DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A - Geral
1.1. A…, contribuinte fiscal n.º … e B…, contribuinte fiscal n.º…, casados, residentes na Rua … n.º…, …, …, n.º…, …-… Lisboa (de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram, no dia 04.05.2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando a anulação parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”) n.º 2017…, referente ao ano de 2014.
1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.3. Por despacho de 14.03.2017, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. C… e Dra. D…, para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
1.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 14.07.2017.
1.5. No dia 17.07.2017 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
1.6. No dia 29.09.2017 a Requerida apresentou a sua resposta.
B – Posição dos Requerentes
1.7. Os Requerentes, relativamente ao ano de 2014, optaram pela tributação conjunta dos seus rendimentos, que incluem rendimentos prediais.
1.8. No anexo F da declaração Modelo 3 de IRS que apresentaram, os Requerentes declararam rendimentos prediais brutos no montante de € 47.546,65 (quarenta e sete mil quinhentos e quarenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos).
1.9. Os Requerentes declararam ainda ter suportado € 64.058,75 (sessenta e quatro mil e cinquenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos) de despesas relativas aos rendimentos prediais auferidos.
1.10. A Requerida notificou os Requerentes de que apenas aceitava como despesas dedutíveis aos ditos rendimentos prediais o montante de € 51.344,47 (cinquenta e um mil trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos).
1.11. A aceitar-se a posição da Requerida quanto aos montantes das despesas dedutíveis relativas à categoria F, como os Requerentes se resignam a aceitar, ainda assim estes registaram em 2014 uma perda no valor de € 3.797,82 (três mil setecentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos).
1.12. Os Requerentes entendem que o valor indicado no número anterior deveria ser considerado pela Requerida como perda a reportar na demonstração de liquidação de IRS, o que não sucedeu.
C – Posição da Requerida
1.13. A Requerida lembra que os Requerentes são residentes em território português e que declararam expressamente não optar pelo englobamento dos rendimentos prediais por si auferidos.
1.14. Ao não optarem pelo englobamento dos seus rendimentos prediais, escolheram os Requerentes tributar separadamente o rendimento da categoria F, mediante a aplicação de uma taxa liberatória [sic] fixa sobre aquele rendimento bruto.
1.15. Assim, está vedada aos Requerentes a possibilidade de verem considerado como perda a reportar o resultado líquido negativo no valor de € 3.797,82 (três mil setecentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos), já que o reporte de prejuízos pressupõe a prévia opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria F, o que os Requerentes não pretenderam sucedesse.
D – Conclusão do Relatório e Saneamento
1.16. Por despacho de 04.11.2017 o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 04.12.2017, tendo sido oferecido prazo para a apresentação de Alegações escritas e sucessivas.
1.17. Os Requerentes apresentaram as suas alegações escritas a 14.11.2017, reiterando o já propugnado no pedido de pronúncia arbitral, tendo a Requerida optado por não as apresentar.
1.18. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
1.19. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
1.20. O processo não padece de qualquer nulidade nem foram invocadas quaisquer excepções, pelo que pode passar-se de imediato à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
2.1.1. Os Requerentes, relativamente ao ano de 2014, optaram pela tributação conjunta dos seus rendimentos, que incluem rendimentos prediais.
2.1.2. Os Requerentes auferiram rendimentos prediais brutos no montante de € 47.546,65 (quarenta e sete mil quinhentos e quarenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos).
2.1.3. Os Requerentes suportaram, a título de despesas dedutíveis aos ditos rendimentos prediais, o montante de € 51.344,47 (cinquenta e um mil trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos).
2.1.4. Os Requerentes são residentes em território português.
2.1.5. Os Requerentes declararam expressamente não optar pelo englobamento dos rendimentos prediais por si auferidos.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que tenham sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.
3. Matéria de direito
3.1. Questão a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que a questão a apreciar é, no fundo, a de saber se o reporte de perdas no âmbito da categoria F do IRS pressupõe a opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.
3.2. O reporte de perdas no âmbito da categoria F e a necessidade de se optar pelo englobamento dos rendimentos prediais
Vejamos o que dispõe a lei sobre esta matéria.
Comecemos por notar o que dispõe o n.º 1 do art.º 41.º do Código do IRS.
Artigo 41.º
Deduções
1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objecto de tributação no ano fiscal.
Acompanhamos na íntegra o pensamento da Senhora Prof.ª Doutora Paula Rosado Pereira que os Requerentes transcrevem no art.º 30.º das suas alegações: “o direito à dedução das despesas de manutenção e de conservação relacionadas com o imóvel objecto de arrendamento não depende do exercício pelo sujeito passivo da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais e da sujeição dos mesmos às taxas gerais progressivas de IRS”. Até porque, como diz a mesma autora, estamos perante norma que permite a “dedução de despesas «aos rendimentos brutos» e não aos rendimentos englobados”.
Já os números 7 e 8 do art.º 72.º do Código do IRS dispõem o seguinte:
7 - Os rendimentos prediais são tributados autonomamente à taxa de 28 %.
8 - Os rendimentos previstos nos n.ºs 4 a 7 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português.
Assim, os rendimentos prediais, depois de deduzidas as despesas que nos termos da lei o possam ser, são tributados autonomamente à taxa de 28%, sem prejuízo do direito de poderem os respectivos titulares residentes em território português optar pelo englobamento desses rendimentos.
Os números 1 e 2 do art.º 55.º do Código do IRS estabelecem o regime da dedutibilidade do resultado líquido negativo apurado na categoria F:
Artigo 55.º
Dedução de perdas
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.
2 - O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria.
Entende a Requerida que destas disposições se pode extrair a conclusão de que o reporte de perdas na categoria F carece, por parte dos respectivos titulares, da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais. Salvo o devido respeito, a Requerida parece assumir axiomaticamente a prévia opção pelo englobamento, já que nem a letra nem o espírito da lei permitem sustentar semelhante conclusão. Aliás, é bem nítida a diferença de redacção entre o n.º 2 e o n.º 6 deste mesmo artigo. Aqui, ao contrário do que sucede no n.º 2, o reporte só pode ter lugar “quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”. Ora, no n.º 2 não se faz idêntica exigência, pelo que parece claro que a diferença de redacção corresponde a uma também diversa opção legislativa.
Assim, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.
Já nos processos 96/2015-T e 338/2016-T que correram termos no CAAD se conclui neste mesmo sentido, com fundamentos que se acolhem e para que se remete.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação parcial da liquidação impugnada, na parte em que ignora a possibilidade de ser reportada a exercícios futuros a perda apurada na categoria F no valor de € 3.797,82 (três mil setecentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos).
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Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3.797,82 (três mil setecentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos).
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Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 2 de dezembro de 2017
O Árbitro
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(Nuno Pombo)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.