizar para concretizar o mencionado método de afetação real, o Relatório de Inspeção Tributária começa por citar o Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de abril de 2008, na parte em que este determina que, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, relativamente aos bens de utilização mista entre actividades económicas e actividades não económicas, i) A «determinação do montante de IVA não dedutível relativo a estas não pode ter por base o método pro-rata, devendo ser obrigatoriamente utilizada a afetação real em função da efetiva utilização (…) através de critérios objetivos (…)»; que ii) «Em consequência, deve determinar-se o grau, proporção ou intensidade de cada bem ou serviço em operações que decorrem de [uma] atividade económica sujeita a IVA e de operações que não decorrem [dessa atividade] através de critérios objetivos, podendo ser referidos, a título meramente indicativo, os seguintes: a) a área ocupada; b) o número de elementos do pessoal afeto; c) a massa salarial; d) as horas-máquina; e) as horas-homem»; e que iii) «Em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objetivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevante» (cf. pp. 21-22 do cit. doc. 50);

17.  Posto isto, a AT considerou que «tendo o sujeito passivo indicado à Autoridade Tributária e Aduaneira, através do Dossier de Preços de Transferência, que parte dos custos operacionais incorridos pela holding referem-se a custos suportados no exercício de uma única actividade sujeita a IVA e não isenta, consubstanciada na prestação de serviços de suporte a algumas das suas participadas, optou-se por considerar essa proporção na determinação dos gastos cujo IVA suportado pode ser dedutível» (cf. p. 22 do cit. doc. 50);

18.  Sucede que, a chave de repartição a que se refere a AT foi fornecida pela Requerente para efeitos de verificação do cumprimento das normas de IRC relativas a preços de transferência, e imputa uma determinada percentagem (i) dos gastos com fornecimentos e serviços externos e (ii) dos gastos com pessoal de cada um dos centros de imputação de custos às prestações de serviços efetuadas em benefício das participadas;

19.  Os valores acrescidos pela AT não foram imputados a nenhum dos três centros de custo indicados pela Requerente na chave de preços de transferência (para os quais haviam sido apurados três rácios diferentes de gastos associados às prestações de serviços);

20.  Para além disso, não obstante o aumento muito expressivo da base de apuramento do rácio do imposto dedutível, a AT não corrigiu o valor dos gastos «a imputar às prestações de serviços», que se manteve nos referidos € 4.284.268,94 (quatro milhões, duzentos e oitenta e quatro mil, duzentos e sessenta e oito euros e noventa e quatro cêntimos);

21.  Concretizando a correção, a AT desconsiderou a diferença entre este valor e o inicialmente deduzido pela Requerente, corrigindo, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, as declarações periódicas referentes aos doze períodos tributários de 2013, no montante global de € 268.853,23 (duzentos e sessenta e oito mil oitocentos e cinquenta e três euros e vinte e três cêntimos);

22.  No ano de 2013, a prestação de serviços às participadas foi a actividade mais relevante prestada pela Requerente às participadas, sendo os proveitos desta actividade de €5.250.000,00, enquanto os proveitos gerados pela gestão de participações sociais atingiram apenas os € 1.906.039,90;

23.  Só admitindo a dedução da totalidade do IVA suportado pela Requerente se evita a quebra de neutralidade do imposto.

24.  Ao exposto acresce que, ainda que assim não fosse, e se aceitasse que a dedução efetuada pela Requerente era suscetível de ser corrigida – o que não se admite – a verdade é que o critério concretamente aplicado pela AT no presente caso é desadequado e resulta, ele próprio, na violação do princípio da neutralidade, subjacente, como se demonstrou, à redação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA;

25.  Na verdade, a chave de repartição utilizada pela AT não é, de modo algum, adequada à alocação dos gastos gerais sujeitos a IVA, uma vez que a mesma foi elaborada com recurso à análise de um universo de gastos muito mais vasto do que aquele que está em causa no presente processo e, nesse universo, cerca de dois terços dos gastos são gastos excluídos de IVA;

26.  Tal chave não foi gizada tendo em conta apenas os gastos com bens e serviços sujeitos a IVA, mas antes todos os gastos registados na conta «62 – Fornecimentos e serviços externos» e, mais importante de tudo, os gastos relativos ao trabalho registados na conta «63 – Gastos com pessoal» – que não estão, naturalmente, sujeitos a IVA e representam mais de 52% da base de apuramento;

27.  Ora, como é evidente, assumir que os bens e serviços sujeitos a IVA adquiridos pela Requerente ao longo do ano de 2013 foram alocados às prestações de serviços exatamente na mesma proporção que o conjunto dos gastos que serviu de base à elaboração da chave de repartição em apreço é abusivo;

28.  Trata-se de universos díspares e de gastos sujeitos a regimes tributários diferentes, o que, desde logo, invalida a adequação da chave em apreço.

29.  Afastando-se sem justificação da realidade subjacente à efectivação dos gastos gerais registados na conta «622 – Serviços Especializados», é forçoso concluir que o método gizado e aplicado pela AT para apurar a parte do IVA que recaiu sobre os gastos gerais suportados pela Requerente em 2013, e que é dedutível no apuramento do imposto a entregar ao Estado, não corresponde a um critério objetivo que permita determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, nos termos do disposto no n.º 2 do referido artigo 23.º do Código do IVA;

30.  Ainda que, em abstracto, (i) a correção em causa fosse admissível; e (ii) o critério adoptado pela AT não fosse ilegal – o que não se admite –, o certo é que a AT também errou na aplicação prática do mencionado critério;

31.  Com efeito, muito embora refira que a correção aqui em análise decorre da aplicação da chave de repartição fornecida pela própria Requerente, a verdade é que, como acima se indicou, a AT não se limitou a considerar o rácio de 65% decorrente dessa chave de repartição, tendo, outrossim, reduzido esse rácio para 58,2% de forma absolutamente discricionária;

32.  Neste sentido, ainda que se considerasse que a utilização da chave de repartição elaborada para efeitos de preços de transferência como adequada à determinação da parte do IVA dedutível nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, o certo é que as correções efectuadas pela AT eliminariam essa adequação, inquinando a correcção ora em apreço.

33.  As liquidações adicionais de IVA ora contestadas são ilegais e devem, por isso, ser anuladas, pelo que, em consequência, não se verificou, de facto, qualquer prejuízo para a Fazenda Pública, sendo os actos de liquidação de juros compensatórios, também eles, ilegais.

34.  A procedência do presente pedido de pronúncia arbitral implicará o reconhecimento de um erro imputável à AT, e este, por seu turno, o pagamento dos prejuízos causados  à  Requerente  pela  prestação  da  garantia  acima  indicada,  no  valor  de

      € 590.425,48, desde o dia 7 de Março de 2016 até à data do seu efectivo cancelamento.

 

 

b.      Posição da AT

 

1.      A ora Requerente suportou indevidamente encargos com serviços cujos reais beneficiários foram sociedades terceiras, tendo deduzido o montante de € 144.275,35 relativo ao IVA associado aos referidos encargos;

2.      Na verdade, de acordo com o que ficou demonstrado no Relatório de Inspecção Tributária (fls.14 e segs.) os serviços jurídicos relativos ao referido montante relacionam-se com a preparação e realização de uma permuta de activos da C… (Espanha) com a D…, operação esta prévia à permuta de activos entre a D… e a E… (Brasil);

3.      Por assim ser, os encargos suportados pela ora Requerente enquanto intermediária das entidades relacionadas traduzem uma assunção de recursos que não estão relacionados com o exercício da sua actividade;

4.      Não tendo a Requerente procedido a qualquer redébito das referidas despesas (com a consequente liquidação/regularização do imposto a favor do Estado para que na esfera da empresa o efeito de IVA relativo a estas operações fosse nulo) o direito à dedução também lhe estava completamente vedado pelo disposto na alínea a) do n° 1, do artigo 20° do Código do IVA;

5.      Tomando em consideração a fundamentação constante no Relatório de Inspecção Tributária e as alegações produzidas pela Requerente, verifica-se que a questão controvertida prende-se com a susceptibilidade de uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, como a Requerente, poder deduzir o IVA suportado com a aquisição de bens e prestações de serviços conexas com determinado tipo de actividades relacionadas com a gestão de participações sociais e os respectivos rendimentos, e que se traduzem em dispêndios próprios do funcionamento de uma holding, pois que, segundo o entendimento da AT, tais actividades não se consideram abrangidas pelo conceito de actividade económica;

6.      Com efeito, nessa circunstância, o exercício de tal actividade de gestão de participações sociais não possibilita o exercício do direito à dedução do imposto suportado a montante nos termos do disposto no artigo 20.º do Código do IVA.

7.      Por outro lado, mercê das diversas actividades levadas a cabo pela Requerente, importa aferir da possibilidade de dedução integral do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, utilizados na prossecução das diversas actividades e o respectivo método de dedução e chave de repartição, a fim de se apurar o IVA dedutível nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IVA.

8.      Sucede que, analisadas as questões subjacentes ao presente pedido de pronúncia arbitral, entendemos não assistir razão à Requerente, conforme ficou demonstrado no âmbito do procedimento de decisão de Reclamação Graciosa, cujos fundamentos acompanhamos na íntegra.

9.      Foi corrigido o direito à dedução do IVA suportado em operações afectas à actividade não económica no montante de € 9.913,00, correspondentes aos “custos de accionista” e outros que não apresentam um nexo directo e imediato com as operações tributáveis a jusante (ex. certificação e revisão legal de contas, análise de temas societários, etc. fls. 19 do RIT);

10.  De facto, é manifesto que estão em causa serviços que estão relacionados com a actividade de aquisição, detenção e gestão de participações sociais desenvolvida pela Requerente, numa óptica de gestão do negócio e expansão da actividade, respeitando à própria A…, enquanto accionista, tendo sido contratados pela Requerente no seu exclusivo interesse e não em benefício de qualquer uma das suas participadas, e que, por definição, não lhes podem ser totalmente imputados, não sendo, em consequência, permitida a dedução integral do respectivo IVA;

11.  Não se verificando qualquer relação entre os serviços adquiridos e uma actividade económica para efeitos de IVA, o imposto suportado com a sua aquisição não é dedutível nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA;

12.  Acresce que, conforme se deixou dito, para que se possa admitir que estamos perante custos gerais decorrentes da actividade económica, impõe-se que “ (…) o sujeito passivo demonstre, através de elementos objectivos, que as despesas relacionadas com a aquisição destes serviços fazem parte do custo dos diversos elementos constitutivos do preço da operação a jusante” - Acórdão do TJUE, de 08 de Junho de 2000, caso Commissioners of Costums and Excise contra Midland Bank plc., processo n.º C-98/98.

13.  Ora, em face dos elementos disponibilizados, quer em sede de Inspecção Tributária, quer em sede de Reclamação Graciosa, e ainda no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral, não se vislumbra que a Requerente tenha logrado efectuar essa demonstração.

14.  Relativamente ao IVA suportado em gastos gerais – € 268.853,29, no parágrafo 4.º do pedido arbitral e no que diz respeito à correcção referente ao IVA referente aos gastos alegadamente suportados para o desenvolvimento das várias actividades, no montante de € 268.853,23, não se vislumbra que os mesmos possam ser objecto de dedução integral por parte da Requerente;

15.  Assim, decorrente da análise às contas 62 (fornecimentos e serviços externos e serviços especializados), e 63 (gestão com pessoal), considerando a proporção destes gastos que a Requerente indicou estarem relacionados com a actividade de prestação de serviços, os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que foi indevidamente deduzido IVA nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA por aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do mesmo diploma pois que, na determinação do IVA dedutível, a Requerente havia considerado como sujeita a IVA a totalidade da sua actividade;

16.  No que diz respeito aos denominados gastos gerais e da chave de repartição adoptada, a Requerente realiza operações sujeitas a IVA, que conferem direito à dedução (prestações de serviços remuneradas), em simultâneo, com outras que, embora sujeitas a imposto, se encontram dele isentas nos termos do disposto no artigo 9.º do Código do IVA (concessão de crédito) e, bem assim, com operações decorrentes da sua actividade principal, que se encontra fora do campo de incidência de imposto (aquisição, detenção, alienação, gestão de participações sociais, decorrente da qual aufere dividendos, mais-valias, etc.);

17.  Nessa medida, não subsistem dúvidas que a ora Requerente se configura como um sujeito passivo misto/parcial;

18.  Assim, ao contrário do que pretende fazer valer a Requerente, jamais poderá ser considerada um sujeito passivo com direito à dedução integral, isto é, com direito à dedução de 100% do IVA suportado a montante com a aquisição de bens e serviços, encontrando-se o seu direito à dedução, necessariamente, limitado;

19.  Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito à dedução, a dedução só é admitida para a parte do IVA que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito à dedução, enumerados no dito artigo 173°, n° 1 da Directiva IVA;

20.  Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para actividades económicas e para actividades não económicas, o n.º 1 do artigo 173.° da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro, não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade a que os inputs se destinam e de acordo com a referida Directiva, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante para cada uma destas duas actividades;

21.  Nestas circunstâncias, o recurso ao método de afectação real implica, simultaneamente, a necessidade de adopção de um critério ou chave de repartição que permita apurar, mensurar ou discriminar qual a medida da efectiva utilização do bem ou serviço na parte que confere direito à dedução e na parte que não permite o exercício desse direito;

22.  De entre o conjunto desses critérios disponíveis podem destacar-se os seguintes: critério da área ocupada por cada um dos tipos de actividade da empresa, o número de elementos do pessoal afecto a cada uma delas, a massa salarial, o número de horas-máquina, o número de horas-homem, etc.

23.  A Requerente entende que “… na chave de repartição originária, cada um daqueles três centros de imputação tem rácio diferente de gastos associados à prestação de serviços a participadas (65% para o conselho de administração, 75% para o centro corporativo e 55% para a direcção de relações externas e comunicação)." – artigo 215º da Reclamação Graciosa,

24.  Ora, o que se constata é que a Requerente não apresentou um critério ou chave de repartição objectivo, pelo que coube à AT definir, tendo em conta a finalidade a que os inputs se destinam e de acordo com a "Directiva IVA", um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades;

25.  Assim sendo, na ausência de um critério objectivo disponibilizado pela Requerente, a AT socorreu-se dos dados que dispunha, nomeadamente, os constantes do dossier de preços de transferência;

26.  Com tais procedimentos, os Serviços de Inspecção Tributária definiram um critério que reflecte objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma das duas actividades (tributada e não tributada), dando cumprimento ao disposto nas normas internas e comunitárias aplicáveis e, bem assim, ao preconizado nas orientações internas publicadas sobre a matéria;

27.  Apurou-se, pois, um rácio de 58,62% que aplicou ao IVA deduzido nos gastos considerados comuns a todas as actividades, o que determinou uma correcção de € 380.864,66, cuja diferença para € 649 717,95, no valor de € 268 853,29 aqui se contesta;

28.  Pelo que não procede o alegado pela Requerente quanto à ilegalidade e inadequação da chave de imputação.

29.  Conforme ficou dito supra, estando em causa a determinação do IVA dedutível relativo a bens e serviços parcialmente afectos à realização de operações não decorrentes de uma actividade económica, é obrigatório o recurso ao método da afectação real, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços nas diversas actividades desenvolvidas.

30.  Posto isto, não pode proceder a argumentação expendida pela Requerente quer quanto à determinação do método de apuramento do imposto dedutível utilizado pelos serviços de inspecção tributária, quer quanto à chave de repartição utilizada para fazer a imputação dos montantes de imposto pago a valores de imposto pago a montante entre as actividades económicas e não económicas.

31.  A responsabilidade da Requerente no atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido, advém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária e das irregularidades apuradas, que constituem, como refere expressamente o RIT a fl. 62, infracções previstas e punidas pelo Regime Geral de Infracções Tributárias, donde resulta demonstrada a culpa da Requerente e a legalidade da liquidação dos juros compensatórios.

32.  Para que haja lugar ao pagamento de indemnização por garantia indevida, exige-se que, como condição precedente, se comprove em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial, a existência de "erro imputável aos serviços", o que, na sequência de tudo o que foi anteriormente explanado, não se verifica no caso em apreço.

 

 

 

 

1.1.            Regime Jurídico Aplicável

1.1.1.      Do Regime Jurídico das SGPS

 

O Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que estabelece o Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), foi criado “no sentido de criar condições favoráveis, designadamente de natureza fiscal, que facilitem e incentivem a criação de grupos económicos, enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português.” – Vide Preâmbulo do referido Decreto-Lei.

 

Nos termos do artigo 1º, n.º 1 do regime jurídico das SPGS, “As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.”

 

Permite-se às SGPS “a prestação de serviços técnicos de administração e gestão de todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas” (Cfr. Artigo 4º, n.º 1 do regime jurídico das SGPS), a título acessório.

 

Sendo o objecto contratual das SGPS um limite legal ao exercício da sua actividade comercial sob a forma de SGPS, na medida em que se prevê no n.º 2 do artigo 8.º do regime jurídico das SGPS o seguinte:

 

 “As sociedades que, tendo diferente objecto contratual, tenham como único objecto de facto a gestão de participações noutras sociedades e, bem assim, as SGPS que exerçam de facto actividade económica directa serão dissolvidas pelo tribunal, nos termos do artigo 144.º do Código das Sociedades Comerciais, sem prejuízo da aplicação da sanção cominada pelo n.º 1 do artigo 13.º deste diploma.”

 

Como ensina Mariana Gouveia de Oliveira,[1]o conceito de sociedade holding é utilizado a nível internacional para designar realidades muito heterogéneas, podendo abarcar, tanto sociedades que se limitam a gerir passivamente carteiras de títulos, numa lógica de repartição de risco, como sociedades que apenas detém participações de controlo e que intervêm ativamente na gestão das suas participadas, prestando-lhes ou não serviços remunerados.

 

Entre outras modalidades, é usual distinguir-se entre a holding pura e a holding mista e entre a holding financeira e a holding de direção.

 

No primeiro caso, o critério usado refere-se ao carácter exclusivo do seu objeto social, permitindo distinguir entre a holding pura, dedicada unicamente à detenção de participações sociais e a holding mista, cujo objeto social abrange igualmente atividades de natureza comercial e industrial.

 

Já o segundo daqueles critérios, atinente ao fim a que se destina a gestão das participações sociais, importa a diferenciação entre a holding de direção, que visa, mais do que a mera detenção de participações sociais, o enquadramento e direção das sociedades participadas, realizando assim operações tributáveis e operações fora do campo de sujeição e a denominada holding financeira, direcionada apenas à rentabilização do investimento concentrado nas participações.

 

Ora, de acordo com o disposto pelo artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (e sucessivas alterações), as SGPS têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

 

A participação no capital de outras sociedades será considerada como forma indireta de exercício de uma atividade económica, nos termos do artigo 1.º, n.ºs 2 e 3 do referido diploma, uma vez verificados dois requisitos cumulativos: por um lado, o carácter não ocasional da participação, i.e., a conservação da propriedade da mesma por período superior a um ano; por outro, a detenção de, pelo menos, 10% do capital, ao qual esteja associado o direito de voto da sociedade participada (isolada ou conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS esteja em posição de domínio).

 

(…)

 

Por outro, a SGPS deverá qualificar-se como uma holding de direção, alcançando, através da respetiva atividade, mais do que a mera detenção de participações sociais.

 

Por ser uma holding de direção, a SGPS pode, nos termos do artigo 4.º e 5.º do seu regime jurídico, prestar serviços técnicos de administração e gestão, serviços de tesouraria e concessão de crédito a todas ou algumas das sociedades em que possua participações indiretas com as restrições estabelecidas na lei.

 

Em suma, poder-se-á afirmar o seguinte: a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de uma atividade económica, constitui o único objeto social que, aos olhos da lei, poderá qualquer SGPS ter.

 

Por este motivo, são estas equiparadas a holdings puras.

 

Contudo, esta qualificação não obsta a que a respetiva atividade ultrapasse a mera aquisição, detenção e alienação de participações sociais, pelo que se afigura perfeitamente possível o exercício de uma atividade económica por uma SGPS, relacionada com a gestão das participações sociais que esta detém nos termos permitidos pela lei.

 

De notar, porém, que, a qualificação como holding pura ou mista parece não encontrar integral correspondência com os mesmos conceitos utilizados no âmbito da jurisprudência do TJUE.

 

De facto, e concentrando a nossa atenção na distinção entre aqueles dois tipos de holdings, há que reconhecer o diferente fim do critério utilizado no contexto societário e comunitário.

 

Com efeito, no contexto comunitário, a questão fundamental a analisar é a de saber se a holding é um sujeito passivo de IVA, i.e., se desenvolve uma atividade económica, analisando-se para tanto se, para além da simples detenção de participações sociais, é praticada alguma atividade de produção, comercialização ou prestação de serviços, designadamente, de prestação de serviços às participadas.

 

Caso a sua atuação seja meramente passiva, tratar-se-á de uma sociedade que não exerce uma atividade económica para efeitos de IVA, uma vez que os dividendos e os juros que aufere consubstanciam meros frutos resultantes da propriedade de um bem e não os proveitos decorrentes da sua exploração económica, pelo que a sociedade em causa não será considerada sujeito passivo para efeitos de IVA.

 

Estamos a falar de entidades que, em termos económicos, não consubstanciam verdadeiras empresas, mas apenas veículos de detenção e organização de grupos económicos.

 

Diferentemente, uma sociedade holding que intervenha ativamente na gestão das suas participadas, tendo como resultado a realização de outputs tributáveis, deve ser considerada como uma entidade que exerce uma atividade económica, assumindo a qualidade de sujeito passivo de IVA.

 

Embora o regime legal das SGPS não obste à existência de holdings meramente passivas, decorre do seu regime legal e do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que o legislador português pretendeu criar um quadro legal para a criação de SGPS ativas, que gerissem de forma “centralizada e especializada” as suas participadas.

 

Conforme refere o legislador, as participações a ser detidas pelas SGPS, “não se traduzem, no entanto, numa mera aplicação de capitais, assumindo antes uma presença e intervenção ativas, como sócias da referida sociedade participada.”

 

Com efeito, o seu objeto social único é de gestão – e não de mera detenção – de participações sociais, o que é reforçado pelo facto de ser a própria lei a reconhecer-lhe competência para a prestação de serviços de gestão às participadas, daí resultando o exercício de uma atividade económica para efeitos de IVA.

(…)

Assim, teremos de concluir que as SGPS portuguesas podem ser qualificadas como holdings passivas (geralmente referidas como holdings puras, na jurisprudência comunitária) ou ativas.”

 

No caso concreto, em análise, resultou provado que a Requerente é uma holding activa, que presta serviços de apoio, acompanhamento e assessoria às participadas, sendo esta a actividade que mais recursos consome (quer horas de trabalho, quer bens e serviços adquiridos a terceiros).

 

 

Neste contexto, vejamos qual é o enquadramento legal das holdings em sede de IVA.

 

1.1.2.      Da incidência do IVA

 

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 a) do Código do IVA, são sujeitos passivos do imposto, as pessoas colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços.

 

A esta luz, as SGPS podem ou não ser sujeitos passivos de IVA consoante desenvolvam ou não uma actividade económica para efeitos de IVA.

 

Quando as holdings são passivas, tem sido entendido que a simples tomada, detenção e alienação de participações sociais e outros activos financeiros não constitui uma actividade económica na acecção relevante para efeitos de IVA. Na verdade, nestes casos estamos perante a mera fruição de um activo e não perante a sua exploração.[2]

 

Quando as holdings são activas, o facto de o seu objecto social único ser “a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de atividades económicas” não deve relevar de forma alguma na aferição do direito à dedução do IVA, que deve ser avaliado de acordo com os critérios gerais.

 

Assim, não obstante se encontrar estabelecida a regra segundo a qual a mera aquisição e detenção de acções e participações não constitui uma actividade económica, a aquisição ou a detenção de participações pode ser efectuada no quadro de uma actividade comercial, ou constituir o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável.[3]

 

Assim, considerando que as SGPS podem ter um estatuto duplo para efeitos de IVA, enquanto sujeitos passivos e consumidores finais, na medida em que podem desenvolver actividades tributáveis, tais como as prestações de serviços efectuadas às suas participadas e actividades não económicas, como a detenção e fruição de participações sociais, podem as SGPS com estas características qualificar-se como sujeitos passivos parciais.

 

Considerando que, no caso em apreço, a Requerente é uma holding activa, que desenvolve, também, uma actividade económica, importa de seguida verificar em que termos poderá aquela exercer o seu direito à dedução de IVA, enquanto sujeito passivo misto de IVA.

 

 

1.1.3.      Do Direito à dedução do IVA

 

Como é sabido, o IVA é um imposto geral sobre o consumo que visa tributar a utilização final de bens e serviços, ou seja, a sua utilização pelo consumidor final.

 

Sendo um imposto indirecto de matriz comunitária e plurifásico, o IVA atinge tendencialmente todo o acto de consumo, sendo o direito à dedução um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.

 

É jurisprudência constante do TJUE que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela Directiva IVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo.

 

Tal como se salienta no Acórdão BP Soupergaz, o chamado método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fracionados, é o mecanismo essencial de funcionamento deste tipo de imposto. Como se refere nas conclusões deste Acórdão, “A este respeito, o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e seguintes da Sexta Diretiva, que faz parte integrante do mecanismo do imposto sobre o valor acrescentado, não pode, em princípio, ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, tem incidência no nível do encargo fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros, de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela diretiva.[4]

 

Mais se defende que “as disposições que preveem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto são de interpretação restrita” [5].

 

Por isso, o princípio da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida caso os requisitos substanciais tenham sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.[6]

 

Neste contexto, de acordo com o TJUE, desde que a Administração Fiscal disponha dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das operações, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito à dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito.[7]

 

Na realidade, o direito à dedução consubstancia-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado”, assentando no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtractivo indirecto ou ainda método das facturas.

 

De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do Código do IVA, através de uma operação aritmética de subtracção, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respectivas facturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs).

 

As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objectivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjectivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.

 

Como requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (artigo 36.º do Código do IVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do IVA (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código do IVA).

 

Como requisitos subjectivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.

 

Assim, tendo em conta a jurisprudência comunitária e a Directiva IVA, o direito à dedução das SGPS só é reconhecido na medida em que esses inputs se relacionem com outputs tributáveis e, na medida em que esses outputs sejam efectivamente tributados (ou beneficiem de isenção completa).

 

Para determinar o direito à dedução das holdings activas, é, então, necessário verificar:

 

·         Se o IVA suportado em inputs esta directamente relacionado com outputs tributáveis;

·         Se o IVA suportado em inputs está directamente relacionado com uma das actividades económicas prosseguidas;

·         Se o IVA é suportado em custos gerais da actividade económica.

 

Neste contexto, concluiu-se no Caso BLP10[8], que os bens ou serviços a montante devem apresentar uma relação directa e imediata com uma ou diversas operações sujeita(s) a imposto a jusante, sendo que o direito à dedução do IVA pressupõe que as despesas em causa devam constituir parte integrante dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas.

 

Inevitavelmente, a análise do alcance daquela expressão “ (…) relação directa e imediata (…)”, deverá ser efectuada casuisticamente, competindo aos órgãos jurisdicionais nacionais aplicar o critério aos factos de cada processo que lhes seja presente e tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenrolam as operações em causa.

 

Contudo, a densidade dessa relação pode ser diferente consoante a qualidade do sujeito passivo e a natureza das operações efectuadas e estas variáveis podem também ter repercussões sobre o ónus da prova da existência da relação, o qual cabe ao operador interessado na dedução.

 

Assim, de acordo com a jurisprudência do TJUE, sempre que um sujeito passivo exercer actividades económicas destinadas a realizar exclusivamente operações tributáveis, não é necessário, para que se possa deduzir a totalidade o imposto, estabelecer, quanto a cada operação a montante, a existência de uma relação directa e imediata com a operação específica sujeita a imposto.

Na verdade, tem sido defendido que basta que exista uma relação com a actividade da empresa.

 

Assim, os custos incorridos por uma SGPS directamente relacionados com a prestação de serviços às participadas justificam o direito à dedução do IVA suportado, dado existir um direct link entre o IVA suportado nos inputs e os outputs tributados na SGPS.

 

No que concerne ao direito à dedução do IVA suportado em inputs directamente relacionados com uma das actividades económicas prosseguidas por uma SGPS, entende-se que o direito à dedução do IVA só existe se for possível estabelecer um direct link entre os inputs e um conjunto delimitado de actividades económicas tributadas.

 

De facto, o TJUE tem entendido que, por exemplo, a exploração de capital com o objectivo de dele retirar receitas, seja sob a forma de dividendos ou de juros que resultem da simples propriedade do bem não constitui uma actividade económica em si mesma, não existindo, portanto, direito à dedução do IVA relativamente a despesas incorridas relacionadas com actividades não económicas, isto é, não sujeitas a IVA, podendo aplicar-se o mesmo raciocínio relativamente às actividades isentas sem direito à dedução.

 

Relativamente ao direito à dedução do IVA suportado em custos gerais da actividade económica, tem sido entendido que o custo dos serviços adquiridos por uma SGPS se enquadra nas despesas gerais do sujeito passivo quando aqueles custos são elementos constitutivos do preço dos serviços de uma empresa.

 

Neste contexto, decidiu o TJUE no Acórdão CIBO[9], que não se verifica uma relação directa e imediata entre os vários serviços adquiridos por uma holding no quadro da tomada de participação numa filial e uma ou várias operações a jusante que confiram direito à dedução, já que o montante do IVA pago pela sociedade relativamente às despesas efectuadas com os serviços em causa não onera directamente o preço das operações a jusante que conferem direito à dedução.

Em resumo, da jurisprudência do TJUE resulta claro que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas do Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito.

 

 

2.      Aplicação ao caso concreto

 

Em face do exposto, resulta que a questão fundamental que importa resolver neste processo consiste em saber se a Requerente, na qualidade de SGPS, desenvolve uma actividade económica de modo independente, que lhe permita deduzir o IVA incidente sobre as seguintes despesas:

 

a)      Encargos com a aquisição de serviços jurídicos sobre estudos sobre temas societários e com a certificação legal de contas;

 

b)      Encargos relacionados com a avaliação de activos no âmbito de uma operação de permuta;

 

c)      Gastos gerais utilizados na prossecução das várias actividades da Requerente.

 

2.1.            Encargos com a aquisição de serviços jurídicos sobre estudos sobre temas societários e com a certificação legal de contas

 

Resulta dos factos apurados que os encargos com serviços jurídicos sobre temas societários e com a revisão legal de contas são custos relativos ao funcionamento da Requerente já que a sua actividade que mais recursos consome (o que não significa que seja a que mais proventos gera), a prestação de serviços às suas participadas, não poderia ser exercida se a sociedade não suportasse os custos necessários ao seu adequado funcionamento global.

Na verdade, entende-se que os custos estão directamente relacionados com a prestação de serviços pela Requerente às suas participadas, atendendo a que a Requerente intervém activamente em todas as suas participadas, prestando-lhe diversos serviços de gestão e administração.

Tendo em conta a Jurisprudência Europeia sobre a matéria (Vide ponto 1.1.3 da Decisão), no caso das holdings activas, como é a Requerente, o direito à dedução existe desde que os bens ou serviços adquiridos sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas.

Decorre, também, por exemplo, da Decisão n.º 316/2015, de 5 de Janeiro de 2016, do CAAD, que “o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em actividades que conferem direito à dedução, o IVA será dedutível, independentemente da natureza jurídica de sociedade holding que a Requerente tem e do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.”

Ora, no caso em apreço, estão em causa custos ou gastos essenciais à actividade da Requerente, pois os serviços jurídicos e a certificação legal de contas são necessariamente custos no interesse e numa lógica de gestão e administração das sociedades participadas.

Em consequência, entende-se que o IVA suportado com aqueles encargos está directamente relacionado com a prestação de serviços de apoio à gestão das participadas, que é uma actividade económica sujeita e não isenta de IVA.

Não obstante, não resulta dos documentos juntos aos autos, em especial da factura n.º 0147, que a Requerente tenha adquirido serviços jurídicos sobre estudos societários. Na verdade, da factura em causa não reúne os requisitos legais impostos pelo artigo 36.º do Código do IVA, dela não constando perceptível o descritivo dos serviços prestados, sendo incongruente a consideração daquela factura como respeitante a serviços jurídicos e a sua emissão por uma sociedade comercial e não por um advogado, jurista ou sociedade de advogados.

Nestes termos conclui-se que a despesa relativa a alegados estudos societários não está comprovada, não podendo ser aceite.

Por sua vez, a despesa relacionada com a certificação legal contas é considerada dedutível por constituir uma despesa relacionada com a realização de operações que conferem direito à dedução, podendo ser deduzido a 100% o IVA suportado com os respectivos inputs (Vide Decisão n.º 16/2016-T, de 28 de Setembro de 2016).

 

Assim sendo, não pode o acto tributário, nesta parte, deixar de ser anulado por erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

 

2.2.            Encargos relacionados com a avaliação de activos no âmbito de uma operação de permuta

 

Resulta da prova produzida que a actividade principal da Requerente que mais recursos consome é a prestação de serviços técnicos de administração e gestão às suas participadas. A avaliação de activos, no âmbito de uma operação de permuta, de entidades participadas directa ou indirectamente pela Requerente configura-se como uma prestação de serviços técnicos de administração e gestão pela Requerente.

 

Assim sendo, e tendo em conta os fundamentos do direito à dedução já acima enunciados, as despesas em causa aparentam ter uma ligação directa com as operações de gestão realizadas pela Requerente no interesse do grupo, facturadas ou não às participadas.

 

De facto, as despesas com a avaliação de activos de entidades participadas estão relacionadas com a actividade económica prosseguida pela Requerente, no caso, relacionada com a gestão de activos.

 

Em consequência, entende-se que a Requerente deve poder deduzir o IVA suportado na aquisição daqueles serviços, por força do princípio da neutralidade (vide, entre outros, os Acórdãos do TJUE - Investrand, Midland Bank, Abbey National e as decisões proferidas pela CAAD n.º 316/2015-T, de 5.01.2016, 553/2015-T, de 18.04.2016, 70/2014-T, de 3.09.2014, n.º 128/2012-T, de 23.04.2012, entre outras).

 

 

 

2.3.            Gastos gerais utilizados na prossecução das várias actividades da Requerente

 

Dos factos apurados, como provados, nos presentes autos resulta que a Requerente declarou o direito à dedução do IVA relativamente a gastos gerais suportados relacionados com a prestação de serviços às suas participadas, que integraram os elementos constitutivos dos preços praticados no âmbito de todas as suas operações.

 

Tendo em conta que a actividade de gestão de participações sociais não teve praticamente expressão, considerou a Requerente um direito à dedução a 100%.

A AT, no entanto, entendeu que não era possível à Requerente proceder à afectação integral desses gastos, tendo utilizado a chave de repartição fornecida e utilizada pela Requerente, para efeitos de IRC, fixando o ratio da afectação real, a partir daí.

 

Não obstante, não é possível compreender quais foram os critérios utilizados pela AT para utilizar a chave de repartição relativa aos preços de transferência da Requerente, nem tão pouco as razões subjacentes à alteração das proporções daquela chave.

 

Na verdade, resulta dos factos provados que a Requerente desenvolveu em 2013 as três actividades que a legislação específica das SGPS lhe permite - recebeu dividendos das participadas e obteve mais e menos valias na alienação de activos, recebeu juros e prestou serviços técnicos e de gestão às participadas. Em consequência, justifica-se aplicar o método de afectação real para efeitos de cálculo do IVA dedutível suportado em consumos/ inputs.

 

Na verdade, a aplicação do método da afectação real para repartição dos montantes do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante entre actividades económicas e actividades não económicas, importa a utilização de uma fórmula que reflicta, com a aproximação possível, a proporção de utilização em cada uma das actividades dos recursos onerados com IVA, pois, como se refere no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, está em causa determinar a «afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito».

Em face da prova produzida, não é possível concluir que a chave aplicada pela AT para determinar a repartição dos montantes do IVA pago a montante entre actividade económica e actividade não económica, tenha adesão à realidade, considerando que os recursos utilizados pela Requerente em actividades de mera gestão de participações sociais foram muito inferiores aos usados nas demais actividades.

 

Assim, atendendo a que o ónus da prova sobre a correcção realizada recaía sobre a AT,

conclui-se que a chave de repartição adoptada pela AT, baseada nas estimativas da Requerente para efeitos de preços de transferência, não é adequada à correcção do direito à dedução do IVA pela Requerente.

 

3.      Juros Compensatórios

Sendo ilegais as liquidações de IVA efectuadas com base nas correcções referidas, são também ilegais, pelas mesmas razões, as correspondentes liquidações de juros compensatórios, que se integram nas respectivas dívidas de imposto e delas dependem, nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 35.º, n.º 8 da Lei Geral Tributária (LGT).

 

4.      Garantia

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

Como resulta da matéria de facto fixada e atentos os documentos juntos, a Requerente prestou garantia bancária para obter a suspensão do processo de execução fiscal relativo à cobrança da dívida de IVA liquidada adicionalmente.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99.º e 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário -CPPT), podem nele ser proferidas condenações da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou”.

No caso em apreço, é claro que os erros do acto de liquidação de IVA são imputáveis à Administração Tributária, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pelas garantias prestadas.

 

IV. DECISÃO

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IVA correspondente ao valor de IVA pago pelos serviços jurídicos e societários, no montante de € 6.900;

- julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos restantes actos de liquidação de IVA e correspondentes juros compensatórios identificados no processo, no valor de €460.985,88;

– julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por prestação de garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente as despesas suportadas com a prestação de garantia.

  

V. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 467.885,88.

 

 

 

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, sendo 98% a cargo da AT e o restante a cargo da Requerente, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Lisboa, 19 de Dezembro de 2017

Os Árbitros

 

 

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

(Magda Feliciano)

 

 

(Leonor Fernandes Ferreira – com a declaração de voto que se segue)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

Sem prejuízo do devido respeito por opinião discordante, o meu entendimento na parte relativa ao custo com a certificação legal de contas diverge da Decisão, que se mostra na secção 2.1. do Acórdão.

Por outro lado, embora acompanhe a Decisão na parte relativa à dedutibilidade do IVA relativo aos gastos gerais utilizados na prossecução das várias actividades da Requerente, que figura na secção 2.3. do Acórdão, tenho reservas em aceitar que “não é possível compreender quais foram os critérios utilizados pela AT para utilizar a chave de repartição relativa aos preços de transferência da Requerente, nem tão pouco as razões subjacentes à alteração das proporções daquela chave”.

As razões que justificam os dois entendimentos em que me afasto do Acórdão estão expostas a seguir.

Custo com a certificação legal de contas

No tocante à despesa relacionada com a certificação legal de contas, a Requerente considerou-a ser uma despesa exclusivamente relacionada com a realização de operações que conferem direito à dedução, podendo ser deduzido a 100 por cento o IVA suportado com os respectivos inputs. Por seu lado, a AT entende que o custo com a certificação legal de contas é um custo da actividade de gestão de participações sociais e, assim, o IVA suportado pela Requerente com esta despesa não é dedutível.

Analisados os pressupostos de direito, ressalta que numa sociedade gestora de participações sociais (SGPS), o custo com a certificação legal de contas (CLC) existe sempre, atendendo a que no regime jurídico destas sociedades assim determinou o legislador nacional, quando, no n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 495/1988, de 30 de Dezembro, estabeleceu que «todas as SGPS, qualquer que seja o seu tipo ou estrutura, têm obrigação de designar um revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas, nos termos do artigo 446.º do Código das Sociedades Comerciais».

Este preceito veio a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, passando desde então a indicar que «as SGPS devem designar e manter um revisor oficial de contas, desde o início de actividade, excepto se tal designação já lhes for exigida nos termos de outras disposições legais».

Ao dispor assim, o legislador estendeu a obrigação de certificação legal de contas a todas  as SGPS, qualquer que seja o tipo societário (por quotas ou anónima), a estrutura ou a dimensão. Não se atende nas SGPS, em divergência com as outras sociedades que não sejam SGPS, aos requisitos de dimensão estabelecidos no artigo 262.º do Código da Sociedades Comerciais e aplicáveis às sociedades por quotas.

A obrigação de certificação legal de contas decorre desde logo da própria qualificação como ‘SGPS’. Não depende, nas SGPS, a existência de certificação legal de contas e o seu custo da actividade ou actividades que a empresa efectivamente exerça, ou possa vir a desenvolver, pelo que não poderá ser o IVA correspondente associado a uma ou a outra dessas actividades, seja a actividade de prestação de serviços às participadas, a gestão das participações sociais ou outra, mas antes respeitará essa despesa transversalmente a todas as actividades da empresa, sem excepção, ou melhor, à própria sociedade que se qualifica como SGPS tout court e existirá mesmo se a sociedade estiver sem actividade(s) ou fora de funcionamento.

Refere o n.º 3 do artigo n.º 446.º do Código das Sociedades Comerciais que “o revisor oficial de contas exerce as funções previstas nas alíneas c), d), e) e f) do n.º 1 do artigo 420.º”. Nos termos das alíneas c), d, e) e f) do n.º 1 do artigo 420.º do Código das Sociedades Comerciais, compete ao revisor oficial de contas, seja fiscal único ou membro do conselho fiscal:

«c) Verificar a regularidade dos livros, registos contabilísticos e documentos que lhe servem de suporte;

d) Verificar, quando o julgue conveniente e pela forma que entenda adequada, a extensão da caixa e as existências de qualquer espécie dos bens ou valores pertencentes à sociedade ou por ela recebidos em garantia, depósito ou outro título;

e) Verificar a exactidão dos documentos de prestação de contas;

f) Verificar se as políticas contabilísticas e os critérios valorimétricos adoptados pela sociedade conduzem a uma correcta avaliação do património e dos resultados.»

Estas verificações abrangem livros, registos contabilísticos e documentos de suporte que respeitam a todas as actividades exercidas por uma sociedade.

O Decreto-Lei n.º 224/2008, de 20 de Novembro, veio alterar o Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro, passando o artigo 44.º, n.º 2 a referir que:

«a certificação legal das contas exprime a opinião do revisor oficial de contas de que as demonstrações financeiras individuais e ou consolidadas apresentam, ou não, de forma verdadeira e apropriada, a posição financeira da empresa ou de outra entidade, bem como os resultados das operações e os fluxos de caixa, relativamente à data e ao período a que as mesmas se referem, de acordo com a estrutura de relato financeiro identificada e, quando for caso disso, de que as demonstrações financeiras respeitam, ou não, os requisitos legais aplicáveis.»

O novo Estatuto dos ROC, aprovado pelo Decreto- Lei n.º 140/2015, de 7 de Setembro no artigo 53.º, a propósito do vínculo contratual indica, no n.º 1, que:

«o revisor oficial de contas exerce as suas funções de revisão/auditoria às contas por força de disposições legais, estatutárias ou contratuais, mediante contrato de prestação de serviços, reduzido a escrito, a celebrar no prazo de 45 dias a contar da data da designação.»

O n.º 2 do mesmo artigo explicita que:

«os contratos referidos no número anterior têm como referência o modelo fixado pela Ordem, especificando, pelo menos, a natureza do serviço, a sua duração e os honorários correspondentes».

Quanto aos honorários de um revisor de contas, onde se incluem os gastos com a certificação legal de contas de uma SGPS, sujeitos a IVA, o artigo 59.º Estatuto dos ROC estipula, no n.º 1 que:

«a determinação do tempo do trabalho necessário à execução de um serviço de auditoria de acordo com as normas de auditoria em vigor é objeto de regulamentação do conselho diretivo da Ordem». O n.º 2 do mesmo artigo, refere que «no exercício de quaisquer outras funções previstas no presente Estatuto ou noutros diplomas legais, os honorários são fixados entre as partes, tendo nomeadamente em conta critérios de razoabilidade que atendam, em especial, à natureza, extensão, profundidade e tempo do trabalho necessário à execução de um serviço de acordo com as normas de auditoria em vigor.»

O montante das despesas com a certificação legal de contas, variará, portanto com a «natureza, extensão, profundidade e tempo do trabalho necessário à execução de um serviço de acordo com as normas de auditoria em vigor».

O trabalho de um ROC subjacente à certificação legal consiste em dar parecer sobre o conjunto das demonstrações financeiras que devem reflectir todas as actividades exercidas pela SGPS, e sobretudo está relacionado com a posição financeira e os seus elementos, tais como participações financeiras, outros activos e financiamentos concedidos. E, por isso, o custo com a certificação legal de contas é um custo transversal às várias actividades exercidas pela SGPS, quer sejam excluídas ou não da tributação em IVA, mas não é determinado por elas. Portanto, o IVA suportado com os custos da certificação legal de contas por uma SGPS a ser repartido entre todas essas actividades, apenas poderia ser deduzido segundo um critério de repartição objectivo.

O custo com a certificação legal de contas numa SGPS depende de vários factores, tais como a natureza, a extensão, a profundidade e o tempo de trabalho necessário, aspectos estes que se relacionam com as características concretas de cada SGPS, nomeadamente a complexidade de cada SGPS e do grupo de empresas que esta encabeça, o número de participadas incluídas no grupo e com as quais apresenta contas consolidadas, as imparidades dos activos de cada participada, os métodos de equivalência patrimonial a aplicar, a aplicação ou não do regime especial de tributação dos grupos de empresas (RETGS), a existência de participações indirectas e cruzadas, as transacções e operações internas ao grupo. Todos estes aspectos são consequência de decisões da gestão de participações, e dependem também das outras actividades que uma SGPS pode desenvolver.

Demonstrado que está ser o custo com a certificação legal de contas da Requerente um custo comum, deveria - por aplicação do método de afectação real - o mesmo ser repartido pelas diversas actividades que a Requerente desenvolveu e a parcela de IVA correspondente a cada uma, seria dedutível ou não dedutível, consoante essa actividade confira ou não o direito à dedução.

Com efeito, refere o ponto 4 do Ofício-circulado n.º 30103, de 2008-04-23, a propósito das regras para a determinação do direito à dedução, que:

«Em princípio, o critério para medir o grau de utilização relevante deve ser determinado caso a caso, o mesmo é dizer bem a bem ou serviço a serviço, em função da sua própria utilização. Não obstante, pode admitir-se o recurso a uma chave de repartição ou critério objectivo comum a um conjunto de bens ou serviços, na condição de que tal se fundamente em razões objectivas e relevantes devendo o sujeito passivo, em qualquer dos casos, estar em condições de, comprovadamente, justificar os métodos e critérios utilizados».

Numa SGPS pura, que apenas exerça a actividade de gestão de participações sociais, o IVA suportado com o gasto da CLC não poderá ser deduzido - a chave de repartição seria zero por cento, pois não há nada a repartir e há unicamente um objecto de custo: a actividade de gestão de participações sociais, actividade excluída do campo da tributação em IVA. Havendo outras actvidades, poderá haver um custo incremental.

Sendo um custo comum, o critério de repartição objectivo deste custo não tem apenas correspondência com as actividades desenvolvidas, que se observam na demonstração dos resultados, mas principalmente com o balanço. Sendo a demonstração dos resultados um mapa cujo resumo (o saldo, o resultado do período) é incorporado no balanço, e este segundo mapa espelha a posição financeira no final do exercício de uma empresa (contas individuais), ou de um grupo de empresas (contas consolidadas) e contém muitas outras linhas também objecto de revisão de contas com vista à certificação legal. Os trabalhos tendentes à certificação legal de contas analisam os elementos das demonstrações financeiras, designadamente os gastos, os rendimentos, os activos, os passivos e o capital próprio. O modelo de certificação legal de contas expressa, entre o mais, opinião sobre o resultado do exercício, o qual depende dos gastos e dos rendimentos, e sobre o capital próprio, que se calcula por diferença entre os activos e os passivos.[10]

Entendo que o custo com a CLC esteja indirectamente relacionado com a prestação de serviços pela Requerente às suas participadas e com os serviços de gestão e administração, mas ele não é um custo relativo ao funcionamento de uma empresa; os custos de funcionamento são custos essencialmente variáveis em função de cada uma das actividades, alterando-se na medida em que tais actividades variem. Na Requerente, o custo com a CLC é um encargo obrigatório por lei e, mesmo estando em inactividade, a Requerente tê-lo-ia também de suportar.

Assim, o IVA associado ao custo da certificação legal de contas da Requerente, sendo um custo não só comum às várias actividades, mas transversal aos elementos patrimoniais a certificar, não poderá ser dedutível, por falta de objectividade em qualquer critério de repartição que seja fixado para o efeito.

Não deve, portanto, o acto tributário de liquidação de IVA relativo ao custo com a certificação legal de contas ser anulado, em minha opinião.

 

Gastos gerais utilizados na prossecução das várias actividades da Requerente

A Requerente considerou que a actividade de gestão de participações sociais não teve praticamente expressão, pelo que manteve o direito à dedução do IVA suportado nos seus Fornecimentos e Serviços Externos (FSE) a 100 por cento.

A AT, no entanto, entendeu que não era possível à Requerente proceder à dedução do IVA suportado a 100 por cento. E não considerou dedutível todo o IVA suportado em FSE, tendo utilizado uma chave de repartição calculada a partir dos dados sobre as prestações de serviços indicados como afectos à actividade de prestação de serviços (às participadas) pela Requerente, tal como constam na Petição Inicial, tendo fixado o ratio da afectação real, a partir daí, em 58,62% do IVA suportado.

Verifica-se que a Requerente desenvolveu em 2013 todas as actividades que a legislação específica das SGPS lhes permite (geriu participações sociais, obteve dividendos e mais-valias, financiou as suas participadas tendo registado proveitos com juros, e prestou serviços técnicos e de gestão às participadas). Assim, justifica-se aplicar o método de afectação real para efeitos de cálculo do IVA dedutível suportado em consumos/ inputs. E a aplicação desse método pressupõe a adopção de um critério de repartição dos custos entre as actividades.

Refere o ponto 4 do Ofício-circulado n.º 30103, de 2008-04-23, a propósito das regras para a determinação do direito à dedução, que «Em princípio, o critério para medir o grau de utilização relevante deve ser determinado caso a caso, o mesmo é dizer bem a bem ou serviço a serviço, em função da sua própria utilização. Não obstante, pode admitir-se o recurso a uma chave de repartição ou critério objectivo comum a um conjunto de bens ou serviços, na condição de que tal se fundamente em razões objectivas e relevantes devendo o sujeito passivo, em qualquer dos casos, estar em condições de, comprovadamente, justificar os métodos e critérios utilizados».

Uma vez que a Requerente optou por não autonomizar orgânica ou contabilisticamente cada uma das actividades, alegadamente, «porque os gastos associados à gestão de participações sociais e os gastos associados à concessão de financiamento às participadas não justificam tal autonomização» (Cláusula 3ª da Petição Inicial), não é possível obter directamente da contabilidade os graus de utilização, ficando por essa via prejudicada a justificação de aceitação de IVA dedutível em gastos comuns.

Com efeito, uma chave de repartição para a afectação real de despesas poderá variar entre zero e um.

Ora, não pode a Requerente defender razoavelmente a aplicação de uma chave de repartição de 100 por cento, provado que está ter a Requerente exercido actividades excluídas do âmbito do IVA (tais como gestão de participações pessoais), actividades isentas de IVA (juros) e actividades que conferem direito à dedução de IVA (prestações de serviços às associadas) que a lei permite a uma SGPS.

A chave de repartição ‘100 por cento’ não pode ser aceite para a afectação real de despesas no âmbito do direito à dedução do IVA suportado em inputs pela Requerente, porquanto corresponde a negar que existem gastos suportados com a actividade excluída do campo da tributação em IVA, bem como com actividades isentas, o que não é certamente apropriado considerando a realidade da Requerente no exercício de 2013.

Com efeito, a própria Requerente, na petição inicial indica expressamente, na cláusula 145.º, que os gastos a imputar às prestações de serviços efectuadas em benefício das participadas ascenderam a 4.284.268,94 €, dos quais 2.032.264,8 € corresponderam a gastos com fornecimentos e serviços externos. Ora, tendo ascendido o total dos gastos com fornecimentos e serviços externos da Requerente em 2013 a 3.807.645,53 €, (conforme consta dos quadros das páginas 22 e 33 do RIT), o montante dos FSE desses gastos que a Requerente considera associados às prestações de serviços é 53,37% do total dos FSE, o que resulta da divisão de 2.032.264,8 € / 3.807.645,53 €.

Daqui se conclui que existem 1.775.380,73 € de gastos com fornecimentos e serviços externos que estarão sujeitos a IVA e que não são imputáveis à actividade de prestação de serviços às participadas.

A Requerente quando decidiu deduzir todo o IVA suportado em gastos comuns, não o repartindo entre as várias actividades mas afectando-o apenas à actividade que dá direito a dedução – a prestação de serviços às participadas - aplicou a chave de repartição ‘100 por cento’, pressupôs assim que a totalidade dos gastos com fornecimentos e serviços de terceiros foram suportados na actividade que dá direito a dedução de IVA. Ora, isso contraria o facto provado documentalmente e confirmado verbalmente pela testemunha que depôs no processo afirmando que a Requerente efectivamente exerceu as ‘três actividades’ e em todas consumiu recursos, embora tenha consumido mais recursos na actividade de prestação de serviços às participadas.

Além disso, a chave de repartição ‘100%’ é incompatível com os dados apresentados pela Requerente na cláusula 145.º da Petição Inicial.

A Requerente optou por não dar cumprimento ao disposto no Código do IVA, ao não separar os custos de actividades sujeito a IVA que conferem direito à dedução dos gastos com IVA de outras actividades. Ao não autonomizar contabilisticamente cada uma das atividades, porque os gastos associados à gestão de participações sociais e os gastos associados à concessão de financiamento às participadas, que no seu entendimento não justificam tal autonomização, esta decisão limitou a possibilidade de ter os gastos comuns repartidos por objectos de custo próprios de cada uma dessas actividades.

Tendo a Requerente realizado operações sujeitas a IVA que conferem direito à dedução (prestações de serviços remuneradas), em simultâneo, com outras que, embora sujeitas a IVA, se encontram dele isentas nos termos do disposto no artigo 9º do Código do IVA (concessão de crédito) e, bem assim, com operações decorrentes da sua actividade principal, que se encontra fora do campo de incidência de imposto (aquisição, detenção, alienação, gestão de participações sociais, decorrente da qual aufere dividendos, mais-valias, etc), o rácio apurado pela AT de acordo com os dados fornecidos pela Requerente, caso não incluísse os gastos com o pessoal, seria 53,37%.

O rácio de repartição adoptado pela AT foi calculado assim:

4.284.268,94 € / 7.308.715,59 € = 58,62%.

·    O numerador do rácio de repartição que a AT elegeu 4.284.268,94 € (quatro milhões, duzentos e oitenta e quatro mil, duzentos e sessenta e oito euros e noventa e quatro cêntimos) coincide com o valor dos custos a imputar às prestações de serviços indicado pela Requerente, que consta do quadro de repartição fornecido pela própria Requerente para efeitos de IRC. Estes custos apresentam-se arrumados contabilisticamente por critério de natureza e incluem custos de duas naturezas, identificadas com os códigos de conta ‘62’ e ’63’, que correspondem, respectivamente, a fornecimentos e serviços externos e a gastos com o pessoal, estes sem IVA a deduzir. O referido quadro com a informação dos gastos associados à prestação de serviços fornecido pela Requerente, por sua vez, discrimina os custos de cada uma dessas duas naturezas segundo um critério funcional, repartindo-os por três centros de custo (Conselho de Administração, Centro Corporativo e Dir. Rel. Ext.), aos quais a Requerente aplica chaves de repartição diferentes para efeitos de IRC. O numerador da chave de repartição usada pela AT foi a média dessas partições sugeridas pela Requerente com base apenas nos gastos das duas naturezas referidas, que a própria Requerente mencionou serem gastos da actividade de prestações de serviços.

·    Ao fixar o denominador do rácio de repartição, (i) a AT considerou o total dos gastos com o pessoal e o total dos gastos com Fornecimentos e Serviços Externos que constam dos saldos do balancete de final de ano da Requerente (contas com os códigos ‘62’ e ‘63’), ou seja, incluiu nele o montante das despesas que a Requerente não afectou aos três objectos de custos funcionais apresentados para efeitos de preços de transferência; mas (ii) a AT não incluiu a parte dos gastos com Fornecimentos e Serviços Externos que considerou totalmente alocados à atividade não económica da Requerente e que atribuiu à actividade excluída (170.384,14 €, cento e setenta mil, trezentos e oitenta e quatro euros e catorze cêntimos), gastos estes que, não são para repartir, por não serem, no entender da AT, gastos comuns, e que correspondem às quatro facturas cujo IVA entendeu não ser dedutível (ver RIT, páginas 22 e 23, doc. 50, anexo à PI).

Não obstante, no numerador do rácio a AT não corrigiu o valor dos gastos «a imputar às prestações de serviços», que manteve nos referidos € 4.284.268,94 (cf. página 23 do cit. Doc. 50 do pedido de pronúncia arbitral) e, assim, o numerador ficou mais elevado do que se nele não tivessem sido incluídas as despesas das ditas quatro facturas, mostrando-se mais favorável à Requerente, pois conduz a uma chave de repartição mais elevada.

Em face da prova produzida, é possível calcular a chave aplicada pela AT para determinar a repartição dos montantes do IVA pago a montante entre actividade económica e actividade não económica e compreender quais foram os critérios utilizados pela AT para utilizar a chave de repartição relativa aos preços de transferência da Requerente e também as razões subjacentes à alteração das proporções daquela chave.

 

 

(Leonor Fernandes Ferreira)

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 



[1] O IVA e as Sociedades Holding Portuguesas, Revista de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento, vol. 1, n.º 1, 2013.

[2] Acórdão do TJUE de 22 de Junho de 1993, no caso Sofitam SA, Processo n.º C-333/91, parágrafo 12.

[3] Assim, cf. Acórdão do TJUE de 20 de Junho de 1991, no caso Polysar, Processo n.º C-60/90, parágrafo 14, no qual se pode ler que “a situação é diferente quando a participação é acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de acionista ou de sócio”; o Acórdão do TJUE de 20 de Junho de 1996, no caso Wellcome Trust, Processo n.º C-155/94, parágrafo 35, nos termos do qual “resulta (...) do artigo 13., parte B, alínea d), n. 5, da Diretiva que as operações relativas às ações, participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos podem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA. É esse nomeadamente o caso quando tais operações são efetuadas no quadro de uma atividade comercial de negociação de títulos ou para efetuar uma interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação”; o Acórdão do TJUE de 27 de Setembro de 2001, no caso Cibo Participations SA, Processo n.º C-16/00, parágrafo 20, onde se afirma que “O Tribunal de Justiça declarou que a situação é diferente quando a participação é acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de acionista ou de sócio (...). Decorre do n.º 19 do Acórdão Floridienne e Berginvest, já referido, que se deve considerar como atividade económica (...) a interferência na gestão das filiais, na medida em que implique transações sujeitas a IVA nos termos do artigo 2.º dessa Diretiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos por uma holding como a Cibo às suas filiais”; no mesmo sentido, cf. o Acórdão do TJUE de 11 de Julho de 1996, no caso Régie Dauphinoise, Processo n.º C-306/94, parágrafo 17, bem como o Acórdão do TJUE de 14 de Novembro de 2000, no caso Floridienne SA e Berginvest SA, Processo n.º C-142/99, parágrafo 17.

 

[4] Acórdão de 6 de Julho de 1995, Caso BP Soupergaz, Proc.C-62/93, Colect., p. I-188, n.º 16.

[5] Cfr. o n.º 59 do Acórdão de 8 de Janeiro de 2002, Caso Metropol, Proc.C-409/99, Colect., p. I-00081. 

[6] Acórdãos de 1 de Dezembro de 1998, Caso Ecotrade, Proc. C-200/97, Colect., p. I.-7907, n.ºs 63 e 64, de 21 de Outubro de 21010, Caso Nidera, Proc. C-385/09, Colect., p. I-0385, n.° 42, de 22 de Dezembro de 2010, Caso Dankowski, C-438/09, Colect., p. I-14009, n.° 35, e Acórdão de 12 de Julho de 2012, Caso SEM, Proc. C-284/11, ainda não publicado na Coletânea, n.º 63). 

[7] Acórdão de 15 de Janeiro de 1989, Caso Ghent Coal Terminal, Proc. C-37/95, Colect., p.I-1. 21 V., neste sentido, Casos, já referidos, Lennartz, n.° 15, e Eon Aset, n.° 57. 22 V., neste sentido, Acórdão de 8 de Março de 2001, Caso Bakcsi, Proc. C-415/98, Colect., p. I-1831, n.° 29.

[8] Acórdão de 6 de Abril de 1995, Proc. C-4/94, Colect., p. I-983, n.ºs 18 e 19. Estava em causa o alcance da expressão “ (…) utilizados para (…)”, empregue no artigo a que atualmente corresponde o artigo 168.º da DIVA.

[9] Acórdão do TJUE, de 27 de Setembro de 2001, proc. N.º C-16/00.

[10] O capital próprio é uma expressão abstracta e residual do valor patrimonial da empresa Conforme se indica na Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, em vigor em 2013 «as partes componentes das demonstrações financeiras inter-relacionam-se porque reflectem aspectos diferentes das mesmas transacções ou outros acontecimentos» e «a quantia pela qual o capital próprio é mostrado no balanço está dependente da mensuração dos activos e dos passivos» (Cf. Aviso n.º 15652/2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 173, de 7 de Setembro de 2009, parágrafo 66 e parágrafo 20, respectivamente).