O Árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
A) Relatório:
-
A… e B…, contribuintes fiscais n.os … e …, (doravante designados por “Requerentes”), casados, residentes em …, n.º … –…, …-… Lisboa, apresentaram um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 30 de maio de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).
-
Os Requerentes pretendem, no referido pedido de pronúncia arbitral, ao Tribunal Arbitral:
(I) A declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2013, por não se conformarem com as alegadas inexactidões detectadas pela Autoridade Tributária na declaração de rendimentos, expressas na notificação que lhe foi feita pelo ofício 2017.01.20, pressupondo um montante de rendimento do trabalho não declarado de 95.074,55 euros, a que corresponde o saldo global apurado de 52.266,10, por liquidação adicional de IRS, englobando,
- O estorno de liquidação de 2013 – Liq. 2014 … no montante de € 4.963,38;
- Acerto de liquidação de 2013 – Liq. 2017 … no montante de € 42.464,24:
- Juros compensatórios – Liq. 2017 … no montante de € 4.351,12;
- Juros compensatórios por recebimento indevido – Liq. 2017 …, no montante de € 487,36;
(II) A restituição do valor depositado a título de caução no montante de € 66.425,61, garantindo o valor liquidado em execução pendente;
(III) O pagamento dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante depositado pelos Requerentes a título de caução.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Requerida, em 30 de maio de 2017.
-
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e as partes não manifestaram recusar a designação, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e do art. 7.º do Código Deontológico.
-
A 24 de agosto de 2017 foi constituído o tribunal arbitral.
-
Notificada para o efeito a 28 de agosto de 2017, a Requerida apresentou, em 3 de outubro de 2017, a sua Resposta, tendo remetido cópia do processo administrativo a 20 de outubro de 2017.
-
Em 4 de outubro de 2017, foi dispensada a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se convidado a Requerente e Requerida a alegar, por escrito.
-
A 28 de novembro de 2017 foi fixado o prazo limite para publicação da decisão final a 21 de dezembro de 2017.
-
Os Requerentes não apresentaram alegações escritas e a Requerida apresentou as suas alegações a 28 de novembro de 2017.
-
Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
(i) O Requerente marido, em 2013, rescindiu, por mútuo acordo, o contrato de trabalho que tinha com a instituição de crédito onde trabalhava, o C….
(ii) Tendo sido paga ao Requerente marido uma indemnização no valor de € 120.397,14, tendo em conta a antiguidade decorrente do tempo de serviço prestado a esta e a outras instituições bancárias onde trabalhou, o que perfazia um total de 26 anos de antiguidade.
(iii) O Requerente marido trabalhou, concretamente, no C… 5 anos e 23 dias.
(iv) A entidade empregadora do Requerente marido pagou a referida indemnização correspondente aos 26 anos de serviços considerando o Acordo Colectivo de Trabalho dos Bancários (ACTV do sector bancário de ora em diante) que prevê, no seu art. 17.º, n.º 1 al. a), que “antiguidade é todo o tempo de serviço prestado nas Instituições de Crédito em Portugal”.
(v) O Requerente marido, sindicalizado, descontou para o Sindicato dos Bancários do Sul, incluindo no mês da cessação do contrato de trabalho em Maio de 2013.
(vi) O Requerente, aquando da cessação do contrato de trabalho com as anteriores instituições de crédito para quem trabalhou, não recebeu qualquer indemnização pela rescisão considerando, nomeadamente, o ACTV do sector bancário salvaguardaria essa compensação na instituição seguinte.
(vii) Já que, pelas regras que resultam para o sector bancário pelo ACTV respectivo, a última instituição bancária para quem o sujeito passivo labore fica com o encargo de proceder ao pagamento de indemnização considerando a antiguidade do trabalhador em qualquer instituição bancária.
(viii) Considerando assim toda a antiguidade para o sector, prevista no ACTV a mesma não se encontra sujeita a IRS, contendo-se no disposto da aplicação da norma de delimitação negativa da incidência do art. 2.º, n.º 4 alínea b) do Código do IRS segundo posição sufragada pelos Requerentes.
(ix) Bem como, segundo alegam, é a interpretação que tem sido feita pela jurisprudência, indicando os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul de ora em diante) de 11 de Maio de 2004 (Proc. 6002/01), de 21 de setembro de 2010 (Proc. 3748/10) e ainda de 12 de março de 2013 (Proc. 5971/12) e, ainda, suscitam jurisprudência do CAAD – Processo n.º 230/2016-T.
(x) Os Requerentes não se conformam, por isso, com a interpretação da AT quanto à não aplicabilidade do ACTV do sector bancário para determinar o conceito de “antiguidade” considerando, unicamente, o valor indemnizatório calculado em relação à antiguidade do sujeito passivo na (última) entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho.
(xi) O que, para os Requerentes constitui violação do art. 17.º do ACTV do sector bancário que se mostra, segundo a sua interpretação, vinculativa para trabalhadores e entidades patronais e aplicadas pelos Tribunais de Trabalho ou fiscalizadas e feitas cumprir pela ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho).
(xii) E, por isso, a própria entidade patronal do Requerente marido aceitou pagar uma indemnização abrangendo toda a antiguidade no sector bancário, anterior ao tempo de serviço prestado ao C… .
(xiii) Já que, segundo os Requerentes, as regras criadas pelo sector bancário que deixam, nos termos do n.º 2 do art. 17.º do ACTV do sector bancário, para a última entidade patronal do sujeito passivo o pagamento da indemnização por rescisão de contrato de trabalho quanto a toda a antiguidade e, por outro lado, a previsão legal de não sujeição a tributação estabelecida no Código do IRS, com base nessa antiguidade.
(xiv) Considerando os Requerentes que o cômputo da “antiguidade” relevante para apurar o multiplicador a que alude a al. b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS é a que resulta do instrumento de regulação colectiva do sector bancário pelo que discordam da interpretação que AT adoptou, i.e., a consideração para o cálculo do montante sujeito à tributação apenas a antiguidade do sujeito passivo na última entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho.
(xv) Os Requerentes sustentam, ainda, que a interpretação da AT constitui, por um lado, abuso de direito, já que entendem que a norma (do ACTV do sector bancário) quis efectivamente excluir a tributação da indemnização em sede de IRS e, por outro lado é discriminatória já que consideram que os trabalhadores bancários tinham em cláusula contratual, ínsita em acordo vinculativo celebrado entre as entidades empregadoras e associações sindicais, a acumulação da sua antiguidade relativamente a todas as instituições de crédito em que trabalhassem, para serem indemnizados pela última entidade empregadora.
(xvi) E que, de qualquer forma, sempre seria uma violação do princípio de justiça já que existira, com a interpretação da AT, um benefício do Estado em prejuízo dos Requerentes.
(xvii) E, pelo contrário, segundo a perspectiva dos Requerentes nenhum prejuízo é razoável e fundadamente invocável pela AT, uma vez que, a ter em conta o seu entendimento, se o Requerente marido tivesse recebido indemnizações parciais por cada período de trabalho e em cada Instituição, sempre que mudou de instituição bancária, igualmente estaria excluída a sua tributação em sede de IRS.
(xviii) O entendimento da AT sempre seria, na posição dos Requerentes, inconstitucional, mormente por se tratar de uma indemnização atribuída por perda de emprego, habitualmente de grave fragilidade pessoal e social, razão que terá levado o legislador a estabelecer excepcionalmente uma não sujeição a tributação em IRS.
(xix) Para além disso, defendem os Requerentes a violação pela AT do art. 68.º-A, n.º 4 da LGT já que considerando as decisões dos tribunais judiciais que alegam, em sentido contrário à posição assumida pela Requerida, sempre estaria esta obrigada a ajustar o seu entendimento ao sentido das decisões dos tribunais superiores que os Requerentes alegam que sustentam a sua posição, nomeadamente os acórdãos do TCAS proferidos nos processos n.os 6002/01 de 11/05/2004, 3748/10 de 21/09/2010, 5971/12 de 12/03/2013 e ainda decisão do próprio CAAD no processo n.º 230/2016-T.
(xx) Impondo-se, segundo os Requerentes, que a actuação jurídico administrativa se deva ajustar à Constituição e á lei, segundo os princípios da legalidade, universalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé, tudo nos termos dos arts. 226.º, n.º 2, 3.º, 2, 3, 18.º, 12.º, 13.º, n.º 2 da CRP e arts. 8.º e 9.º da LGT.
(xxi) Por tudo isto, entendem os Requerentes que é ilegal a liquidação adicional de IRS, do ano de 2013, no montante de € 52.266,10, incluindo os correspondentes juros compensatórios, atenta a errónea qualificação e quantificação da matéria tributável e vício de fundamentação relativamente à correcção efectuada, o que é fundamento de anulação do acto tributário através da liquidação.
(xxii) Para além disso, entendem os Requerentes ter direito a juros indemnizatórios correspondentes à caução no valor de € 66.425,61 que constituíram, por depósito e cuja restituição peticionam, para impedir a penhora e execução dos seus bens no âmbito do processo de execução n.º …2017… .
(xxiii) Em suma, sustentam os Requerentes que há um erro de facto e de direito na interpretação e aplicação das normas do art. 17.º do ACTV do sector bancário e do art. 2.º, n.º 4 do Código do IRS, bem assim, dos correspondentes juros compensatórios, sendo tais montantes devidos aos Requerentes, para além de juros indemnizatórios.
-
Por sua vez, a Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e alegando, em síntese, que:
(i) Em causa está a tributação da indemnização paga pelo C… ao Requerente marido, no montante de € 120.397,14 na sequência de rescisão do contrato de trabalho.
(ii) Na acção inspectiva ao C… constatou que, durante o ano de 2013, aquela instituição bancária rescindiu o contrato de trabalho, entre outros, com o Requerente marido tendo contabilizado, quanto a este, para efeitos de antiguidade, todo o tempo de serviço prestado no sector bancário, isto é, 26 anos.
(iii) Sendo que, no que se refere ao C…, o tempo de serviço do Requerente marido se reporta a 5,23 anos.
(iv) Perante a discrepância a AT procedeu a correcções técnicas à Declaração mod. 3 de IRS, para o ano fiscal de 2013, dando causa às liquidações de IRS e juros compensatórios em causa.
(v) Entende a AT que a antiguidade a contabilizar, para efeitos do n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS, é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho, não sendo de ponderar, na aplicação do referido preceito legal, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tenham acordado ser de considerar em eventuais futuras “indemnizações”, por contrato de trabalho ou que decorra de instrumentos de regulamentação colectiva.
(vi) Assim, foi sobre a antiguidade de 5,23 anos que foi apurado o montante indemnizatório pela AT excluído de tributação de IRS, porquanto é este o tempo de serviço prestado na última entidade empregadora, sobre quem recai o dever de pagar a compensação.
(vii) Para este efeito a Requerida considera que o conceito de antiguidade – antiguidade per si, sem qualquer qualificativo – em sede laboral não comporta uma especial densidade científica que o afaste significativamente do sentido da linguagem corrente: traduzindo, tal como noutros contextos jurídicos, um intervalo juridicamente relevante, com efeitos diversos, entre um determinado termo inicial e um determinado termo final.
(viii) Apesar de os instrumentos de regulamentação colectiva aduzirem vários qualificativos à antiguidade laboral, a verdade é que o Código do Trabalho não define o que seja “antiguidade” nem apresenta uma qualificação unívoca dela, constatando-se, contudo, à saciedade, a prevalência da noção de “antiguidade na empresa”, incluindo em matéria de cessação do contrato de trabalho.
(ix) Entende a AT que, conforme o artigo 339.º do Código do Trabalho de 2009 (cf. Artigo 383.º do Código do Trabalho de 2003), interpretando a expressão “indemnização” também como “compensação”, em matéria de cessação do contrato de trabalho podem os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho regular os critérios de definição de indemnizações (compensações) e os prazos de procedimento e de aviso prévio, podendo ainda regular os valores de indemnizações (compensações) mas, neste caso, dentro dos limites fixados no Código – matérias excluídas da disponibilidade das partes no contrato de trabalho.
(x) Da caducidade do contrato de trabalho, do despedimento por causas objectivas, da substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento ou da resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador – isto é, das situações que dão origem às referidas compensações ou indemnizações – tem de distinguir-se o acordo de distrate/revogação do contrato individual de trabalho, em que não está limitada a liberdade contratual e, assim, a autonomia negocial entre as partes, podendo estas acordar entre si contrapartidas pecuniárias várias pela cessação contratual, porventura traduzidas numa compensação pecuniária global que, não tendo de respeitar limites legais, está na inteira disponibilidade das partes.
(xi) Analisando o conteúdo dos acordos colectivos de trabalho do sector bancário, que contém aquela clausula 17.ª (sob a epígrafe “Determinação da antiguidade”), importa concluir que, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, tais instrumentos não incidem sobre as compensações/indemnizações por caducidade do contrato de trabalho, por despedimento por causas objectiva, por resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador ou por acordo de distrate/revogação do contrato de trabalho – matérias que, bem vistas as coisas, estão portanto arredadas dos efeitos normativos emergentes de tal cláusula 17.ª, tão simplesmente por não integrarem “todos os efeitos previstos” em tais instrumentos.
(xii) Ao regime jurídico do artigo 2.º, n.º 4, do Código do IRS subjaz uma notória vocação anti abuso, própria das cláusulas especiais preventivas da evasão fiscal – vocação que tem especial razão de ser, pois não seriam em qualquer caso aceitáveis acordos que dispusessem sobre antiguidade laboral reconhecendo antiguidades meramente artificiais e impondo tal reconhecimento para efeitos de delimitação negativa da incidência de imposto.
(xiii) Refere ainda a AT que os citados acórdãos de 12/03/2013, vertido sobre o Proc. 5971/12, e de 21/09/2010, Proc. 3748/10, mereceu uma Anotação (cfr. Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), de Cláudia Reis Duarte e Filipe Fraústo da Silva, em Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012).
(xiv) A AT, referindo-se e citando a anotação do qual se extrai que “Realmente, temos por incontestável que o conceito de antiguidade incluído na fattispecie das normas do Código do Trabalho que estabelecem os referidos critérios de definição de indemnizações (ou compensações) no âmbito do regime da cessação do contrato de trabalho é o da antiguidade na empresa (...)”.
(xv) Concluindo a AT, na esteira dos autores da anotação “que a doutrina decorrente do aresto sob anotação nos merece as críticas antes enunciadas, e tendemos por isso a considerar antes, quanto à questão específica da antiguidade, que da própria literalidade do preceito normativo resulta que esta corresponde ao número de anos ou fracção de antiguidade na entidade empregadora com a qual cessa o contrato na origem das importâncias pagas (com a ressalva da antiguidade verificada em outras entidades em relação de domínio ou de grupo com aquela por força da extensão do conceito operada pelo n.º 10 do art. 2.º do CIRS). Acresce que — e ainda que houvesse que fazer recurso, no preenchimento do conceito em causa (o que entendemos não ser o caso na medida em que o legislador fiscal foi claro e consagrou em letrade lei que a antiguidade é a verificada na entidade devedora), ao direito laboral — a solução seria ainda idêntica, uma vez que no Código do Trabalho não encontramos uma definição de antiguidade e, se alguma tivermos que daí extrair, essa será a antiguidade na empresa, e não a antiguidade que resulta de uma cláusula de qualquer convenção colectiva de trabalho ou de acordo estabelecido entre as partes”.
(xvi) Acrescentando ainda que, o recurso à norma do artigo 11.º, n.º 2 da LGT pressupõe – face à expressão “salvo se outro decorrer directamente da lei” – a inexistência na norma legal (alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS) de um qualquer sentido próprio de antiguidade, algo que o Acórdão do TCA Sul de 21-09-2010 parece ter dado à priori por assente.
(xvii) Por sua vez, quanto aos acórdãos do TCA Sul de 11-05-2004 e de 12-03-2013, considera a AT que, embora detectando na referida norma um sentido próprio do conceito, logo o obnubilaram para, sem se darem conta do absurdo em que caiam, justificarem com o n.º 2 do artigo 11.º da LGT a procura de um sentido dito menos restritivo.
(xviii) Em qualquer caso, considera a AT, o recurso ao n.º 2 do artigo 11.º da LGT sempre implicaria, como é lógico, a assunção prévia de um critério metodologicamente válido que permitisse optar por uma das múltiplas qualificações de antiguidade existentes no âmbito laboral, com exclusão de todas as demais, algo que a jurisprudência em que os Requerentes se ancoram não expressou, de todo.
(xix) O problema jurídico objecto dos autos não se circunscreve a saber qual o conceito de antiguidade a atender na aplicação da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, á luz da estatuição do n.º 2 do artigo 11.º da LGT.
(xx) Bem pelo contrário, segundo a AT, a questão prende-se com o facto de saber-se se aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, enquanto detentora de um sentido próprio do conceito de “antiguidade na empresa” que se comprova existir, pode ser permeável a outras qualificações de antiguidade acordadas em instrumentos jurídicos de natureza negocial, bilaterais ou colectivos, que imponham à entidade devedora da prestação pecuniária referida nessa norma uma antiguidade maior do que a correspondente à duração da relação contratual outorgada por tal entidade.
(xxi) Considerando a AT que “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes (...) não vincula a administração tributária” de acordo com o n.º 4, do artigo 36.º da LGT –norma que abrange, naturalmente, por maioria de razão, as qualificações das partes incidentes sobre o objecto negocial -, a questão terá de obter a sua solução na integral interpretação jurídica de todo o normativo implicado pela expressão “número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções a entidade devedora”, contida na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.
(xxii) Uma vez respeitados os limites legais imperativos quanto às compensações ou indemnizações por cessação do contrato de trabalho, não está naturalmente, em causa a plena legitimidade de os instrumentos jurídicos negociais vincularem a entidade devedora a compensações/indemnizações pecuniárias superiores ao montante correspondente à delimitação negativa da incidência fiscal prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.
(xxiii) No entender da AT, a interpretação que faz encontra apoio no espírito da lei que, segundo a Requerida, reclama uma interpretação em termos literais da expressão “números de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora” referenciada à “entidade devedora”, não admitindo que na “antiguidade na entidade devedora ”se considerem, para além da antiguidade inerente à efectiva duração da relação contratual outorgada por essa entidade, majorações decorrentes de instrumentos jurídicos negociais.
(xxiv) Para além disso, segundo a AT do elemento literal da interpretação jurídica permite confirmar, numa perspectiva de correcção sintáctica, que a antiguidade prevista na alínea b) do n.º 4do artigo 2.º do Código do IRS é a antiguidade na “entidade devedora”, correspondente à “antiguidade na empresa” que, por força do elemento histórico-sistemático inerente à norma do actual n.º 10 do mesmo artigo, corresponde à “entidade empregadora/patronal”, com a amplitude decorrente desta norma, bem como das situações de sucessão na posição desta entidade, máxime por efeito da equiparação inerente ao artigo 285.º do Código de Trabalho de 2009.
(xxv) Alias, segundo a AT, terá sido a razão pela qual o legislador conjugou, alternativa e inclusivamente, as expressões “antiguidade” ou “de exercício de funções” tem a ver com a necessidade de uma previsão normativa abrangente, de molde a colher as múltiplas situações geradoras dos rendimentos de trabalho dependente, respectivamente o contrato de trabalho ou a de prestação de serviços, por um lado, e o exercício de função, serviço ou cargo público, por outro lado.
(xxvi) Para além disso, a interpretação da AT, segundo esta, tem apoio em elementos histórico-sistemáticos e teleológicos que, ao nível infraconstitucional, só são compatíveis, seja com a “antiguidade na entidade devedora”, seja com a inadmissibilidade da consideração nesta antiguidade, correspondente à efectiva duração da relação contratual outorgada por aquela entidade, de majorações decorrentes de instrumentos jurídicos negociais.
(xxvii) Considera ainda a AT que existem poderosos momentos do sistema constitucional – inerentes, seja ao principio da igualdade, seja ao principio da legalidade em matéria de incidência fiscal, cujos corolários de igualdade, responsabilidade e segurança reclamam uma intensa determinabilidade – que inequivocamente pressupõem na alínea b) do n.º 4do artigo 2.º do Código do IRS uma “antiguidade” referenciada à “entidade devedora” e que não admitem, face ao elemento teleológico aferido pela finalidade da exclusão da incidência fiscal estatuída naquela mesma norma, que instrumentos jurídicos negociais se permitissem, através de majorações da antiguidade inerente à efectiva duração da relação contratual outorgada por aquela entidade, delimitar voluntariamente a amplitude dessa exclusão da incidência fiscal.
(xxviii) Considerando, assim a AT que, ainda que no Código do Trabalho não contém uma definição do que seja “antiguidade”, depurando-se entre as inúmeras utilizações do conceito, com amplitudes e contextos distintos, uma, mais coerente e sistemática, que é a que conforma o termo “antiguidade” a “antiguidade na empresa” (cfr. artºs 368º, nº 1, alínea e); art. 112º, nº 6, art. 147º, nº 3, etc.) referindo-se a doutrina, a qual cita (cfr. Fiscalidade 13/14, Manuel Faustino e Outros, “Sobre o sentido e alcance da nova redacção do art. 2º, nº 4 do CIRS) da qual entende que a propósito da antiguidade a considerar na aplicação do nº 4 do art. 2º do CIRS, “Não é oponível à administração fiscal o clausulado ACTV sector bancário (…)”.
(xxix) Suscitou ainda a AT que para o aludido ACTV ser aplicável sempre teria que ser demonstrado o princípio da dupla filiação, nos termos da cláusula 2.ª, ou seja, é necessário que o trabalhador em causa seja filiado num dos aludidos sindicatos e que a instituição de crédito seja subscritora do aludido Acordo: “O presente Acordo Coletivo de Trabalho é aplicável em todo o território nacional, no âmbito do sector bancário, e obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscrevem (adiante genericamente designadas por Instituições de Crédito ou Instituições), bem como todos os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, representados pela outorgante D… e doravante designados por Sindicatos, abrangendo 26 empregadores e estimando-se em 54.300 os trabalhadores abrangidos.(...)”
(xxx) Em suma, a Requerida considera que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, mantendo-se assim, os actos de liquidação impugnados.
B) Saneador
-
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
-
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
-
Não se verificam nulidades nem questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
C) Objeto da pronúncia arbitral
-
Apreciar-se-á se a liquidação em causa padece de alguma ilegalidade que obste à sua manutenção na ordem jurídica.
-
Apreciar-se-á a aplicabilidade do conceito de “antiguidade” que resulta da cláusula 17.ª, mormente o seu n.º 1 alínea a), do ACTV do sector bancário para efeitos de incidência de IRS, atento o disposto no art. 2.º, n.º 4 do Código do IRS, no caso de compensação por distrate do contrato de trabalho.
-
Apreciar-se-á ainda, caso seja de aplicar o conceito de “antiguidade” que resulta da cláusula 17.ª do ACTV do Sector Bancário, a questão do princípio da filiação, por mera cautela já que não consta da fundamentação da decisão adoptada pela AT.
Quanto a este último ponto, a matéria aduzida pela Requerida e que se reproduziu em (XXIX) do Relatório supra, não consta da fundamentação da decisão adoptada pela AT. Não obstante, considerando a factualidade dada como provada o TAS abordará a temática por mera cautela (vide acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).
-
Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:
(I) Deve o acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2013 ser anulado, acrescido dos correspondentes juros compensatórios?
(II) E a correspondente restituição do valor depositado a título de caução no montante de € 66.425,61?
(III) Têm os Requerentes direito a juros indemnizatórios calculados sobre o montante depositado a título de caução?
D) Matéria de facto provada e não provada
-
Cabe ao tribunal selecionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.
(i) O Requerente marido, em 2013, rescindiu, por mútuo acordo, o contrato de trabalho que tinha com a instituição de crédito onde trabalhava, o C… .
(ii) Tendo sido paga ao Requerente marido uma indemnização no valor de € 120.397,14, tendo em conta a antiguidade decorrente do tempo de serviço prestado a esta e a outras instituições bancárias, o que perfazia um total de 26 anos de antiguidade.
(iii) A entidade empregadora do Requerente marido pagou a referida indemnização correspondente aos 26 anos de serviços considerando o Acordo Colectivo de Trabalho dos Bancários (ACTV do sector bancário) que prevê, no seu art. 17.º, n.º 1 al. a), que “antiguidade é todo o tempo de serviço prestado nas Instituições de Crédito em Portugal” estando, ambos – Requerente marido e entidade empregadora, que pagou a indemnização considerando a antiguidade conforme ela vem preconizada no art. 17.º do ACTV bancário – vinculados ao Acordo.
(iv) A 22 de agosto de 2016 o Chefe de Divisão, face ao projecto de relatório relativo ao ano de 2013 do Requerente, por conter inexactidões/ omissões e parecer do Chefe de equipa, nada tendo a opor ordenou a notificação do Requerente marido para exercício de audição prévia, conforme processo administrativo junto aos autos.
(v) Do projecto resulta que “(…) conforme relatório elaborado pela Divisão de Inspecção a Bancos e outras Instituições Financeiras (DIBIF), foram detectadas irregularidades, em sede de IRS, designadamente com o cálculo do tempo de serviço, considerado no pagamento de indemnizações”.
(vi) O procedimento teve origem na informação n.º …/2015, elaborada pela Unidade de Grandes Contribuintes, tutelada por despacho emitido em 2015-12-07, remetida aos serviços competentes da AT para efeitos de análise aos sujeitos passivos com irregularidades detectadas em sede de IRS, do ano de 2013 e foi efectuado o controlo da declaração de IRS do sujeito passivo A…, NIF … .
(vii) Mais se refere no projecto referido que foi verificado que “o sujeito passivo recebeu em 2013, uma indemnização (do C…) no valor de € 120.397,14 considerando não ter declarado o montante de € 95.074,55”.
(viii) Do projecto consta ainda que a matéria em causa resulta da divergência “para efeitos de cálculo da importância a excluir da tributação, quanto à rúbrica – antiguidade, concretizando, considerar o tempo de serviço prestado na entidade devedora (tempo de serviço – 5,07), ou a antiguidade considerada pelo C… (tempo de serviço – 26), no cálculo da parcela da indemnização sujeita a tributação em sede de IRS”.
(ix) Do projecto da AT extrai-se que chamada a pronunciar-se a Direcção de Serviços de IRS sobre o cálculo da indemnização para efeitos da al. b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS relacionado com a sua aplicação aos trabalhadores do sector bancário abrangidos pelo respectivo ACT, foi proferido despacho pela Senhora Directora Geral em 2016.03.21, do qual resulta o entendimento que “as importâncias auferidas pelos trabalhadores do sector bancário, a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho, abrangidos pelo ACT, pagas pela última entidade na qual prestaram serviço, sendo aplicável a regra de exclusão prevista na l. b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS, deve ter em consideração para efeitos do respectivo cálculo apenas o número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na última entidade devedora dos rendimentos que, por força do elemento histórico-sistemático inerente à norma do actual n.º 10 do supra citado artigo, corresponde a “entidade empregadora/ patronal”, com a amplitude decorrente desta norma, bem como das situações de sucessão na posição desta entidade, máxime por efeito da equiparação inerente ao artigo 285.º do Código do Trabalho de 2009”.
(x) E conclui-se no projecto que deverão ser adicionados aos rendimentos obtidos no C…, o montante de € 95.074,55, ou seja, o rendimento inicial inscrito no Anexo A – Quadro 4, da declaração Mod. 3 de IRS, relativa ao exercício de 2013, deverá ser corrigido para o montante de € 130.009,24”.
(xi) A 22 de agosto de 2016 foi o Requerente marido notificado, por ofício com ordem de serviço n.º OI2016…, do projecto de correcções do relatório de inspecção para exercer direito de audição prévia – conforme processo administrativo.
(xii) O Requerente a 2 de setembro de 2016 exerceu direito de audição com, sumariamente, os mesmos argumentos que resultam do pedido de pronúncia arbitral.
(xiii) A 4 de janeiro de 2017 foram os Requerentes notificados das correcções resultantes da acção inspectiva e da alteração efectuada nos termos do n.º 4 do art. 65.º do Código do IRS, para o exercício de 2013 com decisão final que reproduz o projecto acima referido, tendo-se acrescentado o aduzido em sede de audição prévia pelo Requerente que suscita a aplicabilidade da cláusula 17.ª do ACTV do sector bancário que, “para efeitos de antiguidade do trabalhador abrangerá todos os anos de serviço prestado em Portugal nas instituições de crédito com actividade no país” e, sendo assim, “segundo as regras de direito substantivo ao caso aplicáveis, o signatário, ao distratar o último contrato (com o C…), tinha a antiguidade correspondente à soma de todos os tempos de trabalho prestados aos bancos para os quais desde o início trabalhou”, concluindo que nada haverá a corrigir na declaração de rendimentos.
(xiv) Em resposta ao direito de audição foi mantida a posição que consta do projecto, mantendo a correcção proposta.
(xv) O Requerente marido, sindicalizado, descontou para o Sindicato dos Bancários do Sul, incluindo no mês da cessação do contrato de trabalho em Maio de 2013 – conforme documento n.º 4 junto com a petição.
(xvi) O Requerente, aquando da cessação do contrato de trabalho com as anteriores instituições de crédito para quem trabalhou, não recebeu qualquer indemnização pela rescisão considerando, nomeadamente, o ACTV do sector bancário salvaguardaria essa compensação na instituição seguinte.
(xvii) A AT procedeu à liquidação adicional de IRS, do ano de 2013, no montante de € 52.266,10, incluindo os correspondentes juros compensatórios (bem como estorno de liquidação de 2013 e respectivos juros compensatórios), pressupondo um montante de rendimento não declarado de € 95.074,55 a que corresponde um acerto de imposto a pagar no montante de € 42.464,24
(xviii) Os Requerentes procederam ao depósito de € 66.425,61 a título de caução na execução pendente no processo com o n.º …2017… a 24 de abril de 2017 conforme documentos n.ºs 5 e 6 junto com a petição.
(xix) A 30 de maio de 2017 os Requerentes deram entrada do pedido de pronúncia arbitral.
Os factos dados por provados resultam da convicção do tribunal fundada no exame dos documentos juntos ao processo e processo administrativo e na ausência de controvérsia sobre eles.
Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa, considerando as possíveis soluções de direito.
E) Do Direito
-
Da apreciação da legalidade dos actos de liquidação contestados, acrescido dos correspondentes juros compensatórios.
Em causa está a apreciação da norma contida na alínea b) do n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS, sendo objecto de dissídio o multiplicador que estabelece o “(…) número de anos ou fracção de antiguidade ou exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos (…)” .
Os Requerentes concluem que se deve entender por “antiguidade” por força do art. 11.º, n.º 2 do LGT, o que resulta do art. 17.º do ACTV do sector bancário, socorrendo-se de várias decisões judiciais do TCA Sul e do próprio CAAD.
Por sua vez, a AT entende que esse multiplicador é o número de anos de antiguidade na empresa, na entidade devedora, na entidade patronal que paga a indemnização e que surge como parte no acordo de distrate do contrato de trabalho com o trabalhador.
Quanto a isto, muito considerando os doutos comentários ao Ac. do TCA Sul transcritos na resposta, bem como a posição da AT quanto a esta matéria, não parece resultar, nomeadamente e desde logo do seu elemento literal, que o legislador tenha pretendido que a “antiguidade” fosse apenas a referente à entidade patronal devedora, a última que paga a compensação pela cessação do contrato de trabalho, sob pena de deixar sem conteúdo a expressão “(…) nos demais casos (…)”.
Conforme resulta do processo 5971/12 de 12 de março de 2013 do TCA Sul a interpretação das leis fiscais devem ser feitas “(…) havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G.Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.)”.
O legislador fiscal não definiu o conceito de “antiguidade” do trabalhador pelo que é necessário socorrer-se ao conceito que resulta do regime laboral e, assim sendo, não resulta da norma em apreço que, “(…) o conceito de antiguidade se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, a noção mais lata de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de I.R.S. (cfr. ac. TCA Sul, 11/5/2004, proc.6002/01; ac. TCA Sul, 21/9/2010, proc.3748/10)”.
Assim, na senda daquela decisão do processo 5971/12 de 12 de março de 2013 do TCA Sul “(…) constitui doutrina corrente (actualmente consagrada no artº.11, da L.G.T.) que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmo ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. O direito laboral prevê um conceito amplo de antiguidade ao permitir que seja tomado em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutras entidades patronais, por forma a que ele seja admitido sem prejuízo da antiguidade ali adquirida, pois que tal não é proibido nem pela lei (cfr. v.g. arts. 129.º, n.º 1, al. j), e 396.º, do Código do Trabalho) nem pelos princípios da boa fé, sendo uma prática atendida nalguns Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho e nos usos da profissão do trabalho e das empresas”.
Desta forma, sendo os instrumentos de Regulação Colectiva de Trabalho, o que, conforme o aludido acórdão do TCA Sul cuja posição aqui sufragamos, uma das fontes que poderão estabelecer essa antiguidade, para além da lei e do contrato individual de trabalho, está excluída de tributação uma quantia dos rendimentos que lhe advieram da cessação da relação laboral calculada com base na antiguidade tal como resulta do ACTV do sector bancário ora em apreço, assistindo razão aos Requerentes na pretensão de ver reconhecida a ilegalidade da liquidação que não teve em conta esse facto.
Como resulta da decisão proferida no processo n.º 230/2016-T do CAAD, não se trata de uma questão de oponibilidade à AT do ACTV do sector bancário mas sim da interpretação do termo “antiguidade” “(…) expresso este em termos gerais na lei fiscal, através dos mecanismos que a lei fiscal prevê, ou seja, ex vi o artigo 11º nº 2 da LGT, socorrendo-se o intérprete da fonte de direito que melhor define esse conceito, no caso o ACT do sector bancário, por força do ordenamento jurídico-laboral concretamente aplicável ao caso”.
Em causa está o ACTV do sector bancário aplicável ao Requerente marido – sindicalizado – bem como à entidade bancária devedora cuja actuação, i.e., o pagamento da indemnização de acordo com o aludido ACTV, demonstra essa vinculação que, em qualquer caso não é posta em causa pela Requerida na fundamentação da sua decisão nem aí foi posta em causa a aplicabilidade entre o Requerente marido e a entidade devedora daquele regime.
Por tudo isto, e seguindo a orientação do TCA Sul supra referido e da decisão do CAAD não resulta por qualquer forma da norma sub judice (cfr. artº.2, nº.4, do Código do IRS) que o conceito de “antiguidade” a considerar deva ser, restritamente, ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho.
Considerando ainda que, como se deu como provado que o Requerente marido não recebeu qualquer compensação anterior por qualquer cessação dos contratos de trabalho que teve com outras instituições bancárias para quem laborou pelo que não se demonstra qualquer vantagem fiscal.
Como refere a decisão do CAAD no âmbito do processo n.º 230/2016-T, quanto a esta matéria, e que subscrevemos “o trabalhador bancário quando ingressou na instituição bancária, provindo de outra, pode ter negociado uma saída por mútuo acordo e ter recebido uma indemnização pelo tempo de antiguidade que aí tinha. E não seria aceitável que, em momento ulterior, venha a usar - outra vez - essa “antiguidade” para aumentar o multiplicador da compensação”.
Mas, prosseguindo, “em sede de instrução do procedimento do n.º 2 do artigo 65.º do Código do IRS, a AT pode socorrer-se dos registos das declarações IRS entregues de muitos anos anteriores e demais obrigações declarativas das entidades pagadoras. Pode obter-se informação específica junto, nomeadamente, da instituição bancária, actual entidade patronal distratante e junto do trabalhador (princípio do inquisitório e princípio da colaboração)”.
Desta forma, a factualidade caso existisse uso indevido deste regime fiscal através da aplicação da cláusula geral anti abuso do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, sempre deveria ser apurada pela AT.
Por sua vez, na senda do processo n.º 230/2016-T do CAAD consideramos que de “(…) forma determinante, as várias decisões citadas pelas partes do TCA Sul são todas neste sentido (de avocar o conceito de antiguidade vertido no ACT dos bancários, quando se trata de trabalhadores desse sector e em distrates de contratos de trabalho), pelo que o TAS teria sempre que julgar segundo o “direito constituído”, devendo considerar-se a leitura da lei aí plasmada como a mais assertiva e geradora de segurança jurídica perante os cidadãos e os agentes económicos”.
Acrescentando-se que, na senda desta decisão “tendo em conta a data de prolacção das decisões do TCA Sul em causa (2010, 2012 e 2013), se o legislador entendesse que a leitura da lei aí plasmada merecia reparo, já teria procedido à alteração ou correcção do texto da lei”.
Quanto ao princípio da filiação, considerando a cláusula 2.ª do ACTV do sector bancário, a temática não consta da fundamentação da decisão mas, ainda que o tivesse suscitado oportunamente a AT sempre poderia obter estes elementos para fundamentar a sua decisão (ou obter informação da sua inexistência) no exercício dos poderes-deveres de que dispõe, de suscitar isso mesmo ao contribuinte, à ex-entidade patronal ou aos sindicatos que são parte do ACT. Não o tendo feito, não será agora em sede jurisdicional que pode alterar-se ou aditar-se a fundamentação do acto aqui impugnado.
De qualquer forma, atendendo ao alegado pelos Requerentes e matéria de facto dada como provada, sempre por dever de cautela cumpre apreciar com a ressalva descrita.
Haverá de considerar que, por um lado, o Requerente marido descontou, conforme factualidade dada como provada, para o Sindicato dos Bancários do Sul, incluindo no mês da cessação do contrato de trabalho em Maio de 2013 e, por outro lado, da actuação do banco resulta um comportamento de aceitação do Acordo ao aplicar as regras da cláusula 17.º do ACTV do sector bancário, sem limitações ou condições, nem tão pouco a questão foi suscitada para efeitos de fundamentação da decisão da AT, demonstrando que havia vinculação do Banco ao aludido Acordo já que, se assim não fosse, este seria o primeiro a ter interesse em não o aplicar e reduzir substancialmente o valor a pagar em termos de compensação ao Requerente marido.
A actuação, em concreto, da entidade empregadora indicia que existia, quer a vinculação sindical do trabalhador, quer a sua própria vinculação, assumindo o conceito de antiguidade tal como resulta do art. 17.º do ACTV bancário.
Desta forma, nada parece justificar uma interpretação restritiva da norma de incidência (cfr. art. 2.º, n.º 4 do Código do IRS), a noção mais lata de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de IRS.
Pelo que, face ao exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral o que determina a anulação dos actos de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2013 e, consequentemente, não são devidos pelos Requerentes quaisquer juros compensatórios.
-
Da devolução do montante pago a título de caução no processo de execução n.º …2017… .
Resulta dos documentos que foi depositada, a título de caução, a quantia de € 66.425,61 para garantia do valor liquidado na execução pendente a 24 de abril de 2017 conforme factualidade dada como provada.
Considerando o que resulta da decisão do ponto precedente e a consequente a anulação do acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2013 e que lhe dá causa, deve ser devolvido aos Requerentes aquela quantia uma vez que deixa de existir, pela respectiva anulação do acto, relação subjacente que justifique a execução e, consequente, a respectiva caução depositada nesse processo.
Pelo que, face ao exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral que determina a restituição do valor depositado a título de caução no montante de € 66.425,61.
-
Do direito a juros indemnizatórios:
Quanto a este ponto consideramos que se verifica erro imputável aos serviços que é o pressuposto a atender - artigos 43.º, n.º 1 e 100.º da Lei Geral Tributária.
O direito a juros indemnizatórios pressupõe um erro imputável aos serviços o que, neste caso, se verifica, já que a Administração Tributária liquidou o imposto, conforme se verificou, tendo em consideração uma interpretação errónea da lei (cfr. do n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS).
Sendo verdade que a liquidação erroneamente levada a cabo pela AT teve na sua génese um erro seu faz incorrer na obrigação de indemnizar os Requerentes.
Em face do exposto julga-se procedente o pedido de juros indemnizatórios, desde a data do depósito da caução a 24 de abril de 2017 até efectivo e integral pagamento.
-
Da responsabilidade pelo pagamento de custas arbitrais:
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi 29.º, n.º 1, e) do RJAT, estabelece que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Em face do exposto deve a Requerida ser condenada em custas.
F) Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o presente Tribunal Arbitral decide:
(i) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2013, a que corresponde o saldo global apurado de 52.266,10, por liquidação adicional de IRS, englobando,
- O estorno de liquidação de 2013 – Liq. 2014 … no montante de € 4.963,38;
- Acerto de liquidação de 2013 – Liq. 2017 … no montante de € 42.464,24:
- Juros compensatórios – Liq. 2017 … no montante de € 4.351,12;
- Juros compensatórios por recebimento indevido – Liq. 2017 …, no montante de € 487,36;
(ii) Julgar procedente o pedido de restituição do valor depositado a título de caução no montante de € 66.425,61.
(iii) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios calculados sobre o montante depositado pelos Requerentes a título de caução, desde a data do seu depósito a 24 de abril de 2017 até efectivo e integral pagamento.
(iv) Condenar a Requerida nas custas do presente processo.
G) Valor do processo
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 52.266,10.
H) Taxa de Arbitragem
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de dezembro de 2017
O Árbitro
(Marisa Almeida Araújo)