Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
1. Em 14 de Março de 2017, os contribuintes A…, com o número de identificação fiscal…, casado, portador do cartão de cidadão n.º…, residente na …, …-… Alpiarça, B…, com o número de identificação fiscal…, casado, portador do cartão de cidadão n.º…, residente na …, …-… Alpiarça, C…, com o número de identificação fiscal…, solteiro, portador do cartão de cidadão n.º … residente na …, n.º…, …, D…, com o número de identificação fiscal …, divorciada, portadora do cartão de cidadão n.º…, residente na …, …, …, …-… Estoril e E…, com o número de identificação fiscal…, divorciado, portador do cartão de cidadão n.º…, residente na…, n.º…, …, …, …, adiante designados por os Requerentes, solicitaram a constituição de tribunal arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
2. Os Requerentes são representados, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. F…, e a Requerida é representada pelos juristas, Dr.ª G… e Dr. H… .
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 11 de Maio de 2017.
4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, os Requerentes pretendem a declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs …2016… e …2016…, e consequente, a anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), do ano de 2015, no valor global de € 610,75 (seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos), referentes aos prédios urbanos sitos na Rua …, n.º…-… e…, inscritos na matriz sob o artigo … e … da União de Freguesias de…, …., …, …, … e …, do concelho do Porto.
5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
6. O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 26 de Maio de 2017, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
7. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 27 de Junho de 2017, a sua resposta.
8. Por despacho de 04.07.2017, não tendo sido invocadas quaisquer excepções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respectivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de actos inúteis, o Tribunal entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o art.º 18 do RJAT, devendo ser de dispensar igualmente a apresentação de alegações, caso as partes a isso não se oponham. Face ao silêncio da Requerente e ao requerimento da Requerida de 07.07.2017, a aludida reunião foi dispensada, bem como as mencionadas alegações.
9. O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 24 de Novembro de 2017 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido os Requerentes, no despacho de 04 de Julho de 2017, de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
II. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
Os Requerentes sustentam os pedidos de anulação dos indeferimentos das reclamações graciosas n.ºs …2016… e …2016… e das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis referentes ao ano de 2015, corporizadas nos documentos de cobrança n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, no valor global de € 610,75 (seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos), a que foram sujeitos, relativamente aos prédios urbanos de que são comproprietários, sitos na Rua…, n.º … e …, inscritos na matriz sob o artigo … e … da União de Freguesias de …, …, …, …, … e …, do concelho do Porto, por enfermarem nos seguintes vícios:
a) De acordo com o disposto na alínea n), do n.º 1, do art.º 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ficam isentos de IMI: “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”.
b) Com efeito, «no caso concreto do imóvel em apreço, o mesmo está classificado como monumento nacional de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 7 do art.º 15.º da Lei n.º 107/2001, por estar inscrito na Lista do Património Mundial da Unesco, em 1996, como “Centro Histórico do Porto” (Zona Especial de Protecção).[conforme declarado pelo Aviso n° 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do n° 3 do art. 72° do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro.] »
c) Ora, «a Zona Histórica do Porto é classificada no seu todo como Monumento Nacional, de acordo com a delimitação territorial de classificação, representando em si um valor cultural de significado para a Nação que deverá ser protegido e valorizado nos termos da Lei n.º 107/2001, integrando o imóvel em questão esse mesmo Monumento Nacional.»
d) Como tal, «Na classificação deste conjunto – como é o caso da Zona Histórica do Porto - é relevante o facto do património protegido ser visto como um todo, pelo que é impossível classificar individualmente cada imóvel, que deve ser considerado no seu todo, enquanto conjunto.»
e) Aliás, «É esse naturalmente o caso da Zona Histórica do Porto, tendo sido alterada a sua classificação como imóveis de interesse público, que constava originariamente do Decreto 67/97, de 31 de Dezembro.»
f) Com efeito, «Hoje, em face da Lei 107/2001, os prédios em questão são de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo consequentemente classificados como monumentos nacionais.»
g) Razão pela qual, «conforme consta do artigo 15° da Lei 107/2001 e do art.º 3° do Decreto-Lei 309/2009, um bem classificado corno de interesse nacional é designado como “monumento nacional”, independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.»
h) No entanto «O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sitio, nos termos do art.º 56° do Decreto-Lei 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sitio (cfr. n°2).»
i) Assim sendo, «a Zona Histórica do Porto deve ser vista como um conjunto. A lei visou a protecção de todos os imóveis, nela inseridos, como um todo e por conseguinte não faz sentido qualquer classificação individual dos imóveis integrados na referida Zona Histórica.»
j) Face o exposto, entendem os Requerentes que «o artigo 44° do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre “prédio classificado como monumento nacional” e “prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal”, só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já dos prédios de interesse nacional.»
k) Por isso, requerem que o Tribunal Arbitral anule as decisões da Autoridade Tributária de indeferimento das reclamações graciosas, em virtude de tais decisões se fundarem em errada interpretação da Lei, nomeadamente do disposto na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º do EBF, devendo, consequentemente, anular as notas de liquidações e ordenar o reembolso das importâncias indevidamente pagas, a título de IMI, no valor total de € 610, 75 (seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos).
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se por impugnação, do seguinte modo:
a) Entende a Requerida que: «a argumentação expendida pelos Requerentes não pode de todo proceder, porquanto tal argumentação ela: assenta num errado pressuposto; e faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice.»
b) Primeiramente, e no sentido de realizar algumas correcções e remover algumas confusões dos Requerentes, a Requerida faz uma evolução histórica do conceito de Classificação referindo que «1.º Na Monarquia Constitucional previa-se uma única graduação de Classificação: Monumento Nacional; 2.º Na 1.ª República previam-se duas graduações de Classificação: (i) Monumento Nacional e (ii) Imóvel de Interesse Público; 3.º No Estado Novo previam-se três graduações de Classificação: (i) Monumento Nacional, (ii) Imóvel de Interesse Público e (iii) Valor Concelhio; 4.º No início da 3.ª República foi introduzido o conceito de Categoria e alargadas as graduações de Classificação, sendo que, porém, umas e outras, nunca foram aplicadas em virtude da Lei 13/85 não ter sido alvo necessária regulamentação; 5.º Durante a 3.ª República e até ao surgimento da Lei do Património Cultural de 2001 continuaram a ser aplicadas as graduações de Classificação criadas pelo Estado Novo.».
c) Clarificada que ficou a evolução do conceito de “Classificação” ao longo das sucessivas leis nacionais do património cultural durante o século XX, a Requerida entendeu a necessidade de efectuar, seguidamente, a distinção dos diversos conceitos patentes no artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural (LBPC), assim, «1.º A LBPC consagra no artigo 15.º três conceitos jurídico-patrimoniais distintos em matéria de bens culturais imóveis, a saber: a Categoria (n.º 1), a Classificação (n.º 2) e a Designação (n.º 3); 2-º São três as Categorias previstas na LBPC (artigo 15.º/1): Monumento, Conjunto e Sítio, sendo que as suas definições, para o que releva no caso sub Júdice, constam da Convenção da Unesco de 1972; 3.º São três as Classificações previstas na LBPC (artigo 15.º/2): Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal, organizadas numa escala de graduação decrescente; e 4.º A designação de Monumento Nacional está reservada exclusivamente para os monumentos, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Municipal (artigo 15.º/3).».
d) Ora, «A “Lista do Património Mundial” a que se refere o artigo 11.º/2 da Convenção da UNESCO de 1972 e, portanto, a lista a que se refere o artigo 15.º/7 da LBPC é tão só e apenas isso: uma lista, lista essa que está a cargo do Comité do Património Mundial. Ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem.».
e) Com efeito, «ao inscrever o Centro Histórico do Porto na “Lista do Património Mundial” o Comité do Património Cultural da UNESCO JAMAIS procedeu a qualquer prévio procedimento administrativo de classificação (DOCUMENTO 1 ORA JUNTO), como aliás, relativamente a todos os bens culturais portuguese que integram aquela lista,…Pois que, como é obvio, o Comité do Património Cultural da UNESCO não integra sequer a Administração Pública portuguesa.».
f) Continuando a sua tese, manifesta a Requerida o entendimento de que «(…) o denominado Centro Histórico do Porto: 1.º Pertence à categoria de Conjunto (n.º 1 do Aviso n.º 15.173/2010); 2.º Está incluído na lista de bens classificados como de Interesse Nacional (artigo 15.º/7 da LBPC); e 3.º É designado por Monumento Nacional (artigo 15.º, n.º 3 e 7, da LBPC), sendo certo que a designação de Monumento Nacional não se confunde nem equivale ao conceito de classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 de 1932.”.
g) Assim, «(…) se podem compreender pelas quais se impugnam, para todos os efeitos legais, as certidões emitidas pela Direcção Regional de Cultura do Norte (cfr. PROCESSO ADMINISTRATIVO)».
h) Nessa medida, «o EBF é muito claro no 2.º e 3.º segmentos do artigo 44.º/1-n): Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis (…) os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável. Ou seja, para poderem usufruir de isenção de IMI o EBF exige a classificação individual de cada um dos prédios que integram aquele Conjunto.».
i) Acresce ainda que a interpretação veiculada pelos Requerentes se mostra contrária à Constituição da República Portuguesa, «(…) na medida em que viola os constitucionais princípios: (i) da igualdade tributária, (ii) da justiça fiscal, (iii) da capacidade contributiva, (iv) da autonomia local e (v) da participação na decisão.».
j) Pelo que, «(…) deverá ser julgado improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.»
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
Tendo em conta a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, a ora coligação de autores, bem como a cumulação de pedidos, são admissíveis, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de Facto
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. Os Requerentes são comproprietários dos prédios urbanos sitos na Rua…, n.º … e…, inscritos na matriz sob o artigo … e … da União de Freguesias de…, …, …, …, …e…, do concelho do Porto (cfr. fls. 15 a 28 do processo administrativo);
B. Os referidos imóveis, do Centro Histórico do Porto, fazem parte da lista do Património Mundial da UNESCO, conforme Aviso n.º 15173/2010 publicado no Diário da República n.º 147 de 30 de julho de 2010 (cfr. fls. 29 do processo administrativo);
C. Conforme resulta das certidões emitidas pela Direcção Regional da Cultura Norte, os imóveis estão classificados como monumento nacional, de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 7 do art.º 15.º da Lei n.º 107/2001, de 2011.09.08, DR 209, por fazerem parte integrante da lista do Património Mundial da Unesco, em 1996, como “Centro Histórico do Porto” (cfr. fls. 40 e 41 do processo administrativo);
D. Os Requerentes foram notificados dos seguintes actos de liquidação de IMI relativo ao ano de 2015:
· n.º 2015…, no valor de 406,72 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016;
· n.º 2015…, no valor de 406,72 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Julho de 2016;
· n.º 2015…, no valor de 504,55 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016;
· n.º 2015…, no valor de 504,50 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €);
· n.º 2015…, no valor de 398,94 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016;
· n.º 2015…, no valor de 248,35 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Julho de 2016;
· n.º 2015…, no valor de 142,29 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016;
· n.º 2015…, no valor de 122,15 € (sendo a coleta dos imóveis acima identificados de 122,15 €), com data limite de pagamento em Abril de 2016 – cfr. cópias de notas de liquidação juntas com as reclamações graciosas.
E. Os Requerente procederam ao pagamento dos actos de liquidação subjacentes à petição arbitral.
F. Em 23 de Agosto de 2016, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra as liquidações supra melhor identificadas, tendo dado origem aos processos instaurados com os n.ºs …2016… e …2016… (cfr. processo administrativo).
G. A 4 de Janeiro de 2017, os Requerentes foram notificados dos despachos que indeferiram cada uma das reclamações apresentadas.
VI. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
VII. Motivação da matéria de facto dada como provada
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.
VIII. Questão decidenda
10. Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:
− Os actos tributários das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis, referentes ao ano de 2015, são ilegais, na medida em que os dois prédios urbanos em causa estão classificados como Monumentos Nacionais em decorrência dos mesmos estarem inseridos no conjunto comummente designado por Centro Histórico do Porto, considerado Património Mundial pela UNESCO em 1996, pelo que tais prédios reúnem os pressupostos estabelecidos na lei para usufruírem da isenção de IMI consagrada no artigo 44.º, n.º 1, alínea) n) do EBF.
IX. Fundamentos de direito
11. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 10).
12. O artigo 44.º, n.º 1 alínea n) do EBF estabelece que estão isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".
Este artigo é composto por duas previsões. Em primeiro lugar, estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos do mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
13. Atendendo à remissão para a legislação aplicável contida na mencionada norma do artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF, há que ter em conta a Lei 107/2001, de 8 de Setembro – Lei de Bases do Património Cultural –, mais concretamente, ao seu artigo 15.º, segundo o qual:
"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adotar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respetiva proteção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
(...)
7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.".
14. Por sua vez, a Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, que teve lugar em Paris, e foi aprovada pelo Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho, procurou estabelecer quais os bens naturais e culturais que podem vir a ser inscritos na Lista do Património Mundial, fixando os deveres dos Estados-Membros quanto à identificação e proteção desses bens. Nesta sequência, diversos monumentos, sítios ou conjuntos vieram a obter a classificação de Património Mundial da UNESCO. Destaca-se, em particular, os conjuntos classificados, mais concretamente, os Centros Históricos classificados como Património Mundial da UNESCO, como é o caso, do Centro Histórico do Porto.
15. Saliente-se que os referidos conjuntos classificados como Património Mundial beneficiaram, durante vários anos, de isenção de IMI, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 15.º, n.º 2, 3 e 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases de Proteção do Património Cultural).
16. Como já referido, articulando os preceitos referidos, os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
17. Esta formulação veio a ser reiterada no Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro – Património Cultural Imóvel –, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda. De acordo com o seu artigo 3.º, n.º 1 "um bem imóvel pode ser qualificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal", acrescentando o n.º 3 que "a designação «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios".
18. O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 309/2009 apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de proteção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio.
Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do EBF distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, e não quanto à dos prédios de interesse nacional.
19. Quanto ao argumento de que alguns autores defendem uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados, no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou acto de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal, razão pela qual foi nesse sentido alterado o artigo 6.º, alínea g) do Código do IMT pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar a contemplar apenas "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável", entendemos que não colhe também este argumento.
20. Aliás, nem faria muito sentido, já que a redação do artigo 44.º do EBF não foi alterada no mesmo sentido, continuando a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo tal exigência para os monumentos nacionais. Antes pelo contrário, a norma do n.º 5 do artigo 44.º do EBF dispõe que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)".
Assim, verdadeiramente, entendemos claro que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.
21. O imóvel em questão nos presentes autos faz parte do Centro Histórico do Porto, que foi inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso nº 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do nº 3 do art. 72º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro (cfr. facto provado B).
22. Neste sentido, já se pronunciaram as decisões do CAAD dos processos n.º 325/2014- T, 76/2015-T, 33/2016-T, 98/2016-T, 379/2016-T, 534/2016-T e 204/2017-T.
23. Assim, e tal como concluiu a decisão do CAAD do processo n.º 76/2015-T, estando o prédio em questão integrado no Centro Histórico do Porto, legalmente qualificado como monumento nacional, é manifesto que beneficia da referida isenção, sendo assim ilegal a liquidação de IMI aqui impugnada, e devendo ser restituído aos Requerentes o imposto que foi pago.
24. No que se refere aos alegados vícios de inconstitucionalidade por violação dos princípios da (i) igualdade tributária, (ii) da justiça fiscal, (iii) da capacidade contributiva, (iv) da autonomia local e (v) da participação na decisão, enunciados na Constituição da República Portuguesa, o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade das liquidações de IMI vertentes, por vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação.
Como refere o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em anotação ao artigo 95.º desse diploma, p. 483 (aplicável por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT) “Se o tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.”.
Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados aos actos de liquidação impugnados.
X. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
-
Julgar procedente o pedido formulado pelos Requerentes no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs …2016… e …2016…, e consequente anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis, do ano de 2015, no valor global de € 610,75 (seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos).
-
Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar aos Requerentes o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.
XI. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 610,75, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de Novembro de 2017
***
O Árbitro,
(Jorge Carita)