Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia e Dra. Cristiana Maria Leitão Campos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-07-2017, acordam no seguinte:
1. Relatório
A… SA (doravante A… ou Requerente), titular do NIF…, com sede na …, …-… …, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, n.º 1, alínea a), e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2012, com o n.º 2016…, bem como na demonstração de acerto de contas n.º 2016… (compensação n.º 2016…), em que se inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-05-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 11-07-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26-07-2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Em 02-11-2017 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT., em que se procedeu a inquirição de testemunhas e foram produzidas alegações orais.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A A… desenvolve a sua actividade na área da produção e comercialização de combustíveis, bem como dos respectivos subprodutos industriais; o comércio e o aproveitamento industrial de sementes oleaginosas e de cereais, bem como os seus derivados e subprodutos; e o arrendamento e exploração de bens imóveis;
b) figuram actualmente como sócios da A… a sociedade B… SGPS SA (titular de uma participação representativa do capital social correspondente a 50%), C…, S.A. (titular de uma participação representativa do capital social correspondente a 32,33%); D…, S.A. (titular de uma participação representativa do capital social correspondente a 16,66%) e E…, SA (titular de uma participação representativa do capital social correspondente a 1%), estrutura societária esta que permanece imutável desde Janeiro de 2015;
c) Até 2010, a A… era detida em 48,9998% pela F…, SA, e em 50% pela E… (acima referida), existindo ainda dois accionistas com posições residuais no capital social;
d) Entre 2010 e 2012, a A… foi objecto de diversas reestruturações na composição da sua estrutura accionista, da qual se destaca a entrada da B…— veículo constituído para o efeito pelo Fundo de Recuperação gerido pela G…— na sua estrutura accionista;
e) Por despacho de 24-07-2015, foi aberta a Ordem de Serviço OI2015…, procedendo-se à acção de inspecção externa inicialmente de âmbito univalente – IRC, à Requerente, para o exercício 2012, tendo sido alterada no âmbito da OI de parcial para geral.
f) Para efeitos de IRC, a Requerente encontra-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável e, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal;
g) À data de 31-12-2012, a Requerente registou na coluna 9 do Mapa das provisões (modelo 30 de IRC) o reforço de uma imparidade, no montante de € 4.506.351,74, correspondente a créditos em mora, sendo que no ano anterior já reconhecera o montante de € 6.010.783,37;
h) O registo contabilístico do reforço desta provisão encontra-se evidenciado na conta 6511 – Clientes Perdas por imparidade (Anexo 7) que apresenta um saldo devedor à data de 31.12.2012 no valor de € 4.506.351,74.
i) A referida provisão está associada a um crédito em mora sobre a sociedade J…, LLC;
j) A sociedade está sujeita à revisão legal das contas, sendo o ROC responsável o Sr. H…, em representação da sociedade I…, LDA, NIF …;
k) A Certificação Legal de Contas, referente ao exercício em análise, apresentou a seguinte reserva : «Conforme divulgado na nota 34 do anexo às demonstrações financeiras de 31 de Dezembro de 2012, o ativo corrente da Empresa inclui um saldo a receber de uma entidade no montante aproximado de 13,5 milhões de euros (2011:18 milhões de euros), líquido de um ajustamento por imparidade. Em nossa opinião, o referido montante deveria ter sido ajustado na sua totalidade em anos anteriores, pelo que o capital próprio inicial e o ativo corrente estão sobrevalorizados no montante de 13,5 milhões de euros e o resultado líquido do exercício de 9,9 milhões de euros, após considerado o respetivo efeito fiscal.»;
l) A Requerente, entre 05-04-2010 e 30-10-2010, vendeu bagaço de soja à sociedade F… no montante de € 24.150.430,00, sem que o respectivo pagamento tivesse ocorrido;
m) Esse facto que ficou registado, à data de 31-12-2010, na Conta 21111 – Clientes gerais … F…: o saldo devedor, a favor da A…, no montante de € 24.150.430,00;
n) Foi ainda registado na Conta 27832 – Outros Credores …F…: o saldo credor, a favor da F…, no montante de € 120.000,00;
o) É a diferença destes dois valores que está na origem do crédito da Requerente sobre a F… no montante de € 24.030.430,00, posteriormente cedido à J…;
p) Em 15-02-2011, a F…, a A… e a J… celebraram um contrato de cessão de créditos nos termos do qual:
– A A… era, à data, credora da F… no montante de € 24.030.430,00;
– A F… detinha, à data, créditos sobre a J… de montante pelo menos igual ao valor antes mencionado;
- A F… procede ao pagamento da sua dívida, através de dação em cumprimento, com o crédito que detém sobre a J…, a qual declarou tomar conhecimento da cessão;
– A A… aceitou a dação em pagamento, extinguiu a dívida da F… e passou, em consequência a ser credora da J…;
q) Entre Maio e Junho de 2011, a Requerente realizou fornecimentos de glicerina à sociedade de direito espanhol K... no valor global de € 12.703,49 (facturas n.ºs 905386 e 906033 juntas ao pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 7 e 8, cujos teores se dão como reproduzidos);
r) As facturas referidas não foram pagas pela K..., nem nas respectivas datas de vencimento – 25-05-2011 e 03-06-2011 – nem mesmo posteriormente;
s) A A… instou a K... ao pagamento do valor em dívida, não tendo, contudo logrado obter o cumprimento da daquela obrigação (correspondência trocada a partir de 02-11-2011, que consta do Documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
t) Em Dezembro daquele mesmo ano, a A… mandatou o escritório de Advogados – L…- para a cobrança da dívida da K..., o qual enviou à devedora uma carta de interpelação com vista à satisfação daquela pretensão e deu parecer negativo quanto à instauração de processo judicial por a J… ter sido dissolvida (Documento n.º 9);
u) A Requerente, não tendo obtido qualquer resposta por parte da devedora K..., e após aconselhamento dos Advogados contratados para o efeito no sentido de que a via judicial poderia ter êxito, em 09.01.2012 a A… decidiu contratar a prestação de serviços jurídicos junto de um Advogados locais (documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
v) Verificada a mora inerente ao cumprimento de tal obrigação, em 2011, a Requerente provisionou aquele valor na proporção de 25%, tendo, em 2012, reforçado a mesma em 50% do seu valor;
w) Em 2013, a sociedade K… foi objecto de um processo análogo ao processo previsto na legislação portuguesa relativo à recuperação/insolvência de empresas, a qual foi decretada em 22.07.2013 ( documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido );
x) Na referida acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
I. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTO DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1 Em sede de IRC
III.1.1 Perdas por imparidade não aceites fiscalmente
III.1.1.1 Imparidade à data de 31/12/2012
Pela análise do Mapa das Provisões (Mod, 30 de IRC - Anexo 7) relativamente ao exercício de 2012, verificou-se que a A… registou na coluna 9 do referido mapa (constituição ou reforço do ano) o montante de 4.506.351,74 €, correspondente a créditos em mora, tendo já reconhecido no ano anterior o montante de 6.010.783,37 €, conforme se pode verificar:
O registo contabilístico do reforço desta provisão encontra-se evidenciado na conta 6511 - Clientes Perdas por imparidade (giz) que apresenta um saldo devedor à data de 31/12/2012 de 4.506.351,74 €.
Dos elementos recolhidos em sede de procedimento inspetivo foi possível verificar que este montante provisionado pela A… diz respeito a um crédito em mora relativo à sociedade J…, registada sob o número 349 578, sociedade de direito norte-americano.
Refira-se que, na nota 34 do Relatório e Contas do exercício de 2012 (consta que “(...) o crédito sobre a empresa J…, no montante de 24. 030.430, 00 € continua por regularizar, apesar dos esforços de cobrança realizados. Assim e por uma razão de prudência, a empresa optou por provisionar 18,73% do saldo em aberto, para um valor no exercício de € 4.500.000,00. Deste modo, o montante total já provisionado é de € 10.507.607,50. "
III.1.1.2 Constituição da dívida que originou a imparidade
Relativamente ao crédito em mora, importa esclarecer a sua natureza e titularidade desde a data de constituição. Com efeito, entre 05/04/2010 a 30/06/2010, no âmbito das relações comerciais entre as duas empresas, a A… terá efectuado vendas à F… no montante de 24.150.430,00 €, sem que o respetivo pagamento tivesse ocorrido.
Da análise dos extratos das seguintes contas à data de 31/12/2010 foi possível concluir o seguinte:
l Conta 21111 - Clientes gerais … F… (anexo 8): existia um saldo devedor, a favor da A…, no montante de 24.150.430,00 €;
l Conta 27832 - Outros Credores 8307855 000 F… (anexo 8):existia um saldo credor, a favor da F…, no montante de 120.000,00 €.
Face ao exposto, de acordo com os registos contabilísticos, à data de 31 /12/2010 a A… detinha um crédito sobre a F… no montante de 24.030.430,00 €.
No que respeita a esta dívida, de acordo com a informação prestada, via correio electrónico, pelo contabilista certificado da A… (Anexo 9):
l “Esta dívida decorre de "(. . .) fornecimentos da produto (neste caso da bagaço de soja) ”;
l o "(. ..) o valor total da dívida que consta do detalhe da saldo entregue do cliente F… se refere na totalidade a transações comerciais de venda de produto produzido pela A…”.
Dos elementos recolhidos no decurso do procedimento inspectivo verificou-se que o crédito que a A… detinha sobre a F… no montante de 24.030.430,00 € foi cedido à J…, através da realização de um contrato de cessão de créditos celebrado entre as três entidades. De acordo com o contrato, o detentor da dívida à A… passou a ser a J… e não a F…, conforme se descreve no capitulo III.1.1.4..
IlI.1.1.3 Análise da relação entre a A… e a F… aquando da constituição da dívida
De acordo com o declarado pelo sujeito passivo na IES de 2010 no quadro 10 (OPERAÇÕES COM ENTIDADES RELACIONADAS (território nacional) existem entre a A… e a F… operações significativas entre entidades relacionadas, conforme se pode verificar no quadro seguinte. (Anexo 3)
Da análise do quadro verifica-se que a A… durante o ano de 2010 faturou à F… o montante de 31.760.992,09€, sendo que 24.030.430,00€ ficaram por pagar (76% do valor facturado).
Em 03/08/2016 foi auscultado o contabilista certificado da A… em Termo de Declarações no que diz respeito à alienação por parte da F… da participação no capital social da A… (Anexo 10):
i. Qual a data em que a F…, S.A., NIF…, alienou a sua participação no capital social da A…? - “Em 15/01/2010”;
ii. Quais os documentos que comprovam a alienação da participação da F… no capital social da A…? (juntar cópia) - "Os únicos documentos disponíveis estão no livro de ações (junto cópia). Complementarmente, foi entregue requerimento de 29/06/2010 para dedução dos prejuízos fiscais dos anos de 2008 e 2009 ao abrigo dos nºs 8 e 9 do art. 52 do CIRC em que, no requerimento inicial, foi referido que a transação de 50% do capital da A… teria sido feita pela sociedade F…, S.A. (NIF …) a favor da sociedade B…, S.A. (NIF …). Posteriormente, em Ofício enviado a 16/04/2012 para os mesmos serviços foi reconhecido o lapso no requerimento inicial em que a entidade alienante foi a sociedade M…, S.A. e não a F…, S.A. como inicialmente referido."
Foi ainda possível verificar que, no ofício enviado a 16/04/2012 para a DSIRC, a A… vem referir que: "(. . .) a transacção ocorrida em 30 de Junho de 2010 é a primeira em que existe uma alteração dos detentores do capital social em, pelo menos, 50% do Capital Social. Com efeito, todas as transacções de acções da A… decorridas nos meses anteriores foram realizadas entre empresas do mesmo grupo económico, pelo que a alienação de acções ocorrida em 30 de Junho de 2010 (alienação de acções da M… à B…- SGPS, S.A (doravante B…) é a primeira em que simultaneamente existe uma alienação de acções para uma empresa não pertencente ao mesmo grupo económico (...), do ponto de vista substancial a alienação das acções ter sido efectuada pela F…, empresa que foi accionista até Janeiro de 2010, ou pela M…, empresa que detinha as acções a 30 de Junho de 2010 não alterou minimamente os contornos da aquisição pela Empresa detida pelo Fundo Recuperação na medida em que ambas as empresas (F… a M…) eram detidas a 100% pelo mesmo sócio e que estas alterações societárias ocorridas em 2010 se ficaram a dever ao processo negocial de alienação com diferentes partes e que originou nesse período de 6 meses alguns avanços e recuos no processo de alienação e forma que o mesmo iria revestir”.
Através da análise do Livro de Registo de Acções da A…, verificou-se que durante o ano de 2010, existiram várias transacções no que diz respeito às acções da A…, conforme se demonstra nos quadros seguintes:
(...)
De acordo com a informação recolhida apuraram-se os seguintes factos:
l Em 15/01/2010, de acordo com o livro de Registo de acções da A…. a F… alienou 1.227.450.000 acções da A… à N... LLC (sociedade do grupo);
l Da consulta ao sistema informático da AT através dos valores declarados pela F… na MOD. 4 - Aquisição e/ou Alienação de Valores Mobiliários, verificou-se que, em 15/01/2010, a F… vendeu 1.227.445.280 acções (existindo uma diferença de 4.720 ações - 1.227.450.000 versus 1.227.445.280 - em relação ao Livro de Registo de acções da A…) a uma entidade sem NIF conhecido (código NIF 3) pelo valor global de 23.000.000.00€. (anexo 11)
l Em 30/06/2010, a N…, LLC vendeu a totalidade das acções da A… à M... NIF … (sociedade do grupo);
l Em 30/06/2010, a M…, NIF…, alienou a sua participação no capital social da A… à B… . NIF… .
l Da consulta ao sistema informático da AT através dos valores declarados pela M… na MOD. 4 - Aquisição e/ou Alienação de Valores Mobiliários, verificou-se que em 30-06-2010 a N… vendeu 1.252.500.000 acções à B… SGPS, NIF … pelo valor global de 37.461.429.10€. (Anexo 11)
Assim, tal como o próprio sujeito passivo vem alegar no requerimento apresentado para aplicação do disposto nos nºs 8 e 9 do artigo 52º do CIRC (pagina 21 deste relatório), apenas em 30/06/2010 quando a M… vendeu 50% das acções que detinha da A… à B…, NIF…, é que ocorreu uma alteração dos detentores do capital social em pelo menos 50% do capital social. Todas as transacções de acções da A… nos meses anteriores ocorreram entre empresas do mesmo grupo económico. que tinham em comum o mesmo accionista e administrador. o Sr. O…, NIF… .
A este respeito foi possível verificar uma notícia retirada do jornal de negócios. em 07/09/2010, cuja transcrição apresentamos:(Anexo 12)
“Fundo de Recuperação compra 50% da maior produtora de biodiesel do País.
O empresário O… passa a dividir a A… com o fundo detido pelo Tesouro e pelos cinco maiores bancos portugueses. O Fundo de Recuperação, capital de risco detida pelo Tesouro e pelos cinco maiores bancos portugueses, comprou 50% do capital da A…, S.A. O empresário O…, que era, até agora, o accionista único de empresa, decidiu assim partilhar de forma equitativa a propriedade e a gestão de maior produtora portuguesa de biodiesel. "Eu sou um capitalista teso, pelo que, sozinho, não constituía o accionista adequado”, avançou ao Negócios O…, sem revelar o valor da operação. Segundo o próprio, tratou-se de substituir o seu anterior parceiro desadequado, P…, que revendeu a O… os seus 59% na A… em Janeiro de 2007. "
Atendendo ao papel relevante que o Sr. O… detinha e/ou detém na A… (desempenhou a função de presidente do conselho de administração até ao mandato de 2014 inclusive) e nas restantes empresas do grupo, conforme já foi amplamente demonstrado, foi o mesmo notificado em 12/08/2016 para, ao abrigo do princípio de colaboração, prestar esclarecimentos relativamente à actividade desenvolvida pelas empresas envolvidas no contrato de cedência de créditos relativamente aos anos de 2010 a 2015. (Anexo 13).
Em resposta à notificação efectuada, em 051-09-2016 o Sr. O… compareceu neste Serviço, tendo prestado as seguintes declarações que foram reduzidas a Termo:
i. Qual era a actividade da F…? - "importação e venda no mercado de cereais, oleaginosas e derivados. Era uma trading importadora";
ii. Qual o relacionamento entre a F… e A…? - “Num determinado momento a F… forneceu matéria-prima à A… e assegurava-lhe a comercialização. A F… era o “Braço comercial” e a A… o “Braço industrial" à data em que eu dominava o capital, até Junho de 2010";
iii. Sabe da existência de uma dívida entre a F… e a A… à data de 31/12/2010 no montante de 24.030.430 €? - “ Não, apenas tenho conhecimento do valor que está reflectido na contabilidade da F… que, aparentemente, não reflecte esse valor”.
iv. Referiu ainda que “Vou tentar encontrar extractos de conta e outra documentação relevante de forma a demonstrar a situação financeira entre as duas empresas nessa data. Não é possível, que, nessa data, haja um montante destes em dívida pois os atuais detentores da A… não o permitiriam.
v. Qual a actividade da J…? "Tinha como actividade exclusiva obter financiamentos no exterior porque não o conseguia apenas com o Nome F…. Extinguiu-se quando a G… entrou no capital da A… ";
vi. Tem conhecimento da existência de um contrato de cessão de créditos entre a F…, a A… e a J… em 2011? "Não, não me recordo, mas se encontrar documentação sobre este facto, trarei. Parece-me estranho";
vii. Tem algo mais a declarar? "Tanto a F… como a J… deixaram de ter actividade a partir de meados do ano de 2010, data que coincide com a entrada da G… no capital da A… . Resultou do acordo entre as partes que a F… e a J… não poderiam continuar a existir por conflito de interesses. "
Nesta data, entregou ainda os balancetes analíticos à data de 31/12/2010, 31/1/l2011, 31/12/2012, 31/12/2013, 31/12/2014 e 31/12/2015, comprometendo-se a entregar balancetes analíticos de terceiros (clientes, fornecedores, outros devedores/credores), extrato de conta corrente entre a F… e a A…, fotocópia dos documentos de valor mais significativo relativo ao extracto de conta corrente, cópia dos meios de pagamento utilizados e fotocópia do acordo para social entre a F… e a A… (até à presente data não foram juntos ao processo qualquer documentos adicionais).
Da análise do balancete analítico à data de 31/12/2010 da F…, entregue pelo Sr. O…, verificou-se que alguns dos valores constantes no balancete analítico não estão de acordo com os valores declarados na IES de 2010.
Contudo verificou-se que os valores apresentados no balancete analítico na conta 41 - investimentos financeiros no montante de 17.527.451,70€ estão de acordo com os valores declarados na IES na rubrica de Participações financeiras - método da equivalência patrimonial.
Foi ainda possível verificar que a F… em 2010 vendeu a participação que detinha no capital da A…, uma vez que o saldo da conta 412 investimentos em Associadas (participação da A…) tem um valor nulo.
Constatou-se ainda que não existe coerência entre os valores reflectidos na contabilidade da A… e da F…, no que se refere ao saldo que estaria em dívida a A… .
Tendo a A… um crédito sobre a F… à data de 31/12/2010 no montante de 24.030.430,00 €, as contas de fornecedores e outros credores desta empresa deveriam evidenciar um saldo de, pelo menos este valor, o que não se verifica, conforme se comprova na cópia do balancete analítico junta em anexo. Assim, conclui-se que, de acordo com a informação reflectida na contabilidade da F…, não há evidência de uma dívida à A… nesse montante.
III.1.1.4 Contrato de cessão de créditos celebrado em 15/02/2011 (anexo 14)
Em 2011/02/15 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre a F…, a A… e a J… regido pelo disposto nas cláusulas seguintes:
l A A… é, na data da assinatura do contrato, credora da F… no montante de 24.030.430,00 €;
l A F… detém, na data da assinatura do contrato, créditos sobre a J…;
l Para pagamento integral da sua dívida, a F… dá em pagamento à A… os créditos, aos quais atribui o valor de 24.030.430,00 €;
l A J… declara tomar conhecimento da cessão de créditos, dados em pagamento;
l A A… declara aceitar a presente dação em pagamento e reconhece extinta a dívida da F… . Em resultado do contrato celebrado, a A… deixou de ter um crédito sobre a F… e passou a ter um crédito sobre a J… .
l Relativamente ao contrato de cessão de créditos importa salientar que o mesmo remetia para um anexo (anexo I) que consiste na cópia de dois extractos de c/c da F…, S.A, que traduziam os movimentos que terão ocorrido entre esta e a J… e que terão servido de suporte ao acordo, nomeadamente:
l 22813 Adianta Fornecedores gerais - Omerc (… J…) cujo saldo devedor é 18.132.162,69€. Este saldo é constituído por vários movimentos, que na descrição refere "prazo de vencimento" entre 2005 e 2007;
l 22113 Fornecedores gerais - OMercados (… J…), que apresentava um saldo devedor de 8.640.885,40€ cuja descrição refere "Ni crédito nº 32" c/ prazo de vencimento 31/12/2003.
III.1.1.5 Diligências efectuadas pela A… à F... para obtenção do recebimento dos créditos em mora
Em 12/10/2016 foi ouvido o Dr. Q… (contabilista certificado da A…) em Termo de Declarações (Anexo 151 relativamente às seguintes questões:
i. Identifique os responsáveis da A… que assinaram o contrato de cessão de créditos celebrado em 15/02/2011, entre a F…-, S.A, doravante designada por F…, N/F…, a A… e a J…, doravante designada por J…. "Os intervenientes em representação da A… foram o Dr. R… e o Dr. S…, administradores da A… à data".
ii. Qual a justificação para a A… ter aceite a cedência dos créditos entre a F… e a J…? “fizemos diligências junto da F… para o recebimento da dívida em que no decurso dessas diligências nos foi proposto a dação em pagamento do crédito sobre a J… sendo que junto de entidades terceiras era perceptível que a F… apresentava incobrabilidades junto de outras entidades como bancos e como tal dificilmente iria liquidar a dívida. Não quer dizer que a J… o apresentasse de forma consistente mas sempre era uma forma de garantir pelo menos a cobrabilidade de parte deste crédito. "
iii. Quais as diligências efetuadas pela A… no sentido de acautelar o “bom recebimento” dos créditos sobre a J…?
iv. Identificar/comprovar as diligências efectuadas para o recebimento do crédito sobre a J… no cumprimento do disposto no artigo 36º do CIRC (actual artº 28-B do CIRC).
Relativamente às questões dos pontos iii. e iv. (diligências efectuadas para o recebimento de crédito sobre a J…) o contabilista certificado declarou que “Foram feitas várias diligências de cobrança, nomeadamente por contacto telefónico e por contacto escrito sempre que houve necessidade de formalizar os mesmos, nas quais a J… chegou a apresentar uma proposta de liquidação, a qual não foi cumprida, tendo então a A… delegado numa empresa especializada a cobrança desses mesmos créditos, nomeadamente a T…. Também esta se mostrou infrutífera do ponto de vista de cobranças uma vez que o devedor decidiu encerrar a sua atividade”.
Nesta data o sujeito passivo entregou ainda cópia dos documentos comprovativos das diligências efectuadas para o recebimento do crédito sobre a J…, nomeadamente troca de correspondência entre a A… e a J… e um contrato de prestação de serviços de apoio à gestão de contas correntes celebrado em 21/09/2012 com a T… .
De acordo com a informação recolhida durante o procedimento inspectivo relativo às diligências efectuadas para o recebimento do crédito sobre a J…, apuraram-se os seguintes factos por ordem cronológica:
l Em 30/12/2010, através do Ofício nº … da A…, intitulado "dívida por regularizar' e entregue em mão, foi a F… contactada para proceder "(...) ao integral pagamento da dívida no mais curto espaço de tempo possível (. . .)" no montante de 24.030.430,00 € (Anexo 14);
l Em resposta, em 24/01/2011 a F…, através do seu Ofício nº…, entregue em mão à A…, informou não ser possível apresentar "(...) um pleno futuro de negócio, no âmbito do qual seja viável enquadrar um plano de pagamentos (. ..)" uma vez que se encontrava em fase de reestruturação tendo cessado a atividade económica. A F… colocou "(...) à consideração da administração da A… a efetivação de dação em pagamento do crédito no montante de 24.030. 430, 00 € sobre a J…” (Anexo 14);
l Em 07/02/2011, através do Oficio nº … da A…, entregue em mão à F…, foi esta última informada de que a sua proposta de dação em pagamento da dívida no montante global de 24.030.430,00 € foi aceite (Anexo 14);
l Em 15/02/2011, tal como já foi referido anteriormente, foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre a F…, a A… e a J… . De acordo com o contrato a F… cede os créditos que detém sobre a J… à A…(Anexo 14);
l Em 09/06/2011, através de uma carta elaborada pela A… dirigida à J… (documento escrito em inglês), foi esta última informada de que fica notificada para proceder ao pagamento da dívida o mais rápido possível, referindo ainda que caso a J…. falhe o pagamento a A… irá recorrer aos meios legais de forma a obter a cobrança do montante em dívida. (documento entregue à inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016) (Anexo 15);
l Em 01/07/2011, através da entrada nº … de 19/07/2011 da A…, a J…(documento escrito em inglês) refere não poder pagar de imediato a dívida para com a A…, no montante de 24.030.430,00€, mas manifesta a vontade de o fazer. Refere ainda que está financeiramente numa posição muito difícil devido à situação da economia mundial e em particular devido à volatilidade dos mercados de matérias-primas que tem vindo a afectar dramaticamente o negócio (documento entregue à inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016, tendo já sido entregue à inspeção Tributária em data anterior) (Anexo 15):
l Em 07/12/2011, através de uma carta elaborada pela A… dirigida à J… (documento escrito em inglês), foi esta última informada de que fica notificada para proceder ao pagamento da dívida o mais rápido possível, ou pelo menos a possibilidade de existir um plano de pagamentos no sentido de cobrar coercivamente o montante em dívida. (documento entregue à Inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016) (Anexo 16)
l Em 19/12/2011, através de uma carta cujo remetente é a J… e o destinatário é a A… (documento escrito em inglês), foi esta última informada de que a J… recebeu a carta da A… datada de 07/12/2011. Propõe um pagamento de 1.000.000€ por mês, com início em Março de 2012. (documento entregue à inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016) (Anexo 15)
l Em 09/04/2012 através de uma carta elaborada pela A… dirigida à J… (documento escrito em inglês), foi esta última informada de que a A… irá entregar o crédito a uma empresa especializada uma vez que a J… não procedeu ao pagamento da quantia de 1.000.000€ com início a partir de Março de 2012. (documento entregue à Inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016) (Anexo 15)
Retira-se que, apesar do elevado valor da dívida (24.030.430,00€), não foram identificados registos que comprovem que o crédito sobre a J… tenha sido reclamado judicialmente ou em tribunal arbitral por parte do sujeito passivo.
Foi ainda possível verificar que a sociedade J… foi dissolvida em 10/11/2012. (Anexo 16)
III.1.1.6 Enquadramento Legal
O art.º 35º do CIRC. redação à data dos factos, define o seguinte no que respeita as perdas por imparidade em dívidas a receber relativamente aos créditos de cobrança duvidosa:
"1- Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade (...);
Da análise do artigo 35º do CIRC, podemos concluir que existem condições cumulativas para a aceitação das perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa como fiscalmente dedutíveis, são elas:
l Sejam derivadas da atividade normal da entidade;
l Possam ser consideradas de cobrança duvidosa, e
l Estejam evidenciadas na contabilidade.
Naturalmente que os créditos que estejam acautelados por seguro ou por qualquer outra forma de garantia não serão considerados de cobrança duvidosa, porque não há o risco de incobrabilidade, visto o credor poder promover a execução da respetiva garantia. Assim como não serão aceites como gasto do exercício as imparidades constituídas relativamente a créditos cujos devedores sejam entidades que, pela sua condição, não ofereçam qualquer risco de incobrabilidade.
Dispõe ainda o nº 1 do artigo 36º do CIRC que "(...) consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento".
Deste modo, o nº 1 do artigo 36º do CIRC define como créditos de cobrança duvidosa "aqueles em que 0 risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado", elencando três situações em que se verifica, o relevante "risco de incobrabilidade". Sendo que as alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 36º do CIRC são de aplicação disjuntiva, ou seja, está justificado aquele tipo e grau de risco, desde que, casuística e objectivamente, se verifique um qualquer dos casos previstos em alguma dessas três alíneas.
Assim, para que as perdas por imparidade possam ser consideradas gastos fiscais importa, não só que esteja apurado o requisito "risco de incobrabilidade", mas também que o mesmo se mostre "devidamente justificado”.
Na situação em apreço, não ocorrendo nenhuma das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36º, assume especial relevância o estipulado na alínea c), ou seja, que existam provas objectivas de imparidade e de que foram efectuadas diligências para o recebimento do crédito.
Importa pois dedicar especial atenção na análise dos elementos apresentados pelo contribuinte, no sentido de justificar o cumprimento dos requisitos legais para que se aceite a dedutibilidade fiscal da imparidade.
Os elementos recolhidos durante o procedimento inspectivo permitem verificar que a F… propôs à A… a entrega de créditos que detinha sobre a J…, como forma de dação em cumprimento, para sanar a dívida no montante de 24 030 430.00% que tinha para com a A… . Esta proposta foi aceite pela A…, que passou a deter um crédito sobre a J…, sobre o qual veio a registar em 2012, o reforço de uma imparidade para dívidas a receber, no montante de 4. 506.351 ,74 €.
Muito embora se reconheça que não cabe à Administração Fiscal condicionar as decisões de gestão que norteiam a actividade das empresas, não pode a mesma inibir-se de proceder à sua análise e validação do cumprimento das disposições legais em vigor.
No caso em apreço, ou seja o reforço da imparidade constituída pela A… relativa à dívida da J… o risco de incobrabilidade não se considera devidamente justificado, senão vejamos:
l Os representantes da A… aceitaram uma cedência de créditos a uma entidade (J…) que fazia parte do mesmo grupo económico. As referidas sociedades têm em comum o mesmo accionista e administrador, existindo significativas operações comerciais e financeiras entre as várias empresas do GRUPO.
l Tal como a A… vem alegar, no requerimento apresentado para aplicação do disposto nos nºs 8 e o 9 do artigo 52º do CIRC, apenas em 30/06/2010 (alienação de 50% da participação da A… ao Fundo de Recuperação, gerido pela G…) é que ocorreu uma alteração dos detentores do capital social em, pelo menos, 50% do capital social. Todas as transacções das acções da A… nos meses anteriores ocorreram entre empresas do mesmo grupo económico, tendo em comum o mesmo accionista e administrador.
l De acordo com o declarado pelo Sr. O… em 05/09/2016 quando lhe foi perguntado qual a actividade da J…, este respondeu que "tinha como actividade exclusiva obter financiamentos no exterior porque não o conseguia apenas com o nome F…". Referiu ainda que “tanto a F… como a J… deixaram de ter actividade a partir de meados de 2010, data que coincide com a entrada da G… no capital da A… . Resultou do acordo entre as partes que a F… e a J… não poderiam continuar por existir conflito de interesses.” (sublinhado nosso)
l O Revisor da F… na certificação Legal das Contas emitida em 2010 coloca uma reserva nas contas: "Com a alienação da participação financeira que detinha na A…, e da alienação do negócio de trading e todos os inerentes direitos à A…, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2010, assumindo a F… uma obrigação de não concorrência) pelo prazo de 5 anos, a perspectiva da F… passa a ser, nos termos divulgados no Relatório de Gestão, a liquidação integral das suas responsabilidades, com prioridade para o passivo bancário. Sendo ainda referido que este processo passará também pela continuação de política de alienação de participações. No entanto, as demonstrações financeiras não foram preparadas numa óptica de descontinuidade das operações" que coincide com o declarado pelo Sr. O… no parágrafo anterior. (sublinhado nosso)
l Nos anos de 2009 a 2011 a F… era detida em 100% pela J… .
l A J… não tem pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução.
l Os créditos da J… não foram reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral. Não é razoável admitir que os representantes da A… tenham aceite uma cessão de créditos de uma dívida tão elevada, a uma entidade que lhes fosse totalmente desconhecida e não tivessem efectuado qualquer análise à sua situação financeira/patrimonial, por forma a acautelar/garantir a boa cobrança do crédito. A inexistência desta avaliação prévia, que qualquer juízo aconselha, senão mesmo obriga, na salvaguarda dos legítimos interesses dos accionistas, permite-nos deduzir que só poderá justificar-se porque efectivamente existia um total conhecimento de todos os intervenientes neste contrato, derivado das ligações existentes entre todos.
l De acordo com as declarações prestadas pelo contabilista certificado em 12/10/2016 relativamente à questão perguntada sobre a justificação para a A… ter aceite a cedência de créditos entre a F… e a J… o mesmo refere que “(...) junto de entidades terceiras era perceptível que a F… apresentava incobrabilidades junto de outras entidades como bancos e como tal dificilmente iria liquidar a dívida. Não quer dizer que a J… o apresentasse de forma consistente mas sempre era uma forma de garantir pelo menos a cobrabilidade de parte deste crédito. ".
l No que respeita a comprovação das diligências efectuadas pela A… para promover o recebimento da dívida, verificamos que estes se resumem a cópias de ofícios/documentos trocados entre os intervenientes, uns entregues em mão, outros por correio sem registo da entrega efetuada.
l Foi ainda apresentado pela A… um contrato de prestação de serviços de apoio à gestão de contas correntes celebrado em 21/09/2012 com a T… . De acordo com a análise a esse contrato verificou-se que se trata de um contrato genérico, não tendo a A… entregue nenhum documento emitido por esta sociedade para comprovar as eventuais diligências efectuadas para o recebimento do crédito sobre a J… .
Assim, face ao exposto ao longo deste relatório, consideramos que relativamente ao crédito detido pela A… sobre a J…, não se verificaram os requisitos legais que determinam a aceitação da dedutibilidade fiscal da imparidade, porque não se considera comprovado o respetivo risco de incobrabilidade, nem as diligências efectuadas para o seu recebimento, nomeadamente:
l não se trata de crédito em relação ao qual o devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência. Embora exista informação de que a empresa J… foi dissolvida em 10/11/2012, nada comprova que tal tenha ocorrido por motivo de insolvência. Aliás salienta-se que de acordo com os elementos recolhidos, tal ocorrência terá ficado a dever-se a decisões de gestão, no âmbito do negócio que envolveu a alienação de parte do capital social da A…, e na sequência do qual aquela empresa ficaria impedida de exercer a actividade, ficando assim destituída do seu objecto social;
l embora o crédito esteja em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento não foi reclamado judicialmente pela A…;
l as relações estabelecidas entre as várias empresas que celebraram o acordo de cedência de créditos (A…, F… e J…), nomeadamente as decorrentes de representantes/accionistas comuns, bem como os acordos celebrados entre as partes relativos às "obrigações" decorrentes da alienação de partes de capital, revelam que existia um profundo conhecimento da situação financeira/patrimonial de cada empresa, o que permite desconsiderar o risco de incobrabilidade;
l não ficaram comprovadas as diligências efectuadas para o recebimento do crédito;
pelo que se conclui que a imparidade no montante de 4.506.351,74 €, contabilizada na conta 6511 -Clientes Perdas por imparidade, não e fiscalmente dedutível, à luz das disposições legais previstas nos artigos 23º n.º 1, 35º e 36º do CIRC.
(...)
III.2. Resumo das correções propostas
Face à análise efetuada, as correções propostas resumem-se aos valores discriminados no quadro seguinte:
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
(...)
Passemos então à apreciação dos argumentos utilizados pelo sujeito passivo:
A inexistência de qualquer participação no capital da A… na F… e J… à data da constituição da dívida que originou a imparidade pela A… .
Nos 31º e 32º pontos da sua exposição vem o sujeito passivo referir que a J… à data da constituição da dívida que originou a perda por imparidade registada pela A… não detinha, nem nunca deteve qualquer participação no capital da A…, pelo que não se encontravam cumpridas as condições descritas no nº 3 do artigo 36º do CIRC para que o crédito fosse considerado de cobrança duvidosa.
Sobre esta afirmação importa desde já esclarecer o seguinte:
i. Ao contrário do referido pelo sujeito passivo, os SIT nunca enquadraram a correcção efectuada da perda por imparidade da J… no nº 3 do artigo 36º pois no caso em apreço, efectivamente, à data da constituição da imparidade esta situação não se aplica;
ii. Já no que se refere ao facto de ambas as entidades pertencerem a um grupo económico, não podemos concordar com as alegações feitas pelo contribuinte, uma vez que isso mesmo é assumido por um dos administradores da A… (Sr. O…), e reproduzido em documentos prestados pela empresa, conforme já foi salientado no ponto III.1.1.3. e que nos abstemos de repetir.
A perda de imparidade da J… não é fiscalmente dedutível à luz das disposições previstas nos artigos 23 n.º 1, 35º e 36º n.º 1 alínea c) do CIRC uma vez que relativamente à dívida da J… o referido risco de incobrabilidade não se considera devidamente justificado, tal como foi amplamente referido no projecto de relatório, e que uma vez mais se passa a demonstrar:
a. Os representantes da A… aceitaram uma cedência de créditos à J…, entidade que fazia parte do mesmo grupo económico, uma vez que as referidas sociedades tem em comum o mesmo accionista e administrador, o Sr. O…;
b. No requerimento apresentado pela A… em 16/04/2012 à DSIRC a mesma refere que apenas em 30/06/2010 (alienação de 50% da participação da A… ao Fundo de Recuperação, gerido pela G… Capital) é que ocorreu uma alteração dos detentores do capital social em, pelo menos, 50% do capital social. Deste modo todas as transacções das acções da A… nos meses anteriores ocorreram entre empresas do mesmo grupo económico, tendo em comum o mesmo accionista e administrador, o Sr. O… . É o próprio sujeito passivo que declara no requerimento referido anteriormente, que todas as transacções de acções da A… decorridas nos meses anteriores a 30/06/2010 “foram realizadas entre empresas do mesmo grupo económico".
c. De acordo com as declarações prestadas pelo Sr. O… em 05/09/2016 o mesmo respondeu que a J… tinha como "actividade exclusiva obter financiamentos no exterior porque não conseguia apenas com o nome F…".
Referiu ainda que tanto a F… como a J… deixaram de ter actividade a partir de meados de 2010, data que coincide com a entrada da G… no capital da A…;
d. A J… não tem pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução;
e. Os créditos da J… não foram reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
f. Não nos parece razoável que os representantes da A… tenham aceite uma cessão de créditos de uma dívida de 24.030.430,00€ a uma entidade que lhes fosse desconhecida. A inexistência de uma análise prévia à situação patrimonial/financeira da J… por forma a acautelar a boa cobrança do crédito, só poderá justificar-se porque efectivamente existia um total conhecimento de todos os intervenientes neste contrato, derivado das ligações existentes entre todos.
Das provas das diligências efectuadas junto da J… para tentar recuperar o montante em dívida no montante de 24.030.430, 00€
Relativamente às diligências efectuadas o sujeito passivo vem referir, que "durante o período em que decorreu a ação de inspecção por parte dos SIT, apresentou um conjunto de provas das diligências efectuadas junto da J… para tentar recuperar o montante em dívida de € 24.030.430,00".
Em sede de direito de audição relativamente a este ponto vem o sujeito passivo juntar as seguintes diligências:
l Correspondência enviada para a J… nos dias 09 de Junho de 2011, 07 de Dezembro de 2011 e 09 de Abril de 2012 (correspondente ao Documento nº 4 do direito de audição). Os referidos documentos já tinham sido entregues no procedimento inspectivo conforme se pode verificar no capitulo III.1.1.5 deste relatório;
l Contrato de prestação de serviços de apoio à gestão de contas correntes celebrado, em 21/09/2012 com a T… (correspondente ao Documento nº 5 do direito de audição). Também este contrato já tinha sido entregue durante o procedimento inspectivo;
l Mail enviado pela T… ao Dr. R… (administrador da A…), datado de 30/11/2016, referindo que "os processos são eliminados da nossa aplicação após 2 anos por uma questão legal, além deste facto não temos registo na nossa aplicação do processo da J…, porque a empresa já não estava em actividade nem registámos." (correspondente ao Documento nº 6 do direito de audição);
l Mail enviado pela sociedade de advogados ao Dr. R… (administrador da A…, datado de 22/11/2016, referindo que "prestamos em 2012 parecer verbal relativamente à viabilidade de recorrer aos meios judiciais para efeitos da cobrança coerciva da dívida da J… à A…, S.A.” (...) "à data, foi-nos fornecida informação da T…" (...) "que a J… tinha sido dissolvida administrativamente." (...) " Por essa razão, demos parecer negativo ao recurso aos meios judiciais para os efeitos em apreço (...)".
Em resultado da apreciação das diligências apresentadas pela A… de forma a promover o recebimento da dívida para com a J…, verificamos que estes se resumem a correspondência trocada entre os intervenientes, uns entregues em mão, outros por correio sem registo da entrega efetuada. O contrato celebrado em 21/09/2012 com a T…, tal como já foi referido neste relatório trata-se de um contrato genérico, tendo a A… apenas entregue em sede de direito de audição, um mail enviado pela T… a um dos administradores da A…, em 30/11/2016, informando que não tem qualquer registo na base de dados relativamente à F… . Assim sendo, consideramos que a A… continua sem conseguir comprovar objectivamente as diligências efectuadas para recebimento da dívida.
Relativamente ao mail enviado em 22/11/2016, pela sociedade de advogados cumpre-nos dizer que o facto da sociedade J… ter sido dissolvida administrativamente isso não significa que a mesma tenha sido dada como insolvente. Assim, a dívida da J… não se trata de um crédito em relação ao qual o devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores, ou processo de execução, falência ou insolvência. Chamamos ainda atenção que, tal como já foi referido anteriormente, de acordo com os elementos recolhidos, tal ocorrência terá ficado a dever-se a decisões de gestão, no âmbito de negocio que envolveu a venda da parte do capital social da A…, e, por conseguinte, aquela empresa ficaria impedida de exercer a atividade, ficando assim destituída do seu objeto social.
Tal como referido anteriormente, a A… não acautelou as consequências decorrentes da aceitação do crédito sobre a J… e também não envidou esforços junto da justiça americana contestando a dissolução administrativa em virtude de a mesma ter pelo menos um passivo.
Pelo exposto dos elementos recolhidos no decurso do procedimento inspectivo e em sede de direito de audição, o sujeito passivo não conseguiu demonstrar que tenham existido provas objectivas de imparidade e de que foram efectuadas diligências para o recebimento de crédito.
y) Na sequência da inspecção a Administração Tributária e Aduaneira efectuou correcções fiscais à matéria tributável respeitantes ao período de tributação de 2012 num montante total de € 4.036.286,55 (gerado pela correcção ao resultado fiscal do período de prejuízo fiscal no valor de € 470.065,19 para um lucro tributável de € 4.506.351,74), assim como a correcção do valor devido a título de tributação autónoma a favor do sujeito passivo em € 15.077,96;
z) Essas correcções estiveram na base da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2012, n.º 2016…, datada de 22-12-2016, em que foi determinado o valor a pagar de € 883.180,84, importância em que se incluem € 109.018,96, a título de juros compensatórios – liquidação n.º 2016…;
aa) Em 22-05-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para decisão da causa, quanto aos vícios imputados às liquidações impugnadas, que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.
3. Matéria de direito
3.1. Questão essencial que é objecto do processo
No exercício de 2012 a Requerente registou o reforço de uma perda por imparidade para dívidas a receber, no montante de € 4.506.351,74, relativamente a um crédito em mora por parte da sociedade J… .
A Administração Tributária e Aduaneira entendeu que essa perda por imparidade não é fiscalmente dedutível à luz das disposições previstas nos artigos 23 n.º 1, 35,º e 36,º n.º 1, alínea c) do CIRC, por não estar justificado o risco de incobrabilidade, pelas seguintes razões, em suma (que sintetiza na parte final do RIT):
a. Os representantes da A… aceitaram uma cedência de créditos à J…, entidade que fazia parte do mesmo grupo económico, uma vez que as referidas sociedades tem em comum o mesmo accionista e administrador, o Sr. O…;
b. No requerimento apresentado pela A… em 16/04/2012 à DSIRC a mesma refere que apenas em 30/06/2010 (alienação de 50% da participação da A… ao Fundo de Recuperação, gerido pela G…) é que ocorreu uma alteração dos detentores do capital social em, pelo menos, 50% do capital social. Deste modo todas as transacções das acções da A… nos meses anteriores ocorreram entre empresas do mesmo grupo económico, tendo em comum o mesmo accionista e administrador, o Sr. O… . É o próprio sujeito passivo que declara no requerimento referido anteriormente, que todas as transacções de acções da A… decorridas nos meses anteriores a 30/06/2010 “foram realizadas entre empresas do mesmo grupo económico".
c. De acordo com as declarações prestadas pelo Sr. O… em 05/09/2016 o mesmo respondeu que a J… tinha como "actividade exclusiva obter financiamentos no exterior porque não conseguia apenas com o nome F…". Referiu ainda que tanto a F… como a J… deixaram de ter actividade a partir de meados de 2010, data que coincide com a entrada da G… no capital da A…;
d. A J… não tem pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução;
e. Os créditos da J… não foram reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
f. Não nos parece razoável que os representantes da A… tenham aceite uma cessão de créditos de uma dívida de 24.030.430,00€ a uma entidade que lhes fosse desconhecida. A inexistência de uma análise prévia à situação patrimonial/financeira da J… por forma a acautelar a boa cobrança do crédito, só poderá justificar-se porque efectivamente existia um total conhecimento de todos os intervenientes neste contrato, derivado das ligações existentes entre todos.
Os artigos 23.º, n.º 1, 35.º e 36.º do CIRC, na redacção vigente e 2012, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 23.º
Gastos
1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
(...)
h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;
(...)
Artigo 35.º
Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis
1 – Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
a) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
(...)
Artigo 36.º
Perdas por imparidade em créditos
1 – Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
2 – O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.
3 – Não são considerados de cobrança duvidosa:
a) Os créditos sobre o Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;
b) Os créditos cobertos por seguro, com excepção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;
c) Os créditos sobre pessoas singulares ou colectivas que detenham mais de 10 % do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1;
d) Os créditos sobre empresas participadas em mais de 10 % do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.
A Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece no Relatório da Inspecção Tributária, ao apreciar o exercício do direito de audição, que o sujeito passivo refere «que a J… à data da constituição da dívida que originou a perda por imparidade registada pela A… não detinha, nem nunca deteve qualquer participação no capital da A…, pelo que não se encontravam cumpridas as condições descritas no nº 3 do artigo 36º do CIRC para que o crédito fosse considerado de cobrança duvidosa».
Por isso, a não aceitação da relevância fiscal da imparidade baseia-se apenas no n.º 1 do artigo 36.º.
Destas situações arroladas no n.º 1 do artigo 36.º em que se considera devidamente justificado o risco de incobrabilidade apenas está em discussão a verificação da prevista na alínea c), pois é incontroverso que a devedora não tinha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução e os créditos não tinham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral.
Para além disso, no que concerne ao enquadramento da situação nesta alínea c), não é questionado que os créditos relativamente aos quais foi reconhecida perda por imparidade estivessem em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento, pelo que apenas é controvertido que «existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento».
É isso que, aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira afirma explicitamente no relatório da inspecção tributária, ao dizer:
Na situação em apreço, não ocorrendo nenhuma das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36º, assume especial relevância o estipulado na alínea c), ou seja, que existam provas objectivas de imparidade e de que foram efectuadas diligências para o recebimento do crédito.
Sobre a prova da incobrabilidade do crédito e diligências para o cobrar, a Autoridade Tributária e Aduaneira refere ainda no Relatório da Inspecção Tributária que:
– as relações estabelecidas entre as várias empresas que celebraram o acordo de cedência de créditos (A…, F… e J…), nomeadamente as decorrentes de representantes/accionistas comuns, bem como os acordos celebrados entre as partes relativos às "obrigações" decorrentes da alienação de partes de capital, revelam que existia um profundo conhecimento da situação financeira/patrimonial de cada empresa, o que permite desconsiderar o risco de incobrabilidade;
– não ficaram comprovadas as diligências efectuadas para o recebimento do crédito;
E a Autoridade Tributária e Aduaneira conclui no Relatório da Inspecção Tributária que «a A… não acautelou as consequências decorrentes da aceitação do crédito sobre a J… e também não envidou esforços junto da justiça americana contestando a dissolução administrativa em virtude de a mesma ter pelo menos um passivo. Pelo exposto dos elementos recolhidos no decurso do procedimento inspectivo e em sede de direito de audição, o sujeito passivo não conseguiu demonstrar que tenham existido provas objectivas de imparidade e de que foram efectuadas diligências para o recebimento de crédito».
É à face desta fundamentação que há que apreciar a legalidade ou ilegalidade da correcção em causa, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
Num meio contencioso deste tipo, os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )
3.1. Perda por imparidade relativa ao crédito da empresa K…
A perda por imparidade relevada pela Requerente e corrigida pela Autoridade Tributária e Aduaneira é do montante de € 4.506.351,74, importância que respeita a créditos em mora há mais de seis meses e cujo valor se decompõe no crédito detido sobre a sociedade J… no montante € 4.500.000,00 e ainda no crédito sobre a sociedade K..., este no montante de € 6.351,74.
Relativamente a este último crédito a Autoridade Tributária e Aduaneira nada refere no Relatório da Inspecção Tributária como fundamento para a não relevância fiscal da perda por imparidade.
Por outro lado, da prova produzida resulta que a Requerente fez diligências para cobra do crédito, o que é reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo, ai dizer que «a Requerente comprovou as diligências no sentido de obter junto do cliente K..., o pagamento do valor em dívida no exercício de 2012, pelo que deverá ser aceite o valor provisionado na proporção de 50% da dívida (€ 12.703.49 x 50% = € 6.351,74)» (artigo 86.º da Resposta).
Há, assim, acordo das Partes quanto à verificação dos requisitos exigidos pelo artigo 36.º, n.º 1, do CIRC para a relevância fiscal da perda por imparidade relativa ao crédito detido sobre a K…, quanto ao montante de € 6.351,74, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral, na parte respectiva, devendo a liquidação ser anulada na parte em que assenta nessa correcção.
3.2. Perda por imparidade relativa ao crédito detido sobre a J…
Como se referiu apenas é objecto de controvérsia saber se existiam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o recebimento dos créditos.
3.2.1. Questão da existência de provas objectivas de imparidade
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, no artigo 77.º da Resposta, que «ao ter aceite os créditos cedidos pela F… para extinguir a sua própria dívida, sem acautelar/garantir a boa cobrança dos mesmos, face à “inexistência de uma avaliação prévia, que qualquer juízo aconselha, senão mesmo obriga, na salvaguarda dos legítimos interesses dos accionistas” (cfr., RIT, pág. 34), a Requerente assumiu a premissa de que a J… tinha capacidade financeira para solver os seus compromissos ou, então, aquela decisão foi influenciada pelas “ligações existentes entre todos”.»
A possível influência das «ligações existentes entre todos» na aceitação da cessão de créditos pela Requerente é irrelevante para este efeito, pois como já se referiu, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu que não se está perante uma situação em que existissem relações entre as empresas, do tipo previsto no n.º 3 do artigo 36.º do CIRC que obstassem à relevância fiscal das imparidades.
Assim, só poderá ver nessa proximidade entre as empresas que celebraram o acordo de cessão do crédito que veio a ser considerado de cobrança duvidosa um indício de que a Requerente conhecia bem a situação da J…, pelo que, a aceitar a cessão, estava a reconhecer que ele não era de cobrança duvidosa.
No entanto, o contrato de cessão foi celebrado em 15-02-2011, e a o reconhecimento da perda por imparidade com fundamento em incobrabilidade foi efectuado em 31-12-2012, mais de um ano e dez meses depois, pelo que a aceitação da cessão não pode ser considerada uma prova de que o crédito não era de cobrança duvidosa, na data e em foi reconhecida a perda por imparidade.
Aliás, contradizendo o significado dessa aceitação da cessão como indício de cobrabilidade do crédito, a Autoridade Tributária e Aduaneira vem afirmar mo artigo 70.º da sua Resposta que «a J… já revelava problemas na regularização das suas dívidas», o que está em sintonia com o que disse durante o procedimento de inspecção o Dr. Q… (contabilista certificado da A…) : «fizemos diligências junto da F… para o recebimento da dívida em que no decurso dessas diligências nos foi proposto a dação em pagamento do crédito sobre a J… sendo que junto de entidades terceiras era perceptível que a F… apresentava incobrabilidades junto de outras entidades como bancos e como tal dificilmente iria liquidar a dívida. Não quer dizer que a J… o apresentasse de forma consistente mas sempre era uma forma de garantir pelo menos a cobrabilidade de parte deste crédito».
E, como salienta também a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 72.º da sua Resposta, «De tal forma os créditos sobre a J… tinham associado um risco elevado de incobrabilidade, quando foram assumidos pela Requerente, dada a sua antiguidade, que o próprio ROC, na Certificação Legal de Contas de 2012, declarou que deveria ter sido feito o ajustamento por imparidade, a 100%, em 2011».
E a Autoridade Tributária e Aduaneira até conclui que «a Requerente revelou imprudência na aceitação dos créditos sobre a J…, pois não procedeu a uma avaliação prévia dos eventuais riscos de incobrabilidade, decisão que só é compreensível porque as entidades envolvidas pertenciam ao mesmo grupo económico».
Assim, à face da prova produzida, é de concluir que o crédito adquirido pela Requerente de que era devedora a J… podia ser considerado de cobrança duvidosa no final do exercício de 2012, dúvidas essas que são corroboradas pelos factos de a J… já em 01-07-2011 ter informado a Requerente que estava em situação económica muito difícil e ter sido dissolvida em 10-11-2012, sem que haja conhecimento de qualquer património.
Por isso, é de considerar como provado que existiam provas objectivas de imparidade do crédito da Requerente sobre a J…, em 31-12-2012.
3.2.2. Questão das provas objectivas de terem sido efectuadas diligências para o recebimento do crédito
Resta, assim, apurar se há provas objectivas de terem sido efectuadas diligências para o recebimento do crédito, como exige a pare final da alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC.
O próprio Relatório da Inspecção Tributária arrola um conjunto de diligências efectuadas pela Requerente tendo em vista obter a cobrança do crédito sobre a J…:
l Em 09/06/2011, através de uma carta elaborada pela A… dirigida à J… (documento escrito em inglês), foi esta última informada de que fica notificada para proceder ao pagamento da dívida o mais rápido possível, referindo ainda que caso a J… falhe o pagamento a A… irá recorrer aos meios legais de forma a obter a cobrança do montante em dívida. (documento entregue à inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016) (Anexo 15);
l Em 01/07/2011, através da entrada nº … de 19/07/2011 da A…, a J… (documento escrito em inglês) refere não poder pagar de imediato a dívida para com a A…, no montante de 24.030.430,00€, mas manifesta a vontade de o fazer. Refere ainda que está financeiramente numa posição muito difícil devido à situação da economia mundial e em particular devido à volatilidade dos mercados de matérias-primas que tem vindo a afectar dramaticamente o negócio (documento entregue à inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016, tendo já sido entregue à inspeção Tributária em data anterior) (Anexo 15):
l Em 07/12/2011, através de uma carta elaborada pela A… dirigida à J… (documento escrito em inglês), foi esta última informada de que fica notificada para proceder ao pagamento da dívida o mais rápido possível, ou pelo menos a possibilidade de existir um plano de pagamentos no sentido de cobrar coercivamente o montante em dívida. (documento entregue à Inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016) (Anexo 16)
l Em 19/12/2011, através de uma carta cujo remetente é a J… e o destinatário é a A… (documento escrito em inglês), foi esta última informada de que a J… recebeu a carta da A… datada de 07/12/2011. Propõe um pagamento de 1.000.000€ por mês, com início em Março de 2012. (documento entregue à inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016) (Anexo 15)
l Em 09/04/2012 através de uma carta elaborada pela A… dirigida à J… (documento escrito em inglês), foi esta última informada de que a A… irá entregar o crédito a uma empresa especializada uma vez que a J… não procedeu ao pagamento da quantia de 1.000.000€ com início a partir de Março de 2012. (documento entregue à Inspecção Tributária fazendo parte integrante do termo de declarações de 12/10/2016) (Anexo 15)
Para além disso, como também se refere no Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente, em 21-09-2012 celebrou um contrato de prestação de serviços de apoio à gestão de contas correntes com a T…, empresa especializada a cobrança de créditos, como referiu à Inspecção Tributária o contabilista certificado da Requerente: «Foram feitas várias diligências de cobrança, nomeadamente por contacto telefónico e por contacto escrito sempre que houve necessidade de formalizar os mesmos, nas quais a J… chegou a apresentar uma proposta de liquidação na qual não foi cumprida tendo então a A… delegado numa empresa especializada a cobrança desses mesmos créditos, nomeadamente a T… . Também esta se mostrou infrutífera do ponto de vista de cobranças uma vez que o devedor decidiu encerrar a sua atividade».
Como bem diz a Requerente, não havendo outros créditos de cobrança duvidosa indicados no Mapa de provisões, para além dos da J… (€ 4.500.000,00) e da K… (€ 6.351,74), tem de se concluir que a contratação daquela empresa de cobranças se destinou à cobrança destes créditos.
Pera além disso, foi solicitado um parecer jurídico, junto da Sociedade de Advogados L… no sentido de aferir da viabilidade de recorrer à via judicial com vista à cobrança coerciva da dívida, tendo o parecer sido negativo por a J… ter sido dissolvida (Anexo 18 ao RIT junto como Documento n.º 3, com o pedido de pronúncia arbitral).
Nestas circunstâncias, é manifesto que se provou que a Requerente efectuou diligências tendo em vista a cobrança do crédito, inclusivamente a contratação de uma empresa especializada em cobranças, o que não pode deixar de considerar-se como uma diligência adequada e não meramente simbólica.
É a realização de diligências adequadas à cobrança do crédito, e nada mais, que se exige na parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRC, como requisito para a relevância fiscal das perdas por imparidade.
Designadamente, não é fundamento para não afastar essa relevância, à face daquela alínea c), o facto, salientado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de «que, apesar do elevado valor da dívida (24.030.430,00€), não foram identificados registos que comprovem que o crédito sobre a J… tenha sido reclamado judicialmente ou em tribunal arbitral por parte do sujeito passivo».
Se esta reclamação judicial ou em tribunal arbitral tivesse ocorrido, estar-se-ia perante uma situação enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 36.º. Por isso, entre as diligências para recebimento a que se reporta a alínea c) não se inclui essa reclamação da dívida perante um tribunal judicial ou arbitral.
Pelo exposto, conclui-se que foram produzidas provas objectivas de terem sido realizadas diligências para cobrança do crédito em causa.
4. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade do acto de liquidação de IRC com o n.º 2016…, bem como na demonstração de acerto de contas n.º 2016… (compensação n.º 2016…), em que se inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2016… .
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 883.180,84.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 12.546,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 30-11-2017
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Jorge Bacelar Gouveia)
(Cristiana Maria Leitão Campos)
[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
- de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-04-2001, página 1207;
- de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289;
- de 09/10/2002, processo n.º 600/02;
- de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
- MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".
- MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".