Decisão Arbitral
I. Relatório
1. No dia 05-06-2017, os contribuintes A… e B…, NIFs … e …, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a anulação das liquidações de IRS nº 2016…, de 2 de Agosto, 2016…, de 10 de Agosto de 2016 e 2016…, de 5 de Setembro de 2016, todas relativas ao exercício de 2015.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.
3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral dos Requerentes são, em súmula, as seguintes:
4.1. No exercício de 2015, os Requerentes optaram pela tributação conjunta dos seus rendimentos na respectiva declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2015, tendo auferido um total de rendimentos prediais brutos de € 79.031,64.
4.2. Suportaram o valor total de € 4.913,91, a título de despesas com conservação e manutenção incorridas após o início dos contratos de arrendamento, e o valor de € 21.893,83, a título de despesas com conservação e manutenção incorridas antes do início dos arrendamentos.
4.3. Relativamente aos locados, suportaram ainda (i) despesas com os respectivos condomínios no valor de € 14.977,74; (ii) o Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) no valor de € 3.072,27; (iii) o Imposto de Selo (“IS”) no valor de € 55,00; e (iv) taxas autárquicas no valor de € 281,63.
4.4. Desta forma, o agregado familiar suportou em 2015 gastos que ascendem a € 45.194,38 para a obtenção do rendimento predial, pelo que, no total, o agregado familiar auferiu rendimento predial líquido no valor de € 33.837,26.
4.5. Fazendo a relação entre a propriedade dos imóveis arrendados e os rendimentos gerados / despesas incorridas, constatar-se-á que:
i. o sujeito passivo A auferiu um rendimento bruto de 59.380,40 €, suportando despesas no valor de € 19.596,21, o que perfaz o rendimento líquido de € 39.784,19;
ii. o sujeito passivo B auferiu um rendimento bruto de € 19.651,24, suportando despesas no valor de € 25.598,17, o que perfaz o rendimento líquido negativo de € 5.946,93, não tendo percebido qualquer rendimento, antes registando uma perda no exercício;
iii. o agregado familiar auferiu em 2015 um rendimento líquido predial de € 33.837,26.
4.6. Os Requerentes foram notificados das notas da liquidação de IRS n.º 2016…, de 2 de Agosto de 2016, n.º 2016…, de 10 de Agosto de 2016, e n.º 2016…, de 5 de Setembro de 2016, decorrentes da sua declaração de rendimentos de 2015 e das respectivas declarações de substituição.
4.7. Da última dessas notas de liquidação – a nota de liquidação n.º 2016…, ressalta que os Requerentes suportaram o valor total de € 11.489,47, a título de imposto relativo a tributações autónomas.
4.8. Desse valor, € 11.139,57 dizem respeito a imposto sobre rendimento predial, decorrente da aplicação da taxa de 28% ao rendimento líquido positivo proveniente dos imóveis arrendados propriedade do sujeito passivo A – i.e.: € 39.784,19 x 28% = € 11.139,57.
4.9. Os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa contra essa liquidação de imposto, porquanto entendem que esta padece de ilegalidade ao não considerar as perdas apuradas no âmbito da Categoria F no exercício de 2014, as quais deveriam ter sido reportadas aos exercícios subsequentes, nomeadamente ao exercício de 2015.
4.10. No âmbito do referido procedimento gracioso, os Requerentes juntaram a esses autos a Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo 338/2016-T, de 10 de Março de 2017, a qual reconhece as perdas apuradas no âmbito da categoria F no ano de 2014 pelos ora Requerentes a reportar aos anos seguintes, a qual julgou ilegal a liquidação de IRS relativa ao exercício de 2014 dos Requerentes por não reflectir tais perdas.
4.11. Nos termos daquela decisão, os Requerentes apuraram no exercício de 2014 uma perda conjunta total no valor de € 41.748,02 (i.e. € 40.470,36 + € 1.277,66) no âmbito da categoria F, a qual deveria ter sido reconhecida no exercício de 2015.
4.12. O que se deveria ter traduzido na inexistência de rendimento líquido positivo a tributar no ano de 2015 e na persistência de um resultado líquido negativo no valor de € 1.963,83 a reportar aos anos seguintes (2016 e seguintes).
4.13. Acaso tal reporte tivesse sido reconhecido, conforme é legalmente devido, os Requerentes não teriam suportado qualquer imposto no âmbito da categoria F no exercício de 2015, subsistindo, ainda, uma perda a reportar para os anos seguintes no valor de € 1.963,83 [i.e. € 39.784,19 (rendimento predial líquido auferido pelo sujeito passivo A) - € 41.748,02 (perdas a reportar no âmbito da categoria F, reconhecidas por Decisão Arbitral) = - € 1.963,83].
4.14. O artigo 55.º, sob a epigrafe “dedução de perdas”, dispunha, na redacção em vigor à data do apuramento da referida perda (ano de 2014), que era dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos, sendo que resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria”.
4.15. A redacção do referido artigo foi alterada com a entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro.
4.16. Não obstante, sob a epigrafe “Produção de efeitos”, previu-se no artigo 17.º, n.º 6, da referida Lei n.º 82-E/2014 que o artigo 55.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, apenas seria aplicável a perdas verificadas depois de 1 de janeiro de 2015.
4.17. Como tal, ao resultado líquido negativo apurado pelos Requerentes no âmbito da Categoria F do IRS por referência ao ano de 2014 impõe-se a aplicação do artigo 55.º na redacção anterior à alteração introduzida pela referida Lei.
4.18. No âmbito da Categoria F, o agregado familiar poderá deduzir o resultado líquido negativo apurado em determinado ano nessa Categoria, desde que tal dedução ocorra nos cinco anos seguintes àquele a que respeita o resultado líquido negativo, nos termos da redacção da norma em vigor à data dos factos.
4.19. Para além da limitação temporal à dedução das perdas apuradas no âmbito da Categoria F, o artigo 55.º do Código do IRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade, nomeadamente, não se requer que se opte pelo englobamento.
4.20. Caso o legislador quisesse, de facto, apenas aceitar a dedução de perdas no âmbito da Categoria F na hipótese exclusiva de o agregado familiar ter optado pelo englobamento, tê-lo-ia previsto expressamente.
4.21. Desta forma, resulta patente que as Liquidações de IRS, ao não considerarem a dedutibilidade do rendimento predial líquido negativo apurado pelo agregado familiar no ano de 2014, ao rendimento predial líquido referente ao ano de 2015, nos termos expressamente previstos no artigo 55.º do Código do IRS, são ilegais, com fundamento em erro na aplicação do direito, o que consubstancia vício de violação de lei e consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT, determina a anulabilidade da referida liquidação de IRS.
4.22. Adicionalmente, a legalidade das referidas Liquidações (relativas ao IRS de 2015) encontra-se igualmente inquinada, por não indicarem o resultado líquido negativo remanescente apurado pelos Requerentes no âmbito da categoria F no exercício de 2014 como perda a reportar aos exercícios subsequentes (2016 e seguintes), nos termos expressamente previstos no artigo 55.º, n.º 2, do Código do IRS (o que aliás resultaria também da decisão proferida no âmbito do processo arbitral n.º processo 338/2016-T).
4.23. Consubstanciando esta ilegalidade um vício de violação de lei, a referida liquidação de IRS é anulável, ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT.
4.24. Foi igualmente desconsiderado, no cálculo do imposto, o resultado líquido negativo apurado no exercício de 2015 pelo sujeito passivo B, no valor de € 5.946,93.
4.25. Assim é que independentemente do que se referiu sobre as perdas de 2014 a abater ao rendimento predial de 2015, as liquidações de IRS referidas são igualmente ilegais por a AT não ter efectuado a compensação dos referidos rendimentos prediais auferidos pelos dois sujeitos passivos no próprio exercício de 2015.
4.26. Acaso a AT tivesse considerado esse valor na liquidação de IRS, os Requerentes teriam suportado, no âmbito da Categoria F, um imposto correspondente a € 9.474,43 – i.e. (€ 39.784, 19 - € 5.946,93) x 28% = € 9.474,43.
4.27. O que implica uma diferença entre a tributação sofrida e aquela que se imporia (se desconsiderássemos as perdas geradas em 2014, caso em que não haveria, de todo, rendimento da categoria F) na ordem dos € 1.665,14.
4.28. E tal forma de tributação impunha-se, porque ditada por um imperativo constitucional de tributação tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, ínsito no artigo 104.º, n.º 1, da CRP, ditame que encontra consagração infra-constitucional na letra do artigo 6.º da LGT, o qual, ao delinear as características da tributação directa, manda atender à “situação patrimonial, incluindo legítimos encargos, do agregado familiar”.
4.29. Tal resulta ainda do artigo 13.º, nºs 2 e 3, do Código do IRS.
4.30. Os Requerentes exerceram, dentro do prazo legal para o efeito, nos termos do art. 59º, nº2, CIRS, a opção pela tributação conjunta dos seus rendimentos no ano de 2015 por si auferidos.
4.31. Ora, por “rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar” terá de se entender, necessariamente, os rendimentos líquidos de cada Categoria do IRS, uma vez que o imposto devido é apurado pela aplicação da respectiva taxa ao rendimento colectável, o qual resulta, no caso da Categoria F, da subtracção do valor das despesas e encargos incorridos ao valor das rendas auferidas, nos termos previstos no artigo 41.º do Código do IRS.
4.32. Através de um simples cálculo aritmético perceber-se-á que a soma dos rendimentos prediais líquidos imputáveis ao sujeito passivo A (i.e. € 39.784, 19) com os rendimentos prediais líquidos imputáveis ao sujeito passivo B (i.e. - € 5.946,93) traduz-se num valor total de rendimento auferido em 2015 de € 33.837,26.
4.33. Rendimento esse pelo qual o imposto de 28% é devido ao abrigo do disposto nos artigos 13.º, n.º 3, e 72.º, n.º 1, alínea e), do Código do IRS, o que (se não se considerassem as perdas de 2014 referidas) redundaria numa tributação no valor de € 9.474,43.
4.34. A não consideração dos rendimentos líquidos do sujeito passivo B no cálculo da matéria colectável no âmbito da Categoria F redunda no empolamento dos rendimentos prediais auferidos pelo agregado familiar.
4.35. No caso concreto dos Requerentes, tal empolamento conduziu a um imposto adicional de €. 1.665,14.
4.36. Essas despesas e encargos para a manutenção e preservação da fonte produtora (i.e. os prédios arrendados) oneraram não apenas o sujeito passivo B, mas o agregado familiar que suportou os seus custos, sendo dedutíveis nos termos do disposto no artigo 41.º do Código do IRS.
4.37. As Liquidações de IRS dos Requerentes, ao não espelharem a soma dos rendimentos prediais líquidos imputáveis ao sujeito passivo A com os rendimentos prediais líquidos imputáveis ao sujeito passivo B, nos termos expressamente previstos no artigo 13.º, n.ºs 2 e 3, do Código do IRS, são ilegais com fundamento em erro na aplicação do direito, o que consubstancia vício de violação de lei e consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT, determina a respectiva anulabilidade.
4.38. As liquidações de IRS relativas ao ano 2015 devem ser anuladas parcialmente, pelos fundamentos enunciados supra.
4.39. Não obstante os Requerentes não se conformarem com a legalidade das liquidações em apreço, procederam ao pagamento integral das mesmas correspondente ao montante de € 22.337,90.
4.40. São devidos juros indemnizatórios sobre a quantia que deverá ser anulada, desde a data do pagamento voluntário do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, calculados à taxa legal de juros em vigor.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
5.1. Os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral, no qual submetiam ao escrutínio desse Tribunal Arbitral, a legalidade da liquidação de IRS n.º 2016-…, referente ao período de 2014, no valor de € 5.051,43, que correu termos nesse Centro de Arbitragem sob o n.º 338/2016-T.
5.2. No âmbito do petitório, os Requerentes suscitaram subsistir erro na aplicação do direito decorrente da violação do disposto no Art.º 5.º, n.º 2, do Código do IRS, com fundamento na desconsideração do resultado líquido negativo apurado no âmbito da referida Categoria F, no montante de € 40.470,36, a ser reportado aos resultados líquidos positivos apurados nos anos subsequentes no âmbito dessa Categoria.
5.3. Por decisão arbitral proferida em 10.03.2017, o Tribunal Arbitral decidiu julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação parcial da liquidação impugnada, que deve ser reformulada, nos seguintes termos:
- Aceitação das despesas declaradas relativas à aquisição de eletrodomésticos, no valor de € 1 277,66;
- Não consideração, como encargo dedutível, da importância de € 12 320,05, relativa a obras comuns no prédio, em propriedade total, parcialmente arrendado;
- Consideração, como perdas a reportar aos anos seguintes, do montante que, depois de efetuadas as correções antes referidas, resulte não ser passível de dedução no apuramento do rendimento líquido da Categoria F do IRS de 2014, por insuficiência do correspondente rendimento bruto.
5.4. Tendo a declaração de rendimentos de IRS por parte dos Requerentes sido recepcionada a 07.08.2016, e tendo sido emitidas as liquidações em causa - liquidação n.º 2016-… de 02.08.2016, n.º 2016 … de 10.08.2016 e n.º 2016 … de 05.09.2016 – entre Agosto e Setembro de 2016, nunca as mesmas poderiam reflectir as perdas reconhecidas numa decisão que apenas viria a ser proferida a 10.03.2017.
5.5. A decisão apenas foi notificada às partes por correio electrónico a 13.03.2017, tendo-se iniciado o prazo para efeitos de recurso com a dilação de 3 dias em 17.03.2017, pelo que o prazo de 30 dias para a interposição de recurso precludia –salvo erro de contagem – a 24.04.2017.
5.6. Significa isto, portanto, que a decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T apenas transitou em julgado a 24.07.2017.
5.7. O prazo para a execução espontânea do julgado iniciar-se-ia a 26.04.2017 (tendo em conta que o dia 25.04.2017 é feriado nacional), e o terminus do prazo para a entidade Requerida concretizar o julgado, seria o dia 08.06.2017.
5.8. Tendo os Requerentes interposto o presente pedido de pronúncia arbitral em 05.06.2017, significa que à data da propositura do pedido ainda não se havia esgotado o prazo para a entidade Requerida concretizar o julgado, designadamente apurar em sede de liquidação quais as perdas que os Requerentes têm direito a reportar para o ano de 2015 e seguintes, depois de efectuadas as correcções necessárias, tal como determinou a decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T.
5.9. Subsiste a falta de objecto relativamente ao pedido de pronúncia arbitral uma vez que os factos tributários – liquidações de IRS – ocorreram 8 meses antes da decisão arbitral que reconheceu o reporte das perdas para os anos de 2015 e seguintes, a qual constitui uma excepção peremptória, que se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no n.º 3 do Art.º 577.º do CPC, na redacção dada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho aplicável ex vi Art.º 2.º do CPTT, a qual dá lugar à absolvição da Requerida do pedido, nos termos e para os efeitos no disposto no n.º 3 do Art.º 576.º do CPC.
5.10. Encontra-se amplamente demonstrado que os factos tributários em causa – liquidações de IRS n.º 2016-… de 02.08.2016, n.º 2016 … de 10.08.2016 e n.º 2016 … de 05.09.2016 – são muito anteriores ao conhecimento por parte dos Requerentes da consideração das perdas a reportar pela decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T e proferida a 10.03.2017.
5.11. Logo, nunca as liquidações sob escrutínio poderiam evidenciar factos ou valores que apenas ocorreram com a prolação e o trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T.
5.12. Daí que, se os Requerentes pretendem o apuramento das perdas a reportar para o ano de 2015 e seguintes - depois de relevados os encargos considerados na decisão arbitral como não dedutíveis no valor € 12.320,05, relativa a obras comuns no prédio, em propriedade total, parcialmente arrendado -, tal pretensão terá sempre subjacente a emissão de nova liquidação de IRS, onde se apure o valor exacto das perdas a reportar.
5.13. Logo, o meio processual adequado para o efeito não se subsume ao pedido de pronúncia arbitral, mas sim à execução de julgados, a que alude o disposto no Art.º 170.º e seguintes do CPTA.
5.14. Nunca a decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T reconheceu peremptoriamente no segmento decisório que os Requerentes poderiam reportar perdas para os anos de 2015 e seguintes, no valor de € 40.470,36.
5.15. O que a decisão arbitral n.º 338/2016-T determinou foi a “consideração, como perdas a reportar aos anos seguintes, do montante que, depois de efetuadas as correções antes referidas, resulte não ser passível de dedução no apuramento do rendimento líquido da Categoria F do IRS de 2014, por insuficiência do correspondente rendimento bruto”.
5.16. Logo, se os Requerentes pretendem reportar as perdas para os anos de 2015 e seguintes, terá de previamente ser apurado qual o valor exacto das perdas a reportar – tendo em conta a não aceitação como encargo dedutível do montante de € 12.320,05, relativa a obras comuns no prédio, em propriedade total, parcialmente arrendado – em sede de liquidação de IRS, para posteriormente proceder à dedução nos anos seguintes.
5.17. Afere-se que a execução de julgados, constante do disposto no Art.º 170.º e seguintes do CPTA, configura o meio processual adequado com vista ao apuramento do valor exacto das perdas a reportar para o ano de 2015 e seguintes, e não o pedido de pronúncia arbitral, tanto mais que, conforme aludimos, o valor das perdas terá de ser sempre apurado em sede de execução de sentença, não tendo sido reconhecido aos Requerentes a possibilidade de deduzir integralmente o valor das perdas no montante de € 40.470,36, em face da procedência parcial do pedido, para além de que os Requentes pretendem ver reconhecidas nas liquidação em crise as perdas, cuja procedência apenas ocorreu com a prolação da decisão arbitral 8 meses depois.
5.18. Neste desiderato, se argui a excepção dilatória de inidoneidade do meio processual, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do Art.º 577.º do CPC aplicável por força do disposto no Art.º 1.º do CPTA, o qual obsta ao conhecimento do pedido e a absolvição do réu da instância nos termos do Art.º 278.º do CPC.
5.19. Como consequência da inidoneidade do meio processual, também o Tribunal Arbitral não tem competência para sindicar os actos em questão.
5.20. Não obstante estar em causa as liquidações de IRS para o ano de 2015, o pedido, tal como se encontra formulado pelos Requerentes, para além de pretender retroagir os efeitos da decisão arbitral a liquidações emitidas oito meses antes, não se afigura correcto, apenas podendo ser apurado em sede de nova liquidação de imposto no qual seja determinado o valor exacto das perdas a reportar.
5.21. Conforme prescreve a alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, compete aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
5.22. No caso vertente, o pedido formulado pelos Requerentes está dependente do apuramento das perdas em sede de execução de sentença e, nesse desiderato, nada contende com a legalidade da liquidação.
5.23. Logo, não se subsumindo o meio processual ao pedido de pronúncia arbitral, mas à execução de julgados, o Tribunal Arbitral é incompetente para sindicar os actos que influenciam o pedido e que apenas poderão ser apurados em sede de execução de sentença.
5.24. Assim, concluindo-se pela execução de julgados como meio adequado o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar o pedido formulado pelos Requerentes, atendendo à falta de determinação do valor exacto das perdas e aos actos tributários em crise terem ocorrido 8 meses antes da decisão arbitral que reconheceu o direito a reportar perdas, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.os 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT.
5.25. A decisão arbitral, proferida em 10/3/2017, em face da procedência parcial do pedido, aquilatou que o valor das perdas a reportar para os anos de 2015 e seguintes, será efectuada depois de realizadas as necessárias correcções.
5.26. Ora, tendo os Requerentes apresentado a Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS n.º …-… -… para o ano de 2015, cuja recepção ocorreu a 07.08.2016, e a qual deu origem às liquidações de IRS aqui sob escrutínio, ou seja à liquidação n.º 2016-… de 02.08.2016, n.º 2016 … de 10.08.2016 e n.º 2016 … de 05.09.2016, referente ao período de 2015, as quais foram emitidas cerca de 8 meses antes da decisão arbitral que reconheceu o direito ao reporte das perdas.
5.27. Logo, a discussão da legalidade dos actos tributários de liquidação de IRS referentes a 2015, estará sempre dependente do cumprimento do que foi determinado em sede da decisão arbitral n.º 338/2016-T, através da emissão de nova liquidação para o ano de 2014 onde sejam claramente apuradas e evidenciados as perdas a que os Requerentes tem direito a reportar para o ano de 2015 e seguintes.
5.28. Dependendo, como depende, a apreciação dos actos tributários de liquidação do ano de 2015, da concretização da decisão arbitral n.º 338/2016-T, e do concreto apuramento, por via da emissão de nova liquidação, das perdas a reportar, forçoso é concluir que estamos perante uma questão prejudicial.
5.29. Nestes termos, requer a Requerida que seja suspensa a presente instância arbitral, com todos os efeitos legais, até que seja concretizada a decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T, e sejam apuradas as perdas a reportar para o ano de 2015 e seguintes, através da emissão de nova liquidação referente ao ano de 2014.
5.30. Os rendimentos auferidos pelos Requerentes e subjacentes às liquidações de IRS sub judice não se cingem exclusivamente à categoria “F”.
5.31. Efectivamente, além de rendimentos prediais os Requerentes declararam rendimentos enquadrados nas categorias “A” e “B” do IRS, rendimentos esses cujas liquidações não são minimamente contestadas.
5.32. Como tal, e por mero dever de patrocínio, naturalmente que em caso de vencimento da causa o pedido de anulação deduzido pelos Requerentes nunca poderá redundar numa anulação total da liquidação sub judice, mas, quando muito, numa anulação parcial da liquidação aqui em causa no tocante aos rendimentos da categoria “F”.
5.33. Embora o Art.º 22.º n.º 1 do CIRS prescreva que «o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes», determina igualmente a alínea b) do n.º 3 do Art.º 22.º do CIRS que «não são englobados para efeitos da sua tributação (…) os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto.»
5.34. Estabelece ainda o n.º 7 do Art.º 72.º do CIRS que «os rendimentos prediais são tributados autonomamente à taxa de 28%», sendo que dispõe o n.º 8 daquele artigo que «os rendimentos previstos nos n.os 4 a 7 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português.»
5.35. Reunindo os Requerentes, como reuniam, o requisito da residência nacional plasmado na alínea b) do n.º 3 do Art.º 22.º do CIRS e tendo optado, como efectivamente optaram, pelo não englobamento do rendimento da categoria “F”, naturalmente que lhes está agora vedada a possibilidade de verem reflectido o resultado líquido negativo do ano de 2015 do sujeito passivo B no valor total de € 5.946,93.
5.36. Para além disso, não tendo os Requerentes optado pelo englobamento, não podem vir agora – passe-se a expressão – “obter o melhor de dois mundos”, ou seja:
• A aplicação de uma taxa liberatória aos rendimentos da categoria “F” em detrimento da opção do englobamento; e,
• simultaneamente, o reporte de perdas subjacente a uma opção do englobamento que não foi tomada.
6. No dia 12/09/2017, foi proferido despacho arbitral, nos seguintes termos:
"Notificam-se os Requerentes para se pronunciarem no prazo de dez dias sobre as excepções e questão prejudicial suscitadas pela Requerida na sua resposta".
7. Os Requerentes pronunciaram-se sobre as excepções e questão prejudicial suscitadas pela Requerida, invocando, em súmula, o seguinte:
7.1. As despesas de € 40.470,36 foram aceites como lícitas e válidas pela Requerida, apenas estando verdadeiramente em consideração naqueloutro processo o reporte daquelas perdas apuradas para os anos subsequentes, apesar de os então e aqui Requerentes não terem optado pelo englobamento dos respectivos rendimentos.
7.2. A única parte das despesas que não eram aceites pela Requerida e cuja aceitação foi pedida nesse processo eram antes no montante de € 13.597,71, tendo o douto Tribunal Arbitral determinado a aceitação de € 1.277,66 adicionais e rejeitado as despesas de € 12.320,05.
7.3. É ilógico defender-se afirmando que o reporte de perdas em 2015 se encontra decidido em processo anterior (pelo que o presente processo carece de objecto) e simultaneamente entender que o reporte de perdas em 2015 só será admissível através do alegado requisito adicional de opção pelo englobamento (requisito esse não ditado pela sentença referida).
7.4. A isto acresce o facto de o objecto do presente pedido de pronúncia abranger ainda a ilegalidade da liquidação resultante da soma dos rendimentos líquidos dos sujeitos passivos relativamente aos rendimentos prediais apurados em 2015, como efeito da opção pela tributação conjunta, não ter sido calculada pela AT, porque no entendimento desta também aqui seria necessário optar pelo englobamento.
7.5. Nos termos dos artigos 579.º e 580.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, que por sua vez pressupõe uma acção idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
7.6. Se é verdade que há identidade dos sujeitos, não se verificam as restantes identidades pressupostas.
7.7. Por um lado, não há identidade de pedido, pois naquele processo o pedido era a anulação de liquidações de IRS respeitantes ao ano de 2014 e neste o pedido é a anulação de liquidações de IRS respeitantes ao ano de 2015.
7.8. Nesse sentido aponta o n.º 4 do artigo 24.º do RJAT, quando estabelece que “A decisão arbitral preclude o direito de a administração tributária praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário e período de tributação”.
7.9. Por outro lado, não há identidade de causa de pedir porque a pretensão deduzida nas duas acções não procede do mesmo facto jurídico (cfr. artigo 581.º, n.º 3, do CPC):
- naquele processo discutia-se a não aceitação de algumas despesas em 2014 e a existência de perdas a reportar para os anos seguintes;
- neste discute-se (i) a admissibilidade do reporte das perdas previsto no artigo 55.º do Código do IRS (designadamente quando à necessidade de opção pelo englobamento prevista no artigo 22.º, n.º 3, al. b), do mesmo Código, para que tal reporte possa ser levado a cabo), assim como (ii) a (des)consideração pela AT do rendimento predial líquido negativo do sujeito passivo B no cálculo do imposto devido pelo agregado familiar, face à opção pela tributação conjunta.
7.10. Acresce que, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral transitada em julgado vincula apenas a Requerida “nos exactos termos da procedência da decisão arbitral”, sendo que a decisão proferida no processo n.º 338/2016-T não tinha por objecto qualquer acto de liquidação referente ao exercício de 2015.
7.11. Ainda que a Requerida tivesse executado aquela sentença, a causa de pedir do presente pedido de pronúncia arbitral manter-se-ia, porquanto, no entendimento da Requerida, as perdas continuariam ilegalmente a não ser deduzidas aos rendimentos prediais auferidos em 2015 por os Requerentes não terem efectuado a opção pelo englobamento prevista no artigo 22.º, n.º 3, al. b), do Código do IRS.
7.12. Improcedendo a excepção invocada anteriormente, i.e., sendo o pedido de pronúncia arbitral o meio idóneo para a satisfação das pretensões dos Requerentes, consequentemente improcederá a alegada incompetência em razão da matéria.
7.13. A Requerida optou por não recorrer ao seu “direito ao arrependimento”, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, revogando as liquidações sub judice e procurando evitar a litigância.
7.14. E note-se que não houve simplesmente um “decorrer” do prazo de 30 dias legalmente estabelecido na referida norma: um vez que no processo administrativo já junto aos autos, a 14 de Julho de 2017 (ou seja, já após o decurso do prazo para a execução espontânea) foi emitido um despacho no sentido de que os actos sub judice “(…) se deverão manter, face à regularidade do procedimento”.
7.15. Do qual resulta que a própria Requerida entende que a decisão proferida no processo n.º 338/2016-T não produz quaisquer efeitos sob as liquidações sub judice (o que contradiz até a argumentação utilizada para fundamentar a sua defesa por excepção e a alegada questão prejudicial).
7.16. Não há qualquer facto objectivamente superveniente ao despacho pelo qual a Requerida optou por não alterar o acto tributário, pois tal despacho foi proferido a 14 de Julho de 2017, data posterior não só à emissão da sentença arbitral no processo n.º 338/2016-T, como posterior ainda ao término do prazo da execução espontânea!
7.17. Deve assim o pedido de suspensão de instância arbitral ser indeferido, por total ausência de suporte legal.
7.18. Resulta claramente da fundamentação e de todo pedido efectuado pelos Requerentes que, se estes alegam a desconsideração das perdas no âmbito da categoria F, obviamente que o pedido de anulação se reporta somente a tais rendimentos e na estrita medida em que tais perdas foram desconsideradas.
8. No dia 28/09/2017, foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, dado não estarem presentes as circunstâncias objecto das diversas alíneas do n.º 1 desta disposição e que não se mostrava necessária, em conformidade com o n.º 2 do art. 18.º do RJAT, a produção de alegações orais, dado estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulado admitindo-se, porém, que as partes requeressem essa reunião.
9. As partes não requereram que se promovesse a reunião prevista no art. 18º do RJAT.
II. Factos provados
Com base na documentação junta aos autos e no processo administrativo, consideram-se provados os seguintes factos:
1. No exercício de 2015, os Requerentes optaram pela tributação conjunta dos seus rendimentos na Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS n.º …-… -…, referente ao ano de 2015, cuja recepção ocorreu em 07.08.2016, tendo auferido um total de rendimentos prediais brutos de € 79.031,64.
2. Os Requerentes suportaram o valor total de € 4.913,91, a título de despesas com conservação e manutenção incorridas após o início dos contratos de arrendamento, e o valor de € 21.893,83, a título de despesas com conservação e manutenção incorridas antes do início dos arrendamentos.
3. Relativamente aos locados, os Requerentes suportaram ainda (i) despesas com os respectivos condomínios no valor de € 14.977,74; (ii) o Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) no valor de € 3.072,27; (iii) o Imposto de Selo (“IS”) no valor de € 55,00; e (iv) taxas autárquicas no valor de € 281,63.
4. O sujeito passivo A auferiu um rendimento bruto de 59.380,40 €, suportando despesas no valor de € 19.596,21, o que perfaz o rendimento líquido de € 39.784,19;
5. O sujeito passivo B auferiu um rendimento bruto de € 19.651,24, suportando despesas no valor de € 25.598,17, o que perfaz o rendimento líquido negativo de € 5.946,93, não tendo percebido qualquer rendimento, antes registando uma perda no exercício;
6. Os Requerentes auferiram, em 2015, um rendimento líquido predial de € 33.837,26.
7. Os Requerentes foram notificados das notas da liquidação de IRS n.º 2016…, de 2 de Agosto de 2016, n.º 2016…, de 10 de Agosto de 2016, e n.º 2016…, de 5 de Setembro de 2016, decorrentes da sua declaração de rendimentos de 2015 e das respectivas declarações de substituição.
8. Da última dessas notas de liquidação – a nota de liquidação n.º 2016…, ressalta que os Requerentes suportaram o valor total de € 11.489,47, a título de imposto relativo a tributações autónomas.
9. Desse valor, € 11.139,57 dizem respeito a imposto sobre rendimento predial, decorrente da aplicação da taxa de 28% ao rendimento líquido positivo proveniente dos imóveis arrendados propriedade do sujeito passivo A – i.e.: € 39.784,19 x 28% = € 11.139,57.
10. Os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa da liquidação de imposto, a qual deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa - … a 7 de Novembro de 2016.
11. Foi proferida, neste centro de arbitragem, uma decisão arbitral, no âmbito do processo 338/2016-T, de 10 de Março de 2017, a qual reconhece as perdas apuradas no âmbito da categoria F no ano de 2014 pelos ora Requerentes a reportar aos anos seguintes, e julgou parcialmente ilegal a liquidação de IRS relativa ao exercício de 2014 dos Requerentes por não reflectir tais perdas.
12. A decisão arbitral veio a ser proferida a 10.03.2017, tendo sido notificada às partes por correio electrónico de 13.03.2017.
13. Os Requerentes procederam ao pagamento integral das liquidações de IRS, correspondente ao montante de € 22.337,90.
III – Factos não provados
Não há factos não provados, com relevo para a decisão da causa.
IV - Do Direito
São as seguintes as questões a apreciar:
- Da excepção peremptória de falta de objecto, no que concerne ao reporte das perdas apuradas em 2014, para os anos 2015 e seguintes
- Da inidoneidade do meio processual
- Da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria
- Da questão prejudicial no que respeita ao reporte das perdas para o ano de 2015 e seguintes e consequente pedido de suspensão da instância
- Da ilegalidade parcial das declarações de IRS correspondentes ao ano de 2015
- Do direito a juros indemnizatórios
Analisemos assim essas questões:
1) DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE FALTA DE OBJECTO, NO QUE CONCERNE AO REPORTE DAS PERDAS APURADAS EM 2014, PARA OS ANOS 2015 E SEGUINTES
Invoca a Requerida que ocorre falta de objecto relativamente ao pedido de pronúncia arbitral uma vez que os factos tributários – liquidações de IRS – ocorreram 8 meses antes da decisão arbitral que reconheceu o reporte das perdas para os anos de 2015 e seguintes, a qual constitui uma excepção peremptória.
Respondeu a Requerente, em sede de resposta às excepções, que, inexistindo repetição de causa, não se encontra o presente pedido de pronúncia arbitral desprovido de objecto.
Verifica-se que foi proferida decisão arbitral, no âmbito do processo 338/2016-T, de 10 de Março de 2017, deste centro arbitral, a qual reconheceu as perdas apuradas no âmbito da categoria F no ano de 2014 pelos ora Requerentes a reportar aos anos seguintes, e julgou parcialmente ilegal a liquidação de IRS relativa ao exercício de 2014 dos Requerentes por não reflectir tais perdas.
O douto Acórdão do CAAD referido supra, decidiu nos seguintes termos:
“Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação parcial da liquidação impugnada, que deve ser reformulada, nos seguintes termos:
- Aceitação das despesas declaradas relativas à aquisição de eletrodomésticos, no valor de € 1 277,66;
- Não consideração, como encargo dedutível, da importância de € 12 320,05, relativa a obras comuns no prédio, em propriedade total, parcialmente arrendado;
- Consideração, como perdas a reportar aos anos seguintes, do montante que, depois de efetuadas as correções antes referidas, resulte não ser passível de dedução no apuramento do rendimento líquido da Categoria F do IRS de 2014, por insuficiência do correspondente rendimento bruto”.
Parece entender a Requerida que tendo os Requerentes interposto o presente pedido de pronúncia arbitral em 05.06.2017, antes de se haver esgotado o prazo para a entidade Requerida concretizar o julgado, apurando as perdas, tal como determinou a decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T, existe a falta de objecto relativamente ao pedido de pronúncia arbitral uma vez que os factos tributários – liquidações de IRS – ocorreram 8 meses antes da decisão arbitral que reconheceu o reporte das perdas para os anos de 2015 e seguintes.
Contudo, não poderá prevalecer tal entendimento.
O objecto da presente pronúncia arbitral é a declaração de ilegalidade das declarações de IRS n.º 2016…, de 2 de Agosto de 2016, n.º 2016…, de 10 de Agosto de 2016, e n.º 2016…, de 5 de Setembro de 2016, que são anteriores ao pedido de pronúncia arbitral e não foram, até agora, anuladas, dizendo o Proc. n.º 338/2016-T, respeito à anulação da declaração do ano anterior, única que foi anulada e mandada reformular.
Pelo que se julga improcedente a invocada excepção peremptória de falta de objecto.
2) DA INIDONEIDADE DO MEIO PROCESSSUAL
Sustenta ainda a Requerida que, estando demonstrado que os factos tributários em causa – liquidações de IRS n.º 2016-… de 02.08.2016, n.º 2016 … de 10.08.2016 e n.º 2016 … de 05.09.2016 – são anteriores ao conhecimento por parte dos Requerentes da consideração das perdas a reportar pela decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T e proferida a 10.03.2017, nunca as liquidações poderiam evidenciar factos ou valores que apenas ocorreram com a prolação e o trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no Proc. n.º 338/2016-T. Assim, se os Requerentes pretendem o apuramento das perdas a reportar para o ano de 2015, o meio processual adequado para o efeito seria a execução de julgados, a que aludem os arts. 170.º e seguintes do CPTA.
Respondeu a Requerente, considerando o presente pedido de pronúncia arbitral o meio idóneo para a satisfação da sua pretensão.
Parecendo claro que a decisão proferida no processo n.º 338/2016-T não tinha por objecto qualquer acto de liquidação referente ao exercício de 2015, e que, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral transitada em julgado vincula apenas a Requerida “nos exactos termos da procedência da decisão arbitral”, parece-nos claro que a Requerente não tem meios de ver satisfeita a sua pretensão se não forem anuladas as liquidações relativas ao ano de 2015, sendo assim este processo o meio idóneo à sua pretensão.
3) DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA
Sustenta ainda a Requerida que, como consequência da inidoneidade do meio processual, também o Tribunal Arbitral não teria competência para sindicar os actos em questão, uma vez que, não obstante estarem em causa as liquidações de IRS para o ano de 2015, o pedido formulado pelos Requerentes está dependente do apuramento das perdas em sede de execução de sentença e, nesse desiderato, em nada contende com a legalidade da liquidação.
Responderam os Requerentes, sustentando que, uma vez que improcede a excepção de inidoneidade do meio processual, dado que o pedido de pronúncia arbitral é o meio idóneo para a satisfação das pretensões dos Requerentes, improcederá igualmente a alegada excepção de incompetência em razão da matéria.
A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação, nos termos do artigo 2º, nº1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, das seguintes pretensões:
a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Os Requerentes vieram pedir a declaração da ilegalidade das declarações de IRS relativas ao ano de 2015, matéria que se encontra claramente abrangida na competência do Tribunal Arbitral, nos termos do art. 2º, nº1, a) do RJAT.
Pelo que se julga improcedente a excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.
4) DA QUESTÃO PREJUDICIAL NO QUE RESPEITA AO REPORTE DAS PERDAS PARA O ANO DE 2015 E SEGUINTES E CONSEQUENTE PEDIDO DE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Invoca a Requerida que a discussão da legalidade dos actos tributários de liquidação de IRS referentes a 2015, estará sempre dependente do cumprimento do que foi determinado em sede da decisão arbitral n.º 338/2016-T, através da emissão de nova liquidação para o ano de 2014 onde sejam claramente apuradas e evidenciados as perdas a que os Requerentes têm direito a reportar para o ano de 2015 e seguintes.
Responderam os Requerentes afirmando que inexiste qualquer prejudicialidade e ainda que “no processo administrativo já junto aos autos, a 14 de Julho de 2017 (ou seja, já após o decurso do prazo para a execução espontânea) foi emitido um despacho no sentido de que os actos sub judice “(…) se deverão manter, face à regularidade do procedimento” – cfr. pp. 9-10 do processo administrativo junto aos autos.”
De facto, o pedido de anulação de liquidações relativa ao exercício do ano de 2015, não é prejudicado por ter ocorrido idêntico pedido relativamente às liquidações do ano anterior, ainda mais quando as mesmas já foram de decisão arbitral nesse processo.
Pelo que se julga improcedente o pedido de suspensão de instância.
5) DA ILEGALIDADE PARCIAL DAS DECLARAÇÕES DE IRS CORRESPONDENTES AO ANO DE 2015
Sublinha a Requerida o facto de não podermos estar perante uma declaração de ilegalidade total das liquidações, uma vez que a questão se resume à tributação em categoria F, podendo apenas falar-se de ilegalidade parcial.
Contudo, parece claro, de acordo com o pedido de pronúncia arbitral em causa, que os Requerentes apenas pretendem a anulação das liquidações de IRS de 2015, no que se reporta aos rendimentos da categoria F, não tendo nunca se pronunciado em relação a outros rendimentos, e tendo, ao longo do articulado, referido múltiplas vezes a expressão “parcial”.
Vieram os Requerentes confirmar, em sede de resposta às excepções, que pretendem apenas a anulação parcial das declarações de IRS supra referidas, relativamente à categoria F.
Pelo que se entende que estamos apenas perante um pedido de anulação parcial.
Cumpre, em primeiro lugar decidir sobre a não consideração, no âmbito das liquidações relativas a 2015 da perda a reportar para os anos subsequentes, no montante de € 1.963,83, na sequência do decidido no processo que correu termos nesse Centro de Arbitragem sob o n.º 338/2016-T.
A questão em análise reside na interpretação da norma do artigo 55.º, n.ºs 1 e 2, do CIRS, na redacção anterior à da Lei n.º 82-E/2014, já que, nos termos do artigo 17.º, n.º 6, da referida Lei, a mesma continua a ser aplicável às perdas verificadas antes de 1 de janeiro de 2015:
Artigo 55.º
Dedução de perdas
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.
2 - O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria.
O entendimento da Requerida é que, estando em causa perdas respeitantes a rendimentos prediais não inteiramente deduzidas aos rendimentos brutos da respetiva categoria por insuficiência destes no ano em que foram auferidos, o respetivo reporte aos anos posteriores está condicionado à opção pelo englobamento desses rendimentos.
Não parece, porém, que se possa entender nesse sentido, nem tem sido essa a jurisprudência deste Centro de Arbitragem.
Como refere o Acórdão do CAAD nº 96/2015-T:
“Resta saber se, não sendo possível o englobamento, não haverá lugar ao “abatimento” das deduções específicas e da dedução de perdas, como defende a AT.
Notar-se-á, em primeiro lugar, que a afirmação da AT, quanto às deduções específicas, vem desmentida pela realidade dos factos, uma vez que, de acordo com a factualidade fixada, tanto a liquidação n.º 2012 ... (IRS de 2011) como a liquidação n.º 2014 ... (IRS de 2013), emitidas pela AT, contemplam as deduções específicas aos rendimentos declarados.
Nem de outro modo poderia ser, dada a consagração legislativa do princípio do rendimento-acréscimo, que, como já se disse, prevê a tributação dos rendimentos líquidos.
Ora, tendo em conta que as perdas a reportar mais não são do que a acumulação de deduções específicas que, em cada ano, apenas podem ser abatidas à matéria tributável desse mesmo ano, até à sua concorrência, podendo ser abatidas à matéria tributável positiva de anos posteriores, dentro do limite temporal legalmente estabelecido, não se vê como o referido princípio da tributação dos rendimentos líquidos possa ser satisfeito sem que sejam tidas em consideração as perdas a reportar de anos anteriores.
Por outro lado, não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas, por parte de sujeitos passivos não residentes.
Se é certo que o englobamento opera numa fase posterior à da subtração das “deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 22.º, do Código do IRS (o vocábulo “deduções” referir-se-á tanto às deduções específicas de cada categoria de rendimentos, como à dedução de perdas, enquanto deixou de haver “abatimentos”, desde a revogação do artigo 56.º, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro), daí não se seguirá, necessariamente, que, caso não seja possível o englobamento, deixe de ser possível beneficiar das “deduções” previstas nas secções seguintes”.
No mesmo sentido foi essa a decisão no processo 338/2016-T, onde se escreveu que, "entende, assim, o Tribunal Arbitral que o reporte de perdas a anos posteriores, no âmbito da Categoria F, não está dependente de opção pelo englobamento, sendo o mesmo admitido em caso de não ser manifestada tal opção por não haver disposição legal que afaste tal possibilidade, por um lado, e, por outro, em obediência ao princípio estruturante da tributação do rendimento líquido auferido pelos respetivos sujeitos passivos".
É, assim, claro que não pode ser excluída a aplicação do reporte pelo facto de o contribuinte não ter exercido a opção pelo englobamento, havendo que dar razão à impugnação quanto a esta questão.
Relativamente à segunda questão, está em causa a desconsideração do rendimento predial líquido negativo do sujeito passivo B na categoria F no cálculo do imposto devido pelo agregado familiar, sustentando os Requerentes que o imposto liquidado em sede de Categoria F não teve em consideração o resultado líquido negativo apurado no ano de 2015 pelo sujeito passivo B no valor de € 5.946,93.
Em resposta sustenta igualmente a Requerida que os Requerentes não poderiam ter optado pela tributação autónoma do rendimento da categoria “F”, devendo ter antes optado pelo englobamento para que se pudesse ter em conta tal resultado líquido negativo.
Sendo certo que já se rejeitou a posição da Requerida relativamente à necessidade de opção pelo englobamento, há, no entanto, outro aspecto a considerar que é a alteração efectuada pela Lei n.º 82-E/2014 ao art. 55º, nº1, do CIRS, a qual se aplica a esta situação, uma vez que não está em causa uma perda suportada em anos anteriores, mas sim um rendimento líquido negativo no próprio ano de 2015.
Dispõe o artigo 55º, nº 1, do CIRS, na sua redacção, após a entrada em vigor dessa lei:
"Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:
a) O resultado líquido negativo apurado na categoria B só pode ser reportado, de harmonia com a parte aplicável do artigo 52.º do Código do IRC, aos 12 anos seguintes àquele a que respeita;
b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita;
c) A percentagem do saldo negativo a que se refere o n.º 2 do artigo 43.º só pode ser reportada aos cinco anos seguintes àquele a que respeita;
d) O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”.
Assim, embora os Requerentes tenham exercido a opção pela tributação conjunta no ano de 2015 dentro do prazo legal para o efeito, em conformidade com o art. 59º, nº2, do Código do IRS, a verdade é que a lei deixou de permitir que as perdas obtidas por um dos sujeitos passivos pudessem ser deduzidas aos rendimentos do outro, pelo que neste aspecto improcede a impugnação das liquidações de IRS.
Apesar de esta argumentação não ter sido usada pela Requerida na sua Resposta, a verdade é que o Tribunal Arbitral conhece oficiosamente do Direito e não está vinculado à posição das partes sobre essa matéria.
Pelo que as liquidações de IRS no caso em apreço só padecem de ilegalidade pela não consideração do reporte de perdas em anos anteriores, conforme decidido no acórdão emitido no processo 338/2016-T, sendo legal a não consideração do resultado líquido negativo do sujeito passivo B, conforme resulta da redacção do art. 55º CIRS após a Lei n.º 82-E/2014
6) DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Cabe agora averiguar da eventual existência do direito a juros indemnizatórios, relativamente à parte da liquidação considerada ilegal.
Como refere o nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Como decorre ainda do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral.
Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.
Procedendo apenas a declaração de ilegalidade parcial no que se reporta à desconsideração da soma dos rendimentos prediais líquidos imputáveis ao sujeito passivo A com os rendimentos prediais líquidos imputáveis ao sujeito passivo B auferidos em 2015, só em relação a esse montante poderá haver direito a juros indemnizatórios.
Ora, no que se reporta a essa questão, teremos de entender que existiu erro da Administração Tributária, na aplicação da lei.
Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.
Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º, nº1 da LGT), podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, sobre o montante do imposto pago em excesso na categoria F, que serão contados desde 05-06-2017, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
IV – Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação parcial da liquidação impugnada em relação à categoria F, que deve ser reformulada, nos seguintes termos:
- Consideração no exercício de 2015, como perdas a reportar, do montante que, depois de efectuadas as correções referidas no processo 338/2016-T, resulte não ser passível de dedução no apuramento do rendimento líquido da Categoria F do IRS de 2014, por insuficiência do correspondente rendimento bruto.
Decide ainda o Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRS pelo facto de não ter sido considerado no mesmo exercício de 2015 o rendimento líquido negativo do sujeito passivo B na categoria F relativo a esse ano de € 5.946,93.
Fixa-se ao processo o valor de € 47.694,95 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 2.142,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Face à dimensão decaimento de ambas as partes no processo, considera-se adequado repartir as custas entre estas em 2/3 para a Requerida e 1/3 para os Requerentes.
Lisboa, 27 de Novembro de 2017
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)