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CAAD - Arbitragem Tributária
Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira
Tema - IABA - Liquidação do Imposto Sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas
O árbitro designado - António Correia Valente
1.1. - A sociedade A – , SA, contribuinte nº (…) (anteriormente designada por B – , S.A), requerente no procedimento tributário acima e à margem referenciado (doravante Requerente), veio, invocando o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista:
- A anulação do acto de liquidação relativo, quer ao Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (de ora em diante designado por IABA), no montante de19.661,72€, referente ao derrame de 4.765 litros de aguardente vínica (…), ocorrido no Entreposto Fiscal de Produção, de que a Requerente é detentora, com o nº PT (…), sito na (…), quer aos juros compensatórios, no montante de 506,36€, que lhe estão associados;
- O reconhecimento do direito à indemnização prevista nos artigos 171º do CPPT e 53º da LGT, relativamente à garantia prestada com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado.
1.2. - Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 6º e na alínea a) do nº 1 do art.º 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular António Manuel Correia Valente, que comunicou a aceitação do encargo.
- Em 12-06-2013 foram as Partes notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no art.º 11º, nº 1, alínea b) do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
- Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do art.º 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 28/06/2013. (Cfr. acta de constituição do tribunal arbitral)
1.3. - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:
- É detentora, desde o ano de 2003, do Estatuto de Depositário Autorizado com o nº PT (…), bem como de dois Entrepostos Fiscais, um de Produção com o nº PT (…) e outro de Armazenagem com o nº PT (…), ambos sitos na (…);
- No Entreposto de Produção detém mais de 3.400 cascos e 54 depósitos de inox, com uma capacidade de armazenagem de cerca de 930.000 litros em cascos e 500.000 litros em depósitos de inox;
- O controlo das quantidades existentes nos depósitos é feito por intermédio de uma escala, composta por uma régua e uma mangueira, existindo ainda uma torneira, situada na base do depósito e da mangueira, que permite vedar a passagem do conteúdo do depósito para a escala;
- Ao tempo dos factos, um dos produtos detidos no Entreposto de Produção era aguardante vínica (…), na quantidade de 9.895 litros, que se encontrava acondicionada num só depósito de inox, identificado pelo nº 61;
- Na madrugada do dia 24 de Novembro de 2011, a mangueira existente na escala do depósito nº 61 tombou, provocando o derrame de 4.765 litros de aguardente vínica (…), ficando a restar nesse depósito a quantidade de 5.130 litros da referida aguardente;
- O derrame só foi constatado na manhã do dia 25 de Novembro de 2011, quando um dos funcionários, em serviço no Entreposto, passou pelo local onde se encontrava o depósito nº 61, altura em que o mesmo procedeu à recolocação da mangueira na escala e providenciou, por razões de segurança e salubridade, a limpeza do pavimento;
- Os factos referidos, ou seja, os elementos relativos ao derrame e à mangueira tombada, foram registados fotograficamente, havendo também, sobre o assunto, imagens, bem ilustradas, recolhidas pelo sistema de videovigilância instalado pela empresa responsável pela segurança das instalações;
- No dia 25 de Novembro de 2011 foi comunicado à Alfândega de … o derrame ocorrido, altura em que solicitou a concessão da franquia por perdas devidas a caso fortuito ou de força maior;
- Os funcionários da Alfândega de …, aquando da sua deslocação ao Entreposto da Requerente, no dia 28 de Novembro, ou seja, três dias após o derrame, não constataram, no local, quaisquer vestígios referentes ao alegado derrame, a não ser a existência no depósito nº 61 da quantidade de apenas 5.130 litros da referida aguardente;
- A Alfândega de …, na sequência da referida deslocação, entendeu que o aludido derrame, a ter ocorrido, teria sido num quadro de negligência grave, não havendo, por isso, lugar à concessão da franquia solicitada, circunstância em que procedeu à instauração do processo de Conferência Final nº (…)/2012, no âmbito do qual foi liquidado, em IABA, a quantia de 19.661,72€ e, a título de juros compensatórios, a quantia de 506,36€;
- As instalações do Entreposto de Produção, em referência, estão vigiadas pela empresa de segurança - C, não se tendo verificado, na altura dos acontecimentos - dias 23 a 25 - quaisquer movimentações anómalas nas imediações do dito Entreposto, ao qual só é possível aceder por uma única entrada e saída, não tendo, então, havido registo de qualquer saída de veículos contendo aguardente vínica (…);
- A mangueira foi encontrada tombada, na manhã do dia 25 de Novembro, por um colaborador da Requerente, embora ninguém tenha assistido ao momento em que a mesma tombou, altura em que era bem patente a perda dos 4.765 litros de aguardante vínica (…);
- A queda da mangueira corresponde a um facto não intencional, nem propositado e está, indubitavelmente, na origem da mencionada perda de aguardente;
- O caso de força maior corresponde a algo de inevitável e o caso fortuito corresponde a algo não inevitável mas imprevisível, e a perda dos 4.765 litros de aguardante vínica (…) ocorreu por motivos de força maior ou, pelo menos, de caso fortuito;
- No quadro do derrame em questão, a Requerente, designadamente, no que respeita ao facto da torneira não se encontrar fechada, não teve qualquer comportamento negligente, muito menos de negligência grave, atendendo, particularmente, quer ao facto da prática da Requerente nunca ter ido nesse sentido, quer ao facto da maioria das Empresas do sector adoptar, em regra, idênticos procedimentos, ou seja, o não fecho das torneiras de escala corresponde ao comportamento padrão nesta matéria;
- A perda dos 4.765 litros de aguardente vínica (…) ocorreu na realidade; deveu-se a motivos de força maior ou, pelo menos, de caso fortuito; não houve qualquer situação de negligência grave e a comunicação à autoridade aduaneira, até ao 2º dia útil seguinte ao da ocorrência, tal como legalmente exigida, foi atempadamente realizada, dado que o derrame ocorreu na madrugada do dia 24 de Novembro de 2011 e a comunicação foi efectuada no dia seguinte, ou seja, a 25 desse mesmo mês.
1.4. - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), em 09-09-2013, procedeu à junção do Processo Administrativo e apresentou resposta, na qual afirma, em suma, o seguinte:
- A Alfândega de …, no dia 25 de Novembro de 2011, pelas 17h33, recebeu via e-mail, uma comunicação da Requerente solicitando a franquia por perdas, devidas a caso fortuito ou de força maior, relativas a 4.765 litro de aguardente vínica (…) que teria sido objecto de derrame ocorrido, no dia 25/11/2011, no Entreposto Fiscal de Produção Nº PT (…), onde se encontrava em regime de suspensão do IABA;
- A aludida comunicação foi recebida na Alfândega de … na sexta-feira, fora do horário normal de funcionamento, pelo que tal comunicação só deu entrada na referida Alfândega na segunda-feira seguinte, dia 28/11/2011, data em que os serviços aduaneiros fizeram deslocar ao local um funcionário para proceder ao apuramento dos factos;
- O funcionário da Alfândega de … aquando da sua deslocação ao local - Entreposto Fiscal de Produção nº PT (…) - não constatou vestígios do aludido derrame de aguardente, nem da queda da mangueira no depósito de inox nº 61, verificando apenas que o indicador de nível do referido depósito mostrava, no momento do controlo, a quantia de 5.130 litros;
- O indicador de nível do depósito nº 61, composto por uma mangueira de borracha transparente fixada ao depósito, na vertical, por pequenas “chapas” metálicas de suporte, destinadas a impedir a sua queda, dispunha na sua base de uma torneira, não apresentava quaisquer anomalias;
- Os elementos disponibilizados pela Requerente, para efeitos de esclarecimento do aludido derrame, incluindo as imagens do sistema de videovigilância, que abrangem o período compreendido entre as 07h00 do dia 24/11/2011 e as 11h10 do dia 25/11/2011, não permitem perceber o derrame em questão, nem a queda da mangueira do depósito nº 61;
- A Alfândega de … entendeu não estarem reunidos os pressupostos exigidos nos termos do art.º 50º do CIEC para a concessão da franquia, tendo instaurado o processo de cobrança nº (…)/2012, onde apurou uma dívida total de 20.168,08 € - sendo que 19.661,72 € respeita a IABA e 506,36 € a juros compensatórios - em conformidade com o registo de liquidação nº (…) 2013/ (…), de 10/01/2013, dívida que foi objecto de notificação à Requerente, para pagamento voluntário, através do ofício nº (…) de 19/01/2013;
- O primeiro pressuposto para aplicação do regime previsto no art.º 50º do CIEC respeita à verificação de uma perda, que, face ao disposto no nº 4 do art.º 9º do CIEC, terá de ser qualificada como irreparável, recaindo sobre a Requerente o ónus de provar a referida perda, em conformidade com o disposto no nº 2 do art.º 50º do CIEC e do art.º 74º da LGT;
- A Requerente não logrou provar a perda irreparável da aguardente em questão, dado que, nem aquando da deslocação do funcionário aduaneiro ao Entreposto Fiscal de Produção nº PT (…), nem através das imagens vídeo, nem das fotografias que foram apresentadas, se alcançam vestígios capazes de tal prova;
- A aludida perda irreparável, mesmo que tivesse sido provada, teria, para efeitos do disposto no nº 4 do art.º 9º e no art.º 50º do CIEC, de ser devida a caso fortuito ou de força maior, o que não aconteceu;
- A referida perda não preenche o conceito de força maior, tal como vem sendo fixado pela jurisprudência comunitária, designadamente porque se exige um comportamento diligente e activo por parte do depositário autorizado, no sentido de identificar e evitar riscos potenciais;
- A permanente abertura da torneira existente no depósito onde se encontrava a aguardente, em regime de suspensão do imposto, constitui um comportamento de risco, que pode ser qualificado como negligência grave;
- O pedido de indemnização associado à garantia prestada para efeitos da suspensão da execução fiscal não é procedente, quer porque não foi produzida qualquer prova dos prejuízos sofridos pela Requerente, quer porque se exige legalmente que a garantia tenha estado prestada durante um período de três anos, o que não aconteceu.
1.5. - A reunião prevista no art.º 18º do RJAT realizou-se no dia 15-10-2013, tendo, então, tal como consta da acta da primeira reunião do tribunal arbitral, sido fixado o dia 28-10-2013, como data para se proceder à inquirição das testemunhas e para produção de alegações orais.
Face ao exposto nos números anteriores, relativamente às posições das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:
- A ilegalidade material do acto de liquidação, relativo a 4.765 litros de aguardente vínica (…), alegadamente derramada, que, em regime de suspensão de imposto, se encontrava no Entreposto Fiscal de Produção com o nº PT (…) de que a Requerente é detentora, por razões atinentes ao preenchimento dos requisitos legalmente previstos para a não tributação das perdas por caso fortuito ou de força maior;
- O reconhecimento do direito à indemnização prevista nos artigos 171º do CPPT e 53º da LGT, caso venha a ser julgada indevida a garantida prestada com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado.
3. - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
- O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º n.º 2 alínea a), 6.º n.º 1, 10.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do RJAT;
- As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. arts. 4º e 10º, nº 2, do RJAT e art.º 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março);
- O processo não enferma de vícios que o invalidem;
- Não foram suscitados incidentes pelas Partes, nem existem questões prévias sobre as quais o Tribunal se deva pronunciar;
Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junta aos autos, os depoimentos das testemunhas e as alegações produzidas, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue.
4. - FUNDAMENTOS DE FACTO
Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos e aos depoimentos das testemunhas, os seguintes factos:
- A Requerente é uma sociedade anónima, que tem como actividade a produção, importação, distribuição e comercialização de bebidas alcoólicas;
- A Requerente é, desde o ano de 2003, detentora do Estatuto de Depositária Autorizada com o nº PT (…), bem como de dois Entrepostos Fiscais, um de Produção com o nº PT (…) e outro de Armazenagem com o nº PT (…), ambos sitos na (…);
- A requerente detém no Entreposto de Produção mais de 3.400 cascos e 54 depósitos de inox, com uma capacidade de armazenagem de cerca de 930.000 litros em cascos e 500.000 litros em depósitos de inox;
- Na madrugada do dia 25 de Novembro de 2011 ocorreu, no Entreposto Fiscal de Produção, com o nº PT (…), de que a Requerente é detentora, um derrame de 4.765 litros de aguardante vínica (…), que se encontrava acondicionada no depósito nº 61;
- O derrame foi constatado na manhã do dia 25 de Novembro de 2011, quando um funcionário, em serviço no Entreposto, o Sr. D., passou pelo local onde se encontrava o depósito nº 61, altura em que tratou de informar os seus superiores hierárquicos;
- O referido funcionário providenciou a recolha fotográfica dos indícios do referido derrame, procedendo, quer à recolocação da mangueira na escala, quer à limpeza do espaço onde o derrame em causa havia ocorrido;
- Nesse mesmo dia 25 de Novembro de 2011, a Requerente comunicou à Alfândega de … o derrame de 4.765 litros de aguardente, tendo, então, solicitado a franquia relativamente às perdas corporizadas no mencionado derrame;
- O pavimento era poroso, evidenciando alguma capacidade de absorção;
- À data dos factos - 25 de Novembro de 2011 - encontravam-se no Entreposto de Produção apenas os funcionários E e D;
- O depósito de inox nº 61, onde se encontrava a aguardente vínica derramada, tal como os demais depósitos, existentes no Entreposto de Produção, dispõe, com vista ao controlo das quantidades existentes no seu interior, de uma “escala” que, por sua vez, é integrada por uma régua e por uma mangueira, a qual, na sua base, tem instalada uma torneira, que, entre outras funções, permite impedir que o conteúdo do depósito aceda à mangueira;
- A mangueira existente no depósito de inox nº 61, tal como as que estão instaladas nos restantes depósitos, encontrava-se presa ao depósito por “chapas/abraçadeiras”, ao longo da respectiva calha, estando fixada no topo do depósito por um grampo, estando a torneira, colocada na parte inferior da mangueira e na base do depósito, permanentemente aberta;
- O procedimento internamente instituído pela Requerente, relativamente à abertura permanente da torneira da escala colocada na parte inferior da mangueira e na base do depósito, inscreve-se numa questão de conveniência prática, consubstanciada no conhecimento, a todo o tempo, do nível de líquido existente no depósito, está em sintonia com a prática seguida pela - F., empresa a quem, em 2002, a - A SA, “adquiriu o negócio”, que agora é objecto da sua actividade empresarial;
- A Requerente, no início de Novembro de 2011, detinha no seu Entreposto de Produção a quantidade de 9.895 litros de aguardente vínica (…), a qual estava acondicionada num só depósito de inox, identificado pelo nº 61;
- O depósito de inox nº 61, aquando do momento em que o funcionário aduaneiro se deslocou ao Entreposto para verificar o derrame, continha 5.130 litros de aguardente vínica (…), tal como era revelado pelo indicador de nível;
- Na madrugada do dia 25 de Novembro a mangueira integrante da “escala” do depósito de inox nº 61 tombou, permitindo o derrame de 4.765 litros da referida aguardente, derrame que só no início da manhã do dia 25 de Novembro, veio a ser constatado pelo funcionário, Sr. D.;
- A Requerente comunicou, às 17h33 do dia 25 de Novembro - sexta-feira - via e-mail, à Alfândega de …, o derrame dos mencionados 4.765 litros de aguardente, solicitando a concessão da franquia por perdas devidas a caso fortuito ou de força maior;
- A Alfândega de … no dia 28 de Novembro - segunda-feira - enviou um funcionário, o verificador auxiliar aduaneiro especialista, Sr. G., ao Entreposto de Produção da Requerente a fim de proceder à confirmação do derrame dos 4.765 litros de aguardente;
- A Requerente facultou à Alfândega de … todos os elementos disponíveis com vista a conhecer do derrame em causa, nomeadamente as imagens das câmaras de vigilância respeitantes aos dias 24 e 25 de Novembro;
- No dia 28 de Novembro, aquando da deslocação do funcionário da Alfândega de … ao Entreposto de Produção da Requerente apenas foi possível observar que o indicador de nível - enquanto componente da “escala” do depósito de inox nº 61 - mostrava que o dito depósito continha 5.130 litros, não sendo possível observar, no local, quaisquer outros vestígios do derrame;
- A Alfândega de … considerou que o derrame em questão, a ter acontecido, resultava de negligência grave da Requerente, e procedeu, nessas circunstâncias, à instauração do processo de Conferência Final nº (…)/2012, no âmbito do qual foi liquidado, em IABA, a quantia de 19.661,72€ e, a título de juros compensatórios, a quantia de 506,36€;
- As instalações do Entreposto de Produção da Requerente são acedidas apenas por um único portão, sendo vigiadas durante 24h00 pela empresa – C., não havendo notícia de quaisquer movimentos suspeitos junto do depósito nº 61, nem de pessoas estranhas no local do referido Entreposto nos dias 24 e 25 de Novembro;
- Foi instaurado, em 2013-03-25, processo de execução fiscal nº (…), no valor de 20.168,08€, pelo Serviço de Finanças de … 2, tendo a Requerente, conforme consta dos autos, prestado a competente garantia bancária destinada a obter a suspensão do referido processo de execução;
- As torneiras instaladas na parte inferior das mangueiras e colocadas na base dos diversos depósitos existentes no Entreposto de Produção passaram a estar, por regra, fechadas, desde 25/11/2011, data em que o derrame foi conhecido, apenas sendo abertas em função das necessidades a satisfazer pontualmente;
- A torneira, instalada na parte inferior da mangueira e na base do depósito, que integra, juntamente com a régua, a escala existente em cada um dos depósitos, tem, não só a função de permitir a circulação da aguardente entre o depósito e a mangueira, mas também uma função de segurança.
4.2. - FACTOS NÃO PROVADOS
Em matéria de facto, com relevância para a decisão, o presente tribunal considera como não provados os seguintes factos:
- A prática, por parte da generalidade das empresas do sector, de manterem, permanentemente abertas, as torneiras instaladas na parte inferior das mangueiras e na base dos depósitos, o que significa, não se ter provado ser esse o comportamento padrão nesta matéria;
- As manchas existentes no pavimento, tal como reveladas pelas fotografias juntas aos autos, estarem inequívoca e exclusivamente associadas à aguardente vínica derramada do depósito nº 61;
- As causas que, em concreto, determinaram o desprendimento da mangueira do grampo superior que a fixava à parte cimeira do depósito nº 61;
- A hora certa em que, na madrugada do dia 25/11/2011, o derrame ocorreu;
- As vistorias, cuidadosamente realizadas a todo o equipamento do Entreposto, que, como alegado, eram frequentemente efectuadas.
4.3. - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
- A fundamentação da matéria de facto baseou-se nos documentos juntos aos autos, relativamente a cada um dos factos, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada e nos depoimentos das testemunhas;
- As testemunhas mostraram ter conhecimento dos factos sobre que depuseram e não se verificou qualquer facto que justifique suspeitas sobre a sua isenção;
- A matéria de facto dada como não provada decorre da ausência ou insuficiência da prova produzida a seu respeito.
5. - FUNDAMENTOS DE DIREITO
5.1. - O pedido objecto do presente processo consiste na declaração de anulação do acto de liquidação relativo, quer ao imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas respeitante a 4.765 litros de aguardante vínica (…), alegadamente derramada do depósito nº 61 existente no Entreposto Fiscal de Produção, com o nº PT (…), de que a Requerente é detentora, quer aos juros compensatórios correspondentes, bem como ao reconhecimento do direito a indemnização associado à garantia prestada para efeitos da suspensão da execução fiscal;
5.2. - A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 4.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas identificadas no nº 2 supra, sendo certo que a questão central em causa nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se os requisitos legalmente previstos no art.º 50º do CIEC foram preenchidos.
Tudo visto, e tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas e decorrentes dos pontos 1.3 e 1.4 supra, e considerando, por outro lado, que a questão central a decidir é a de saber se o disposto no art.º 50º do CIEC se deve ou não considerar cumprido para que o derrame de 4.765 l de litros de aguardente vínica (…), possa beneficiar da franquia de IABA aí prevista, cumpre, neste quadro, apreciar e proferir decisão.
6. - DA ILEGAILDADE DA LIQUIDAÇÃO POR FALTA DE OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTº 50º DO CIEC
A apreciação do acto de liquidação, cuja declaração de ilegalidade é solicitada implica saber se os pressupostos e condições que nele se prevêem foram devidamente observados. Vejamos, então, o mencionado artigo 50º, o qual dispõe nos seguintes termos:
Perdas por caso fortuito ou de força maior
1 - Não são tributáveis as perdas devidas a caso fortuito ou de força maior, desde que não tenha havido negligência grave e sejam comunicadas à autoridade aduaneira, para efeitos de confirmação e apuramento, até ao 2.º dia útil seguinte ao da sua ocorrência.
2 - Para efeitos do número anterior, deve ser feita prova suficiente da perda irreparável dos produtos junto da estância aduaneira em cuja jurisdição ocorreu a perda ou, não sendo possível a sua determinação, junto da estância aduaneira em cuja jurisdição a perda foi constatada.
6.1. - A norma de não incidência, inscrita no nº 1 do art.º 50º do CIEC, requer a verificação de dois pressupostos e de duas condições. Os pressupostos, ambos de sentido positivo, respeitam, o primeiro deles, à perda irreparável dos produtos, requerendo o segundo que tal perda tenha resultado de um caso fortuito ou de força maior. As condições, que colocam a eficácia dos ditos requisitos na dependência de certos eventos, são, por seu lado, uma, de sentido negativo e de natureza substantiva e, outra, de sentido positivo e de natureza adjectiva, correspondem, respectivamente, à não existência de negligência grave, e à comunicação da ocorrência/perda à Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso à Alfândega de …, até ao 2º dia útil seguinte ao dia em que tal ocorrência/perda se verificou.
Importa, então, analisar se cada um dos mencionados pressupostos se mostram legalmente preenchidos e se, as aludidas condições, foram verificadas.
6.2. - O primeiro dos pressupostos legalmente previstos, para que o benefício relativo às perdas se possa considerar, respeita à efectiva verificação da perda irreparável do produto, no caso ao derrame de 4.765 de litros de aguardente vínica (…), o que significa que o derrame corresponde, assim, ao requisito primordial, revestindo-se a sua existência de uma importância absolutamente decisiva.
Ocorrendo a exigibilidade do imposto com a introdução no consumo dos produtos, face ao disposto no art.º 6º do CIEC, e estatuindo o nº 4 do art.º 9º do referido Código que a perda irreparável dos produtos em regime de suspensão do imposto não é tida como introdução no consumo, a não tributação, prevista no aludido art.º 50º, respeitará às perdas irreparáveis, o que, aliás, decorre também do disposto no nº 2 do referido artigo.
Os indícios constantes dos documentos juntos aos autos sobre a ocorrência do derrame, particularmente os relativos aos elementos recolhidos, quer fotograficamente aquando da constatação do ocorrência, quer pelas câmaras de videovigilância, combinados com os depoimentos das testemunhas, corporizam elementos objectivos que tornam verosímil a verificação do derrame em questão, circunstâncias que permitem considerar provado o derrame dos 4.765 litros de aguardente vínica (…) em causa nos autos, o qual corresponde à perda irreparável do produto, na medida em que, parte dessa aguardente foi perdida, quer por via de evaporação, quer por via de absorção pelo pavimento e, outra parte, foi encaminhada, através de uma calha de contenção de líquidos existente no solo, para um depósito subterrâneo, onde se misturou com as águas residuais decorrentes da lavagem dos depósitos, que o mesmo também se destinava a recolher.
O derrame verificou-se na madrugada do dia 25 de Novembro de 2011, embora a hora certa em que o mesmo ocorreu não tenha sido concretamente apurada.
Assim, considerado preenchido o primeiro dos pressupostos, ou seja, provada a ocorrência do derrame de 4.765 litros de aguardente, vejamos, então, se o mencionado derrame resultou de caso fortuito ou de força maior.
6.3. - Fixada que está a verificação do derrame, consubstanciado na perda irreparável de 4.765 litros de aguardente vínica (…), importa saber em que circunstâncias se verificou tal ocorrência, ou seja, saber se o derrame resultou de uma situação configuradora de um caso fortuito ou de força maior.
A AT considera que os factos ocorridos não se inscrevem no conceito de força maior, não estando, de todo, tal pressuposto preenchido. A Requerente, por seu lado, entende que, face à noção de caso fortuito e de força maior, não subsistem dúvidas “[…] quanto à consideração da perda como um manifesto caso de força maior ou, pelo menos, caso fortuito”.
Vejamos, então, antes de mais, os conceitos de caso fortuito ou de força maior, para, de seguida, avaliarmos se o derrame em questão e os factos que lhe estão associados se inscrevem nalgum desses conceitos.
6.4. - Não existindo, em matéria tributária, ao contrário do que acontece noutros domínios, definição legal de caso fortuito ou de força maior, importará ter em conta o que, sobre tais conceitos, se refere na doutrina e na jurisprudência.
A generalidade da doutrina e da jurisprudência convergem no sentido de que, quer num caso, quer noutro, estaremos perante situações de imprevisibilidade, sendo certo, todavia, que no primeiro caso, no caso fortuito, os factos, embora imprevisíveis, seriam, no entanto, evitáveis caso tivessem sido previstos, enquanto, no caso de força maior, estaremos perante casos que, sendo igualmente imprevisíveis, não se poderiam evitar, nem em si mesmos, nem nas suas consequências.
No sentido de vincar a distinção entre os dois conceitos, a doutrina e a jurisprudência tendem a acrescentar outros critérios, considerando, assim, que o caso fortuito corresponde e traduz-se num qualquer risco natural das coisas ou maquinismos empregados pelo seu responsável, a uma força interna ou interior a essas coisas, ou seja, corresponde ao perigo imanente a qualquer equipamento, no caso dos autos, a uma mangueira. Tratar-se-á, em suma, do preço que tais equipamentos cobram aos seus detentores pelo simples facto de os utilizarem. Por outro lado, o caso de força maior é tido como correspondendo a uma força da natureza, estranha e exterior a essas coisas ou maquinismos. É como que um facto de terceiro, que não procede de uma pessoa, mas de quaisquer forças naturais.
Em sintonia com o que se deixa referido, cabe notar o que nos diz Manuel A. Domingos de Andrade, quando, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, Coimbra - 1974, p. 7, escreve que “Quanto à distinção entre o simples caso fortuito e o caso de força maior, diremos que aquele é qualquer risco natural das coisas ou maquinismos empregados pelo responsável; e esta é uma força da natureza estranha a essas coisas ou maquinismos […].”
No domínio tributário, quando se refere às perdas por caso fortuito ou de força maior, diz-nos Sérgio Vasques, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, Coimbra, 2001, p. 311, que “O caso de força maior corresponde a algo de inevitável, uma força estranha ao sujeito que o impede de agir de acordo com a sua vontade: a inundação que alaga a fábrica, o aluimento que soterra o armazém. O caso fortuito corresponde a algo não de inevitável mas de imprevisível, algo que se poderia evitar se fosse atempadamente previsto: o acidente no manusear de equipamentos, a ruptura na tubagem pela qual se transferem produtos petrolíferos.”
Também ao nível jurisprudencial, e a título de mero exemplo, podem referir-se, neste sentido, nomeadamente os Acórdãos do STJ de 29/11/2005 e de 01/07/2008, Processos nºs 05B3678 e 08A1262, respectivamente, bem como o Acórdão do TRL de 26/11/2009, Processo nº 5492/04.6TVLSB.L1-6, disponíveis em: www.dgsi.pt.
A propósito dos conceitos em questão, ou, mais precisamente, do conceito de caso de força maior, cabe também notar o que, sobre ele, nos diz a jurisprudência comunitária, que tem vindo a fixar os critérios da imprevisibilidade e da inevitabilidade como elementos fundamentais de tal conceito. Assim, a título exemplificativo, ocorre referir os dois seguintes Acórdãos, disponíveis em: http:// www.eur-lex.europa.eu: o primeiro, respeita ao Acórdão do TJCE, de 14 de Junho de 2012, Processo C-533/10, onde se considera que “No contexto da regulamentação aduaneira, o conceito de força maior deve, em princípio, ser entendido no sentido de circunstâncias alheias à pessoa que o invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências desenvolvidas”; o segundo, refere-se ao Acórdão do TJCE, de 18 de Dezembro de 2007, Processo C-314/06, onde se declara que “O conceito de «força maior», na acepção do artigo 14.°, nº 1, primeiro período, da Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, conforme alterada pela Directiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, refere-se a circunstâncias alheias ao depositário autorizado, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ser evitadas, apesar de todos os esforços desenvolvidos por este.”
O que, em síntese, se pode retirar da doutrina e da jurisprudência mencionadas, sobre a distinção dos dois mencionados conceitos, é que a mesma pode alcançar-se à luz dos três seguintes critérios: no caso de força maior, deverá ter-se em conta a existência de circunstâncias que, em simultâneo, sejam imprevisíveis, inevitáveis e imputáveis a causas exteriores; no caso fortuito, por seu lado, importará associá-lo a circunstâncias que, em simultâneo, sejam imprevisíveis, evitáveis e imputáveis a causas interiores.
Nestas circunstâncias - e recordando que o derrame em questão teve como causa imediata o facto relativo à queda da mangueira que se soltou do grampo superior que a fixava à parte cimeira do depósito, e como causa mediata o facto de a torneira estar permanentemente aberta - dúvidas não restarão de que o derrame e os factos que lhe estão associados ocorreram, em larguíssima medida, num quadro de caso fortuito. Com efeito, estamos perante uma situação, por um lado, imprevisível, mas que se tivesse sido oportuna e devidamente prevista teria sido evitável e que, por outro lado, está associada a causas interiores ao depositário autorizado, na medida em que se mostram inseparáveis do risco natural e inerente aos equipamentos instalados e utilizados no Entreposto Fiscal de que o referido depositário autorizado é detentor.
Assim sendo, provado que foi, como atrás se referiu, o derrame em questão, traduzido na perda irreparável do produto, e tendo o mesmo resultado de caso fortuito, verifica-se o preenchimento dos dois pressupostos, legalmente previstos no nº 1 do art.º 50º do CIEC, para que a perda, consubstanciada no derrame, possa beneficiar de franquia, tal como está prevista no citado artigo.
Preenchidos os ditos pressupostos, importará saber se as condições atrás mencionadas foram verificadas, em conformidade com o legalmente estabelecido, ou seja, saber, mais concretamente, se ocorreu uma situação que se traduza na ausência de negligência grave, dado que a outra condição, ou seja, a que respeita à comunicação à Alfândega, foi, sem dúvida, satisfeita. Na verdade, tendo o alegado derrame sido verificado em 25/11/2011 e tendo a referida comunicação à autoridade aduaneira, como estatuído no nº 1 do art.º 50º do CIEC, sido efectuada, face aos documentos juntos aos autos, nesse mesmo dia, dúvidas não restam sobre a sua observação.
6.5. - O benefício da franquia prevista no art.º 50º do CIEC requer, como já atrás se salientou, que não tenha havido negligência grave, o que significa que embora verificada a perda irreparável do produto e resultando a mesma de caso fortuito, a franquia não será concedida caso se verifique que para a produção dos factos concorreu uma situação de negligência grave.
A Requerente admite que a permanente abertura da torneira por parte da Empresa possa corresponder a um facto qualificável “como mera negligência mas jamais como negligência grave”, acrescentando que para a “verificação da (in)existência de negligência grave é preciso ter presente como padrão o comportamento normal para a situação, aferido pelo designado bónus pater famílias”, no caso, corporizado nas outras empresas do sector. Neste sentido, acrescenta, ainda, a Requerente que a prática por si seguida de não fechar as torneiras da escala corresponde à seguida pelas demais empresas do sector, pois era essa, “[…] tanto quanto julga saber, a prática seguida pelas outras empresas do sector: também estas, por regra, não têm a torneira de acesso à régua fechada.”
A AT, por seu lado considera que “[…] o facto de a torneira existente no depósito inox onde se encontrava a aguardente a granel em regime de suspensão do imposto, estar sempre aberta […] constitui, obviamente, um comportamento de risco […]”, acrescentando que a “prática seguida pelos funcionários da requerente […] de manter a referida torneira aberta, por questões de conveniência, sabendo que assim o conteúdo do depósito não ficaria vedado, constitui, indubitavelmente, um comportamento que não se pode considerar diligente […], pelo contrário, pode mesmo qualificar-se como negligência grave.”
Antes de mais, importará ter em conta que aquando do Pedido de Concessão do Estatuto de Depositário Autorizado e Constituição de Entreposto Fiscal e da correspondente autorização, ou seja, no quadro do estatuto que o agente económico/requerente é investido pode dizer-se que o mesmo assumiu obrigações/responsabilidades, que vão para além das estritamente fiscais, na medida em que, designadamente, no quadro da boa gestão do Entreposto que lhe compete assegurar, tais obrigações não poderão deixar de se situar, também, ao nível do bom uso e da diligente manutenção dos equipamentos existentes no Entreposto.
Com efeito, a concessão desse estatuto e as obrigações que lhe estão associadas, decorrentes, nomeadamente, dos artigos 22º e 83º do CIEC, impõem ao agente económico em causa, ao menos implicitamente, um comportamento cauteloso e diligente, que o obriga a respeitar as regras técnicas ajustadas ao adequado armazenamento e manuseamento dos produtos em regime de suspensão do imposto e ao bom uso dos equipamentos utilizados, em ordem a prevenir a ocorrência de perdas irreparáveis dos produtos, o que, aliás, se consubstancia na boa gestão industrial do Entreposto Fiscal, que não poderá deixar de estar implícita na outorga do estatuto.
São, na verdade, diversas as obrigações e os requisitos previstos nos mencionados artigos, no quadro da concessão do estatuto de depositário autorizado e da constituição de um entreposto fiscal: uns, de carácter subjetivo, associados à personalidade do requerente, como é o caso do requisito associado à exigência de o mesmo não ter sido condenado por crime tributário ou por contra-ordenação tributária punível com coima igual ou superior a € 5000 nos últimos cinco anos; outros, de carácter objectivo e orientados sobretudo para o controlo dos produtos, como ocorre, nomeadamente, no caso do requisito relativo à exigência de apresentação de um plano de produção anual previsível, com indicação das taxas de rendimento, no que se refere aos entrepostos fiscais de produção ou transformação, ou o caso da obrigação imposta ao depositário autorizado de manter actualizada, no entreposto fiscal, uma contabilidade das existências em sistema de inventário permanente, com indicação da sua proveniência, destino e dos elementos relevantes para o cálculo do imposto. Todas essas obrigações e requisitos, porém, visam e convergem no sentido de assegurar a boa utilização do regime de produção, transformação, detenção e circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, facilitando, por outro lado, os procedimentos de controlo e acautelando a ocorrência de eventuais turbulências de pendor fraudulento.
Neste quadro, e tendo também em conta, o texto preambular do diploma legal que aprovou o CIEC quando aí se refere que, no domínio fiscal, se apostou na simplificação, substituindo-se vistorias e condicionamentos prévios de diversos tipos por acções sistemáticas de fiscalização a posteriori e por mecanismos de responsabilização efectiva dos operadores, não se pode deixar de considerar que, subjacentemente aos mencionados requisitos e obrigações, está implícito um princípio geral de boa gestão técnica dos Entrepostos Fiscais, princípio esse, que, deve ser tido como um procedimento implicitamente prescrito pela autoridade tributária e aduaneira, quando, ao depositário autorizado, concede a necessária autorização para proceder à exploração e gestão do Entreposto Fiscal. Só assim, aliás, será possível conferir coerência e unidade ao acervo normativo integrante do regime e alcançar um entendimento lógico e racional do que nele se estabelece. Com efeito, seria falho de sentido que, por um lado, se fixasse legalmente um tão robusto elenco de requisitos e obrigações para a concessão do estatuto dos depositários autorizados e para a constituição de entrepostos fiscais e, por outro lado, se tolerasse uma gestão desses mesmos entrepostos, descuidada e pouco previdente no que, particularmente, toca aos riscos associados aos produtos que, ao abrigo de um regime fiscal de suspensão do imposto, aí são economicamente explorados, seja ao nível da produção, da transformação ou da detenção.
Em suma, a pessoa a quem é concedido o estatuto de depositário autorizado e a quem é concedida autorização para explorar um Entreposto Fiscal assume, para todos os efeitos, a responsabilidade pela boa gestão desse Entreposto, incluindo, naturalmente, as boas práticas de gestão ao nível dos equipamentos aí existentes.
Por ter estreita pertinência com a diligência que deve ser exigida aos detentores de Entrepostos Fiscais, cabe referir um dos Acórdãos do Tribunal de Justiça atrás citados, qual seja, o Acórdão do TJCE, de 18 de Dezembro de 2007, Processo C-314/06, relativo a um litígio que opôs um agente económico francês às Alfândegas Francesas, agente que, tendo o estatuto de depositário autorizado, explorava um oleoduto no qual circulavam hidrocarbonetos em regime de suspensão de imposto especial de consumo.
Retira-se do citado Acórdão que as falhas técnicas dos equipamentos integrantes de uma dada instalação existentes numa unidade empresarial, no caso um Entreposto Fiscal, são, salvo a existência de causas exteriores e que escapem a qualquer possibilidade de controlo por parte do detentor do Entreposto Fiscal, da responsabilidade daquele que os explora, no caso do depositário autorizado, detentor do Entreposto Fiscal.
Por outro lado, relativamente ao comportamento diligente exigido ao depositário autorizado, refere-se, lapidarmente, no Acórdão em questão, que “[…] uma diligência suficiente pressupõe […] um comportamento activo e continuado, orientado para a identificação e para a avaliação dos riscos potenciais, assim como a capacidade de tomar medidas adequadas e eficazes de modo a prevenir que esses riscos se verifiquem.” (sublinhado nosso)
Aqui chegados, importará delimitar o conceito de negligência grave.
6.6. - Sendo certo que a mera culpa ou negligência, como refere Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2ª Edição, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1973, p. 449, se traduz na “[…] omissão da diligência exigível ao agente”, é também certo que o entendimento, generalizado na doutrina e na jurisprudência, aponta no sentido de que a ocorrência de negligência grave não se basta com a verificação de uma simples imprudência, descuido, imprevidência ou outros comportamentos semelhantes, antes exige a omissão de um elementar sentido de prudência, traduzido, designadamente, no elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade sobre a verificação do dano ou do perigo.
A negligência, embora exprima uma ligação, naturalmente, menos intensa da pessoa com o facto, do que a verificada com o dolo, é, todavia, reprovável ou censurável. O grau de reprovação ou de censura, como salienta o Autor atrás citado, ibidem, “[…] será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou intenso o dever de o ter feito.”
Importará, antes de mais, saber qual é o padrão ou a bitola à luz dos quais se deverá aferir o comportamento do agente, o que equivale a conhecer como se mede o grau de diligência que é exigível a esse mesmo agente, no caso, ao detentor do Entreposto Fiscal de Produção nº PT (…). Dispõe o nº 2 do art.º 487º do Código Civil que a culpa, na falta de outro critério legal, é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que significa que a sua avaliação é determinada em abstracto, à luz do homem-padrão. Como refere o citado autor, o comportamento do agente será avaliado à luz da “[…] diligência de um homem normal, medianamente sagaz, prudente, avisado e cuidadoso”, daí que, no nosso caso, a avaliação do comportamento da Requerente deva ser apreciada tendo como referência o detentor normal de um Entreposto Fiscal, que seja medianamente sagaz, prudente, avisado e cuidadoso.
A propósito da referida modalidade de negligência, cabe referir a tradicional distinção entre negligência grave, leve e levíssima, o que é feito em função, por um lado, da intensidade ou grau da ilicitude, perspectivado em função da violação do cuidado objectivamente devido, censurável face à omissão do dever de diligência a que se estava legalmente obrigado, e, por outro lado, da culpa, perspectivada em abstracto, em função do comportamento de um sujeito ideal que se toma por padrão, sem deixar, naturalmente, de ter em conta a análise das circunstâncias do caso concreto. Sobre os referidos graus de negligência referem-se alguns autores a culpa lata, leve e levíssima, definindo-se a noção de culpa lata como refere Antunes Varela, na obra atrás citada p. 453, nos seguintes termos: “A culpa lata (a que mais frequentemente se chama culpa grave) consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio observam […].”
Como decorre do que atrás se referiu e como se retira da jurisprudência, designadamente dos Acórdãos do STJ de 25/11/2009, 16/12/2010, 20/10/2011 e 21/03/2013, respectivamente, Processos Nºs 331/07.9TTVCT.P1.S1, 2732/07.3TBFLG.G1.S1, 1127/08.6TTRA.C1.S1 e 197/05.04TTPDL.P1.S1, a qualificação de negligência grave consubstancia-se, particularmente, na inobservância de um elementar sentido de cuidado e de prudência, em termos da normal previsibilidade da verificação do risco.
Muito embora o exercício do dever de diligência, por mais rigoroso que seja, possa não afastar a ocorrência de todos os perigos, como analogicamente se retira do Acórdão do STA, de 29/05/2008, Proc. 0947/07, considera-se que, no caso dos autos, o derrame poderia ter sido evitado. Com efeito, tal derrame poderia ter sido afastado, ou por via da abertura da torneira apenas quando necessário, nomeadamente, por razões de controlo, como o bom senso mandaria, ou pelo impedimento da queda da mangueira, dado que tal queda só pode ter ocorrido, ou pela degradação muito acentuada da própria mangueira, ou porque as “chapas/grampos” de ligação, deterioradas se quebraram, ou pela conjugação de ambos os factores, anomalias estas, que não escapariam a uma adequada vistoria, tanto mais, como se afirma, sem provar, que tais vistorias eram frequentemente efectuadas a todo o equipamento do entreposto em causa.
Caracterizado o conceito de negligência, na sua modalidade grave, importa recordar os factos associados ao derrame para ajuizar do seu enquadramento no referido conceito.
6.7. - Importa, então, relembrar que o derrame, referenciado nos autos, radicou em duas diferentes causas: uma causa próxima e imediata, traduzida na queda da mangueira, integrante da escala do depósito de inox nº 61, e outra remota e de carácter mediato, corporizada na abertura da torneira, instalada na parte inferior da dita mangueira e na base do referido depósito, que, face à prática seguida pela Requerente, se encontrava em permanente estado de abertura. O derrame em questão não pode, em exclusivo, ser atribuído à queda da mangueira, dado que, com efeito, o mesmo só ocorreu e foi possível, face à convergência e inter-relação das duas referidas causas, as quais corporizam, assim, o motivo sem o qual o derrame não ocorreria. Com efeito, entre as várias hipóteses que se poderão equacionar, no quadro inter-relacional, entre a torneira e a mangueira nas diversas combinações consentidas nesse quadro, apenas na hipótese em que a torneira aberta coincide com a mangueira tombada, o derrame seria possível, tal como, na realidade, veio a acontecer.
Se as causas se conhecem pelos seus efeitos como nos indica o brocardo latino, causa cognoscitur ab effectus, dúvidas não restarão de que, no caso dos autos, os efeitos corporizados no derrame de 4.765 litros de aguardente vínica (…) permitem conhecer que os seus motivos estão nas duas mencionadas causas.
A prática sempre seguida, consubstanciada na continuada abertura da torneira, que também tem uma função de segurança, decorre da subordinação do valor da segurança dos produtos, que, aliás, se julga dever ser de carácter permanente, aos interesses de carácter aleatório e circunstancial, traduzidos na necessidade de avaliar, periodicamente, as quantidades de líquido existente nos depósitos.
A função das torneiras é, especialmente, a de regular a circulação dos fluidos contidos numa canalização ou num recipiente e, naturalmente, assegurar a retenção desses mesmos fluidos, destinando-se, nessa medida, a estar fechadas ou abertas, conforme os interesses que, em cada momento, estiverem em causa e importe prosseguir. No caso dos autos, a torneira existente na parte inferior da mangueira e na base do depósito, não foge a estas funcionalidades, dado que, para além de permitir a circulação da aguardente entre o depósito e a mangueira, viabilizando o conhecimento do nível de produto existente no correspondente depósito, permitia igualmente assegurar a retenção da dita aguardente dentro do depósito, evitando, assim, a possibilidade de qualquer derrame, tendo, nesta medida, uma função essencial de segurança.
Não foi, todavia, isso que, no caso, aconteceu, - embora fosse esperável que tal acontecesse - posto que a utilização da mencionada torneira não estava orientada para a satisfação das necessidades que ocasionalmente estivessem em questão, ou seja, a sua abertura não ocorria apenas para satisfazer necessidades casuísticas de controlo ou dar pontual conhecimento dos níveis de produtos nos depósitos, mas a uma só necessidade, qual fosse a de evidenciar permanentemente os referidos níveis, no caso dos autos, o nível de aguardente existente no depósito, o que suportava a sua manutenção num estado de abertura permanente. Tratava-se de uma situação, naturalmente, potenciadora do risco de derrames, e que dificilmente se compreenderá, à luz de um sentido de cautela e de prudência elementares no domínio da segurança dos ditos produtos e da normal previsibilidade desse risco.
Na verdade, deixar uma torneira permanentemente aberta por razões atinentes ao primado do conhecimento relacionado com o nível da aguardente no depósito, em desfavor da segurança do produto no dito depósito e do risco de derrame, corresponde, objectivamente, em elevado grau, à omissão de um elementar dever de cuidado. Manter a torneira da escala permanentemente aberta não corresponde propriamente a uma prática suficientemente diligente, pelo contrário, revela uma total omissão de um elementar sentido de cuidado e diligência. Dir-se-á, em analogia com outras situações que a vida nos oferece, designadamente, com o que pode ocorrer na casa onde cada um de nós habita, que tal como o comportamento de alguém que tenha por hábito deixar permanentemente aberta a porta da sua casa de habitação, traduz, em elevado grau, a omissão de um dever de cuidado e de prudência, potenciador da ocorrência do risco de furto, também a manutenção da permanente abertura da torneira de segurança, traduz, em elevado grau, uma atitude de facilitismo e de imprudência, tanto mais, quanto é certo que a Requerente detém, no Entreposto de Produção em causa, onde ocorreu o derrame referenciado nos presentes autos, mais de 3.400 cascos e 54 depósitos de inox, com uma capacidade de armazenagem que ronda um milhão e meio de litros de produtos sujeitos a IABA (cerca de 930.00 litros em cascos e 500.000 litros em depósitos de inox.)
Um potencial tão elevado de armazenagem exige cautelas reforçadas. Dir-se-á que quanto maior é o risco maior deverá ser a atenção prestada, o que significa, como dizem alguns autores, que perigo elevado requer cuidado redobrado, atitude que, no caso, não se verificou.
Os requisitos legais, previstos, designadamente, nos artigos 22º, 23º, 24º, 25º, 26º e 83º do CIEC, aprovado pelo Decreto - Lei n.º 73/2010 de 21 de Junho, de que dependem, quer a aquisição e manutenção do estatuto de depositário autorizado, quer a constituição e exploração de um entreposto fiscal, bem como o acervo de obrigações legalmente fixadas aos depositários autorizados, são bem reveladoras das cautelas objectivamente inscritas na lei, no quadro dos correspondentes processos de autorização administrativa. Trata-se de requisitos e obrigações inerentes à concessão do estatuto de depositário autorizado e de constituição do entreposto fiscal que não poderão deixar de ter subjacente e implícito um princípio fundamental de boa gestão do entreposto fiscal, nomeadamente ao nível dos equipamentos que nele estão instalados.
Dispondo, aliás, o nº 1 do art.º 22º atrás citado que o depositário autorizado é a pessoa singular ou colectiva autorizada pela autoridade aduaneira, no exercício da sua profissão, a produzir, transformar, deter, receber e expedir, num entreposto fiscal, produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, seria, muito difícil conceber que, as aludidas autorizações, fossem concedidas sem implicitamente terem em conta e pressuporem uma boa gestão técnica, por parte do depositário autorizado que, no exercício da sua profissão, assume a responsabilidade pela gestão do entreposto de que é detentor.
Tal princípio de boa gestão técnica do Entreposto Fiscal pela pessoa - depositário autorizado - autorizada a proceder à sua exploração, não poderá, de resto, deixar de estar legalmente subjacente às diversas obrigações e requisitos a que se aludiu e que estão previstos nos citados artigos.
Sobre o comportamento padrão que importa conhecer, para melhor se entender a prática da Requerente, deve referir-se o seguinte:
6.8. - A Requerente afirma que a AT não faz qualquer prova de que o padrão de comportamento das empresas do sector seja diferente, relativamente à prática seguida ao nível do fecho das torneiras, não podendo, por isso, considerar-se a existência de negligência grave. Acontece, porém, que também a Requerente ao afirmar o contrário, ou seja, que a prática, na generalidade das empresas do sector, é a de manterem as torneiras permanentemente abertas, daí retirando a conclusão de que a Requerente mais não fez do que aquilo que é normal no sector, também se limita a concluir que assim é, sem fazer prova de que a prática das empresas que laboram nesse ramo de actividade vai, efectiva e generalizadamente, nesse sentido, limitando-se a afirmar, sem mais, ser essa a prática seguida, prática que já a - F., empresa a quem a A, SA, “adquiriu o negócio”, havia perfilhado.
A prática mais prudentemente aconselhada nesta matéria, é a de manter as torneiras permanentemente fechadas, procedendo à sua abertura sempre que as circunstâncias o imponham. Que assim é, decorre também da alteração do comportamento da Requerente posterior ao derrame, dado que, desde o dia 25/11/2011, data em que o dito derrame foi detetado, passou a manter as torneiras permanentemente fechadas, ou seja, abandonou o procedimento que vinha adoptando e que proclamava, embora sem provar, corresponder ao comportamento padrão, passando a aderir à prática totalmente contrária, traduzida na permanente manutenção das torneiras fechadas, procedendo à sua abertura, apenas e tão-somente, quando as circunstâncias assim o suscitarem, o que significou proceder à abertura das ditas torneiras quando, designadamente, estiver em causa a realização de controlos aleatórios ou a satisfação de necessidades pontuais e casuísticas atinentes à aferição do nível de produto nos depósitos. É este, aliás e afinal, o procedimento que mais em sintonia se revela com a prática seguida pelas empresas que desenvolvem a sua actividade no sector, podendo tal prática, essa sim, assumir-se como comportamento padrão, o que, diga-se, en passant, corresponde a um comportamento inscrito numa lógica de bom senso e que, como tal, facilmente é entendível por elementares razões de segurança dos produtos.
A prática das torneiras em questão permanentemente abertas, por parte da generalidade das empresas do sector, ou seja, o comportamento padrão que, nesta matéria, se procura, para que, a essa luz, se possa avaliar o comportamento da Requerente não ficou, de todo, provado. Com efeito, tendo, embora, em conta, que importa ter todo o cuidado na credibilidade das testemunhas, como ensina o vetusto brocardo do Digesto Testium fides diligenter examinanda est, o que foi possível alcançar, no quadro dos depoimentos das testemunhas, aponta, bem pelo contrário, no sentido de que tal prática não será usual entre as mencionadas empresas, que, em geral, não têm as torneiras de escala abertas, o que, nesta matéria, aponta para que o comportamento padrão se consubstancia na prática das torneiras de escala permanentemente fechadas, apenas sendo abertas quando importe satisfazer necessidades casuísticas de controlo ou dar pontual conhecimento dos níveis de produtos nos depósitos.
6.9. - O derrame e os factos que lhe estão associados mostram-se inscritos no conceito de negligência grave. Com efeito, o sentido das obrigações que, implicitamente, decorre da concessão do estatuto de depositário autorizado e impende sobre o seu titular; o sentido da jurisprudência comunitária e o grau de diligência aí considerado, em ordem à permanente identificação e avaliação dos riscos potenciais, aliados à circunstância do comportamento padrão não comportar a prática seguida pela Requerente no que respeita à permanente abertura das torneiras dos depósitos existentes em Entreposto Fiscal, mostram-se capazes de preencher o conceito da referida modalidade de negligência.
Na verdade, todos esses factores convergem e se encaminham no sentido de que, por um lado, a diligência e os cuidados exigidos ao depositário autorizado, enquanto titular de um Entreposto Fiscal, são de elevado grau e assinalável exigência e que, por outro lado, conviver com as torneiras permanentemente abertas não se compagina nem se mostra consentâneo com os elementares deveres de cuidado e diligência que impendem sobre o detentor do Entreposto Fiscal e que estão subjacentes ao comportamento activo e continuado, que dele se espera, tendo em vista a identificação e avaliação dos riscos potenciais, em ordem a evitar a sua concretização, tal como, nomeadamente, se assinala na jurisprudência comunitária.
Quem tem, activa e continuadamente, o particular dever de diligência, no quadro da boa gestão técnica dos equipamentos instalados no Entreposto Fiscal, como é o caso dos detentores desses Entrepostos, com vista, nomeadamente, a acautelar a ocorrência de perdas irreparáveis dos produtos, não pode permitir-se manter e conviver com procedimentos que, potencialmente, correspondem a factores de elevado risco e que são contraditórios com o referido dever de cuidado e diligência.
Em suma, dir-se-á que a prática seguida pela Requerente, mormente no que respeita à manutenção da torneira da escala permanentemente aberta, o que, como já se referiu, constituiu causa mediata do derrame, traduz uma violação de elementares deveres de cuidado e de diligência, que o depositário autorizado, enquanto responsável pela gestão do Entreposto Fiscal, tinha o dever de observar.
Neste quadro, apenas se poderá considerar que os cuidados acrescidos e a adequada previsibilidade sobre a verificação do risco, que o estatuto de depositário autorizado postula, foram manifestamente desconsiderados, o que não pode deixar de ser tido como negligência grave.
Não se nega, bem pelo contrário, que a não fixação de limites quantitativos para as perdas devidas a caso fortuito ou de força maior, e a sua aplicação a todos os produtos tributáveis, beneficiando qualquer operador que participe no regime de suspensão do imposto, como refere a Requerente, citando Sérgio Vasques, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, Coimbra, 2001, p. 311, decorre de uma “[…] exigência elementar de justiça, em face dos princípios que estruturam os impostos especiais de consumo.” Acontece, porém, que para que essa elementar justiça se concretize importa que os pressupostos e condições que para tal são, legalmente, exigidos, se mostrem devidamente satisfeitos, o que, no caso dos autos, não se verifica, face à circunstância de ter havido negligência grave da Requerente.
Nestas circunstâncias, julga-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que se mantém o acto de liquidação que se pretende anular, devendo o mesmo ter-se como validamente praticado e, como tal, mantido na ordem jurídica, não procedendo, por outro lado, igualmente, o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
7.- PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA
O pedido de indemnização por prestação de garantia indevida está dependente do que for decidido sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação, uma vez que, como decorre do disposto no art.º 53º da LGT e no art.º 171º do CPPT, a razão justificativa do direito a tal indemnização radica no prejuízo, presumivelmente, causado ao Requerente pela ilegal actuação da administração tributária.
No caso dos autos, independentemente do preenchimento ou não dos pressupostos legalmente exigidos para o exercício do direito de indemnização, na medida em que não fez, de todo, vencimento o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação do acto tributário de liquidação, o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida é, face ao disposto no nº 1 do art.º 53º da LGT, necessariamente, improcedente.
Nestes termos, e com a fundamentação que se deixa exposta, este Tribunal Arbitral decide:
- Julgar improcedente o pedido de anulação do acto de liquidação relativo, quer ao Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas, no montante de 19.661,72€, referente à perda irreparável de 4.765 litros de aguardente vínica, quer aos juros compensatórios, no montante de 506,36€;
- Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, prestada com vista à suspensão do processo de execução fiscal instaurado;
- Condenar a Requerente a pagar as custas do presente processo.
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex-315º, nº 2) e 97º - A, nº1, alínea a) do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº1 do art.º 29º do RJAT, e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 20.168,08 €.
Custas: De harmonia com o nº 4 do art.º 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.224,00€, a cargo da Requerente, nos termos do art.º 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa.
Lisboa, 29 de Novembro de 2013
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia antiga.)
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