Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Pragal Colaço e Dr. Gonçalo Cid Peixeiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-06-2017, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, S.A., contribuinte n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, …-… Vila Nova de Famalicão, veio, ao abrigo do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação adicional de retenções na fonte de IRC e correspondentes juros compensatórios, referentes ao período de exercício de 2013:
i. Liquidação n.º 2016 … (identificação de documento 2016…) de IRC, no valor de € 142.452,05, datada de 25-11-2016, com data limite de pagamento em 23-01-2017;
ii. -Liquidação n.º 2016 … (identificação de documento n.º 2016…) de IRC, no valor de € 93.892,53, datada de 25-11-2016, com data limite de pagamento em 23-01-2017.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 31-03-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18-05-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-06-2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.
Em 07-09-2017 foi realizada uma reunião em que se produziu prova testemunhal e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objecto a importação, exportação e comércio de equipamentos e suportes de impressão; prestação de serviços de apoio às empresas na área da impressão, fabricação de máquinas diversas para uso específico das áreas da impressão e afins que se encontra registada na AT, sob os seguintes CAE: 46690; 28992; 74900.
b) No desenvolvimento dessa sua actividade comercial, foi pela sociedade B… emitida a factura n.º …-1, no valor de 832.500,00 €, em nome da ora Requerente, encontrando-se a mesmo devidamente registada e contabilizada na sua contabilidade;
c) O valor titulado nessa factura foi pago pela Requerente à B… em duas prestações, a saber: a primeira, no valor de 500.000,00 €, em 24-04-2013 e a segunda no valor de 332.500,00 € em 08-07-2013;
d) A B… é uma entidade não residente, com sede na Holanda;
e) A emissão da factura n.º …-1 e o respectivo pagamento corresponde à contrapartida por serviços que foram prestados pela B… à Requerente, como decorrência do relacionamento iniciado através do contrato assinado petas partes em 20.02.2013, cuja cópia consta do documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
f) Nos termos do contrato assinado pelas partes, a B… obrigou-se, perante a A…, a prestar serviços referentes ao seu conhecimento tecnológico não patenteado para os fins exclusivos da produção, montagem e implementação de sistemas de etiquetagem;
g) A B… obrigou-se, ainda, a prestar serviços técnicos, nas instalações da A…, no âmbito da actividade produtiva da Requerente:
h) As partes acordaram que os serviços a prestar se limitavam à aplicação dos sistemas de etiquetagem, ficando a A… expressamente impedida de aplicar na produção de outros bens, ou prestação de outros serviços;
i) Nos termos do contrato, pela prestação dos serviços descritos ficou estabelecida a obrigação da A… em pagar à B… o valor fixo de € 832.500,00;
j) Em execução do contrato, a B… disponibilizou técnicos seus que se deslocaram as instalações da Requerente, indicando-lhe equipamentos a adquirir, a mão de obra adequada que deveria ser contratada, formando quadros e sugerindo serviços especializados que deveriam ser contratados de electrónica e software e dando-lhe informação técnica na fase de arranque do processo produtivo;
k) À data em que foi celebrado o contrato, o quadro de trabalhadores da A… não detinha capacidade e conhecimentos técnicos para, por si mesma, implementar e produzir máquinas com sistemas de etiquetagem;
l) Nos primeiros tempos da implementação do processo de fabrico, no ano de 2013, 2 ou 3 técnicos da B… vinham frequentemente às instalações da Requerente, dar suporte técnico, estando lá 3 ou 4 dias;
m) Os serviços prestados pelo pessoal da B… foram ao abrigo do contrato referido, pois, para evitar surpresas desagradáveis e estando envolvidos valores consideráveis, a Requerente contratou um serviço «chave na mão»;
n) As remunerações e despesas de deslocação e estadia dos quadros da B… que estiveram nas instalações da Requerente foram suportadas pela B…, não tendo sido emitida à Requerente qualquer outra factura, além das referidas;
o) A presença de técnicos da B… nas instalações da Requerente decorreu até cerca do primeiro trimestre de 2014;
p) Quando foi celebrado o contrato a Requerente não podia prever quantas máquinas iria produzir utilizando a tecnologia adquirida à B…;
q) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2015…, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
Falta de retenção na fonte de rendimentos pagos a não residentes - Transferência de tecnologia
III.1 - Conceitos fundamentais subjacentes à dupla tributação internacional
Estudar a dupla tributação internacional implica uma abordagem às regras do direito fiscal internacional.
O direito fiscal internacional e o ramo do Direito que integra normas que criam e disciplinam as posições jurídicas de sujeitos passivos de impostos, tendo como objeto regular situações em que estão em contacto mais do que uma ordem jurídica tributária com poderes para tributar. No fundo, regula situações em que estará em causa uma dupla tributação internacional envolvendo sujeitos passivos com residências fiscais diferentes.
A dupla tributação internacional existe quando há incidência de impostos equiparáveis em dois ou mais Estados, relativamente a um mesmo contribuinte, facto gerador e períodos de tempo idênticos. Nesta situação, existe uma realidade tributária que está vinculada ao ordenamento tributário de mais que um estado por elementos de conexão.
Os elementos de conexão são as relações ou ligações existentes entre os sujeitos passivos do imposto, os objetos e os factos com os ordenamentos tributários. Por via de um ou mais desses elementos de conexão, podem dois ordenamentos tributários independentes prever a incidência de imposto sobre o mesmo facto tributário, aparecendo os dois como sujeito ativo da relação jurídico-tributária.
O facto tributário é a fonte da obrigação, determinado o pressuposto, o sujeito passivo, o momento, a base tributável, o local e a taxa que estão na origem da prestação tributária. Um único facto tributário pode preencher os requisitos de incidência pessoal e real em dois Estados diferentes, situação em que estaremos perante uma dupla tributação internacional, isto caso não sejam desencadeados mecanismos de afastamento da sujeição ou de isenção num dos Estados envolvidos.
Na temática da dupla tributação internacional, a residência fiscal é um conceito fundamental.
É residente de um Estado qualquer pessoa que, por virtude da legislação vigente nesse Estado, está ai sujeita a tributação, devido quer ao seu domicilio, quer à sua residência, local de direção efetiva ou outro critério de natureza similar.
O estabelecimento estável é termo utilizado nas convenções para evitar a dupla tributação normalmente associado à instalação fixa através da qual um sujeito passivo exerce uma atividade abrangida pela incidência de imposto.
As normas de direito fiscal internacional que vigoram diretamente na ordem jurídica interna dos Estados têm como objetivo a eliminação da dupla tributação internacional, no caso das convenções para evitar a dupla tributação, mas também objetivos de combate à fraude e evasão fiscal.
As convenções para evitar a dupla tributação internacional celebradas por Portugal são fonte de direito fiscal. Assim define o artigo 8º da CRP.
O princípio da hierarquia das fontes de direito fiscal assenta na não contradição entre normas do mesmo sistema, em que uma norma hierarquicamente superior prevalece, em caso de contradição, sobre a norma hierarquicamente inferior.
A aplicação das normas de direito interno às relações jurídico-tributárias é sempre feita sem prejuízo do disposto no direito comunitário e noutras normas de direito internacional que vigorem diretamente na ordem interna ou em legislação especial, assim determina o nº1 do artigo 1º da LGT.
A dupla tributação internacional deve assentar nos seguintes princípios:
v Todos os rendimentos deverão ser tributados em algum lugar;
v A dupla tributação internacional deverá ser evitada com base em princípios
acordados internacionalmente;
v Não ocultação de rendimentos em "paraísos fiscais";
v A minimização da concorrência fiscal prejudicial;
v Promoção da cooperação internacional contra a evasão fiscal;
v O princípio do preço em plena concorrência deverá ser aplicado a todas as transações transfronteiriças.
Com vista a assegurar a prossecução destes princípios, o Estado português tem celebrado tratados e acordos normativos bilaterais e multilaterais com outros Estados, de que se destacam para o que aqui interessa as convenções para evitar a dupla tributação.
As convenções para evitar a dupla tributação internacional assentam no modelo de convenção fiscal da OCDE. O objetivo do modelo de convenção da OCDE é uniformizar o tratamento fiscal dos sujeitos passivos de impostos nos Estados contratantes, de forma a tornar mais clara e simples a implementação dos mecanismos de eliminação da dupla tributação e de possíveis fraudes e evasão fiscais.
Da leitura do artigo 132.º do CIRC resulta que não podem realizar-se transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território português por entidades não residentes, sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido De acordo com o ponto 1) e 2), da alínea c), do n.º3, do artigo 4.º do CIRC, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, consistam em rendimentos cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado, designadamente, os provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.
Nos termos da alínea a), do n.º1, do artigo 94.º do CIRC, o IRC é objeto de retenção na fonte relativamente a rendimentos obtidos em território português, tais como os rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.
Está previsto no nº 2 do mesmo artigo 94.º do CIRC que para efeitos do disposto no número 1, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4º, onde se incluem “os provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico".
As retenções na fonte tem carácter definitivo quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis (cf. alínea b), do n.º3, do artigo 94.º do CIRC).
Prescreve o n.º5 do artigo 94.º do CIRC que as retenções que, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, tenham carácter definitivo, são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87º.
E o n.º4 do artigo 87.º refere que, tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e ai não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%.
O nº 6 do artigo 94º do CIRC define que a obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no CIRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas nos termos estabelecidos no CIRS ou em legislação complementar.
Dispõe ainda a alínea b) do nº10 do artigo 8º do CIRC que no caso dos rendimentos objeto de retenção na fonte a título definitivo, o facto gerador considera-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efetuar essa retenção na fonte.
Nos termos do artigo 20º da LGT, a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte, e efetiva-se através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido, e por força do disposto no artigo 28º da mesma Lei, nos casos de retenção na fonte com caráter definitivo, como é o caso do pagamento de rendimentos a não residentes, o substituto é responsável pelas importâncias que deveriam ter sido deduzidas.
A tributação por retenção na fonte a título definitivo surge nos casos de pagamento de rendimentos a não residentes sem estabelecimento estável e que não estejam obrigados a cumprir obrigação declarativa perante a Administração Tributária portuguesa, passando a entidade obrigada a reter a ser o responsável originário porque o titular dos rendimentos só o e a título subsidiário.
Contudo, prescreve o n.º1 do artigo 98º do CIRC que, não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94º do CIRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Nas situações referidas no n.º1 do artigo 94º do CIRC, prescreve a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, que os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis, da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência;
Quando não seja efetuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei (cf n.º5 do artigo 98.º do CIRC). Sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional, essa responsabilidade pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do artigo 94º do CIRC a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.
Para o caso vertido neste ponto do relatório importa referir a Convenção Entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento e o Capital, ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, de 12 de julho de 2000.
llI.2 - Factos e fundamentos da falta de RFIRC
O n.º1 e 2, do artigo 12.º da referida convenção prescreve que as royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado mas, no entanto, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efetivo das royalties for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties.
Foi registada na contabilidade do SP, na conta 2771112001, no ano de 2013 a fatura … 3-1 da empresa holandesa B… B.V relativa a transferência de tecnologia, no valor de 832.000,00 € e paga em duas tranches, a 1ª de 500.000,00 € em 2013-04-24 e a 2ª de 332.500,00 € em 2013-07-08, conforme documentos em anexo (Anexo 1).
A aquisição foi registada na contabilidade do sujeito passivo como ativo fixo intangível, sendo eleito para efeito da obtenção de um financiamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, DL287/2007, 17 de agosto (código Universal do projeto NORTE-07-…-FEDER-…)
O contrato de transferência de tecnologia, junto ao referido Anexo 1, refere expressamente que a empresa B… está disponível para transferir o conhecimento e Know-how à A… para produzir um sistema de rotulagem/etiquetagem para incorporar nas máquinas.
Os contratos de “know-how" tem por objeto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma da cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria, sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado.
Para efeitos fiscais, a remuneração do "know-how" é um rendimento de capital, uma vez que retribui um capital tecnológico previamente acumulado que é posto à disposição do beneficiário.
Os rendimentos pagos pela A… são rendimentos decorrentes de transferência de tecnologia, sendo denominados, num contexto internacional, de royalties".
O termo ‹‹royalties›› significa em geral a remuneração:
(a) do uso ou da concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico,
(b) das informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico;
(c) do uso ou da concessão do uso de um modelo, de um plano ou de uma fórmula de um processo secreto.
No caso em análise trata-se da transferência de conhecimento relativo a informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, nomeadamente no que se refere a um sistema de rotulagem/etiquetagem.
A A… queria comprar tecnologia para produzir os sistemas de rotulagem para incorporar nas máquinas por si produzidas, e a B… estava disponível para transferir o conhecimento e Know-How necessário.
A B… B.V é uma empresa não residente que tem sede na Holanda conforme certificado de residência fiscal que se junta- Anexo 3.
O pagamento foi feito sem que o sujeito passivo efetuasse a retenção na fonte.
Os rendimentos pagos à empresa B… consideram-se sujeitos a IRC ao abrigo do ponto 1) alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, por serem provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim das informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico e pagos por um devedor com sede em território português.
Esses rendimentos são sujeitos a retenção à taxa de 25% em conformidade com a alínea a) do n.º1 e n.º 4 do art.º 94 do CIRC, ou, no caso de ser acionada a convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, à taxa de 10%.
De acordo com a Convenção entre Portugal e a Holanda, os royalties estão abrangidos pelo disposto no artigo 12.º da Convenção, e por isso, sujeitos a tributação em Portugal, caso seja entregue o formulário modelo 21-RF, à taxa de retenção de 10% sobre os montantes pagos.
A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida pela obrigação idêntica do CIRS, ou na sua falta, na data de colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte, conforme nº 6 do art.º 94º do CIRC.
De acordo com os n.ºs 1 e 2 do art.º 98º do CIRC poderia existir a dispensa total ou parcial do imposto, desde que se verificassem os pressupostos que resultam de convenção para evitar a dupla tributação ou de um acordo de direito internacional, ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelos aprovado por despacho do Ministro das Finanças e certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência.
O sujeito passivo não apresentou até a presente data o Mod 21 RFI (modelo próprio para os rendimentos em causa), devidamente certificado pelo estado da residência, a Holanda, tendo apenas apresentado certificado de residência fiscal.
Em 2016-09-12 o sujeito passivo foi notificado para apresentar o Mod 21 RFI, no prazo de 15 dias, conforme notificação junta (Anexo 2), não tendo apresentado o documento até à presente data.
Da conjugação do disposto no n.º1 do artigo 132.º e do n.º5 do artigo 98.º, ambos do CIRC, quando não seja efetuada a referida prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário tributado obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
O sujeito passivo não apresentou a modelo 30, não tendo cumprido a obrigação a que se refere 0 n.º 7 do artigo 119.º do CIRS por remissão do artigo 128.º do CIRC.
Tendo em conta os factos e fundamentos expostos resulta a falta de entrega de retenção na fonte de IRC no montante conforme o quadro que se segue.
No caso de o sujeito passivo vir a fazer prova que o beneficiário do rendimento acionou a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação, ainda que no decorrer do procedimento inspetivo (durante o direito de audição), então a taxa de retenção na fonte será de 10%.
r) Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações adicionais n.º 2016… e n.º 2016…, respectivamente nos montantes de € 142.452,05 e € 93.892,53, relativas a retenção na fonte de IRC, referentes ao ano de 2013;
s) A Requerente não apresentou durante o processo inspectivo o Mod 21 RFI certificado pelas autoridades fiscais holandesas, tendo apresentado certificado de residência fiscal, que consta do Anexo II ao Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
«The inspector of the Tax authorities Administration Office Arnhem, the Netherlands, hereby declares that
B… B.V,
… …
… -Rijk
Was during the year 2013 a resident of the Netherlands within the meaning of article 4 of the Convention for the avoidance of double taxation between the Kingdom of the Netherlands and the Portuguese Republic».
t) Em 06-09-2017, a Requerente enviou por correio electrónico ao Tribunal Arbitral o documento MOD. 21-RFI cuja cópia ficou anexa à Acta de Reunião efectuada em 07-09-2017, cujo teor se dá como reproduzido, em que a Administração Fiscal holandesa certifica que a B… era residente na Holanda no ano de 2013, estando sujeita a imposto sobre o rendimento;
u) A Requerente e a B… não são sociedades associadas;
v) Em 29-03-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não foi apurado como foram calculados os valores globais pagos.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, bem como na prova testemunhal.
As testemunhas aparentaram depor com conhecimento directo dos factos sobre que se pronunciaram, sendo os seus depoimentos relevantes para apuramento dos serviços que foram prestados pela B… no âmbito do contrato, que se referiram nos factos provados.
Não foram, porém, esclarecidos alguns pontos, designadamente as razões por que foi efectuada uma adenda ao contrato, nem por que é que não estão referidos no contrato todos os serviços que as testemunhas referiram terem sido prestados.
3. Matéria de direito
Em primeira linha, a Requerente imputa às liquidações impugnadas erro de enquadramento da situação gerada com o contrato celebrado e sua execução, que entende não pode ser considerado um contrato de know-how (transferência de tecnologia), devendo, antes, ser considerado um contrato de prestação de serviços, pelo que os rendimentos da B… não podem ser qualificados como royalties para efeitos da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, de 12 de Julho (doravante “CDT Portugal – Holanda”).
Subsidiariamente, para o caso de se entender que se está perante contratos de know-how tributado em Portugal, a Requerente imputa as liquidações impugnadas vício por erro na taxa aplicável, que entende deve ser de 5%, por aplicação da Directiva n.º2003/49/CE, do Conselho de 03-06-2003, ou a de 10% resultante da CDT Portugal – Holanda.
3.1. Questão do enquadramento da situação dos autos no conceito de transferência de tecnologia, para efeitos da do artigo 12.º da CDT Portugal – Holanda
3.1.1. Termos em que é colocada a questão
Está em causa no presente processo, em primeiro lugar, a interpretação e aplicação do artigo 12.º da CDT Portugal – Holanda, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 12.º
Royalties
1 - As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.
2 - No entanto, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo das royalties for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties.
As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar este limite.
3 - Se entrar em vigor uma directiva da UE que preveja o tratamento fiscal comum dos juros e das royalties pagas entre empresas, com as alterações que venham a ser introduzidas, as disposições dessa directiva serão aplicáveis a essas royalties em vez das disposições deste artigo.
4 - O termo «royalties», usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo filmes cinematográficos, filmes ou gravações para difusão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.
O termo «royalties» compreende igualmente as remunerações relativas a assistência técnica em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos de autor, bens ou informações referidos no presente número.
A Requerente efectuou pagamentos à B… B. V. (doravante “B…”), com sede na Holanda, que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu deverem ser considerados royalties, rendimentos de capital, à face da CDT Portugal – Holanda, com o pressuposto de que o contrato celebrado tem por objecto a transmissão de tecnologia (Know-how).
A Requerente defende que «no caso concreto, o contrato celebrado entre Requerente e a B… envolve, não apenas a transferência de tecnologia, mas também a prestação de um conjunto de serviços pela B…, nos quais se aplica os seus conhecimentos tecnológicos» e que «os pagamentos efectuados à B… correspondem à contrapartida por serviços que esta sociedade prestou à Requerente: as partes celebraram não um contrato de transmissão de know how, mas antes um contrato de assistência técnica, envolvendo prestação de serviços».
Salienta ainda a Requerente, na esteira de ALBERTO XAVIER, que a contraprestação paga pela Requerente não foi a característica dos contratos de know-how, pois não «reveste a forma de um lump sum ou de uma percentagem da facturação, da produção ou do lucro" e nos contratos de prestação de serviços "é fixado essencialmente com base no custo demonstrado por critérios relativos ao trabalho desenvolvido, como o número de horas despendidos».
Assim, afirma a Requerente que «no caso, a B… não se limitou a transmitir tecnologia, nem informações, nem conhecimento», «pois que teve uma intervenção directo na aplicação da tecnologia cedida, prestando serviços técnicos para esses efeito», «tendo ainda sido remunerada pela execução desses mesmos serviços e sem que, para o efeito, se estabelecesse critérios relacionados com a facturação, a produção ou o lucro», pelo que não estamos «perante um contrato de transmissão de know-how, nem os rendimentos auferidos pela entidade não residente se podem classificar como royalties, sendo antes rendimentos comerciais provenientes de prestações de serviços e assistência de natureza técnica».,
Com estes pressupostos, defende a Requerente que os serviços referidos não se enquadram na previsão do artigo 12.º da CDT Portugal – Holanda, por não respeitarem apenas a transferência de tecnologia, pelo que não há lugar a retenção na fonte sobre os valores que foram pagos à B… .
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o contrato em causa será de qualificar como sendo “royalties” atenta a abrangência dessa qualificação, nos termos do artigo 12.º, n.º 4, da CDT Portugal – Holanda, salientando que o próprio título do contrato “Assignment and technological transfer”, que traduz como “Atribuição/Concessão e transferência tecnológica”.
Refere ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que se está perante um «contrato transferência de tecnologia e “know-how” tout-court, prevendo acessoriamente “local traininig” (entenda-se formação nas instalações da Requerente), única parcela do contrato que parece enquadrar uma putativa prestação de serviço (alegada prestação de serviços nos pontos 18, 20, 22, 23, 24 e 26) do pedido de pronúncia arbitral), a qual “compreende igualmente as remunerações relativas a assistência técnica em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos de autor, bens ou informações”, conforme o n.º 4, do artigo 12.º da CDT Portugal – Holanda, integrando portanto o conceito de royalties».
3.1.2. Apreciação da questão
Os conceitos de «contrato de know-how», contrato de «prestação de serviços técnicos» (engineering) e de «assistência técnica» foram definidos pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08-03-2006, proferido no processo n.º 0845/05, na esteira de ALBERTO XAVIER, nos seguintes termos:
Comecemos por distinguir entre o contrato de know-how e o contrato de prestação de serviços técnicos, designado como contrato de “engineering”.
Citando Alberto Xavier, diremos que o contrato de know-how tem por objecto a “transmissão de tecnologias preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma da cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria, sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado”.
Já o contrato de prestação de serviços técnicos (“engineering”) tem por objecto a execução de serviços que pressupõem, por parte do prestador dos serviços, uma tecnologia, a qual não se destina a ser transmitida, mas apenas aplicada no caso concreto.
De novo, citando Alberto Xavier, no know-how transfere-se tecnologia, enquanto no engineering aplica-se tecnologia.
Outra distinção é entre contrato de assistência técnica, e contrato de prestação de serviços técnicos (engineering).
A palavra assistência implica, como é óbvio, uma relação de dependência, acessória de uma outra operação.
Como exemplo deste é citado o caso do contrato de venda de equipamentos industriais que prevê cláusulas ou contratos conexos, relativos ao assessoramento na instalação, montagem e colocação em funcionamento.
E a assistência técnica distingue-se do contrato de prestação de serviços técnicos pois enquanto neste último as partes querem a própria execução de um determinado serviço, nos primeiros, as partes querem uma informação tecnológica através de um serviço complementar ou acessório relativamente ao objecto principal do contrato, que é a transmissão de uma informação tecnológica ( Fiscalidade, 19/20, pág. 149).
Ou seja: a assistência técnica distingue-se do contrato de engineering pois enquanto neste último a prestação de serviços é o objecto principal do contrato, naquele, a prestação de serviços é meramente instrumental relativamente ao objecto principal do contrato, que é a transmissão de uma informação tecnológica.
E a Administração Fiscal Espanhola caracteriza a assistência técnica como o “facto de uma empresa colocar pessoal qualificado à disposição do cliente, quando tal seja necessário para a própria transferência dos conhecimentos e experiência cedidos e não correspondam a uma obrigação de fazer, que constitua o objecto principal do contrato”.
E daí que os contratos de assistência técnica estão sujeitos a tributação, qualificados que são como rendimento de capitais, devido à complementaridade ou carácter instrumental da assistência técnica em relação à transmissão da informação resultante da experiência adquirida.
Os termos do contrato permitem inequivocamente concluir que as partes visaram com ele a transferência de tecnologia e know-how sobre a produção de sistemas de etiquetagem que a B… possuía e que a A… pretendia adquirir para produzir para incorporar nas máquinas que pretendia fabricar:
3) A… wants to purchase the technology to B… to produce the labeling systems to incorporate in A… machines;
4) B… is available to transfer the technological knowledge and know-how to A… to produce labeling systems to incorporate in A… machines;[1]
Os termos do contrato também revelam que não foi contratada apenas a utilização pela Requerente da tecnologia e know-how da B…, mas foi incluída também a prestação de serviços pela B… nas instalações da Requerente:
I – TECHNOLOGY TRANSFER
1) The transfer of all the knowledge with regard to the manufacture, assembly and implementation of the labeling systems;
2) The transfer of all the knowledge with regard to the technical information to be used;
3) Local training to be given by B… technical staff at the facilities of A… to A... technical staff. This training includes the know-how of die cutting systems. [2]
A prova produzida confirma que o contrato celebrado teve em vista a utilização pela Requerente da tecnologia e experiência da B… na produção de máquinas da Requerente, mas incluiu a prestação de serviços por técnicos da B… nas instalações da Requerente, indicando-lhe equipamentos a adquirir, a contratação de mão-de-obra adequada, formando quadros e sugerindo serviços especializados que deveriam ser contratados de electrónica e software e dando suporte técnico, estando lá 3 ou 4 dias, por vezes em semanas contínuas, sendo o valor desses serviços englobado nas quantias que se referem nas facturas, pois for acordado um serviço completo destinado à implementação da linha de produção.
Porém, nos termos do n.º 4 da CDT Portugal – Holanda, o termo «royalties» não abrange apenas as retribuições pelo uso ou concessão de uso de direitos ou equipamentos, mas também as que são pagas «por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico», sendo desta perspectiva que a referida prestação de serviços se enquadra no conceito de «royalties».
Na verdade, a informação fornecida à Requerente sobre equipamentos a adquirir e contratação de mão-de-obra adequada, a formação de quadros e sugestão de serviços especializados que deveriam ser contratados de electrónica e software e fornecimento de suporte técnico baseado nos conhecimentos dos técnicos da B…, consubstancia fornecimento de informações respeitantes a uma experiência que eles adquiriram, de que a Requerente carecia, pelo que a situação se enquadra na parte final do 1.º parágrafo do n.º 4 do artigo 12.º da CDT Portugal – Holanda, como bem entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária ao dizer: «No caso em análise trata-se da transferência de conhecimento relativo a informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, nomeadamente no que se refere a um sistema de rotulagem/etiquetagem».
No caso em apreço, o objecto do contrato é a transferência para a Requerente dos conhecimentos tecnológicos necessários para a implementação do fabrico de sistemas de etiquetagem, não existindo prestação de serviços que não se reconduzam a fornecimento de informações destinadas a essa implementação pela própria Requerente.
Na verdade, no caso em apreço, foi apenas a Requerente quem adquiriu equipamentos e contratou a mão-de-obra adequada e quem produziu as máquinas com utilização dos conhecimentos transmitidos pelos técnicos da B…, não tendo estes, eles próprios, executado essas tarefas para a Requerente, sem a transmissão dos conhecimentos necessários para que esta os executasse, que permitiria qualificar o contrato como sendo de prestação de serviços técnicos (“engineering”), à face da referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Também no que concerne a formação de quadros da Requerente por técnicos da B…, está-se perante uma forma de transmitir para a Requerente os conhecimentos necessários para aplicar a tecnologia referida, pelo que não se está perante serviços autonomizáveis da transferência de tecnologia e know-how contratada.
O facto de a remuneração da B… ser quantificada no contrato em vez de se traduzir numa percentagem da facturação, da produção ou do lucro que a Requerente viesse a obter, afigura-se não ser suficiente para descaracterizar o contrato como sendo de transferência de tecnologia e know-how, pois a forma de remuneração não é relevante para esse efeito, como decorre do n.º 4 do artigo 12.º da CDT Portugal – Holanda, que qualifica como «royalties», as «retribuições de qualquer natureza».
De qualquer forma, ao contrário do que defende a Requerente, a fixação de um pagamento global e não de uma percentagem de facturação, produção ou lucros está em sintonia com os ensinamentos de ALBERTO XAVIER, pois é isso que consubstancia um lump sum, referido na citação que a Requerente faz deste Autor.
Por outro lado, a caracterização do contrato como de know-how, está também em sintonia com os comentários 11.1. e 11.2 ao artigo 12.º da Convenção Modelo da OCDE em que se refere:
“11.1 No contrato de know-how, uma das partes obriga-se a transmitir os seus conhecimentos e experiências específicos, não revelados ao público, à outra parte, que pode utilizá-los por sua conta própria. Reconhece-se que o cedente não tem de intervir na aplicação das fórmulas concedidas ao concessionário nem garantir resultados.
11.2 Este tipo de contrato difere, por conseguinte, dos contratos que englobam prestações de serviços, em que uma das partes se obriga, por força dos conhecimentos correntes da sua actividade, a executar um trabalho para a outra parte. As remunerações pagas a este título relevam, em regra, das disposições do Artigo 7º». ( [3] )
No caso em apreço, os conhecimentos e experiência da B… destinavam-se a utilização pela Requerente para produzir máquinas de etiquetagem por conta própria, não assumindo a B… a obrigação de as produzir para a Requerente.
Por isso, na linha da referida jurisprudência e doutrina, tem de entender-se que o contrato celebrado entre a Requerente e a B… enquadra-se na previsão do artigo 12.º, n.º 4, da CDT Portugal – Holanda, pelo que a qualificação que lhe foi dada pela Autoridade Tributária e Aduaneira não merce censura.
3.2. Questão da taxa aplicável às retenções na fonte
Nos termos do artigo 94.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, «o IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: a) Rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico».
De harmonia com o n.º 2 do mesmo artigo consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, onde se incluem «os provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico».
Por força da alínea b) do n.º 3 do artigo 94.º do CIRC «as retenções na fonte tem carácter definitivo quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis».
Assim, os rendimentos pagos pela Requerente à B… estavam sujeitos a retenção na fonte, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicado a taxa de 25%, ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 87.º do CIRC.
3.2.1. Questão da aplicação da taxa de 5% por aplicação da Directiva n.º 2003/49/CE do Conselho de 03-06-2003
A Requerente defende, porém, que deve ser aplicada a taxa de retenção na fonte de 5%, com base na Directiva n.º 2003/49/CE do Conselho de 03-06-2003.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a Directiva Juros & Royalties aplica-se aos pagamentos transfronteiriços de juros e de royalties entre sociedades associadas de estados membros diferentes e também entre estabelecimentos estáveis dessas associadas, o que resulta do artigo 1.º, n.º 7, em que se refere que «o presente artigo aplica-se apenas se a sociedade que é o pagador ou a sociedade cujo estabelecimento permanente é considerado como sendo o pagador dos juros ou royalties for uma sociedade associada à sociedade que é o beneficiário efectivo ou cujo estabelecimento permanente é considerado como sendo o beneficiário efectivo desses juros ou royalties.”
Efectivamente, como resulta desta norma, bem como da alínea b) do artigo 96.º do CIRC (que veio a ser revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto), o regime previsto na Directiva n.º 2003/49/CE aplica-se apenas relativamente ao pagamento de royalties entre sociedades associadas, o que não é o caso.
Por isso, não tem suporte legal a pretensão da Requerente de que lhe seja aplicada a taxa de 5%.
3.2.2. Questão da aplicação da taxa de 10% por aplicação da CDT Portugal – Holanda
No Relatório da Inspecção Tributária entendeu-se "de acordo com a Convenção entre Portugal e a Holanda os royalties estão abrangidos peto disposto no artigo 12.º do Convenção, e por isso, sujeitos a tributação em Portugal, caso seja entregue o formulário modelo 21-RF, à taxa de retenção de 10% sobre os montantes pagos."
O n.º 2 do referido artigo 12.º estabelece que «essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo das royalties for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties».
A Requerente defende que a AT não contesta que a B… é uma entidade não residente, com sede na Holanda, tendo para o efeito lhe sido entregue o certificado de residência fiscal da sociedade, pelo que não lhe podem ser impostas obrigações acessórias, designadamente ao abrigo do artigo 98.º do CIRC, a entrega do Mod. 21-RFI, pois a CDT tem força superior às normas de interno por força do disposto no artigo 8.º, n.º 3, da CRP.
O n.º 1 do artigo 98.º do CIRC estabelece que não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94º do CIRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Por força da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, «os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis» «da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional ou ainda da legislação interna aplicável, através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência».
Nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 98.º «quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei».
O n.º 2 do artigo 12.º da CDT Portugal – Holanda permite que as royalties podem ser «tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado», pelo que os termos procedimentais relacionados com essa tributação em Portugal e sua dispensa são aceites pela CDT, o que dá abertura, em princípio, à aplicação do regime previsto no artigo 98.º do CIRC.
Por outro lado, para que a B… pudesse ser considerada como «residente de um Estado Contratante» para efeitos da CDT Portugal – Holanda não basta que aí estivesse sedeada, pois, nos termos do artigo 4.º,n.º 1, da CDT «para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar».
No caso em apreço, o certificado de residência apresentado pela Requerente durante a acção inspectiva, que consta do Anexo II ao Relatório da Inspecção Tributária, emitido pelas autoridades fiscais holandesas, cuja autenticidade não foi questionada, refere que, durante o ano de 2013, a B… era residente na Holanda com o sentido do artigo 4.º da CDT Portugal – Holanda («resident of the Netherlands within the meaning of article 4 of the Convention for the avoidance of double taxation between the Kingdom of the Netherlands and the Portuguese Republic»).
As informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras têm, em princípio, valor probatório idêntico as prestadas pelas autoridades portuguesas, sendo esse o princípio que se infere do n.º 4 do artigo 76.º da LGT, pelo que, não havendo qualquer razão para duvidar da informação prestada, ela deve ser considerada como meio de prova.
Neste caso, ao dizer que a B… era residente na Holanda com o sentido do artigo 4.º da CDT, a declaração das autoridades holandesas estava implicitamente a dizer que «está aí sujeita a imposto», pois é com este sentido que o n.º 1 desta norma considera alguma entidade como «residente de um Estado Contratante», para efeito da CDT.
Assim, é de concluir que a prova da qualidade da B… como residente na Holanda no ano de 2013, para efeitos de aplicação da CDT, já estava feita com a apresentação da referida declaração das entidades holandesas.
Neste contexto, coloca-se a questão de a apresentação do mod. 21-RFI ser um elemento indispensável para prova do que já estava provado pela referida declaração das autoridades fiscais holandesas.
A resposta a esta questão deve ser negativa, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 14-12-2016, proferido no processo n.º 0141/14:
I - Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.
II - As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna.
III - Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no nº 1 do artigo 1º da LGT.
IV - Resulta da interpretação dos artigos 103 da CRP e 90 do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados podendo ser substituídos nos termos do artigo 364 nº 2 do Código Civil.
Na linha desta jurisprudência, entende-se que decorre da prevalência das normas de convenções internacionais sobre as normas de direito interno (artigo 8.º, n.º 3, da CRP), bem como do princípio de que os elementos fundamentais da tributação dependem de lei formal (artigo 103.º, n.º 2, da CRP), que a aplicação do regime que resulta da CDT Portugal – Holanda quando estavam provados os pressupostos materiais da sua aplicação, não pode ser afastada com fundamento na falta de apresentação do MOD. 21-RFI, exigida por um despacho do Ministro das Finanças publicado na II série, do Diário da República.
Pelo exposto, conclui-se que as liquidações impugnadas enferma de vício de violação de lei ao não fazerem aplicação da taxa de 10%.
4. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações impugnadas com fundamento na não aplicação da taxa de 10% de retenção na fonte.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 236.344,56.
6. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 27-10-2017
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(António Pragal Colaço)
(Gonçalo Cid Peixeiro)
[1] Numa tradução livre:
3) A A… quer comprar a tecnologia à B… para produzir sistemas de rotulagem para incorporar em máquinas A…;
4) A B… está disponível para transferir o conhecimento tecnológico e o know-how para A… para produzir sistemas de rotulagem para incorporar em máquinas A…;
[2] Numa tradução livre:
I - TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA
1) A transferência de todos os conhecimentos relativos ao fabrico, montagem e implementação dos sistemas de rotulagem;
2) A transferência de todo o conhecimento em relação à informação técnica a ser utilizada;
3) Treinamento local a ser fornecido pela equipa técnica da B… nas instalações da A… à equipa técnica da A…. Este treinamento inclui o know-how dos sistemas de corte de matrizes.
[3] Na versão em inglês:
11.1 In the know-how contract, one of the parties agrees to impart to the other, so that he can use them for his own account, his special knowledge and experience which remain unrevealed to the public. It is recognized that the grantor is not required to play any part himself in the application of the formulas granted to the licensee and that he does not guarantee the result thereof.
11.2 This type of contract thus differs from contracts for the provision of services, in which one of the parties undertakes to use the customary skills of his calling to execute work himself for the other party. Payments made under the latter contracts generally fall under Article 7..
Na versão em francês:
11.1 Dans le contrat de savoir-faire, l'une des parties s'oblige à communiquer ses connaissances et expériences particulières, non révélées au public, à 1'autre partie qui peut les utiliser pour son propre compte. II est admis que le cédant n'a pas à intervenir dans l'application des formules concédées au concessionnaire et n'en garantit pas le résultat.
11.2 Ce contrat diffère donc de ceux qui comportent des prestations de services, ou l'une des parties s'oblige, à 1'aide des connaissances usuelles de sa profession, à faire elle-même un ouvrage pour 1'autre partie. Les rémunérations versées à ce titre relèvent généralement de 1'article 7.