Decisão Arbitral
Os árbitros Dr. José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Professora Doutora Glória Teixeira e Dr. Álvaro Caneira, designados pelo Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-02-2017, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. Em 22-12-2016, “A…, S. A.”, pessoa coletiva n.º…, com sede social na …, …-… …, veio apresentar, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
2. A Requerente impugna a liquidação oficiosa de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e Juros Compensatórios, no montante total de € 72 853,93, requerendo ao Tribunal que declare a ilegalidade da referida liquidação com todos os efeitos legais, designadamente a condenação da AT ao reembolso dos montantes indevidamente cobrados, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios.
3. A Requerente optou pela não designação de árbitro.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 23-12-2016 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 29-12-2016.
5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Dr. José Pedro Carvalho, a Professora Doutora Glória Teixeira e o Dr. Álvaro Caneira, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
6. Em 10-02-2017, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27-02-2017.
9. A Requerida (AT) respondeu suscitando a exceção da caducidade do direito de ação e, sobre o mérito, pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, dever o tribunal pronunciar-se pela absolvição da entidade requerida.
10. A Requerente respondeu por escrito à exceção invocada pela Requerida.
11. Não obstante não concordar com a liquidação de que foi alvo e ter optado por proceder ao pagamento tempestivo da mesma, a Requerente entende que “ (…) ao contrário do alegado pela AT no relatório de inspeção, não existia, à data, qualquer discrepância entre as existências físicas da Requerente e aquelas inscritas na sua contabilidade, não coberta pela franquia, que justificasse qualquer liquidação”.
12. Sustenta a Requerente tal entendimento em duas ordens de motivos, que elenca nos seguintes termos:
1. Por um lado, porque para a realização dos cálculos em causa, a AT tomou em consideração valores que não correspondem aos reais, tanto no que diz respeito à produção de biodiesel pela Requerente durante o período de 2016 (o valor referido no relatório é de 3.375,09 m3), como no que concerne à contagem física das existências no entreposto (do relatório consta o valor de 1.797,97 m3);
2. E, por outro, e a título meramente subsidiário, porque a AT não calculou corretamente a franquia prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 48.º do Código dos IEC, tendo procedido ao respetivo cálculo de uma forma anual e não, como deveria ter acontecido, de uma forma global para a totalidade do período inspecionado.”
13. Pelo que, no entender da Requerente, é manifestamente ilegal a liquidação de ISP e CSR cuja apreciação aqui se peticiona.
14. Relativamente à primeira ordem de motivos, sustenta a Requerente que, conforme decorre o relatório de inspeção que fundamenta a liquidação impugnada, os cálculos efetuados pela AT, de que resultou a mencionada diferença, tomam como base valores que não correspondem aos reais.
15. Isto, porque, em seu entender, “49. ( ...) relativamente à PRODUÇÃO DE BIODIESEL pela Requerente para o período de 2016 (até à data e hora do varejo), o valor real da mesma, fornecido por aquela à equipa inspetiva, foi o de 3.289,13 m3, ou seja, menos 85,96 m3 de biodiesel do que aqueles considerados pela AT no relatório (3.375,09 m3).
50. Esta diferença de valores decorre do facto de os serviços de inspeção terem contabilizado não só a produção respeitante ao período das 08h00 às 11h00 (37,7 toneladas, a que correspondem 42,73 m3) do dia 13.01.2016 – mas também, incorretamente, a produção da totalidade desse mesmo dia, das 08h00, às 14h00 (75,5 toneladas, a que correspondem 85,96 m3), existindo assim uma errada contabilização da produção naquele dia, no preciso aludido montante de 85,96 m3).
51. De facto, a AT, em vez de simplesmente ter contabilizado a produção do período das 08h00 às 11h00 (uma vez que o varejo se iniciou às 11h00), contabilizou, além desta, a produção total desse mesmo dia, duplicando assim, indevidamente, a produção das 08h00 às 11h00 e acrescentando também, erradamente, o resto da produção desse dia, isto é, das 11 às 14 horas.
52. Quanto a esta divergência – consubstanciada na errada contabilização da totalidade da produção do dia do varejo além daquela existente até à respetiva hora –, importa também referir que a mesma apenas pode ter decorrido de um lapso por parte da AT na interpretação da informação que lhe foi prestada pela Requerente em e-mail, de 14.06.2016 (fls. 72 do Volume I do processo de inspeção), e-mail esse até expressamente referido no 15 relatório final de inspeção (cfr. página 14 do relatório já junto como Documento n.º 3 bem como o respetivo e-mail, já junto como Documento n.º 10). “
16. Quanto ao volume de biodiesel considerado na contagem física, considera a Requerente que do relatório consta um valor inferior àquele que efetivamente detinha nas suas instalações no momento do varejo efetuado, prendendo-se tal diferença com o facto de a AT não ter tomado em consideração:
a) a quantidade de produto contida nos tanques B01, B02 e C04 do entreposto;
b) o volume de biodiesel existente nas tubagens que se dirigem da fábrica aos postos de carga, bem como nas tubagens que fazem a ligação dos tanques B01 e B02 aos tanques de expedição (C01, C02, C03 e C04); e
c) a quantidade de biodiesel já existente em camião destinado a cliente, correspondente à expedição titulada pela guia de remessa GRC-…/… .
17. No que respeita às quantidades de produto constantes dos tanques B01, B02 e C04, a AT, na medição das existências físicas presentes no entreposto, não considerou as quantidades de 22,599 m3, 30,029 m3, e 43,518 m3, respetivamente, num total de 96,146 m3. Tais discrepâncias decorrem essencialmente do facto de os tanques apresentarem uma medição da sonda no valor de “zero” sendo que os mesmos “contém sempre produto no respetivo fundo, a uma altura não medível, isto porque possuiu uma chapa batente (placa de sondagem) que impede que a sonda chegue ao seu fundo, encontrando-se tal chapa presa à primeira virola (primeira das chapas cilíndricas que o compõem).”
18. Relativamente ao volume de biodiesel existente nas tubagens, alega a Requerente, em síntese, que “Quanto a este, a AT nunca o considerou para a elaboração dos cálculos que presidiram ao apuramento da diferença entre a contagem física das existências e o respetivo saldo contabilístico e que desembocou na liquidação aqui em apreço, tendo olimpicamente ignorado o facto de que o produto produzido pela Requerente nunca se encontraria apenas nos respetivos tanques, mas também nas diversas tubagens que fazem a ligação entre os mesmos, bem como entre estes e os postos de carga.”
19. Da mesma forma, segundo a Requerente, a AT também não considerou o produto existente nas tubagens de ligação da fábrica aos postos de carga (tanto rodoviária como ferroviária), por força dos carregamentos em curso.
20. Pelo que, conclui a Requerente, “... no que diz respeito ao produto existente nas tubagens, a AT não tomou em consideração, para os seus cálculos, o total de 7.795 m3 (2,309 m3 + 5,486 m3) de biodiesel que se encontravam nas instalações da Requerente.”
21. Referindo-se, ainda, a omissões na medição do produto, alega a Requerente que “... a AT também não considerou o volume de biodiesel já depositado num camião destinado a cliente cujo enchimento se iniciou imediatamente antes do início do varejo, correspondente à expedição GRC-…/…, no valor de 4,3 m3. “
22. Dos elementos referidos extrai a Requerente, como conclusão, que “inexiste qualquer montante de ISPPE a liquidar, pois nenhuma divergência para menos existe (não coberta pela franquia) entre os stocks registados na contabilidade da Requerente e as respectivas existências físicas.” Pelo que é “manifestamente ilegal, por erro sobre os pressupostos de facto, a liquidação de ISPPE e CSR ora em apreço.”
23. Para além do invocado erro na medição das existências físicas, considera a Requerente que a AT também errou no que diz respeito ao cálculo da franquia para perdas prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 48.º do Código dos IEC.
24. Segundo entende a Requerente, “do teor literal da norma referida resulta que o valor de referência sobre o qual deve ser aplicada a “taxa” de 0,4% para o cálculo da franquia é aquele resultante da soma das quantidades de produto existentes em entreposto (à data do último varejo) com as quantidades nele entradas (após a data do último varejo).” Ou seja, “... resulta da norma citada que o valor da franquia em causa deverá ser apurado globalmente, para todo o período decorrente desde a data de uma determinada contagem física das existências, até àquela da contagem física subsequente, nada importando, para esses efeitos, os anos concretos que decorreram desde uma contagem à outra. “
25. Prosseguindo, diz a Requerente, que “No entanto, no relatório de inspeção comunicado à Requerente, a AT não procedeu ao apuramento de uma franquia global para o período em análise (2013 a 2016), tendo antes efetuado o cálculo desta tendo por referência os vários anos que compõem o mesmo, isoladamente.”... Como se pode ver, no relatório da ação inspetiva realizada, a franquia não foi calculada de acordo com a norma legal em análise (ou seja, de forma global para todo o período em apreço), mas antes de forma isolada para cada um dos anos compreendidos no período em causa, tendo também, as perdas, sido calculadas isoladamente para cada um dos anos em apreço. “
26. Após detalhada análise da norma legal em causa, conclui a Requerente que, do método utilizado pela AT para apuramento da franquia para o período de 2013 a 2016 resulta que sendo esta calculada ano a ano, não foram abatidas às existências iniciais do ano seguinte as perdas apuradas no ano anterior. Pelo que “caso a franquia tivesse sido apurada globalmente para todos os períodos em causa, o seu valor seria de 829 m3 de biodiesel, sendo a totalidade das diferenças verificadas em todos os períodos (312,44 m3 de biodiesel) absorvida por esta.”
27. Notificada do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerida respondeu por exceção, defendendo a sua intempestividade e, por impugnação, alegando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
II. Saneamento
28. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
29. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).
30. O processo não enferma de vícios que o invalidem.
III. Matéria de facto
31. Com base nos elementos documentais que integram os presentes autos, designadamente o processo administrativo, e no depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente –B… e C…– e pela Requerida – D…, E… e F…-, este Tribunal formou convicção sobre os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:
31.1. A Requerente, com sede na …, …-… …, é uma
sociedade que tem como atividade a produção e a comercialização de biocombustíveis, bem como dos respetivos subprodutos industriais e ainda o aproveitamento industrial e o comércio de sementes oleaginosas, seus derivados e subprodutos.
31.2. Tendo em consideração a atividade por si exercida, a Requerente dispõe do estatuto de depositário autorizado, concedido ao abrigo do Código dos Impostos Especiais de Consumo, sendo detentora quer de entreposto aduaneiro tipo A para armazenagem de matéria-prima (soja e colza), quer do entreposto fiscal de produção n.º EF PT…, situado na “jurisdição” da … e do entreposto fiscal de armazenagem n.º EF PT…, situado na …, localizado na zona de “jurisdição” da Alfândega do … .
31.3. No decurso do ano de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) desenvolveu uma ação inspetiva à Requerente, iniciada em 13-01-2016 e finda em 23-06-2016, e que teve por âmbito o controlo do entreposto fiscal de produção, transformação e armazenagem de biocombustíveis n.º EF PT…, detido pela Requerente, no período de 01-01-2013 a 13-01-2016.
31.4. A referida ação inspetiva iniciou-se com um varejo às existências do mencionado entreposto fiscal, com o objetivo de confirmar as matérias-primas e biodiesel existentes nos depósitos do mesmo.
31.5. De acordo com o relatório de inspeção, da reconstituição das existências desde 01-01-2013 até 13-01-2016 resultou que, relativamente ao período compreendido entre as datas mencionadas, existe uma diferença para menos de 182,76 m3 de biodiesel entre a contagem física realizada e as existências contabilísticas, depois de aplicada a franquia de 14,33 m2, nos termos da alínea b) do n.º 1, do artigo 48.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) (cfr. Doc.3 junto com a p.i.).
31.6. No referido relatório da ação inspetiva, formula-se, como conclusão, que “ Dos controlos efetuados e dos elementos analisados no âmbito deste procedimento, foram detetadas as seguintes situação irregulares:
- Da análise aos registos contabilísticos verificou-se que foram emitidas Gulas de Remessa de Clientes (GRC) que se encontram mencionadas nos e -DA e que não são de biodiesel, mas de cereais. Também se verificou que outras Guias de Remessa referentes a biodiesel foram indicadas incorretamente nos e -DA.
As situações descritas traduzem 29 situações de erros praticados nas declarações, integradores da Contraordenação aduaneira p/p pelo art°111°- A do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) aprovado pela Lei n°1512001, de 5 de Junho.
- Através da análise aos registos contabilísticos e da produção, foi realizada a reconstituição das existências desde 01/01/2013 até 13/01/2016. Desta análise resultou que relativamente ao período compreendido entre 01/01/2016 e 13/01/2016 existe uma diferença para menos de 197,09 m3,
Calculada a franquia, nos termos da alínea b) do n° 1 do art.º 48.° do CIEC, no valor de 14,33 m3, verifica-se a existência de uma diferença de 182,76 m3, não coberta pela mesma, traduzindo saldas de Entreposto que não se encontram documentadas.
Relativamente a essa quantidade, constitui-se divida em sede de ISPPE, no montante total de €71.169,26, correspondendo €50.882,71 a 1SPPE e €20.286,56 a CSR, nos termos conjugados dos n°s 1 e 2 do artigo 8°, 1-a) do art.° 9° e 1-a) e c) do art.° 88° do CIEC...”
31.7. Com base nos elementos apurados foi efetuada a competente liquidação de ISP e CSR, sendo então a Requerente notificada, através do ofício n.º…, da Alfândega …, de 31-08-2016, da liquidação de ISPPE, CSR e respetivos juros compensatórios, de que se extrai “de acordo com os fundamentos constantes do Relatório Final da ação acima mencionada, e no uso das competências que lhe estão atribuídas, foi, pelo despacho de 16 de Agosto de 2016, do Chefe da Divisão Operacional do Sul (DOS), bem como do meu despacho de 31 de Agosto de 2016, em substituição do Diretor da Alfândega de …, liquidada oficiosamente a divide apurada no montante total de 72.855,73 (setenta e dois mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e três cêntimos), sendo 50.882,71 (cinquenta mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e um cêntimos) relativos a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISPPE), E 20.286,56 (vinte mil duzentos e oitenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos) relativos a Contribuição de serviço sobre o Gasóleo (CSR), 1.684,66 (mil seiscentos e oitenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos) relativos a juros compensatórios e 1,80 (um euro e oitenta cêntimos) relativos a impressos.
Serve o presente ofício para notificar que, deverá, no prazo de 15 (quinze) dias, imposto pelo n.° 2 do art.º 12° do Código dos impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 73/2010, de 21 de Junho, proceder ao pagamento da quantia de € 72.855 73, acima enunciada.
Os juros compensatórios foram calculados em conformidade com o previsto no art.° 35.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, conjugado com o n.° 3. do art. 11.º do CIEC, contados desde a data da constatação até à data do suprimento da falta (n.° 4 do art. 35.º da LGT). A taxa aplicada é de 4 %, conforme Portaria n.° 291/2003, de 08/04 (mapa de cálculo em anexo — n.° dias*tx*dívida/365). “ (cfr. Doc.3 junto com a p.i.)
31.8. A referida liquidação foi notificada à Requerente, por correio endereçado para a sua sede, através de registo postal com aviso de receção “RM … PT”, depositado nos CTT em 05-09-2016, tendo o aviso sido devolvido à AT devidamente assinado por G…, com o documento de identificação n.º…, com a indicação de ter sido recebido em 07-09-2016.
31.9. No Registo dos CTT respeitante a este aviso através do qual a notificação da liquidação aqui em causa foi realizada (Registo RM…PT) consta o seguinte:
N.º de Objeto Produto Data Hora Estado
RM…PT Correio Registado Nacional 2016/09/08 08:00 Objeto entregue
31.10. Por e-mail, no dia 08.09.2016, o Eng.º B…, funcionário da Requerente, remeteu a notificação para o mandatário desta referindo: recebemos hoje pelo correio a notificação para pagamento da dívida apurado no seguimento do relatório final da ação de inspeção acima identificado” reportando-se ao oficio n.º…, datado de 31.08.2016, o qual constitui a notificação de pagamento aqui em causa.
31.11. Em 21-09-2016, a Requerente efetuou o pagamento do imposto e juros liquidados (cfr. Doc. 4 junto com a p.i.).
31.10. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de liquidação aqui em causa deu entrada no CAAD em 22-12-2016.
IV. Matéria de direito
Da exceção de caducidade do direito de ação
32. Tendo a Requerida invocado a caducidade do direito de ação impõe-se nos termos do artigo 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil conhecer desde logo da matéria de exceção.
33. A Requerida fundamenta a invocada exceção de intempestividade do pedido nos seguintes termos:
“5.º - O pedido de pronúncia foi precedido de procedimento externo de inspeção, o qual, na sequência da constatação de irregularidades constantes do respetivo relatório, deu origem ao ato de liquidação efetuada pela Alfândega de …, cuja anulação se pretende (Vol. II do Processo Administrativo)
6.º - A liquidação em causa foi notificada ao sujeito passivo, ora Requerente, por via postal registada, com aviso de receção, em 07.09.2016 (cfr. cópia do aviso de receção, constante do Vol. II do Processo Administrativo)
7.º - Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário “havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”
8.º - Por seu turno, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o n.º 2 do artigo 102.ºdo Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral era de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento da prestação tributária.
9.º - Face à omissão, no Regime da Arbitragem Tributária, de norma que disponha sobre as regras de contagem dos prazos, haverá que recorrer ao direito subsidiário, conforme o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo regime, designadamente nos termos da alínea a) do mesmo preceito, às normas do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicáveis à interposição de impugnação judicial, uma vez que a arbitragem tributária constitui um meio processual de natureza alternativa em relação à impugnação judicial (veja-se nesse sentido o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 210/2011, que aprovou o Regime, bem como o n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a instituir a arbitragem tributária.
10º - Dispõe o artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que à interposição de impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil.
11.º - Deste modo, sendo o prazo para dedução de pedido de constituição do tribunal arbitral um prazo contínuo, que não sofre qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais, no presente caso, o mesmo terminou em 21,12.2016.
12.º - Ora, o pedido de constituição do tribunal arbitral só foi apresentado pela Requerente, por transmissão eletrónica de dados, em 22.12.2016, pelo que o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, pois, a exceção de caducidade do direito de ação.
34. Notificada da resposta apresentada pela Requerida, bem como de despacho proferido pelo Árbitro Presidente do Tribunal Coletivo no sentido de, querendo, pronunciar-se, no prazo de 10 dias, sobre a matéria da exceção nela contida, veio a Requerente sustentar que carece a mesma de manifesta falta de fundamento, devendo ser rejeitada.
35. A posição da Requerente encontra-se fundamentada nos seguintes termos:
“ 8. - É facto assente entre as partes que a presente petição arbitral deu efetivamente entrada no dia 22.12.2016,
9. - O que a Requerente não aceita, com o devido respeito, é que o prazo dos 90 dias, a contar do fim do prazo para pagamento voluntário do imposto liquidado (15 dias), tenha terminado um dia antes, ou seja, 21.12.2016.
10. - Alega a Requerida que a notificação foi realizada no dia 07.09.2017, juntando para tal um aviso de receção, no qual consta tal data — não se sabendo, contudo, quem é que a colocou lá ou até mesmo se não houve engano na sua colocação —,
11. - No entanto, a verdade é que, ao contrário do que a Requerida alega, a mesma não foi rececionada no dia 07.09.2016 mas sim no dia 08.09.2016 — facto esse que se encontra evidenciado pelo Registo dos CTT respeitante a este aviso através do qual a notificação da liquidação aqui em causa foi realizada (Registo RM…PT) e que se encontra junto aos autos com o DOC 1 e que aqui, para que não restem dúvidas, se reproduz:
* Resultados
N.º de Objeto Produto Data Hora Estado
RM…PT Correio Registado Nacional 2016/09/08 08:00 Objeto entregue
12. - Facto esse também evidenciado pelo envio de e-mail que aqui se anexa e se dá por integralmente reproduzido como DOC 1 através do qual o Eng.º B… remete, no dia 08.09.2016, a notificação para o aqui mandatário informando que «recebemos hoje pelo correio a notificação para pagamento da dívida apurado no seguimento do relatório final da ação de inspeção acima identificado” reportando-se ao oficio n.º…, datado de 31.08.2016, o qual constitui, precisamente, a notificação de pagamento aqui em causa.
13. - Termos em que a aludida data do dia 07.09.2016 — que, repita-se, não sabemos sequer se foi colocada por quem assinou o aviso ou, tendo-o sido, não houve um engano na sua colocação — não corresponde à data em que a Requerente efetivamente foi notificada.
14. - A data era que a Requerente foi notificada foi o dia 08.09.2016, pelo que, tendo a petição arbitral sido apresentada no dia 22.09.2016 (ou seja, dentro dos 105 dias, correspondentes aos 15 do prazo de pagamento voluntário e dos 90 do prazo legal para a apresentação da petição arbitral), padece de manifesta falta de fundamento a invocada extemporaneidade e, consequentemente, caducidade do direito de ação.
36. Mais acrescenta a Requerente o seguinte:
15. - Ainda que se entendesse que a notificação tinha sido rececionada no dia constante do aviso, ou seja, no tal dia 07.09.2016 — o que, atento o supra exposto não se concede e apenas aqui se equaciona como mero dever de ofício —, ainda assim, a apresentação da petição arbitral no dia 22.09.2016 teria sempre de ser considerada tempestiva.
16. - Com efeito, embora a Requerida tenha invocado “o n.º 3 do artigo 39.° do CPPT para procurar justificar que a notificação dever-se-ia considerar realizada no dia em que o aviso foi assinado (supostamente no alegado dia 07.09.2016) e dessa forma, considerando que o prazo teria terminado no dia 21.12.2016, defender que tendo a petição arbitral dado entrada no dia 22.12.2016 — um dia depois — seria então extemporânea,
17. - Esqueceu-se, todavia, das regras constantes quer do n.° 3 do artigo 38.° quer do n.° 1 do artigo 39.° do CPPT, que estabelecem que:
«3. As notificações não abrangidas pelo n.° 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos de audição prévia, são efetuadas por carta registada.» - Artigo 38.°, n.° 3, do CPPT (realce nosso)
«1. As notificações efetuadas nos termos do n.° 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.° dia posterior ao do registo ou no 1.° dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil"
18. - Ora, estando em causa urna liquidação correção resultante de uma correção para a qual — como é expressamente afirmado pela Requerida — foi o Contribuinte notificado para exercer audição prévia, não restam dúvidas que a notificação deveria ter sido realizada, apenas e só, por carta registada.
19. - Se a Requerida (isto é, a AT) entendeu realizá-la com maior diligência do que aquela que a lei lhe impõe, tendo procedido ao seu envio através de registo com aviso de receção, não faz precludir a invocação da presunção estatuída no n.° 1 do mencionado artigo 39.°.
20. - Por esclarecedor, veja-se o que a este respeito concluiu o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão proferido a 20 de Janeiro de 2016, no âmbito do recurso n.° 01680/15, nos termos do qual, ainda que respeitante a notificações entre mandatários, foi bastante claro ao afirmar que:
“Na situação em análise, a Administração Tributária decidiu utilizar carta registada, mas com aviso de receção, lançando mão de uma formalidade não prevista na lei para esta situação e que, poderia mesmo assegurar de forma mais eficiente a levada de conhecimento do teor da notificação ao respetivo mandatário, dado que este tipo de missiva obtém um apoio redobrado dos serviços postais. Assim, nenhuma inconveniência ou nulidade poderia decorrer da utilização de maior formalidade no envio da carta, desde que se tivesse ficado apenas pela prática dessa formalidade, sem dela extrair consequências, desfavoráveis ao contribuinte, não previstas na lei” para concluir que "tratando-se de notificação a mandatário, estava o Tribunal impedido de ter em conta a data que constasse do aviso de receção, como impedida estava a Fazenda Pública de invocar tal data a seu favor.".
21. - Aplicando o mesmo raciocínio ao presente caso — dado que a lógica subjacente é a mesma — temos então que concluir que não obstante a Requerida ter procedido ao envio da notificação da liquidação através de carta registada com AR — quando a lei apenas lhe impunha a obrigação de enviar por carta registada — não pode invocar esse facto para afastar a presunção constante do n.° 1 do artigo 39.
22. - Esta constituiu um direito do contribuinte que como tal tem de ser assegurado.
23. - Ora, inexistindo qualquer dúvida quanto ao aproveitamento da "presunção do registo" por parte da Requerente, vejamos, então e em concreto, a tempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral:
• Registo do objeto postal: 05 de Setembro 2016;
• Presunção do registo: 08 de Setembro 2016;
• Prazo para pagamento voluntário: 23 de Setembro de 2016 (sábado)
• 1° dia de prazo: 24 de Setembro de 2016
• 90° dia do prazo: 22 de Dezembro de 2016 (que sendo o 1° dia de férias judiciais, dever-se-ia então transferir para o dia 04 de Janeiro de 2017)
24. Ora, tendo a petição arbitral dado entrada no dia 22 de Dezembro de 2016 (1° dia de férias judiciais), inexiste, assim, qualquer intempestividade da apresentação do presente pedido, devendo, por conseguinte, a exceção improceder, prosseguindo a ação a sua tramitação legal.“
37. Mostram-se, pois, bem demarcadas as posições da Requerida e da Requerente com referência à invocada exceção da caducidade do direito de ação.
38. De acordo com a AT “A liquidação em causa foi notificada ao sujeito passivo (ora Requerente) por via postal registada com aviso de receção em 07-09-2016 (data e assinatura apostas no AR);
“O prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral era de 90 dias, contados a partir do termo do prazo para pagamento da prestação tributária (15 dias), prazo esse que terminou em 21-12-2016 (uma 4.ª-feira);
“Ora, o pedido de constituição do tribunal arbitral só foi apresentado em 22-12-2016, pelo que verificou-se a caducidade do direito de ação.
39. Segundo a Requerente (em suma), o pedido é tempestivo, contando-se o prazo de 90 dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário do imposto liquidado:
(i) quer da data em que efetivamente (segundo o “Registo dos CTT”) foi feita a entrega da carta ao destinatário (08-09-2016);
(ii) quer se considere aquele prazo contínuo de 90 dias contado após o termo do prazo de pagamento voluntário, a partir do 3.º dia posterior à data do registo (05-09-2016, ponto 23 da resposta da Requerente à exceção), na medida em que a notificação com AR (regra-geral do artigo 39.º, 1, do CPPT), não faz precludir a invocação da presunção estabelecida no n.º 3 do mesmo preceito legal. Neste particular, lembra a doutrina expressa no acórdão do STA n.º 01680/15, sobre as notificações a mandatário, para afirmar que a AT não pode invocar o facto da data e assinatura constante do AR para afastar a presunção constante do n.º 3 do artigo 39.º do CPPT.
40. Evidenciadas, no essencial, as posições das Partes sobre a extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral, destaca-se, desde logo, a questão de saber-se se a AT, nos casos (como o dos autos) previstos no artigo 38.º, n.º 3, do CPPT, pode ou deve notificar por mero registo postal.
41. Importa, previamente à apreciação desta questão, saber se o ato notificado é susceptível de alterar a situação tributária da Requerente. Estamos certos que assim é, sendo pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores que os atos de liquidação de tributos como aqueles que aqui estão impugnados, são suscetíveis de alterar a situação tributária do contribuinte (neste sentido, entre outros: STA, procs. 0423/05, 0412/06, 01145/12: TCAS, procs. 0479/09, 02625/08).
42. Ora, segundo o n.º 1 do artigo 38.º, as notificações relativas “a atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes” devem obrigatoriamente ser efetuadas através de carta registada com aviso de receção.
43. Porém, o ato de liquidação notificado sub judice, encontra igualmente enquadramento no preceituado no n.º 3 do mesmo artigo que dispõe que “As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada.”.
44. Pode então perguntar-se: a nova redação deste preceito introduzida pela Lei n.º 55-B/2004 de 30/12 implica que a “exceção” agora prevista no n.º 3 do artigo 38º do CPPT prevalece sobre a “regra geral” do n.º 1, ou, pelo contrário, dever-se-á entender que a AT mantém (sempre) a possibilidade, querendo, de notificar o contribuinte de acordo com aquela “regra geral”, mais segura e mais certa ?
45. Importa previamente apurar qual o objectivo das notificações e do regime subjacente às presunções previstas no artigo 39.º do CPPT.
46. Entendemos aqui dever seguir de perto a doutrina explanada no acórdão da 2.ª Secção do STA de 29-05-2013, proferido no processo 0472/13, que transcrevemos, com sublinhados nossos:
«A notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam. Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (cf. o acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc. 607/01.).
Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (acórdão de 11/2/2009, proc. nº 916/2007).
E também como ficou consignado, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02, de 14 de Março de 2002 (jurisprudência reiterada, entre outros, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, proc. nº 279/12.), “(…) a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efectivo recebimento da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinando momento, no receptáculo postal.”
São, por conseguinte, duas as exigências a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional subordina a adequação constitucional dos mecanismos de notificação:
(i) que o sistema ofereça garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário; (ii) que as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer.
(…)».
47. Na situação aqui em causa, temos por certo que a notificação efetuada por via postal teve por objetivo levar ao conhecimento pessoal da Requerente o ato de liquidação, produzindo efeitos em relação a ela quando esta comunicação chegou validamente ao seu destinatário.
48. Impõe-se agora determinar qual o momento a partir do qual tais efeitos se produzem: (i) de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, a contar da data aposta no aviso de receção ou da data constante do registo informático dos CTT; ou (ii) antes, independentemente dessa data, através da presunção prevista no n.º 1 do artigo 39.º, conjugado com n.º 3 do artigo 38.º do CPPT ?
49. Quanto à primeira questão, considera-se que o que releva é a data da assinatura do aviso de receção (e não a do registo da entrega constante do site dos CTT, na “Ferramenta” que permite “localizar e acompanhar entregas”), conforme dispõe expressamente o n.º 3 do artigo 39.º do CPPT: “3 - Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”.
50. De resto, a questão já foi abordada pelos tribunais superiores, designadamente pelo TCAN em acórdão de 12-11-2015, proc. 00011/10.8BEMDL - onde a similitude de situações é evidente -, aí se tendo concluído pela irrelevância probatória do registo informático por si só.
51. Como se escreveu no acórdão do STA n.º 0105/13, de 26-11-2014, “À AT cabe o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais aplicáveis.”. Com efeito, sendo, no caso, a extemporaneidade da acção uma exceção dilatória, o ónus da demonstração dos seus pressupostos assiste ao demandado, sendo que o artigo 344.º/1 do Código Civil dispõe que “As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal”.
52. Está-se, no caso, perante uma presunção legal, a de que o aviso de receção foi recebido na data em que foi assinado, por força do referido artigo 39.º/3 do CPPT, pelo que competirá à Requerente ilidir a presunção, devendo o non liquet ser resolvido contra si.
53. No caso, considera-se que a Requerente não logrou fazer a prova que lhe competia, limitando-se nos pontos 10. e 13. da sua resposta à matéria de exceção, à mera afirmação de dúvida sobre quem é que colocou a data no aviso, ou se não teria havido engano na sua colocação, remetendo este Tribunal para a data constante da “Ferramenta” dos CTT que permite localizar e acompanhar entregas de encomendas e registos postais, onde se lê como hora de entrega as 08H00 do dia 2016/09/08, o que em nosso entender não é crível. (Aliás, alguém se recorda de ter recebido correio registado antes das 8.00H da manhã, que é a hora lançada no registo informático?), ficando, assim, pelo menos a dúvida sobre se a hora é a da entrega ou, antes, e como será mais provável, a hora do registo da entrega no sistema informático dos CTT.
54. O mesmo se diga relativamente às outras “dúvidas” suscitadas pela Requerente, sobre não saber quem é que colocou a data no A/R, se não houve engano na sua colocação, ou se a data foi colocada por quem assinou o aviso, bem como à circunstância de haver um email de um funcionário da Requerida para o mandatário desta, a informar que a carta foi recebida em data distinta da aposta no A/R.
55. Efetivamente, face à presunção de que beneficia a Requerida, à Requerente não bastará suscitar dúvidas, mas antes demonstrar, para lá de qualquer dúvida razoável, que a data que consta do A/R, e onde assenta a referida presunção, é errada, o que, de resto, é plenamente justificado à luz de um critério de normalidade, já que a carta foi enviada para as instalações da Requerente, e foi por ela efetivamente rececionada, e o A/R contém uma assinatura perfeitamente legível e o n.º, também legível, de um documento de identificação, pelo que a Requerente, repete-se, à luz de um critério de normalidade, teria todas as condições para reconstituir todo o percurso da carta desde que chegou às suas instalações, identificar a pessoa que, dentro daquelas, a rececionou e assinou o A/R, e, a partir daí demonstrar a falsidade ou erro da data aposta naquele, para lá de qualquer dúvida razoável.
56. Não tendo isso ocorrido, respondendo-se à primeira das questões formuladas, haverá que considerar que a data constante do A/R é a relevante, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT.
57. Quanto à segunda das supra-referidas questões, não tendo a Requerente logrado ilidir a presunção legal constante do n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, importa agora apurar se a AT estava de alguma forma impedida de efetuar a notificação em causa nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do mesmo diploma ou, em qualquer caso, se mesmo enviada com aviso de receção, a notificação só produziria efeitos nos termos do n.º 1 do artigo 39.º do mesmo diploma. Adiantamos desde já falecer razão à Requerente.
58. A este respeito, desde já salientamos que a doutrina do acórdão do STA n.º 01680/15 invocado pela Requerente - respeitando a notificação a mandatário judicial no âmbito de um processo judicial (execução fiscal), onde o regime das notificações judiciais assume natureza especial e particular - não tem a relevância que esta avança no caso em apreciação, uma vez que a notificação da liquidação aqui em causa respeita a um processo de natureza ainda administrativa e, portanto, absolutamente fora do circunstancialismo de facto subjacente ao referido acórdão.
59. Salienta-se também o disposto no n.º 5 do artigo 38.º do CPPT, que dispõe que: “As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário”, sendo que será razoável entender que tal necessidade pode decorrer de uma maior celeridade, consonante com “o dever da Administração Tributária de prosseguir o interesse público de arrecadar a receita fiscal que for devida, no mais curto espaço de tempo” (cfr. Ac. do STA n.º 01340/15, de 31-03-2016), e, concomitantemente, conforme com o interesse do contribuinte, de ter o mais rapidamente possível conhecimento da liquidação que lhe tenha sido feita, o que, para além do mais, possibilitará uma diminuição dos dias a contar para efeitos de juros, que possam vir a ser devidos.
60. Como decorre do acórdão parcialmente transcrito acima no ponto 43., o sistema de presunções legais respeitante às notificações postais visam sobretudo assegurar que «o acto de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário» e que «as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer».
61. Com efeito, como uniformemente tem sido decidido pelos tribunais superiores, nesta matéria de notificações por via postal, o que é relevante para efeito de garantias de defesa do contribuinte é o conhecimento do ato e não a forma por que ele é notificado, salvo se da notificação menos solene resultar a diminuição dessas garantias.
62. Ou seja, as disposições consagradas no artigo 39.º do CPPT apenas visam estabelecer os termos em que legalmente se presume que as notificações por via postal chegam ao conhecimento do destinatário, e as condições em que tais presunções podem ser ilididas, mas apenas no caso de isso não ter acontecido, isto é, de tais notificações não terem eventualmente chegado ao conhecimento do seu destinatário.
63. Portanto, tivesse a Requerente sido notificada por carta registada sem aviso de receção, esta poderia ilidir a presunção de recebimento dessa notificação provando que a mesma nunca teria chegado ao seu conhecimento ou que só chegaria depois do 3.º dia útil posterior à data do registo, por força do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do CPPT.
64. Porém, no caso sub judice, a notificação postal foi efetuada com aviso de receção, pelo que não há que recorrer a outra presunção legal que não seja aquela estipulada no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT: 3 - Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”.
65. Com efeito, tendo a Requerente sido notificada por correio registado com aviso de receção, nenhum sentido faz pretender que lhe é na mesma aplicável a presunção do n.º 1 do citado artigo 39.º do CPPT. Neste sentido, veja-se o acórdão do TCAN de 28-01-2016 proferido no processo 01171/11.6BEPRT.
66. De resto, não se vislumbra no texto do artigo 38.º do CPPT qualquer fundamento que de algum modo impeça a AT de notificar os contribuintes por meios postais que mais garantias dão de que as notificações por via postal chegam ao conhecimento do destinatário – registo com aviso de receção - mesmo que o legislador preveja formas menos exigentes – registo sem aviso de receção. Como atrás se deixou expresso, o que releva para efeito de garantias de defesa do contribuinte é o conhecimento do ato e não a forma por que ele é notificado. Os meios de defesa e respetivos prazos legalmente conferidos à Requerente em nada foram afetados ou reduzidos por ter sido utilizada a notificação por carta registada com aviso de receção. O que a Requerente não pode é “alargar” esses prazos através de uma presunção aplicável a outro “modelo de notificação” que não aquele que levou o ato ao seu conhecimento pessoal.
67. Por outro lado, o artigo 40.º/3 do CPPT, aplicado acórdão do STA n.º 01680/15 invocado pela Requerente, diz respeito a notificação a mandatário, o que não é o caso, admitindo-se que as especificidades próprias daquela profissão estejam subjacentes ao ali decidido, reconhecendo-se expressamente ali que “Estamos face a uma notificação a mandatário constituído regida pelas normas de processo tributário que mais não são que a cópia das suas congéneres de Processo Civil”, onde não está prevista, em qualquer situação, a notificação de mandatário por via postal registada com A/R, e que “as regras de interpretação da lei, e a (...) necessária unidade do sistema jurídico que impõe que o processo tributário só se afaste das regras processuais civis aqui aplicáveis subsidiariamente e da interpretação unânime que lhes vêm sendo dada ao longo dos anos pela doutrina e jurisprudência, quando a lei tributária, ou as particularidades da relação material jurídico tributária em questão, o impuser”, considerações que apenas serão aplicáveis ao processo judicial tributário, e já não ao procedimento, onde orbita o presente caso, salientando o aresto em causa que “as regras de notificações aos contribuintes (...) no Código de Processo e Procedimento Tributário, se mostram destacadas das regras aplicáveis às notificações aos mandatários constituídos no processo ou procedimento tributário.”.
68. Acrescente-se, ainda o seguinte, no sentido da relevância da distinção do regime das notificações conforme esteja em causa o procedimento ou o processo tributário, e esteja ou não em causa a notificação a mandatário. Sendo a caducidade do direito à liquidação – situação própria do procedimento tributário – a aplicação da doutrina do Acórdão citado pela Requerente ao procedimento, levaria a que ficasse precludida a possibilidade de a AT, nos termos do artigo 38.º/5, proceder a notificações pessoais para evitar a caducidade do direito à liquidação, nos casos em que a lei se bastasse/prescrevesse a notificação por simples carta registada, sendo que, nos casos das notificações a mandatários, o próprio n.º 3 do artigo 40.º prevê expressamente a possibilidade de notificação por contacto pessoal, concomitantemente com a de notificação por simples carta registada.
69. Mais próximo ao caso sub iudice é, assim, o decidido no acórdão do STA n.º 01145/12, de 14-02-2013, onde se pode ler que “Embora o artº 67º nº 3 do CPT estabelecesse que as notificações aos mandatários “serão feitas por carta ou aviso registados, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos” o mesmo não proibia que os mesmos pudessem ser notificados por carta com A/R.”, já que, embora aplicando normas do CPT, estas são análogas, no que ao caso importa, às do CPPT, para além de estar ali, como aqui, em causa uma notificação no âmbito do procedimento tributário (e não do processo tributário, como acontece no acórdão n.º 01680/15).
70. Também no acórdão do STA n.º 01137/12, de 14-02-2013, se pode ler que: “Argumentar-se-á que a Administração Fiscal incorreu em excesso de formalismo ao enviar ao Recorrente uma carta registada com aviso de recepção, quando, como ficou dito, segundo a lei aplicável, bastaria o registo simples. No entanto tal excesso de formalismo não acarreta (...) invalidade”.
71. Em face do que vem de escrever-se e provado que está para este Tribunal que a notificação foi recebida no dia 07-09-2016, conforme data aposta no aviso de receção, o termo do prazo para pagamento voluntário ocorreu no dia 22-09-2016, pelo que o presente pedido de pronúncia arbitral entrado no CAAD em 22-12-2016 foi apresentado depois de decorrido o prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Arbitragem Tributária.
72. Assim, julgamos procedente a exceção de caducidade do direto de ação deduzida pela Requerida e, sem necessidade de apreciar o mérito do pedido, absolvemos a Requerida do pedido.
V. Decisão.
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar o pedido de pronúncia arbitral extemporâneo, absolvendo a Requerida do pedido:
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 72 853,93, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2 448,00, a cargo da Requerente.
Notifique-se, incluindo o magistrado titular do processo de inquérito n.º …/…AFLSB, que corre seus termos no DIAP – Secção de Vila Franca de Xira.
Lisboa, 18 de dezembro de 2017,
Os árbitros, Dr. José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Professora Doutora Glória Teixeira e Dr. Álvaro Caneira (relator).