Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Tema: IRS e IRC – Retenção na fonte. Presunção legal: prova directa e inequívoca do facto base. Só o facto tributário é constitutivo do direito ao imposto.
Processo n.º 165/2013-T
Decisão arbitral
Os árbitros Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Maria Manuela do Nascimento Roseiro e Dra. Marta Gaudêncio (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16 de Setembro de 2013, acordam no seguinte:
I. Relatório
Em 9/07/2013, A..., Lda., titular do NIPC … e sede na Rua …, …, requereu a constituição de tribunal arbitral e um pedido de pronúncia arbitral, nos termos dos n.ºs 1, al. a), e 2 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
Na sequência do indeferimento da reclamação graciosa n.º …, apresentada contra as liquidações adicionais de retenção na fonte de IRS, IRC e de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, no montante total de €273.567,14, vem a Requerente apresentar pedido de pronúncia arbitral no sentido da declaração de ilegalidade daquelas liquidações.
A Requerente é representada pelo Senhor Dr. …, com domicílio profissional na Av. … .
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.
Por considerações de celeridade, simplificação e informalidade processuais e atenta a não oposição das partes, não se realizou a reunião prevista no artigo 18.º do D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e as partes não apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído nos termos dos arts. 5.º, n.º 3 a) e 6.º, n.º 2 a) do RJAT e é materialmente competente nos termos do art.º 2.º, n.º 1 a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (art.º 4.º, art. 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II. Objecto do litígio
A Requerente fundamenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:
a) Na sequência da realização de uma acção de inspecção tributária levada a cabo pela Direcção de Finanças do …, foi a Requerente confrontada com a emissão das seguintes liquidações adicionais:
Valores em €
Liquidação n.º Origem Período Imposto Juros Total
2012 … Retenções na fonte 2008 8.995,04 1.403,24 10.398,38
2012 … Retenções na fonte 2008 57.614,99 9.162,01 66.777,00
2012 … Retenções na fonte 2009 4.065,51 501,22 4.566,73
2012 … Retenções na fonte 2009 27.584,65 2.897,62 30.482,27
2012 … Retenções na fonte 2010 7.876,54 621,68 8.498,22
2012 … Retenções na fonte 2010 142.874,85 9.969,79 152.844,64
Total 249.011,58 24.555,56 273.567,14
b) Os fundamentos das correcções são os seguintes:
1. Alegadas retiradas por conta de lucros;
2. Pagamentos a entidades não residentes (IRS);
3. Pagamentos a entidades não residentes (IRC).
c) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações acima descritas, tendo a reclamação graciosa sido indeferida.
d) A Requerente não se conforma com o indeferimento da reclamação graciosa, porquanto:
Alegadas retiradas por conta de lucros
e) O sócio-gerente da Requerente utilizou vários montantes que lhe foram entregues pela Requerente, os quais se encontram registados nas contas 2681001 (em 2008 e 2009) e 2781001 (2010).
f) No âmbito da acção inspectiva, e quando questionado sobre a natureza das verbas registadas na conta 2681001, o sócio-gerente da Requerente esclareceu tratar-se de empréstimos, tendo apresentado cópia de um documento particular denominado “Contrato de Mútuo”, de 31 de Dezembro de 2008.
g) Neste contrato, é referido que a Requerente emprestou ao seu sócio gerente a quantia global de €191.220 no decurso de 2008, devendo este empréstimo ser pago quando a sociedade o exigir.
h) Consideraram os Serviços da Inspecção Tributária que a justificação apresentada pela Requerente não se mostrava consistente com as operações e comportamento reiterado do sócio, porquanto, em síntese: a indicada quantia global não correspondia a uma só operação entre a requerente e o seu sócio-gerente; o documento apresentado não cumpria as formalidades exigidas pela lei para operações de mútuo; até ao ano de 2010 não fora pago o referido montante nem foram debitados juros, tendo, antes, sido incrementado; este procedimento apresenta-se transversal a todos os anos inspeccionados e até ao ano imediatamente anterior (2007), salientando-se que neste exercício, “decorrente de acção interna realizada, o sujeito passivo, denotando o reconhecimento de que o enquadramento fiscal para este tipo de registos é a "distribuição antecipada de lucros", regularizou voluntariamente, procedendo à entrega da respectiva Declaração de Retenção na fonte de IRS”.
i) Concluíram os Serviços da Inspecção Tributária que “as verbas retiradas a favor do sócio-gerente durante os exercícios de 2008, 2009 e 2010 se consubstanciam, não em empréstimos concedidos pelo sujeito passivo ao seu sócio-gerente, mas em retiradas que se presumem, a título de antecipação de lucros, conforme previsto no n.° 4 do artigo 6° do Código do IRS”.
j) Como tal, considerou a Administração Tributária estar perante um adiantamento por conta de lucros, que deveria ter sido sujeito a retenção na fonte no momento do seu pagamento ou colocação à disposição, sendo devidos €50.087,73 relativamente a 2008, €21.575 relativamente a 2010 e €137.014,71 relativamente a 2010.
k) Tal entendimento tem por base o n.° 1 do artigo 5° do Código do Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS), nos termos do qual são considerados rendimentos de capitais (Categoria E) “os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias” – o que inclui os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros.
l) Assim, e nos termos dos n.° 1 e 3 do artigo 7° do CIRS, concluíram os Serviços da Inspecção Tributária que os rendimentos referidos no artigo 5.° ficam sujeitos a tributação desde o momento em que são colocados à disposição do seu titular e nos termos da alínea c) do n° 1 do artigo 71°, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 20% e nos termos do n.° 2 do artigo 101°, a retenção na fonte prevista no artigo 71° cabe às entidades que paguem ou coloquem à disposição os rendimentos.
m) A Requerente esclareceu que os valores em causa resultam de empréstimos feitos por si ao sócio-gerente, e que o facto de os mesmos não terem cumprido as exigências formais legalmente previstas não obsta a esta qualificação.
n) A Requerente veio ainda referir que a forma através da qual o contrato de mútuo foi estabelecido não é relevante para efeitos de IRS e que não cabe à Requerida velar pela regularidade das relações negociais entre particulares (nomeadamente entre uma sociedade e os seus sócios e/ou gerentes), a não ser que tal se imponha (e nessa medida) para a qualificação das situações no estrito plano tributário.
o) Considera ainda a Requerente que não colhe a fundamentação da Requerida de que os mútuos, a partir de determinados montantes, exigem o cumprimento de exigências formais que não foram respeitadas, porque a forma do mútuo é irrelevante para efeitos de sujeição a IRS.
p) Assim, as importâncias em causa resultam, efectivamente, de empréstimos feitos pela Requerente ao seu sócio-gerente, independentemente dos montantes e da sua formalização.
q) Refere também a Requerente que os lançamento a débito não cumprem os requisitos para fazer operar a presunção estabelecida no n.º 4 do art.º 6.º do Código do IRS, porque os lançamentos relevantes para fazer funcionar essa presunção legal são unicamente os efectuados a crédito nas contas correntes – se a conta corrente do sócio na Requerente apresenta uma situação de dívida do primeiro para com a segunda não configura um rendimento do sócio mas um passivo dele ao qual corresponde um activo (exigível) da sociedade.
r) A Requerente esclareceu ainda que nunca manifestou concordar com as correcções realizadas relativamente ao exercício de 2007 e que, se entregou declarações de substituição, foi apenas porque foi induzida em erro pelos Serviços da Inspecção Tributária.
s) Mais refere que utilizou os meios ao seu alcance para obter a anulação dessa declaração de substituição, tendo a questão sido discutida no âmbito de um requerimento convolado em reclamação graciosa, subsequente recurso hierárquico com decisão favorável (sem analisar a questão de fundo) e posterior decisão da reclamação relativamente à qual se requererá também a constituição de tribunal arbitral.
Pagamentos a não residentes (IRC)
t) A Requerente adquiriu serviços a entidades não residentes, tendo feito os respectivos pagamentos sem retenção na fonte.
u) Consideraram os Serviços da Inspecção Tributária que os rendimentos pagos pela Requerente se consideram obtidos em Portugal e aqui devem ser sujeitos a imposto por aplicação do disposto nos n.ºs 6 e 7 da alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, estando afastados da tributação por força das respectivas Convenções sobre dupla tributação, desde que os beneficiários dos rendimentos façam da sua residência, do regime de tributação e indicação do tipo de rendimentos através de formulário-tipo devidamente certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
v) Assim, e por não ter feito retenção na fonte relativamente aos fornecedores … (residentes na Suíça, na Alemanha, em Itália e em França.
w) Sucede que, considerando que as convenções para evitar a dupla tributação celebradas com esses Países, nomeadamente o artigo 7.º das referidas Convenções, os rendimentos obtidos por aquelas entidades em Portugal só podem ser tributados nos países da residência, a não ser que a actividade fosse exercida em Portugal por meio de estabelecimento estável aqui situado - o que não é o caso.
x) Considerando que estamos perante normas de direito internacional, que tão prevalecem sobre as normas nacionais, não existe obrigação de proceder à retenção na fonte de quaisquer montantes.
Pagamentos a não residentes (IRS)
y) A Requerente realizou pagamentos a uma pessoa singular residente no Reino Unido (…), tendo a Administração Tributária e Aduaneira considerado que os mesmos deveriam ser objecto de retenção na fonte, nos mesmos termos que os pagamentos realizados a pessoas colectivas não residentes.
z) Alega a Requerente que, pelos motivos referidos supra, a obrigação de proceder à retenção na fonte é ilegal.
aa) Alega ainda que, na medida em que foi apresentado, durante o procedimento de inspecção tributária, documento emitido pela … que comprova a residência fiscal no Reino Unido do beneficiário dos pagamentos, nos períodos em causa, as liquidações adicionais devem ser anuladas, com fundamento em ilegalidade.
bb) A Requerida respondeu, alegando, em suma, o seguinte.
cc) Foram relevados na contabilidade da Requerida, nos exercícios de 2008, 2009 e 2010, movimentos a débito na conta corrente do sócio …, no montante total de €825.578,81, tendo os montantes sido transferidos da conta da sociedade para a conta do sócio.
dd) Na redacção em vigor à data dos factos, o n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS continha uma presunção nos termos da qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios que não resultassem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais se presumiam feitos a título de lucros ou adiantamentos de lucros.
ee) Embora a Requerente tenha explicado que os valores em causa foram mutuados ao sócio, entende a Requerida que, por não ter sido formalizado o contrato nos termos previstos no artigo 1143.º do Código Civil, não se considera ilidida a presunção acima identificada, pelo que os montantes devem ser considerados como adiantamentos por conta de lucros.
ff) No que concerne os rendimentos pagos a pessoas colectivas não residentes, considera a Requerida que as prestações de serviços subjacentes se consideram rendimentos obtidos em Portugal, nos termos do disposto nos n.ºs 6 e 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC.
gg) Por essa razão, deveria ter incidido retenção na fonte, à taxa de15%, sobre os montantes pagos, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 94.º (anteriormente, 88.º) e da alínea e) do n.º 4 do artigo 87.º (anteriormente, 80.º) do Código do IRC.
hh) Da mesma forma, deveria ter incidido retenção na fonte de IRS, à taxa de 20% (até à entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2012) e à taxa de 21,5% a partir dessa data, quanto aos pagamentos feitos a pessoas singulares não residentes.
ii) A obrigação de retenção na fonte poderia ser afastada desde que a Requerente tivesse na sua posse, quer no momento do pagamento, quer posteriormente, os formulários-tipo certificados pelas autoridades do Estado competente (modelo RFI).
jj) Não sendo o caso, considera-se que não foi realizada prova da residência dos beneficiários, pelo que a Requerente deveria procedido à retenção na fonte e entregue ao Estado os montantes retidos.
kk) Deve, portanto, ser negado provimento ao pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações de imposto emitidas.
II – Matéria de facto
A. Factos provados
a) A Requerente é uma sociedade por quotas detida por três sócios, um dos quais, …, é também gerente de facto.
b) Em 2012, a Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária com referência aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, na sequência do qual foram emitidas liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios, no montante total de €273.567,14.
c) Os fundamentos da emissão das referidas liquidações são os seguintes: (i) alegadas retiradas por conta de lucros, que como tal não foram qualificadas e portanto não foram tributadas, (ii) falta de retenção na fonte de IRC em pagamentos realizados a não residentes e (iii) falta de retenção na fonte de IRS relativamente a pagamentos realizados a não residentes.
d) Nos exercícios de 2008, 2009 e 2010, foram relevados na contabilidade da Requerente, a débito na conta 2681001 – … (conta 2781001 em 2010) os seguintes montantes:
a. 2008 - €191.220
b. 2009 - €86.300
c. 2010 - €548.058,81
Num total de €825.578,81.
e) Os montantes em causa foram, efectivamente, transferidos para a conta do sócio-gerente ou utilizados por este, em diversos momentos, não resultando de uma única operação.
f) Os montantes foram transferidos para o sócio-gerente através de cheques e transferências bancárias emitidos a favor deste, utilização de cartões de crédito e levantamentos em ATM.
g) Até ao final de 2010, não foram debitados juros ao mutuário sócio-gerente, nem foi realizado qualquer reembolso dos valores mutuados.
h) Durante a acção inspectiva, questionado sobre a natureza das verbas incluídas na conta 2681001, o sócio-gerente referiu tratar-se de empréstimos.
i) Foi apresentado pela Requerente um Contrato de Mútuo celebrado entre si e o sócio-gerente, a 31 de Dezembro de 2008, nos termos do qual a primeira emprestou ao segundo o montante de €191.220 no decurso de 2008, montante a ser reembolsado quando a Requerente o exigisse.
j) O Contrato de Mútuo foi celebrado por documento particular.
k) A contabilidade da Requerente reflecte, de forma clara, a situação de devedor do sócio-gerente perante a primeira, nos vários exercícios em causa, encontrando-se feitos vários lançamentos a débito, que configuram dívidas do sócio-gerente perante a sociedade.
l) A Requerente apresentou a competente declaração de retenções na fonte relativa a 2007, no decurso do procedimento inspectivo.
m) Posteriormente, tentou obter decisão de anulação dessa declaração, no âmbito do processo de reclamação graciosa.
n) A Requerente adquiriu, nos exercícios em causa, serviços a entidades residentes na Suíça (…), na Alemanha (…), em Itália (…) e em França (…).
o) A Requerente não procedeu a qualquer retenção na fonte sobre os pagamentos realizados, nem dispunha de formulários RFI certificados pelas autoridades competentes dos países de origem dos prestadores de serviços.
p) A Requerente adquiriu ainda, nos exercícios em causa, serviços a uma pessoa singular domiciliada no Reino Unido (…).
q) Não foi realizada retenção na fonte sobre os valores pagos a este sujeito passivo.
r) Portugal celebrou Convenções para Evitar a Dupla Tributação com os Estados em causa.
s) No decurso da acção inspectiva, a Requerente foi notificada, em 14 de Fevereiro de 2012, para apresentar os formulários tipo, devidamente certificados pelas entidades competentes do Estado da residência dos beneficiários dos pagamentos.
t) Em resposta à notificação, a Requerente não apresentou os formulários acima referidos, mas sim (i) certificado de registo da sociedade …, (ii) certificado de registo da … (…, que diz respeitar ao comissionista …), (iii) certificado emitido pela “…” certificando que ... está registado para efeitos de IVA no Reino Unido.
u) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de imposto e de juros compensatórios recebidas, a qual foi indeferida.
B. Factos não provados
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III – Matéria de direito
As questões colocadas a este Tribunal são as seguintes:
1. Os montantes contabilizados na conta corrente do sócio-gerente configuram adiantamentos de lucros devendo, assim, estar sujeitos a tributação em IRS na esfera deste, através de retenção na fonte?
2. Estão sujeitos a retenção na fonte de IRC os pagamentos realizados pela Requerente aos prestadores de serviços residentes na Suíça, na Alemanha, em Itália e em França?
3. Estão sujeitos a retenção na fonte de IRS os pagamentos realizados pela Requerente ao prestador de serviços residente no Reino Unido?
Montantes entregues pela Requerente ao sócio-gerente
Resulta dos autos que a Requerente, em 31 de Dezembro de 2008, celebrou com o sócio-gerente um contrato de mútuo no montante de €191.220, a reembolsar quando a Requerente o exigisse. O contrato de mútuo foi celebrado por escrito particular, não autenticado, e o valor em causa corresponde ao somatório de vários cheques, transferências bancárias e levantamentos em dinheiro. Até ao final de 2010, o valor em causa não havia sido reembolsado e não foram debitados juros ao sócio-gerente, tendo o valor em dívida aumentado.
Na contabilidade, os montantes em causa foram registados a débito na conta 2681001- … (em 2010, na conta 2781001).
Entende a Requerida que o Contrato de Mútuo não respeita os requisitos formais exigidos pelo artigo 1143.º do Código Civil, razão pela qual não é válido. Assim, considera que estamos perante adiantamentos de lucros, os quais deveriam ter sido tributados em IRS.
É certo que, nos termos do disposto no artigo 1143.º do Código Civil, o mútuo de valor superior a €25.000 só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a €2.500 se o for por documento assinado pelo mutuário. Decorre no artigo 294.º do Código Civil que os negócios jurídicos celebrados contra disposição de carácter imperativo, como é o caso, são nulos.
A nulidade, nos termos do disposto no artigo 286.º do Código Civil, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. A declaração de nulidade tem efeito retroactivo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, devendo ser restituído tudo o que for prestado.
Efectivamente, como aliás alega a Requerida, estamos perante uma matéria de direito civil, pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, as normas fiscais em análise devem ser interpretadas recorrendo aos termos próprios desta área do direito. Por outro lado, a lei fiscal, ou a aplicação que dela é feita, não pode criar previsões normativas diferentes das existentes nos diplomas próprios.
Dito de outra forma: o Código Civil prevê que os contratos de mútuo que não cumpram os requisitos de forma legalmente estabelecidos são nulos, não podendo produzir quaisquer efeitos, devendo ser restituído tudo o que foi prestado (o mutuário deve restituir o valor recebido e o mutuante deve restituir os juros eventualmente recebidos). É esta a cominação legalmente prevista para a falta de cumprimento dos requisitos de forma associados ao contrato de mútuo. No fundo, a lei determina que é como se o contrato de mútuo nunca tivesse existido, desaparecendo da ordem jurídica tanto o contrato como os seus efeitos.
Esta é a única consequência do não cumprimento dos requisitos formais previstos na lei. Não resulta, todavia, da lei, que do contrato de mútuo nulo possam advir outras consequências. E, assim, não pode aplicar-se a lei fiscal no sentido de retirar do incumprimento desta formalidade consequências diferentes das legalmente previstas. Ou seja, se o contrato de mútuo é nulo por falta de forma, pode determinar-se a restituição do que foi prestado, mas não pode considerar-se que da invalidade resulta que os montantes pagos ao abrigo do contrato têm outra natureza que não a de mútuo.
Assim, tem de se concluir que, o facto de terem sido preteridas as formalidades na celebração do contrato de mútuo não pode ter como consequência que o contrato não existiu e, portanto, estamos perante uma realidade diferente – no caso, um adiantamento de lucros. E se, perante a nulidade do contrato, as partes ficam obrigadas a restituir o que receberam, poderá, no limite, entender-se que o mesmo deve suceder neste caso, devendo o sócio-gerente restituir os valores registados na conta corrente antes identificada, mas não pode considerar-se que, por falta de cumprimento das formalidades que estão associadas à celebração deste tipo de contrato, a operação substancialmente praticada (um mútuo) deve ser qualificada de outra forma.
É certo que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 36.º da LGT, “A qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária.”. Por outro lado, cumpre também aludir ao número 1 do artigo 74.º da LGT, nos termos do qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque, bem como ao número 1 do artigo 75.ºdo mesmo diploma, nos termos do qual se presumem verdadeiros e de boa-fé os registos contabilísticos dos contribuintes, quando realizados nos termos da legislação fiscal e comercial. Esta presunção não se verifica quando ocorrer uma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT – o que não é o caso.
Acresce que, nos termos do disposto no artigo 293.º do Código Civil, “O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos de substância e forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.”. Assim, no limite, poderia considerar-se estarmos perante um contrato-promessa de mútuo, o qual não teria de respeitar as exigências de forma, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 410.º do Código Civil. Assim, os pagamentos seriam realizados por conta de um contrato de mútuo definitivo, a celebrar em data a indicar.
De referir ainda que, o registo contabilístico dos montantes pagos ao sócio foi realizado numa conta 268, que é uma conta de Accionistas/Sócios – Outras Operações. Habitualmente, são registadas nesta conta as operações com os sócios que não sejam adiantamentos de lucros, resultados atribuídos ou lucros disponíveis, entre outros. O registo a débito reflecte um pagamento realizado pela sociedade, pelo que, o registo feito para efeitos contabilísticos é coincidente com o enquadramento que foi dado à operação.
Portanto, verifica-se que o registo contabilístico dos movimentos associados a esta operação, nos vários exercícios em causa, está realizado em termos semelhantes ao do contrato de mútuo. Também aqui deve ser referido o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, ou seja, não tendo a contabilidade da Requerente sido posta em causa, deverá considerar-se que a mesma espelha a realidade dos factos – e, portanto, que foi efectivamente celebrado um contrato de mútuo entre a Requerente e o sócio-gerente.
Em suma, verifica-se que as liquidações emitidas têm como único fundamento o não cumprimento pela Requerente das formalidades associadas à celebração do contrato de mútuo. No entanto, esse fundamento é meramente formal. O n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS estabelecia uma presunção nos termos da qual “os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultarem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.”. As presunções podem ser ilididas, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 351.º do Código Civil, o que se verificou neste caso – a Requerente apresentou o Contrato de Mútuo celebrado com o sócio-gerente, tendo registado contabilisticamente a operação em conformidade, o que permite ilidir a presunção de que a operação configuraria um adiantamento por conta de lucros.
Neste contexto, o ónus da prova de que o contrato não correspondia efectivamente a um contrato de mútuo foi devolvido à Administração Tributária e Aduaneira . Sucede que, nenhuma prova foi feita a este respeito – apenas foi alegado que, em virtude de o contrato não ter sido celebrado por escritura pública, o mesmo não era válido e portanto deveria qualificar-se como adiantamento por conta de lucros. Assim, e porque a Administração Tributária não logrou fazer prova do facto alegado (que os montantes em causa foram entregues a título de adiantamento por conta de lucros), deve considerar-se que a operação existe na ordem jurídica nos termos em que foi definida pela Requerente. Estamos, assim, perante um contrato de mútuo, sendo os pagamentos feitos ao sócio-gerente entregas dos valores mutuados.
As disponibilizações de montantes feitas no âmbito contrato de mútuo não configuram rendimentos do sócio-gerente, não estando por isso sujeitas a tributação, nem através de retenção na fonte, nem a final. Assim, a correcção deverá improceder.
Falta de retenção na fonte de IRC e de IRS
A Requerente adquiriu serviços a sociedades comerciais residentes na Suíça, na Alemanha, em Itália e em França. Decorre dos n.ºs 6 e 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC que os montantes pagos se consideram rendimentos obtidos em território nacional, na medida em que o seu devedor tem sede neste País, estando sujeitos a retenção na fonte à taxa de 15%, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 4 do artigo 80.º (actualmente, 87.º) e da alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º (actualmente, 94.º) do Código do IRC.
Da mesma forma, a Requerente procedeu ao pagamento de serviços prestados por uma pessoa singular residente no Reino Unido. Estes rendimentos consideram-se obtidos em território nacional, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS, sendo aplicável a taxa de 20% até à entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2013, e a taxa de 21% depois dessa data, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 71.º do Código do IRS.
O artigo 90.º-A do Código do IRC (actualmente, 98.º) prevê que “Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direcção efectiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.”.
Acresce que, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito legal, para que se verifique a dispensa, total ou parcial, da obrigação de retenção na fonte, o sujeito passivo tem de ter na sua posse, no momento do pagamento ou da colocação à disposição dos rendimentos, um formulário (Modelo 21-RFI) certificado pela autoridade competente do Estado em causa, confirmando a residência fiscal do beneficiário dos pagamentos – que a Requerente não tinha.
Sucede que, todas as Convenções Para Evitar a Dupla Tributação celebradas entre Portugal e os Estados acima identificados estabelecem, no que concerne a tributação dos lucros das empresas, o seguinte, no n.º 1 do artigo 7.º (algumas redacções referem “actividade industrial ou comercial” e não só “actividade”):
“Os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua actividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.”.
Verifica-se, assim, que nos termos das Convenções celebradas por Portugal, os lucros das sociedades comerciais não residentes apenas podem ser tributados neste país quando a sua actividade for aqui desenvolvida através de estabelecimento estável – o que não é o caso, na situação em análise.
O mesmo sucede relativamente aos rendimentos decorrentes do trabalho dependente ou independente – será tributado no Estado de residência do trabalhador ou prestador de serviços, a menos que este disponha de uma instalação fixa no Estado da residência do beneficiário do trabalho ou dos serviços.
Mais: resulta do exposto que as normas do Código do IRC e do Código do IRS que prevêem a obrigação de retenção na fonte aquando da realização de pagamentos a não residentes não estão em conformidade com as regras previstas nas Convenções, na medida em que estas atribuem ao Estado da sede/residência do beneficiário dos pagamentos a competência exclusiva para tributar estes rendimentos, enquanto os primeiros determinam a obrigação de retenção na fonte por parte dos sujeitos passivos residentes em Portugal.
Decorre do n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”. E as normas de direito internacional sobrepõem-se às normas de direito interno, pelo que, a obrigação de retenção na fonte de IRC e de IRS, na situação em apreço, viola o disposto no n.º 2 do artigo 8.º da CRP, uma vez que contraria as disposições convencionais nos termos das quais só o Estado da Residência dos beneficiários dos rendimentos pode tributá-los, na medida em que não existe estabelecimento estável nem instalação fixa destes em Portugal.
Por outro lado, e pelos mesmos motivos, parece-nos que não pode ser exigido o cumprimento de formalidades adicionais, que não constam das Convenções para que seja dispensada a retenção na fonte – nomeadamente os formulários 21-RFI, devendo considerar-se suficiente a apresentação de documento que comprove que o beneficiário dos pagamentos é residente fiscal no Estado em causa.
É certo que, uma vez que as Convenções nada referem quanto às formalidades a cumprir para que os regimes nelas previstos possam ser aplicados, os Estados têm de estabelecer as regras necessárias para esse efeito. Todavia, atenta a regra geral – tributação dos lucros das sociedades no Estado em que têm a sede e são residentes fiscais – sempre se dirá que será suficiente demonstrar que os beneficiários dos pagamentos são residentes no Estado em causa. Com efeito, a demonstração da residência fiscal dos beneficiários dos pagamentos é uma formalidade probatória, e não constitutiva, devendo ser admitida prova idónea. Neste sentido, veja-se o acórdão de 18 de Setembro de 2007 do Tribunal Central Administrativo Sul (Processo n.º 01273/06) e o acórdão de 5 de Maio de 2009 do mesmo Tribunal (Processo n.º 2414/08).
A Requerente apresentou documentos emitidos pela administração tributária do Reino Unido (que, ainda que refira não ser uma determinação formal do estatuto de residente, atesta que o beneficiário dos pagamentos é residente fiscal no Reino Unido, para os efeitos do artigo 4.º da Convenção, desde 6 de Abril de 2007), bem como um certificado emitido por uma sociedade de revisores oficiais de contas com sede no mesmo País e certificados de registo comercial das entidades em causa. Considerando que a residência fiscal de uma sociedade coincide com o país onde tem sede ou direcção efectiva (e a pessoa singular tem domicílio), conclui-se que estes documentos devem ser considerados idóneos para demonstrar onde as entidades beneficiárias dos pagamentos têm sede e, consequentemente, residência fiscal – devendo, assim, ser aceites para demonstrar onde se situa a residência/domicílio fiscal dos beneficiários.
Pelo que se considera que bem andou a Requerente ao não proceder à retenção na fonte sobre os montantes pagos.
Neste contexto, devem as liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios improceder.
IV - Decisão
Face ao exposto, acorda o colectivo dos árbitros deste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral e decretar a anulação das liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios n.ºs 2012 …, 2012 …, 2012 …, 2012 …, 2012 … e 2012 … .
Custas a cargo da Requerida Autoridade Tributária, atribuindo-se à causa o valor de €273.567,14.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2014
O árbitro presidente
(Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)
O árbitro vogal
Maria Manuela Roseiro (vencida nos termos da declaração de voto anexa)
O árbitro vogal
(Marta Gaudêncio)
Maria Manuela Roseiro (vencida nos termos da declaração de voto anexa)
Voto de vencida
Discordo das teses que fizeram vencimento, com a seguinte fundamentação :
1.A matéria de facto
1.1. Apesar de a contabilidade da Requerente conter lançamentos na conta 2681001 como débitos ao sócio gerente, não subscrevo o teor da alínea l) do probatório, por a considerar indevidamente conclusiva antes da apreciação da matéria de direito, da qual divirjo.
1.2. Acrescentaria factos ao probatório, ou alteraria a redacção de alguns dos pontos, evidenciando que:
- O relatório da inspecção refere que, quanto a diversos pagamentos de despesas de baixo valor realizadas pelo sócio-gerente (em especial através de cartões de crédito e levantamentos ATM) nos anos de 2008, 2009 e 2010, o técnico de contas terá justificado o respectivo registo em “Caixa”, dizendo “o sócio gerente não apresentou os documentos referentes às respectivas despesas em simultâneo com o movimento financeiro no cartão de crédito, pelo que, estes valores foram debitados na conta caixa, a qual será creditada quando o gerente entregar esses documentos” (Relatório I T, PA, Parte 3, fls. 45 ).
- O saldo contabilístico de caixa tinha atingido em 31 de Dezembro de 2010, o montante de €271.317,30, tendo então sido feito um acerto de saldo através de um registo de crédito da conta Caixa no montante de € 250.000,00, por contrapartida do débito da conta 2781001-... (correspondente às contas 2681001, nos anos anteriores) (PA, Parte 3, fls. 45).
- As importâncias relevadas na contabilidade da Requerente, a débito na referida conta 2681001 – ... (conta 2781001, em 2010) totalizaram, ao longo dos três exercícios, o montante de € 825.578,81: €191.220, em 2008; €86.300 em 2009 e € 548.058,81 em 2010 (PA, Parte 3, fls. 46 e 57).
- Durante a acção inspectiva em curso em 2010, questionado sobre a natureza das verbas incluídas na conta 2681001, o sócio gerente disse tratar-se de empréstimos, apresentando cópia de um documento particular, não autenticado, denominado “contrato de mútuo”, datado de 31 de Dezembro de 2008 (PA, Parte 3, fls 57).
- O referido documento dizia “A..., Lda, emprestou a “...” a quantia de € 191.220,00 no decurso de 2008. Este empréstimo será pago quando a sociedade o exigir...”. (PA, Parte 3, fls. 58).
- Até ao final de 2010, o valor das retiradas pelo sócio-gerente aumentara, totalizando, em 2010, €1.787.048,81 (PA, parte 3, fls. 58).
- Em data anterior aos exercícios em análise neste processo, verificara-se um valor acumulado de retiradas que ascendia em 2007 ao valor de € 961.470,00, detectado por acção inspectiva interna (PA parte 3, fls. 58).
- O relatório regista que a Requerente obteve nos exercícios em análise, empréstimos bancários de € 645.000,00 (2008), € 923.200,00 (2009) e € 775.379,37 (2010) e retiradas totais pelo sócio de €1.152.690,00 (2008), €1.238.990,00 (2009) e €1.787.048,81 (2010), o que até levou a acrescer à matéria colectável, por não indispensável à actividade, os juros no valor de € 102.919,62 (o que não foi objecto de impugnação) (PA parte 3, fls. 54).
- A situação tributária relativa a 2007 fora então regularizada através da entrega de declaração de retenção na fonte de IRS (PA, parte 3, fls. 58, e art. 9º do Requerimento), embora a Requerente afirme que a situação se mantém em litígio (arts. 10º e 11º Requerimento).
- Das liquidações adicionais efectuadas na sequência das correcções técnicas à matéria colectável resultantes do Relatório da IT, são objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, as liquidações referentes a Imposto sobre o Rendimento a título de retenções na fonte de IRS e IRC, e respectivos juros compensatórios (art. 2º Requerimento de pronúncia).
- As liquidações adicionais em causa são: quanto a 2008, as nº … e nº 2012 … (imposto € 8.995,04 e € 57.614,99; j.c. €1.403,24 e €10.398,28); quanto a 2009, as nº 2012… e nº 2012… (imposto € 4.065,51 e €27.584,65 e j.c. € 501.22 e € 2.897,62); e quanto a 2010, as nº 2012… e nº 2012… (imposto de €7.876,54 e €142.874,85 e j.c. € 621.68 e €9.969,79), sendo pois o total de imposto devido por não retenção na fonte de € 249.011,58 e de juros compensatórios de € 24.555,56, tudo somando o montante global de €273.567,14. (art. 2º Requerimento de pronúncia).
- O imposto devido seria distribuído pelos diferentes exercícios, de acordo com as diferentes situações: “retiradas por conta de lucros”, num total de €208.677 (44, €50.087,73 em 2008; € 21.575,00, em 2009, e €137.014,71, em 2010); “Pagamentos a entidades não residentes (IRC)”, num total de €20.937,09 (€ 8.995,04, em 2008; €4.065,5, em 2009; €7.876,54, em 2010) e “Pagamentos a entidades não residentes (IRS)”, num total de €19.397,05 (€ 7.527,26, em 2008; € 6.009,65, em 2009 e € 5.860,14, em 2010) (art. 3º Requerimento de Pronúncia).
- No decurso da inspecção, a Requerente foi notificada, em 14 de Fevereiro de 2012, para apresentar os formulários tipo, devidamente certificados pelas entidades competentes do respectivo Estado da residência, sendo-lhe indicado que os formulários se encontravam no site do Portal das finanças- Mod. 21-RFI (PA, Parte 3, fls 61).
- Em resposta à notificação, a requerente não apresentou os formulários indicados mas documentos diversos, emitidos por entidades diferentes das entidades fiscais competentes e com designações que o relatório da IT refere como não coincidentes com a identificação dos prestadores de serviços : i) certificado de registo da sociedade …, ii) certificado de registo da Texto France (… que diz respeitar ao comissionista …); iii) certificado emitido pela “…” certificando que ... está registado para efeitos de IVA no Reino Unido (PA, Parte 3, fls 60 e 61).
- O projecto de relatório de Inspecção Tributária foi enviado por ofício de 24 de Maio de 2012 (fls 66) para exercício de direito de audição, que não foi exercido, convertendo-se em Relatório da Inspecção Tributária datado de 18 de Junho de 2012 e despachado em 20/6/2012 (PA, Parte 3, fls, 35 a 67).
- Aí se propunham diversas correcções à matéria colectável, entre elas as que são objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, que o relatório qualificou como “retiradas por conta de lucros, que como tal não foram qualificadas e portanto não foram tributadas” (ponto III-5), e “pagamentos a não residentes sujeitos a retenção na fonte de IRC ou IRS” (ponto III-6) (PA, parte 3, fls. 57 a 64).
- A Requerente apresentou reclamação graciosa em 7 de Dezembro de 2012, pedindo anulação das liquidações por erro de julgamento quanto a matéria de direito no que respeita a retiradas por conta de lucros, pagamentos a entidades não residentes IRC e pagamentos a não residentes IRS (PA, Parte 1, juntos aos autos).
- Na Reclamação, a Requerente, apesar de contestar que o regime das Convenções para evitar a dupla tributação permita a exigência da AT de emissão de um certificado de residência emitido pelas autoridades tributárias do país da residência, dizia estar “em condições de provar que as beneficiárias dos rendimentos tinham efectivamente residência naqueles países nos anos a que os mesmos rendimentos respeitam, protestando apresentar os respectivos documentos no prazo de 30 dias”. (artigo 30º da reclamação, PA junto aos autos, parte 1).
- Com a reclamação (PA, Parte 1, fls. 21) a Requerente juntou um documento com timbre HM Revenue & Costums (autodesignado como “not formal determination of residence status”), datado de 12 de Março de 2012, contendo uma declaração de que Mr. ... era, desde 6 de Abril de 2007 até àquela data, residente no Reino Unido segundo o conceito do art. 4º da CDT com Portugal.
- A reclamação foi objecto de informação da DF do … de 4 de Fevereiro de 2013, comunicada por despacho de 28 de Fevereiro, para audição prévia (PA, Parte 5, junto aos autos, fls. 77 a 83).
- Quanto à questão do imposto devido por “pagamentos a entidades não residentes”, a informação que fundamentou o projecto de despacho de indeferimento da reclamação salvaguardava ainda, “a apresentação dos formulários do modelo oficial (modelo RFI) (PA, parte 5, fls. 83).
- Notificado em 4 de Março de 2013, e na ausência de resposta, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação pela Direcção de Finanças do …, em 28 de Março de 2013, notificado em 9 de Abril de 2013 (PA, Parte 5, fls 84 a 88).
2. A matéria de direito
Discordo das soluções jurídicas dadas às questões identificadas no ponto III do texto da presente Decisão arbitral, pelas razões a seguir apresentadas :
2.1. Montantes contabilizados na conta corrente do sócio-gerente
A decisão que fez vencimento concluiu que apesar de a não observância dos requisitos formais exigidos pelo artigo 1143.º do Código Civil, para celebração do contrato de mútuo, implicar a invalidade, esta tem como única consequência a nulidade, com restituição do que foi prestado, não resultando que os montantes pagos ao abrigo do contrato tenham outra natureza que não a de mútuo. No caso concreto, considerou-se que o facto de o registo contabilístico dos montantes pagos ao sócio ter sido realizado numa conta 268, conta de Accionistas/Sócios – Outras Operações, reflecte adequadamente um pagamento realizado pela sociedade que o sócio terá que restituir. Decidiu-se que a apresentação do contrato de mútuo por escrito particular e o registo contabilístico efectuado elidiram a presunção do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS de que se trataria de um adiantamento por conta de lucros, tendo tal ónus da prova sido devolvido à AT que não logrou fazer prova do facto alegado.
Tendo em atenção a matéria de facto, incluindo os factos que acima refiro como me parecendo úteis ao probatório, decidiria de forma diferente, no mesmo sentido do colectivo em que participei no processo arbitral nº 131/2012-T (com solução idêntica à do processo arbitral nº 130/2012-T), em que o contribuinte também pretendera ilidir a presunção legal prevista no nº 4 do artigo 6º do CIRS, apresentando como prova um contrato de mútuo inválido por falta de forma legalmente obrigatória. Ou seja, considero que a exigência contida no artigo 1143.º do Código Civil de celebração por escritura pública de um contrato de mútuo de valor superior a € 25.000 (€ 20.000,00, na redacção anterior à dada pelo Decreto-Lei nº 116/2008, de 4/7) constitui uma formalidade ad substantiam. Em caso de inobservância da forma legal quando prescrita legalmente, a declaração legal é nula (artigos 220º e 364.º do Código Civil). E, precisamente por o contrato ser nulo, deverá ser reposta a situação anterior, com restituição de tudo o que tiver sido prestado (art. 289º do Cód. Civil), não significando essa restituição uma execução do contrato mas o efeito da sua invalidade jurídica.
Julgo que “Se para a celebração do contrato de mútuo a lei exige a escritura pública, a falta desta não pode ser sanada através da utilização de um documento particular ou por prova testemunhal” (Acórdão de 18 de Novembro de 2010 do T. Relação de Guimarães, proc. 536/07.2TBFAF.G). Poderá, sim, admitir-se a prova da celebração do negócio nulo por falta de forma para se pretender os efeitos, justamente, da nulidade (caso do Acórdão referido, citando outra jurisprudência). Mas não considero curial defender que, apesar do contrato ser nulo, como no caso dos presentes autos, o facto de a Requerente invocar um documento particular impede o funcionamento da presunção do nº 4 do art. 6º do CIRS, devolvendo-se o ónus da prova à AT.
A regra é que o contrato de mútuo nulo é inválido, não produzindo efeitos, podendo a nulidade ser invocável a todo o tempo por qualquer interessado (art. 286º Cod. Civil). A Administração Tributária é precisamente uma parte interessada que pode invocar essa nulidade, não colhendo o argumento da Requerente - art. 15º PI - no sentido de que não interessaria à Administração Tributária curar da regularidade ou irregularidade das relações negociais entre a sociedade e o seu sócio e/ou gerente. Com efeito, está precisamente em causa a qualificação de uma situação tributária, em que um contrato válido de mútuo poderia ilidir a presunção do nº 4 do art. 6º do CIRS. Concluindo-se que esse contrato carece de forma legal válida, não pode defender-se que, apesar da nulidade, o ónus da prova passou a caber à AT. Quando muito seria admissível o contribuinte poder ainda valer-se de outros meios de prova – documentais ou testemunhais – para ilidir a presunção do nº 4 do art. 6º, invocando a existência de um documento particular como um indício entre outros... .
Mas, no caso dos autos, o contrato (de que o Relatório da inspecção nos dá a conhecer um parágrafo) terá sido assinado em 31 de Dezembro de 2008 para justificar verbas atribuídas/levantadas pelo sócio gerente ao longo do exercício de 2008. Trata-se de uma tentativa de formalização de um empréstimo, a posteriori, reconhecendo como dívidas a utilização pelo sócio de dinheiro da empresa. Isso seria, por si, susceptível de levantar outras dúvidas jurídicas (com interesse, Acórdão do STJ de 12/01/2012, rec 693/04.8YYLSB.CL1.51). Também não existem dados sobre, por exemplo, a existência de qualquer decisão em assembleia geral da sociedade no sentido de ser concedido empréstimo a sócio, ou a qualidade em que o sócio gerente outorgou o contrato (nulo). Assim como nada foi dito sobre prazos e remuneração do empréstimo. Além de que o relatório da inspecção dá conta de movimentos, anteriores a 2008, da sociedade para contas do sócio gerente (em 2007 a requerente regularizou voluntariamente situação detectada mas afirma – embora não o prove nos autos – já ter reagido contra respectiva legalidade) e posteriores a 2008, com valor muito elevados em 2010.
Por tudo isto, não reputo convincente a interpretação, invocando o art. 293º do Cód. Civil, de que o negócio nulo se terá convertido num contrato promessa de um contrato de mútuo a realizar em data a indicar, por se supor que as partes o teriam querido se tivessem previsto a invalidade. Quanto a mim, nem é aceitável que as partes (a sociedade Requerente e o seu sócio-gerente) não conhecessem a necessidade de escritura pública, nem se compreende um contrato promessa de um contrato de mútuo a realizar no futuro, relativamente a uma importância que já fora utilizada durante o ano então findo (2008).
Por outro lado, ainda que o contrato de mútuo nulo fosse susceptível de ilidir a presunção do nº 4 do art. 6º, e de, apesar de assinado apenas em 31/12/2008, justificar as verbas levantadas, anteriormente, pelo sócio como importâncias mutuadas (e não rendimentos derivados da sua qualidade de sócio, como lucro ou adiantamento de lucro), isso só valeria para o montante referido no documento, entrado na conta do sócio durante 2008, no total de € 191.220,00, ficando por justificar as importâncias de € 86.300,00 e € 548.058,81, relativas a 2009 e 2010, respectivamente.
Quanto ao argumento – utilizado pela Requerente e aceite pela decisão maioritária - de que o registo contabilístico como “débito” (e não como “crédito”) na conta do sócio gerente seria a prova (porque a contabilidade faz fé) de que existia um mútuo, desconhece que a existência de um débito foi, precisamente, matéria posta em dúvida pela inspecção e que tinha que ser provada. E cremos que isso não aconteceu, designadamente porque a regularização contabilística foi feita apenas em 31/12/2008 e o documento apresentado para justificar o mútuo de 2008 é datado do último dia desse ano e nulo por falta de forma.
Aliás, a ratio do nº 4 do artigo 6º do CIRS ao falar nos lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial é a consagração de uma presunção (ilidível) de que as importâncias disponibilizadas aos (postas à disposição dos) sócios sem uma das causas aí elencadas (mútuo, prestação de trabalho ou exercício de gestão, que correspondem a razões diferentes das derivadas da sua qualidade de sócio, titular dos rendimentos derivados da aplicação de capital) são recebidas a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Em suma, pelas razões apontadas, consideraria improcedente o pedido de anulação das liquidações referentes a este ponto.
2.2. Sujeição a retenção na fonte de IRC dos pagamentos realizados pela Requerente aos prestadores de serviços residentes na Suíça, na Alemanha, em Itália e em França, e sujeição a retenção na fonte de IRS dos pagamentos realizados pela Requerente a um prestador de serviços residente no Reino Unido
Relativamente a estas situações, a decisão que fez maioria entendeu que, existindo contradição entre as normas de direito interno e as normas convencionais, a sobreposição do direito internacional ao direito interno (art. 8º, nº 2 da CRP) impede a obrigação de retenção na fonte de IRC e de IRS, nas situações em causa nos autos. E, que, pelos mesmos motivos “não pode ser exigido o cumprimento de formalidades adicionais, que não constam das Convenções para que seja dispensada a retenção na fonte – nomeadamente os formulários 21-RFI, devendo considerar-se suficiente a apresentação de documento que comprove que o beneficiário dos pagamentos é residente fiscal no Estado em causa.”
Apesar de admitir que as Convenções nada referem quanto às formalidades a cumprir para que os regimes nelas previstos possam ser aplicados e que os Estados têm de estabelecer as regras necessárias para esse efeito, considera determinante que, atenta a regra geral – tributação dos lucros das sociedades no Estado em que têm a sede e são residentes fiscais – será suficiente demonstrar , através de formalidade probatória e não constitutiva, que os beneficiários dos pagamentos são residentes no Estado em causa, devendo ser admitida prova idónea.
Analisando os documentos juntos aos autos conclui-se que estes documentos devem ser considerados idóneos para demonstrar onde as entidades beneficiárias dos pagamentos têm sede e, consequentemente, residência fiscal – devendo, assim, ser aceites para demonstrar onde se situa a residência/domicílio fiscal dos beneficiários.
Concordamos com as considerações sobre o direito internacional (neste caso, acordos entre Estados para evitar a dupla tributação) se sobrepor ao direito interno, impedindo, total ou parcialmente a tributação pelo Estado Português, no caso de se verificarem os pressupostos definidos nas normas convencionais. Mas discordamos com a posição expressa na decisão maioritária de que, para efeitos de aplicação das normas convencionais, é irrelevante qualquer exigência da lei interna portuguesa quanto à posse pela entidade pagadora dos rendimentos de quaisquer formulários, cuja exigência – neste caso do modelo 21-RFI - constituiria violação do art. 8.º, n.º 2, da CRP.
Efectivamente os assinalados artigos 7.º das “Convenções para evitar dupla tributação” (CDTS) estabelecem que os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado (e nesse caso, os lucros podem ser tributados no outro Estado, unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável), mas as Convenções são aplicadas através de elementos de prova estabelecidos pelos Estados. “ (...) relativamente aos critérios referidos para delimitar a residência – domicílio, residência, sede ou qualquer outro critério análogo – a liberdade de cada Estado é total. A prova da residência num Estado incumbe ao contribuinte que quer prevalecer-se da convenção, não sendo suficiente (...) a prova de que é contribuinte de um Estado”, cf. Manuel Pires, in “Da Dupla Tributação Jurídica Internacional sobre o Rendimento”, dissertação de doutoramento publicada por CEF, Ministério das Finanças, 1984, p. 597.
No caso de pagamentos efectuados a entidades não residentes no território nacional, em que haja lugar a liquidação de imposto por retenção na fonte, tem sido exigido o cumprimento de determinadas formalidades (impressos, certificados) para prova de residência e não parece que se possa dizer que, por aplicação de direito convencional, superior hierarquicamente ao direito nacional, o Estado português, ao fazer essas exigências, tenha vindo sempre violando o direito internacional e a Constituição da República Portuguesa.
Na sequência da Circular nº 18 da DGCI, datada de 7 de Outubro de 1999 (revogatória de anteriores circulares sobre aplicação das CDTs em vigor) que veio, nos casos de retenção na fonte, exigir como condição de redução do imposto português a prévia apresentação do formulário adequado, devidamente preenchido e certificado, na parte respectiva pelas competentes autoridades tributárias do Estado da residência dos beneficiários dos rendimentos (ponto 3.2 e 5,b), encontramos, efectivamente, diversa jurisprudência no sentido de a Circular, que impunha a certificação prévia da sede da beneficiária da redução de tributação na fonte, ser ilegal por falta de habilitação legal e por interpretar extensivamente normas de incidência tributária (...). Essa jurisprudência entendia que a falta do referido certificado ou a prova tardia da residência do beneficiário dos rendimentos no outro Estado contratante não fazia precludir a aplicação do mecanismo da isenção de retenção (cf. Acórdãos do TCAS, de 24/04/2007, in rec. 01704/07, de 11/03/2004, in rec. 00151/04 e de 09-05-2006, Rec. nº00436/05).
Mas a mesma jurisprudência reconhecia que “para efeitos das Convenções, a expressão residente de um Estado Contratante significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado está aí sujeita a imposto, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar nada determinando, (...) sobre as formalidades necessárias para usufruir dos benefícios da CDT” e que existia um vazio legal. Só que, acrescentava-se, devia “o Estado Português legislar sobre a matéria e não se limitar a publicar Circulares” .
Com a redacção dada pelo artigo 27º da Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o então artigo 90º do CIRC passou a exigir a posse prévia da certificação de residência (nºs 3 e 4) mas o nº 5 previa a possibilidade de o sujeito passivo não residente poder requerer à Direcção-Geral dos Impostos o reconhecimento dos benefícios resultantes de convenção destinada a eliminar a dupla tributação e solicitar o reembolso do imposto retido na fonte, no prazo de dois anos a contar da data da verificação do facto gerador do imposto, mediante apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças. E também as alterações ao CIRC introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 34/2005, de 17 de Fevereiro, confirmaram que, embora a prova de residência do beneficiário dos pagamentos devesse ser feita até à data em que era exigida a retenção na fonte, tal exigência não consubstanciava um pressuposto formal do direito ao benefício, já que se mantinha o disposto nos nº 6 e 7 . Ou seja, a própria lei não atribuiu ao certificado em causa mais do que um efeito meramente probatório da condição à redução da taxa em causa, a residência da beneficiária num outro Estado membro.
A redacção dada pela Lei n° 67-A/2007, de 31/12, ao art. 90º-A do CIRC (resultante das alterações introduzidas pelo DL nº 211/2005), manteve a obrigação de prova da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a evitar a dupla tributação até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido e a obrigação do substituto tributário à entrega da totalidade do imposto quando aquela prova não tenha sido produzida até ao termo do prazo, mas permite o afastamento da responsabilidade do substituto tributário pela entrega do imposto que deveria ter deduzido quando comprove, ainda que supervenientemente, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial da retenção, assim como a permissão da entidade beneficiária dos rendimentos solicitar o reembolso total ou parcial do imposto retido na fonte, quando não tenha sido efectuada a prova nos prazos e condições estabelecidos, mediante a apresentação de um formulário de modelo aprovado pelo Ministro das Finanças.
Portanto, no caso dos autos, os pagamentos efectuados em 2008, 2009 e 2010, estavam sujeitos ao disposto no artigo 90º-A do CIRC, na redacção dada pela Lei nº 67-A/2007, e, depois, no artigo 98º, após alterações e republicação feita do CIRC, pelo Decreto-Lei nº 159/2009, de 13/07.
Assim, considero que a Requerente não estava dispensada de apresentar os formulários 21-RFI, modelos aprovados pelo Ministro das Finanças, nos termos de lei habilitante (CIRC), não sendo, em regra, substituíveis por outros documentos . Não julgo que a exigência de determinadas formalidades para comprovação da residência fiscal viole as normas das convenções. A aprovação, realizada ao abrigo de norma legal habilitante , de formulários, antes parece corresponder a um legítimo esforço do Estado português de racionalização, normalização e transparência de procedimentos, no sentido do tratamento igual de todos os contribuintes, não constituindo qualquer violação do artigo 8º, nº 2, da CRP.
Poderia, sim, admitir-se a apresentação posterior dos documentos em falta - tal como foi solicitado pela AT no decurso da inspecção tributária, já em 2012 – mas de acordo com a minha avaliação da matéria de facto, a falta não foi adequadamente colmatada.
Isso também não aconteceu com o destinatário de pagamentos, pessoa singular, que se invoca ser residente no Reino Unido, porque o documento junto pelo HM Revenue & Customs não é o formalmente adequado à finalidade, como aliás o próprio documento reconhece.
Pelas razões expostas negaria também provimento ao pedido quanto à anulação das liquidações efectuadas relativamente aos pagamentos a entidades não residentes.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2014.
Maria Manuela Roseiro