DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1. A…, S.A., contribuinte n.º …, com sede na Avenida …, n.º…, …, em Lisboa (adiante designada “Requerente”), apresentou em 07/07/2017, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos actos de fixação do valor patrimonial tributário de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) dos prédios n.º…, n.º … e n.º…, no valor de € 3.988,51 (três mil, novecentos e oitenta e oito euros e cinquenta e um cêntimo).
1.2. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 01/08/2017, como árbitro singular o signatário desta decisão.
1.3. No dia 18/09/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4. Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 18/09/2017, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5. Em 17/10/2017 a AT apresentou a resposta.
1.6. Tratando-se de uma questão exclusivamente de direito, o tribunal arbitral em 19/10/2017 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.
1.7. Nem a Requerente nem a AT apresentaram alegações escritas facultativas.
2. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. POSIÇÕES DAS PARTES
Como fundamento do pedido, a Requerente alega, em síntese, que:
a) Conforme resulta das notificações das avaliações efectuadas, os prédios em causa foram avaliados considerando o enquadramento dos mesmos na classificação de “Outros”;
b) Com efeito, ambas as comissões cumpriram acriticamente e sem leitura do artigo 6.º do Código do IMI, o critério que consta do “Manual de Avaliação de Prédios Urbanos, da Direcção de Serviços de Avaliação datado de Maio de 2011”;
c) Ou seja, a classificação destes prédios urbanos como “Outros” radica no referido “Manual”, mas o mesmo não contém um único fundamento para – nos termos do artigo 6.º do Código do IMI – se afastar da classificação deste prédio como “Comercial”;
d) Ainda que os prédios em causa fossem susceptíveis de ser classificados como “Outros”, o método de avaliação preferencial continuaria a ser a fórmula prevista no artigo 38.º do Código do IMI;
e) Ora, as comissões de avaliação classificaram os prédios como “Outros”, atribuindo-
-lhes valores patrimoniais calculados com base no valor de mercado do terreno adicionado pelos custos de construção;
f) Desde logo, relativamente à avaliação do prédio urbano n.º…, as comissões de avaliação, autonomizaram um custo de construção para as seguintes realidades:
i. Área de abastecimento;
ii. Loja de conveniência / quiosque;
iii. Escavação / construção tanques armazenamento;
iv. Pavimento betuminoso.
g) Ainda assim, não foi identificado qualquer critério capaz de, minimamente, fundamentar tais alegados custos de construção;
h) Parece, pois, óbvio que as estações de serviço constituem um local que tem como destino normal a prática de actos de comércio (venda de combustíveis, bebidas e alimentos);
i) É inequívoco que o destino dado aos edifícios é para a instalação de um posto de abastecimento que é um local onde se praticam actos de mercantis de venda de combustível. Nos mesmos termos em que se compra e vende bebidas e alimentos;
j) Por sua vez, o “Manual” não se sobrepõe ao Código do IMI;
k) Prosseguindo, os prédios “Comerciais” ou para “Serviços” avaliam-se nos termos do artigo 38.º do Código do IMI;
l) Mesmo tratando-se de prédios “Outros” há que utilizar o critério do artigo 38.º do Código do IMI, com as modificações que se relevarem necessárias. E, apenas quando tal não seja possível, deverá recorrer-se ao método do custo;
m) Ora, as comissões de avaliação consideraram que a construção destes edifícios implicou custos, donde:
i. A estação de serviço configura um prédio “Outros”;
ii. É avaliada pelo método do custo adicionado pelo valor de mercado do terreno;
iii. Todos os custos – não importa se referentes a bens de equipamento – incorridos na construção integram o valor patrimonial tributário;
iv. Resultando na sujeição desses equipamentos a IMI.
n) Com efeito, a “cobertura metálica” não é um prédio para efeitos de IMI, na medida em que não consubstancia um edifício ou construção nem desempenha uma utilidade semelhante;
o) Pelo que a forma encontrada pela comissão de avaliação para sujeitar estes equipamentos a IMI radica na perversão da estrutura jurídico-tributária do Código do IMI, classificando o prédio como “Outros”, em obediência ao “Manual” e aplicando o método do custo a todos os bens, sejam ou não prédios na acepção do IMI;
p) Conclui, com referência a jurisprudência arbitral e, bem assim, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul que decidiram favoravelmente à Requerente em diversos processos idênticos.
Doutro modo, a AT pronuncia-se pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção dos actos de fixação do valor patrimonial tributário, com fundamento no facto de:
a) O destino primordial de um posto de abastecimento ou de uma estação de serviço é proceder ao abastecimento dos veículos com o combustível, utilizando-se os equipamentos adequados para o efeito;
b) Das outras actividades que aí se desenvolvem, nalguns casos, destaca-se a loja de conveniência, e o centro de lavagem de veículos, afirmando-se que não é a actividade principal da Requerente, nem é o destino principal dos prédios. Trata-se de uma actividade acessória, de apoio aos clientes que se abastecem de combustível sendo, pois, a actividade principal, o fornecimento de combustível aos seus clientes;
c) De acordo com as fotografias que constam do termo da avaliação e do senso comum que cada um de nós tem desta realidade, conclui a AT estarmos perante um posto de abastecimento de combustível, ao qual a Requerente anexou, no espaço do logradouro, sobrante, uma loja de conveniência, entre outras valências ligadas ao abastecimento de combustível como o ar/gás e a lavagem de viaturas, mas que não desvirtua a definição legal de posto de abastecimento de combustível;
d) Ora a lei descreve exaustivamente o que são os prédios urbanos “Outros”. Podendo até afirmar-se que é categoria residual de todas as realidades que são consideradas prédios pelo artigo 2.º do Código do IMI, e que não têm cabimento nas espécies de prédios urbanos elencadas nas alíneas precedentes do artigo 6.º do Código do IMI;
e) Assim, sem qualquer esforço interpretativo para além do literal, e tendo em conta o texto legal destacado, dir-se-á que um posto de abastecimento de combustível comporta edifícios e construções licenciados para esse fim, que é a exploração de postos de abastecimento, e que não são fins habitacionais, comerciais, industriais ou serviços, isto na óptica do destino do prédio;
f) Não há dúvidas de que a Requerente pratica actos de comércio enquanto vende a retalho combustível, e que nos casos concretos, os alvarás referem tão-somente posto de abastecimento de combustível; mas não é isso que determina que os prédios - posto de abastecimento de combustível - tenha como fim o comércio;
g) Tendo a Requerente cumprido todas as regras para desenvolver a sua actividade (v.g. regras gerais de implantação e construção, regras sobre equipamentos para gasolina e gasóleo, regras sobre zonas de segurança e zonas de protecção, bem como regras de exploração de postos de abastecimento), licenciamento para construir e explorar postos de combustível, não se pode afirmar que o prédio tem um fim comercial ou de serviços, tal como pretende a Requerente;
h) No que respeita ao “Manual de Avaliação de Prédios Urbano”, trata-se de um documento interno que transmite as guidelines, para que todos os peritos avaliadores possam avaliar seguindo as mesmas regras. Trata-se portanto, efectivamente, de um documento interno, orientador da actividade dos peritos, tendo em vista a uniformização de procedimentos;
i) Não se trata, pois, de um documento com definições e orientações afastadas da lei, nem tão pouco, um documento a coberto do sigilo fiscal;
j) Pois bem, referem os termos de avaliação que se optou por aplicar o método do custo adicionado do valor do terreno, previsto no n.º 2 do artigo 36.º do Código do IMI, em detrimento do método avaliativo previsto no artigo 38.º do Código do IMI, pelo facto de ser um prédio “Outro”, cujas características intrínsecas impedem a utilização da fórmula que consta do artigo 38.º do Código do IMI;
k) A descrição dos prédios da Requerente subsume-se a um terreno, onde se encontram as unidades de abastecimento, as áreas de acesso, as zonas de protecção, e, nalguns casos, a loja de conveniência, os espaços de lavagem-auto e de abastecimento de ar/água, com os respectivos acessos;
l) É difícil de admitir que a este prédio se possa aplicar um coeficiente de qualidade e conforto, e um coeficiente de vetustez;
m) E por isso as comissões de avaliação optaram, e bem, por seguir o método do custo adicionado do valor do terreno, conforme o permite o artigo 46.º, n.º 2 e n.º 3 do Código do IMI;
n) Mas um prédio onde se pratiquem actos de comércio, não fica, automaticamente, perante a lei fiscal, como sendo um prédio urbano com destino a comércio;
o) Em conclusão, na aplicação do método do custo, o preço do terreno é obtido por comparação, ou seja pela utilização do método comparativo. Foi isso na verdade o que se verificou – a comissão de avaliação atribuiu um preço ao terreno tendo por base preços de terrenos com semelhante aptidão construtiva bem como semelhante localização, cuja fundamentação, segundo a AT, é suficiente e está correcta;
p) Mais, da experiência de actos avaliativos produzidos após a aprovação do Decreto-
-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou um sistema de avaliação de prédios em total ruptura com o passado, verificou-se que a fórmula geral de avaliação prevista no artigo 38.º do Código do IMI foi concebida para fazer face à determinação do valor patrimonial tributário da generalidade dos prédios urbanos;
q) Com efeito, através da Portaria n.º 11/2017, de 9 de Janeiro, optou-se por, mantendo o carácter objectivo das regras de avaliação, aplicar-lhes o método avaliativo previsto no artigo 46.º, n.º 2 do Código do IMI;
r) Já com o Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento do Estado para 2016), o artigo 38.º do Código do IMI sofreu alterações, concretamente o n.º 4, com a nova redacção a permitir alargar a aplicação do “método do custo adicionado do valor do terreno”, previsto no artigo 46.º, n.º 2 do Código do IMI, a alguns tipos de prédios da espécie comercial, industrial ou para serviços, para os quais a aplicação da fórmula avaliativa do referido n.º 1 do artigo 38.º se havia demonstrado desajustada;
s) A referida Portaria veio, pois, definir a tipologia de prédios urbanos aos quais é aplicável o método previsto no artigo 46.º, n.º 2 do Código do IMI, verificando-se que os postos de abastecimento de combustíveis passam a ser avaliados de acordo o “método do custo adicionado do valor do terreno”;
t) Com efeito, Portaria n.º 11/2017, de 9 de Janeiro só entrou em vigor no dia a seguir ao da sua publicação, relativamente às declarações Modelo 1 entregues a partir de 10 de Janeiro de 2017 e que, por consequência, implicam um acto avaliativo;
u) Mas tal não impede que, decorrido o prazo legal para se proceder a nova avaliação estas não sejam promovidas com vista a aplicar o “método do custo adicionado do valor do terreno” aos postos de abastecimento de combustível, até pela simples razão de harmonizar as antigas avaliações com as novas, para que prédios iguais não sejam tributados com base em valores patrimoniais tributários obtidos com métodos diferentes.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:
4.1.1. Por referência ao prédio inscrito sob o artigo n.º…, da União das freguesias de … e …, na primeira avaliação, estabeleceu-se o valor patrimonial tributário de € 370.990,00, sendo o prédio classificado como urbano “Outros”, na medida em que, como consta da respectiva ficha de avaliação, no que respeita à descrição da avaliação “trata-se de um posto de abastecimento de combustíveis, que tem associado uma loja de conveniência e um edifício para lavagem de viaturas”;
4.1.2. Discordando das regras seguidas pela AT, a Requerente solicitou a realização da segunda avaliação;
4.1.3. A AT veio confirmar os pressupostos da primeira avaliação, sendo os valores indicados os adequados à construção, pelo que se manteve o valor.
4.1.4. O alvará emitido pela Direcção Regional de Economia do Norte, em Fevereiro de 2011, refere a emissão de licença “(…) para instalação de armazenagem de combustíveis constituída por posto de abastecimento para venda ao público, (…) com a capacidade total de 215.000 litros (…)”;
4.1.5. Já no que respeita aos prédios inscritos sob os artigos n.º … e n.º…, da freguesia de …, concelho de …, nas primeiras avaliações, quando se estabeleceu o valor patrimonial tributário dos prédios em € 333.160,00 e € 436.010,00, respectivamente, foram os prédios classificados como urbanos - “Outros” -, tendo-se procedido e justificado o acto avaliativo ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 2 do Código do IMI;
4.1.6. Não tendo concordado com os valores, nem com a classificação do prédio, a Requerente solicitou segundas avaliações, nos termos do artigo 76.º, n.º 2 do Código do IMI, e pugnou pela sua reclassificação como prédios urbanos destinados a comércio;
4.1.7. Desta segunda avaliação resultou a manutenção do valor patrimonial tributário dos referidos prédios, constando dos termos de avaliação que se trata de um posto de abastecimento com edifício de apoio à venda de combustível, com restantes serviços de carácter acessório e pouco representativo.
4.1.8. O respectivo alvará de utilização n.º …/2013 emitido pela Câmara Municipal de…, refere como utilização do prédio “posto de abastecimento de combustíveis duplo com espaço de apoio com loja de conveniência”.
4.1.9. A Requerente apresentou, em 07/07/2017, o pedido de pronúncia arbitral em apreço.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
5. O DIREITO
O pedido de pronúncia arbitral em apreço assenta na discordância da Requerente perante a classificação do prédio em apreciação na espécie “Outros”, na aplicação do método do custo adicionado do terreno na determinação do respetivo valor patrimonial tributário e na consideração da cobertura metálica.
Nesta medida, a primeira questão em apreciação nos presentes autos prende-se com a classificação atribuída ao prédio cuja avaliação se contesta, entendendo a Requerente que o mesmo deve ser qualificado como um prédio comercial ou para serviços, recusando em consequência a qualificação que serviu de base à avaliação contestada, como prédio urbano integrado na espécie “Outros”.
Conforme se dispõe no artigo 6.º, n.º 1 do Código do IMI, no que se refere à classificação dos prédios urbanos, que passamos a transcrever:
“Espécies de prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”.
As classificações do artigo 6.º do Código do IMI são efectuadas pelo legislador em função do destino económico que seja atribuído aos prédios. [1]
No que ao presente caso respeita importa determinar se um posto de abastecimento de combustível com edifício de apoio (loja de conveniência e quiosque) deve ser qualificado para efeitos do artigo 6.º do Código do IMI como um prédio para “Comércio” ou para “Serviços” ou na categoria “Outros”.
Com efeito, do referido artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI resulta uma segmentação dos prédios urbanos mas não se oferece uma definição do conceito de cada um dos tipos de prédios aí previstos.
Relativamente à primeira das categorias identificadas, o Código do IMI determina que são habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços “os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins” (cfr. artigo 6.º, n.º 2, do Código do IMI).
Resulta imediato que o Código do IMI, para efeitos da qualificação dos prédios como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços remete para a utilização atribuída pelo licenciamento e, na falta de licença, para o critério da afectação normal.
A classificação dos prédios urbanos depende, em regra, “(…) de um requisito de natureza formal que é o seu licenciamento (…)”. [2]
Com efeito, “Apenas no caso de inexistir licença de utilização emitida com referência a dado prédio, é que é possível, ou seja, é que deve ser, com vista ao seu enquadramento num dos vários tipos de prédios urbanos, aferida a afetação efetiva do mesmo”. [3]
Acrescentando, ainda, os autores que “(…) qualquer prédio urbano que esteja devidamente licenciado para o exercício de comércio, mesmo que esteja, na realidade, afeto, por exemplo, à habitação, deverá ser enquadrado – e avaliado – pelas regras atinentes aos prédios do tipo “Comerciais”. [4]
Este entendimento parece ser também pacífico na jurisprudência, conforme Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo n.º 08035/14, em 4 de Junho de 2006, de acordo com o qual “(…) é por referência à finalidade do edifício ou construção resultante do seu licenciamento ou do destino normal, caso esse licenciamento não exista, que se devem classificar os prédios urbanos como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços.”. [5]
Em suma, releva em primeiro lugar o conteúdo da respetiva licença de utilização. Já nos casos de falta de licença releva o destino normal.
Integram, por sua vez, a categoria “Outros”, “(…) os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.” (cfr. artigo 6.º, n.º 4, do Código do IMI).
Trata-se, pois, de uma categoria residual onde se integram os prédios que não possam ser classificados como urbanos de uma das categorias remanescentes, a saber, habitacionais, comerciais, industriais, para serviços ou terrenos para construção.
Neste sentido, veja-se, ainda o já citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo n.º 08035/14 de acordo com o qual “(...) no que diz respeito à classificação do prédio urbano como pertencente à espécie “outros” o legislador adoptou um critério de finalidade “residual” por referência aos fins enunciados no n.º 2. Com efeito, o critério da finalidade “residual” da espécie “outras” resulta claramente do disposto no n.º 4 do art. 6.º do CIMI ao excluir-se desta espécie todos os edifícios e construções que tenham como destino normal os fins referidos no n.º 2 (“os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2”). Deste modo, há que concluir, com relevo para a decisão dos autos, que apenas se poderá classificar um prédio urbano na espécie “outras” prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 6.º do CIMI quando o edifício ou construção não seja de classificar na espécie comerciais, industriais ou para serviços. Dito de outro modo, sempre que um prédio urbano possa ser classificado na espécie de prédios urbanos “comerciais, industriais ou para serviços”, de acordo com os critérios fixados no n.º 2 do art. 6.º do CIMI, então, fica excluída a possibilidade de ser classificado na espécie “outros” (…)”.
Para o que para a presente análise importa devem, assim, ser considerados prédios urbanos do tipo “Outros” os edifícios e construções licenciados para fins diferentes dos habitacionais, comerciais ou de serviços e os edifícios e construções não licenciados mas afectos a fins diferentes dos habitacionais, comerciais ou de serviços.
Antes de avançar, importa referir que estando em causa postos de abastecimento de combustíveis a regra será a existência de licença de utilização pelo que os prédios deverão ser classificados em função do que resultar dessa mesma licença.
Ora, no caso em apreço, e de acordo com a respetiva licença de utilização, o prédio encontra-se licenciado para “Comércio” e “Outros”, respeitando esta último tipo de utilização ao posto de estabelecimento de combustíveis.
Sendo de atender em primeiro lugar ao que resulta da licença, resulta claro no que respeita ao posto de abastecimento de combustíveis, que o mesmo foi enquadrado em “Outros”.
E a classificação para efeitos de IMI é determinada pelo artigo 6.º do Código do IMI, de acordo com o qual são prédios urbanos da espécie “Outros” os edifícios e construções licenciados para fins diferentes dos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, como é o caso no que, em concreto, respeita ao posto de abastecimento, já que da respectiva licença de utilização em apreciação não resulta o licenciamento para qualquer destes fins (não obstante serem na licença identificados como tipos de utilização possíveis).
Recorde-se que é classificar um prédio urbano na espécie “Outros” quando o edifício ou construção não seja de classificar na espécie comerciais, industriais ou para serviços.
E, para ser classificado como prédio urbano comercial, industrial ou para serviços tem que ser licenciado para um destes fins ou, na ausência de licença, ter como destino normal cada um destes fins.
No caso vertente, não há que procurar o destino normal porque se trata de prédios licenciados, cujo alvará emitido pela Direcção Regional de Economia do Norte, em Fevereiro de 2011, refere tratar-se de um “(…) posto de abastecimento para venda ao público (…)” e alvará de utilização n.º…/2013 emitido pela Câmara Municipal de …, refere tratar-se de um “(…) posto de abastecimento de combustíveis duplo com espaço de apoio com loja de conveniência (…)”.
Com efeito, parece resultar claro que um posto de abastecimento tem como principal propósito a compra e venda de combustíveis a retalho, consubstanciando, assim, um estabelecimento comercial, pelo que deverão os prédios ser classificados para efeitos de IMI como sendo “Comerciais” (cfr. Artigo 6.º, n.º 1, alínea b) do Código do IMI).
Em conclusão ambos os prédios (prédio inscrito sob o artigo n.º…, da União das freguesias de … e … e os prédios inscritos sob os artigos n.º … e n.º …, da freguesia de …, concelho de …) deverão ser classificados como comerciais.
As avaliações ora sindicadas são ilegais, por considerarem os prédios como integrando a classificação de “Outros”, procedendo o presente pedido arbitral com a consequente anulação dos acto cuja legalidade se contesta.
Fica, assim, prejudicada a apreciação dos demais vícios.
6. DECISÃO
Com os fundamentos expostos, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação dos actos de fixação do valor patrimonial contestados, emitidos com referência ao prédio inscrito sob o artigo n.º…, da União das freguesias de … e … e aos prédios inscritos sob os artigos n.º … e n.º…, da freguesia de …, concelho de … .
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 3.988,51 (três mil, novecentos e oitenta e oito euros e cinquenta e um cêntimo), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a suportar pela AT, no montante de € 612 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 17 de Novembro de 2017
O árbitro,
(Hélder Filipe Faustino)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Neste sentido J. Silvério Mateus, L. Corvelo Freitas, “Os Impostos Sobre o Património Imobiliário”, Engifisco, 2005, pág. 113.
[2] Cfr. J. Silvério Mateus, L. Corvelo Freitas, “Os Impostos Sobre o Património Imobiliário”, Engifisco, 2005, pág. 116.
[3] Cfr. António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, “Tributação do Património IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados)”, Almedina, 2015, pág. 43.
[4] Cfr. Op. cit., pág. 43.