Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 384/2017-T
Data da decisão: 2017-11-21  IRC  
Valor do pedido: € 134.771,88
Tema: IRC - Tributações autónomas - Pagamentos especiais por conta.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Dr.ª Sofia Ricardo Borges, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-08-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede em …, …-…, concelho de…, doravante designada por “A…” ou “Requerente”, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico e do indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentou da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 134.771,88, com a sua consequente anulação nesta parte por afastamento indevido das deduções à colecta.

A Requerente pede ainda o reembolso daquelas quantias, acrescido de juros indemnizatórios contados, no que respeita a € 12.211,01 desde 31-05-2012, e contados no, que respeita aos restantes € 122.560,87, desde 01-09-2012.

Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas (e serem consequentemente anuladas) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso dos mesmos montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados das mesmas datas.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-06-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-08-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-08-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da incompetência material do tribunal arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de recurso hierárquico de acto de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação de IRC e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 02-10-2017, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As partes apresentaram alegações.

O Tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·        Em 30-05-2012, a ora Requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2011, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2011, no montante de € 134.771,88 (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·        Em 06-10-2014, a Requerente apresentou declaração de rendimentos de IRC, Modelo 22, de substituição, que nada alterou a esse respeito (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·        As tributações autónomas referidas reportam-se aos seguintes tipo de gastos:

 

(documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

·        Em 28-05-2015, a Requerente apresentou pedido revisão oficiosa da referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2011, que foi indeferida por despacho de 30-11-2015 da Senhora Directora de Serviços do IRC, manifestando concordância com o anterior projecto de decisão (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·        A Requerente apresentou recurso hierárquico do despacho referido, que veio a ser indeferido por despacho da Senhora Subdirectora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 05-04-2017, notificado em 12-04-2017, através de Via CTT, por ofício de 06-04-2017 (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·        O despacho de indeferimento do recurso hierárquico manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

      2. ARGUMENTOS INVOCADOS NA PETIÇÃO DE REVISÃO OFICIOSA

      Nesta petição o sujeito passivo requereu a restituição do montante de 134.771,88 €, decorrente da falta de dedução à coleta de IRC correspondente ao montante da Tributação Autónoma autoliquidada: dos pagamentos especiais por conta disponíveis, invocando como argumentos:

      2.1. Tanto a AT (Autoridade Tributária) como a jurisprudência arbitral têm vindo a considerar que os encargos suportados com as TA's (tributações autónomas) não são dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro tributável das sociedades ao abrigo da a) do nº 1 do até, 31.12.13, artigo 45º e, atualmente, artigo 23º-A do CIRC.

      2.2. Também tem sido entendimento da jurisprudência arbitral que, as TA's revestem a natureza de IRC, então a requerente absolutamente nada vê na Lei que afaste o abate dos Pagamentos Especiais por Conta dedutíveis à parte da colecta de IRC produzida pelas TA's.

      2.3. Invoca - se ainda o teor da Informação nº 1980/2013 de 04.10 desta DSIRC no qual também se sanciona também o entendimento de que, "as tributações autónomas revestem a mesma natureza do IRC" e no qual apenas se afastam as deduções à colecta das TA's no que respeita aos créditos de imposto por dupla tributação internacional.

      2.4. Na medida em que o pedido de pronúncia colocado à DSIRC, incidia também sobre a dedução de SIFIDE e PEC à colecta das TA 's, e não tendo esta indicado quaisquer limitações neste âmbito, conclui-se que a mesma concorda com a dedução de PEC apurados no próprio exercício, bem como os que não possam ter sido deduzidos em períodos anteriores por insuficiência de coleta e se encontrem ainda disponíveis para dedução, ao valor das TA 's em apreço.

      2.5. No mesmo sentido vem a decisão do Tribunal Arbitrai no processo n.º 769/2014 - T de 08.04, relativo à possibilidade de dedução do SIFIDE aos montantes de TA 's apurados, tendo aquele Tribunal concluído, desde logo, que a "colecta por elas (TA) proporcionada constitui colecta do imposto respectiva estando sujeita à generalidade de normas previstas nos códigos referidos" concluindo que " ele [artigo 90º do CIRC] aplica-se também â liquidação do montante às TA 's."

      2.6. O facto da AT considerar que as TA 's configuram uma medida anti abuso, não deve modificar a conclusão de a coleta desta parte do IRC estar disponível para efeitos de dedução de PEC, pois em outros casos, como por exemplo no de afastamento, para efeitos de determinação do resultado tributável, de custos efetivamente incorridos por lhes faltar o requisito da indispensabilidade (artigo 23º), visando prevenir abusos e promiscuidades com a esfera pessoal e gerando aumento da colecta em IRC, a qual nem por isso deixa de estar disponível para efeitos da dedução dos montantes previstos no artigo 90º do CIRC.

      2.7. Tendo por base o valor de PEC's que se encontravam disponíveis para dedução em 2011, bem como o valor das TA's apuradas, considera a requerente que poderia ter sido deduzido 134.771,88 € a título de PEC, correspondente às TA's apuradas no exercício em causa.

      3. APRECIAÇÃO DA PETIÇÃO DE REVISÃO OFICIOSA

      Nesta apreciação, começa-se logo por referir não ser verdade que a DSIRC se tenha pronunciado em sentido favorável sobre a dedução do SIFIDE e dos PEC's à coleta das tributações autónomas, porquanto na Informação nº 1980/13 de 4 de Outubro, da DSIRC, apenas foi analisada a questão da dedução do crédito de imposto por dupla tributação às derramas (municipal e estadual) e às tributações autónomas.

      Passando à análise da questão decidenda no presente pedido, devemos referir que as tributações autónomas têm um apuramento absolutamente "autónomo" e distinto do apuramento da coleta, processada nos termos do n.º 1 do artigo 90º do CIRC, sendo pacífico que as mesmas tributam certas despesas e encargos específicos e não rendimentos, são impostos que penalizam encargos incorridos pelas empresas, pelo que, apuram - se de forma independente da forma de apuramento da coleta de IRC.

      As tributações autónomas incidem, pois, sobre a despesa legalmente prevista, constituindo cada ato de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não matéria tributável em sede de IRC no final do período tributário respetivo. A taxa de tributação autónoma a aplicar pode variar, não só em função da natureza da despesa incorrida a que se aplica, como do tipo de sujeito passivo (e.g. entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola) que a suportou, bem como do próprio desempenho fiscal do sujeito passivo de IRC ao assumirem percentagens diferentes quando se apura lucro ou prejuízo fiscal.

      De facto, é entendimento da DSIRC que, as tributações autónomas integram o regime do IRC e são devidas a título desse imposto, mas não constituem IRC em sentido estrito.

      Não obstante, as regras que lhe são aplicáveis não devem ser contrárias ao espirito que as determinou, sendo imprescindível avaliar a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido como um todo.

      Ora, conforme conclui a doutrina dominante e a jurisprudência, a tributação autónoma foi criada pelo legislador com o objetivo, por um lado, de incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que concorrem negativamente para a formação do lucro tributável e como tal afetam negativamente a receita fiscal, e por outro, evitar que, através destas despesas as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, que não seriam assim tributados, bem como combater a fraude e a evasão fiscais que tais despesas ocasionam não apenas em relação ao IRC ou IRS, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social (muitas vezes, tais despesas mais não são também do que o pagamento de salários dissimulados).

      A razão de ser da tributação autónoma não está tão só no simples arrecadar de mais imposto, tem antes um carácter antiabuso, no sentido de desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributa, as quais pela sua natureza nomeadamente despesas suportadas que se situam numa zona cinzenta que separa aquilo que é despesas empresarial (produção) daquilo que é despesas privada (consumo).

      Assim, seria contrário ao espírito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do artigo 90º do CIRC, fosse retirado as tributações autónomas esse carácter anti abusivo que presidiu à sua implementação no IRC.

      4. ARGUMENTOS INVOCADOS EM RECURSO HIERÁRQUICO.

      Nesta petição, o sujeito passivo começa por referir os motivos que o levaram a não concordar com o Projeto de Decisão de indeferimento da sua Revisão Oficiosa (audição não exercida aquando desse procedimento) e depois disso, apresenta todos os argumentos que já tinha apresentado anteriormente nessa petição.

      Como esses argumentos são exactamente iguais, julgamos desnecessário repeti-los nesta parte da presente Informação.

      5. INFORMAÇÃO DA DIREÇÃO DE FINANÇAS SOBRE A PETIÇÃO DE RECURSO.

      Nesta informação refere-se que a recorrente apresenta as mesmas alegações que constam do pedido de revisão oficiosa, não sendo trazidos aos Autos, novos elementos capazes de alterar o sentido da decisão proferida.

      Assim sendo, são esses Serviços de parecer que deve ser mantido o acto recorrido.

      6. APRECIAÇÃO DO RECURSO HIERÁRQUICO PELA DSIRC.

      6.1. Tempestividade da petição.

      A recorrente foi notificada do indeferimento da sua revisão oficiosa em 22.12.15 (vide cópia do respectivo aviso de recepção a páginas 80 dos autos).

      Ora, tendo em atenção que o presente recurso hierárquico deu entrada no Serviço de Finanças de … em 15.01,16, mostra - se cumprido o prazo de 30 dias mencionado no disposto do n.º 2 do artigo 66º do CPPT.

      6.2. Análise da matéria.

      Conforme já referido antes, os argumentos apresentados pelo contribuinte nesta petição de recurso hierárquico são em tudo iguais aos expendidos em sede de revisão oficiosa os quais foram já devidamente escrutinados em sede desse procedimento,

      Não obstante, vamos novamente apresentar os fundamentos que levam à AT a considerar que os montantes relativos s tributação autónoma não podem ser considerados para efeitos das deduções referidas no nº 2 do artigo 90º do CIRC,

      Assim temos que, as tributações autónomas, reguladas no disposto do artigo 88º do CIRC, visam tributar certas despesas e encargos específicos incorridos pelos contribuintes e não rendimentos, constituindo cada ato de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não matéria tributável em sede de IRC no final do período tributário respetivo.

      A taxa de TA a aplicar pode variar, não só em função da natureza da despesa incorrida a que se aplica, como do tipo de sujeito passivo (e. g. entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a titulo principal urna actividade comercial, industrial ou agrícola) que a suportou bem como do próprio desempenho fiscal do sujeito passivo de IRC, ao assumirem percentagens diferentes quando se apura lucro ou prejuízo fiscal.

      É entendimento destes Serviços que as TA's integram o regime tio IRC e são devidas a titulo deste imposto, mas não constituem IRC em sentido estrito.

      Assim, desde logo verificamos que o legislador integrou as TA's, efetiva e inequivocamente no regime do IRC conforme resulta do teor do artigo 12" do CIRC e, atualmente, da a) do nº 1 do artigo 23º - A do mesmo código.

      Já o mesmo não resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 90º do CIRC em que, desde logo, não há qualquer referência a TA's, levantando dúvidas quanto à consideração do valor das mesmas para efeitos das deduções previstas no nº 2 do citado artigo 90º.

      Por outro lado, não obstante se poder considerar que elas revestem a mesma natureza do IRC, torna - se essencial para a resolução desta questão que, as regras que lhe são aplicáveis, não devam ser contrárias ao espirito que as determinou, sendo imprescindível avaliar a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido como um todo.

      Com efeito, as TA's foram criadas pelo legislador com o objetivo, por um lado, de incentivar os contribuintes a elas sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que concorrem negativamente para a formação do lucro tributável e como tal afetam negativamente a receita fiscal, e por outro lado, evitar que, através destas despesas as empresas procedam â distribuição camuflada de lucros, que não seriam assim tributados, bem como combater a fraude e a evasão fiscais que tais despesas ocasionam não apenas em relação ao IRC ou IRS, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais corno dos trabalhadores, para a segurança social (não raras vezes, tais despesas mais não são também do que pagamento de salários dissimulados).

      As tributações autónomas têm um carácter anti - abuso, no sentido de desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributam, as quais, pela sua natureza nomeadamente despesas suportadas que se situam numa fronteira cinzenta que separa aquilo que é uma despesa empresarial (produção) daquilo que é despesa privada (consumo) facilmente desviadas para consumo privado.

      Face ao exposto, seria contrário ao espírito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o nº 2 do artigo 90º do CIRG, fosse retirado às TA's esse carácter anti abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.

      Nestes termos, não podem as mesmas ser consideradas para efeitos das deduções referidas no nº 2 do artigo 90º do CIRC.

      Este entendimento consta de várias Informações efectuadas por esta DSIRC e encontra-se sancionado superiormente.

      Se dúvidas existissem sobre esta matéria, atente - se na recente alteração introduzida pela Lei nº 7 - A/2016, de 30.03, (OE/20.16) ao aditar o nº 21 ao artigo 88º do CIRC, onde, expressamente, consta que "a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado" (natureza interpretativa dada pela mesma Lei).

      Relativamente ao saldo do PEC de anos anteriores, a querer discutir a sua dedutibilidade nas tributações autónomas, o sujeito passivo teria que ter apresentado, caso estivesse em tempo, os pedidos de revisão oficiosa respeitantes a cada uma das liquidações onde os referidos PEC, pagos no respetivo período, não puderam ser deduzidos às correspondentes tributações autónomas no mesmo período.

      De acordo com o antes referido, somos então de parecer que o presente recurso hierárquico deve ser indeferido.

      7. DIREITO DE AUDIÇÃO.

      Tendo em atenção que, para os factos em apreço, o sujeito passivo já foi chamado a exercer o direito de audição mencionado no artigo 60º da LGT em anteriores fases do presente processo e não o tendo utilizado, julgamos poder ser dispensado novo direito de audição, cfr. Ponto 3 da Circular 13/99 da Direcção de Serviços da Justiça Tributária da AT.

 

 

·        O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas, os montantes de pagamentos especiais por conta;

·        Em 22-06-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

No que concerne ao sistema informático, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona o que é afirmado pela Requerente, antes defende que esse é o funcionamento adequado (artigos 155.º e seguintes da resposta).

 

 

3. Excepção da incompetência material do tribunal arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de recurso hierárquico de acto de indeferimento de pedido de revisão oficiosa

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou vinculada à jurisdição arbitral exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, através de reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação, na sequência do indeferimento de um pedido de revisão de actos tributários efectuado após o decurso do prazo de dois anos previstos no artigo 132.º, a que se seguiu recurso hierárquico.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.

Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )

O mesmo sucede com a decisão do recurso hierárquico, expressamente indicada na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT como termo inicial do prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral.

A referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos dos tipos aí referidos.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, do Código Civil proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos dos tipos referidos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º», regime este que é aplicável aos actos de retenção na fonte por remissão do n.º 6 do artigo 132.º do CPPT. Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação ou retenção na fonte e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação ou retenção na fonte é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º e 3 e 6 do artigo 132.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT e no n.º 2 do artigo 54.º da mesma Lei estabelece-se a aplicabilidade à autoliquidação e à retenção na fonte das garantias dos contribuintes previstas no n.º 1, em que se inclui a revisão oficiosa.

E aos actos de autoliquidação, praticados pelo sujeito passivo, são equiparáveis, por mera interpretação declarativa, os de retenção na fonte que são praticados pelo substituto tributário, que é considerado sujeito passivo (artigo 18.º, n.º 3, da LGT).

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que assim não «se entender, tal interpretação ser não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT».

Na verdade, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente os seus termos, que resultam do diploma regulamentar.

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a perfeita concretização desses princípios: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos.

No que respeita ao princípio da legalidade, traduz-se no cumprimento da lei, na interpretação que dela for feita pelos tribunais, que se impõe às interpretações dos outros órgãos estaduais (artigo 205.º, n.º 2, da CRP).

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de qualquer crédito. Por outro lado, nem se vê a que crédito se referirá a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que no presente processo, em que estão em causa actos de autoliquidação de imposto que foi pago, não está em causa a cobrança de qualquer crédito tributário, estando já extinto, pelo pagamento, o que existia antes do pagamento e nem sequer é alegado que exista qualquer outro crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação à Requerente relacionado com a autoliquidação em causa.

Para além disso, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários aplica-se à Administração e não aos Tribunais, como entendeu o Tribunal Constitucional, na esteira da generalidade da doutrina. ( [4] )

Improcede, assim, esta excepção de incompetência, com fundamento na não apresentação de reclamação graciosa da autoliquidação.

Essencialmente neste sentido, relativamente a actos de autoliquidação, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, proferido no processo n.º 08599/15.

 

 

4. Matéria de direito

 

A Requerente defende que tem direito a deduzir os valores pagos a título de pagamento especial por conta à colecta de IRC produzida por tributações autónomas no exercício de 2011.

O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas os montantes de pagamentos especiais por conta.

A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação efectuada com base na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2011, defendendo que poderiam ser deduzidas aos montantes devidos a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta.

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido de revisão oficiosa, na sequência do que a Requerente interpôs recurso hierárquico, que foi indeferido.

A questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se são dedutíveis às quantias devidas a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta.

A Requerente formula um pedido subsidiário, para o caso de se entender que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, pedindo que seja anulada a autoliquidação do período de tributação de 2011, na parcela correspondente às tributações autónomas, por terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito.

Começar-se-á por apreciar esta questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, pois da sua solução depende a apreciação da questão da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta daquelas tributações autónomas.

 

4.1. Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/2010)

4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

Como se referiu, na decisão do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «o art. 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas», «existindo uma forte incompatibilidade entre aquela figura e este artigo».

Porém, no presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que é errada esta interpretação, ao dizer nos artigos 38.º e 39.º da sua Resposta:

 

95.º

Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:

(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e

(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.

96.º

Donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.          

 

Sendo assim, conclui-se que não há sequer controvérsia entre as Partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência quanto à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, entendendo que ela não se verifica em relação à colecta do IRC que resulta das tributações autónomas.

De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ([5])

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e é com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, como bem refere a Requerente ao formular o seu pedido subsidiário, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base nos elementos de que a administração fiscal disponha», que seguramente abrangerá a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

4.2. Questão da dedutibilidade às quantias devidas a título de tributações autónomas das quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta

 

A única razão pela qual a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, nas decisões do pedido de revisão oficiosa e do recurso hierárquico, que os pagamentos especiais por conta não são dedutíveis à colecta de tributações autónomas foi a de entender que estas não integram a colecta de IRC.

Como já ficou referido, no presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu que «a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto», sendo «apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma» (artigo 95.º da Resposta).

Disse ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 96.º da Resposta que «o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto».

Esta posição não tem fundamento consistente, nem é indicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer disposição legal que lhe forneça o mínimo de correspondência verbal necessário para admissibilidade de uma interpretação.

Antes do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação, teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 90.º.

Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.

A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º». ([6])

O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.

Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.

            Assim, em face do preceituado na alínea c) [7] do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade da colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.

            Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado ([8]), que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um inverso crédito desta em relação ao contribuinte.

            Ainda por outro lado, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas e encargos, ou mesmo, no caso da tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º, com uma forma complementar de tributar directamente lucros.

            De qualquer forma, como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

 (...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

            Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas ou encargos suportados, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ([9])

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar o pagamento de IRC.

Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas ([10]), também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.

Por isso, a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014 é a da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas.

Mas, também não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta, que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, poder-se-ia aventar uma interpretação restritiva, relativamente ao pagamento especial por conta, no sentido de que não ser dedutível à colecta das tributações autónomas, como se entendeu na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T, que invoca ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º»:

 Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 93º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.

Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.

Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 93º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.

 

Este facto de o pagamento especial por conta ter por finalidade primacial evitar evasão fiscal, tendo por base, na perspectiva legislativa, suspeita de que o lucro tributável que resulta da declaração de rendimentos é inferior ao real (o pagamento especial por conta é, ele mesmo, uma forma de tributação autónoma, não sendo calculado com base no lucro tributável, mas com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, nos termos do n.º 2 do artigo 106.º do CIRC) permite concluir que se visa com ele atingir um objectivo que se sintoniza e é cumulável com a finalidade das restantes tributações autónomas, para além de a existência destas em nada afastar aquela suspeita: a existência de colecta de IRC gerada por tributações autónomas não permite deixar de suspeitar que o lucro tributável é inferior ao real e que há evasão fiscal.

Por isso, seria incongruente que pudessem ser deduzidos à colecta de IRC gerada pelas tributações autónomas os montantes não recuperáveis dos pagamentos especiais por conta por insuficiência de lucro tributável, já que, na perspectiva legislativa, mantêm-se as razões para suspeitar que o que resulta a declaração é inferior ao real. ([11])

O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».

De qualquer forma, pelo que se referiu, a interpretação que veio a ser explicitada neste n.º 21 do artigo 88.º do CIRC era já, quanto aos pagamentos especiais por conta (e diferentemente do que sucedia com os benefícios fiscais), a que deveria ser adoptada anteriormente.

Por isso, independentemente da inconstitucionalidade ou não da interpretação autêntica efectuada pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2015, de 30 de Março, e redacção que deu ao artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reporta aos pagamentos especiais por conta, a pretensão da Requerente de que os pagamentos especiais por conta sejam deduzidos à colecta de tributações autónomas não pode proceder.

Consequentemente, as decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do recurso hierárquico não enfermam de ilegalidade, o mesmo sucedendo com a autoliquidação relativa ao exercício de 2011.

 

5. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios         

 

A Requerente pede o reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

Improcedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da do indeferimento do recurso hierárquico e do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, bem como da autoliquidação, não ocorreu qualquer pagamento indevido, pelo que não há lugar a reembolso da quantia paga nem a juros indemnizatórios (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

 Improcedem assim, estes pedidos.

 

                       

            6. Decisão

 

            Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar improcedente a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

– julgar improcedentes os pedidos principal e subsidiário quanto à declaração de ilegalidade e anulação do indeferimento do recurso hierárquico e do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, bem como da autoliquidação que confirmaram;

– julgar improcedentes os pedidos de reembolso de quantias pagas e de juros indemnizatórios;

– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 134.771,88.

 

            8. Custas

 

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 21-11-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

 

 

(Sofia Ricardo Borges)

(Com a Declaração de voto que segue)

 

Declaração de voto

 

Não obstante acompanhar o sentido da decisão, não acompanhei, na matéria de direito, os segmentos da fundamentação que passarei a indicar, e em geral os contrários ao entendimento que passamos a expôr. Com as razões que seguem e que se alicerçam, em síntese, na seguinte: é nossa opinião que, embora exigidas no âmbito do IRC, as Tributações Autónomas (“TAs”) têm uma natureza distinta deste.

 

Também assim entre os PECs e as TAs. Com efeito, os PECs calculam-se por referência ao volume de negócios e, depois, para efeitos de dedução à Colecta, são considerados por referência ao lucro tributável. Ou seja, têm afinal um funcionamento que é o próprio do cálculo do IRC (Cap. III do CIRC).

 

Ali, em IRC, estamos perante um imposto que incide sobre o lucro, no conceito amplo de rendimento acréscimo – cfr. art.º 3.º do CIRC (no qual se define precisamente a base do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas). Não já assim nas TAs. Estas são devidas por terem sido realizadas pelo Sujeito Passivo (“SP”) determinadas despesas, às quais se aplicam determinadas taxas (tudo cfr. art.º 88.º, Cap. IV do CIRC). E não mais que isto. Aqui, o facto tributário é a despesa. Sendo que o montante assim apurado a título de TA vai simplesmente ser adicionado ao Imposto sobre o rendimento a pagar (v. quadro 10, campo 361, da declaração Modelo 22: “IRC A PAGAR” e, depois, campo 365), num momento em que o mesmo foi já previamente calculado e apurado de acordo com as regras estabelecidas ao longo do Código (e em especial no seu Cap. III - “Determinação da matéria colectável”).

 

Fica também assim clara a razão pela qual os valores pagos (adiantados) pelo SP a título de PECs vão (potencialmente) ser deduzidos à Colecta (e, mais, vão ser posteriormente reembolsados, se for o caso). Enquanto que os montantes pagos a título de TAs não. Não chegam estes últimos, afinal, a ter qualquer relação directa com a Colecta. E também só assim se compreende que em caso de inexistência de lucro tributável (ou, simplesmente, de Colecta, cfr. campos 351/378 da Modelo 22) as TAs continuem a ser devidas. Autonomamente, como a palavra indica. Independentemente de haver ou não “IRC a pagar” (cfr. os próprios termos da declaração Modelo 22).

Mais, tanto é distinta a natureza do IRC (imposto sobre o rendimento) e a das TAs que, no limite, caso o SP tenha prejuízos, não só as TAs continuam a ser devidas, como, mais do que isso, sofrem um agravamento (v. art.º 88.º, n.º 14 do CIRC).

 

Ainda quanto à diferente natureza entre o IRC e as TAs, são a nosso ver esclarecedores os casos quer das sociedades isentas de IRC, quer das sociedades sujeitas a transparência fiscal.

 

Assim, na primeira situação, e cfr. art.º 117.º, n.º 6 do CIRC, estabeleceu o nosso legislador que entidades isentas de IRC (cfr. art.º 9.º) deverão, na eventualidade de terem TAs a pagar, apresentar a declaração Modelo 22 - ainda que isentas de IRC, sublinhe-se (e dispensadas, note-se, de efectuar PECs por força de serem isentas de IRC - cfr. art.º 106.º, n.º 11, al. a ).

Como se conjugaria, num mesmo contribuinte, isenção subjectiva e automática em IRC com sujeição a TAs, senão estando perante realidades de distinta natureza?

 

Por outro lado, estabeleceu também o legislador, quanto às sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal (cfr. art.º 6.º do CIRC) que a sua não tributação em IRC não as desobriga de apresentar, também elas, as declarações próprias dos sujeitos passivos de IRC caso tenham incorrido em despesas sujeitas a TAs (cfr. n.º 9 do art.º 117.º do CIRC). Assim, não obstante os rendimentos gerados na sociedade serem imputados directamente na esfera dos respectivos sócios (a matéria colectável da sociedade é imputada aos sócios no seu rendimento tributável) - pelo que, em regra, não há sequer obrigação declarativa da sociedade em IRC, caso a sociedade tenha incorrido em despesas sujeitas a TA terá, necessariamente, que apresentar as declarações próprias dos sujeitos passivos de IRC, liquidando e declarando, assim, as TAs (que deverão ser “quantificadas no campo 365” - cfr. instruções de preenchimento da Modelo 22) competindo-lhe a ela, entidade sujeita ao regime de transparência fiscal de IRC (cujos rendimentos gerados são, na respectiva esfera, “transparentes” para efeitos de IRC) o pagamento das TAs.

Desacompanhamos, pois, o segmento da fundamentação onde se interpreta o art.º 12.º do CIRC num outro sentido que não o de a natureza das duas realidades (IRC/TAs) ser, precisamente, distinta.

 

Ou seja, a nosso ver as TAs são apuradas, efectivamente, em sede de IRC. Mas são-no por questões práticas, de simplicidade e também porque têm como facto tributário, afinal, despesas que, pelo menos algumas, são consideradas enquanto custos no cálculo do lucro tributável daquele Sujeito Passivo. Sendo que, mesmo esta última relação não imporia, em rigor, que as TAs fossem calculadas juntamente com o IRC.

 

E do facto de o legislador assim o ter entendido fazer – apurá-las em conjunto com o IRC – não decorre que as mesmas passem a ter uma natureza diferente. Elas continuam a ser autónomas, com uma natureza materialmente distinta de um imposto sobre o rendimento e devidas independentemente de ser ou não devido IRC pelo mesmo Sujeito Passivo. Precisamente por se reportarem - IRC e TAs - a factos tributários distintos. O próprio funcionamento em concreto sendo, também ele, diferente: as TAs não deixam, em consequência da já referida opção do legislador, de continuar a ser um imposto de obrigação única, pago a título definitivo e não sujeito a posteriores acertos, calculado por simples operação aritmética de aplicação de uma taxa ao valor de uma despesa; contrariamente ao IRC, que é periódico e de formação sucessiva, calculado por uma série de operações mais ou menos complexas, conforme reguladas pelo legislador ao longo de cerca de noventa artigos do respectivo Código (até ao Cap. IV).

 

Do que vem de se expôr se percebe que a liquidação é feita, por opção do legislador, no âmbito do CIRC, designadamente nos seus art.s 89.º e 90.º. Não vemos, pois, que haja aqui qualquer questão, quanto a ser a liquidação efectivamente processada nos termos do CIRC, nas respectivas declarações para que o Código remete no art.º 90.º, n.º 1. Sendo a declaração Modelo 22 (v. art.ºs 90.º, n.º 1 al. a), 117.º e 120.º do CIRC) a relevante para o efeito, que trata a matéria das TAs cfr. supra aflorado (e nestes mesmos moldes desde que o legislador introduziu as TAs no CIRC em 2010) e que é aprovada nos termos estabelecidos pelo legislador no n.º 2 do art.º 117.º do CIRC.

 

Questão diferente será depois pretender entender-se que o n.º 2 do mesmo art.º 90.º – e, portanto, as deduções que aí se prevêem à Colecta – valem indistintamente para o conteúdo do todo cujo cálculo seguiu os referidos trâmites. Ou seja, e no que ao caso do presente processo respeita, pretender entender-se que os montantes apurados a título de PECs (v. art.º 90.º, n.º 2, al. d)) podem vir a ser deduzidos, também, àquela parte do todo a pagar (do “TOTAL A PAGAR”, nos termos da declaração relevante, campo 367) constituída pelo montante de TAs.

 

A liquidação é feita conforme a al. a) do n.º 1 do art.º 90.º. Mas isso não faz - do montante

 de TA apurado - Colecta no sentido de “Colecta” do campo 351 (ou do 378, caso acresça derrama estadual) da declaração relevante para que aquelas normas (art.º 90.º, n.º 1 al. a) e art.º 120.º) remetem (a Modelo 22). A Colecta que vai levar ao apuramento do IRC a pagar (“IRC A PAGAR”, cfr. campo 361 da declaração) não inclui, de facto, as TAs (campo 365), as quais só depois vêm a ser adicionadas.

 

Nem procederá, em nosso entender, um argumento no sentido de que há um só procedimento de liquidação, neste contexto e, por isso, uma única colecta.

 

Com efeito, liquidação é, simplesmente, a operação aritmética de aplicação de uma taxa à matéria colectável apurada, para determinação do quantitativo exacto de imposto a pagar pelo SP. Ou seja, se é certo que a obrigação de imposto nasce com a verificação do facto tributário, ela apenas se torna líquida mediante um acto procedimental – o acto tributário de liquidação. Ora, a “colecta” de TAs (o montante de TAs a pagar juntamente com o IRC a pagar) é apurada pela soma dos valores resultantes da aplicação das diversas taxas constantes do respectivo artigo (art.º 88.º do CIRC) às despesas que estiverem em causa; valores que, aliás, serão descriminados na Modelo 22, mais adiante, nos campos 13 ou 13-A. Assim sendo, de que tratamos aqui senão de uma liquidação?

E assim se chega à colecta.

 

A colecta das TAs é apenas “chamada” à declaração (e, assim, ao cumprimento da al. a) do n.º 1 do art.º 90.º), aquando do cálculo do imposto, num momento final, como um “mais” que vai somar-se ao valor de IRC (IRC a pagar), já apurado. Mas que se distingue, pois, da “Colecta” de IRC (campo 351). Assim, não só a natureza das TAs é distinta, como, coerentemente, a respectiva colecta é, também ela, distinta. Distinta, pois, da colecta para que o legislador pretendeu remeter no n.º 2 do art.º 90.º. De onde também, em nosso entender, os PECs não são passíveis de abatimento às TAs.

 

Voltando ao caso das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, por elucidativo a nosso ver, note-se como as deduções à colecta do art.º 90.º, n.º 2 acompanham a matéria colectável, sendo efectuadas na esfera dos sócios por referência à respectiva imputação dos rendimentos (cfr. art.º 90.º, n.º 5), permanecendo a colecta das TAs à parte, na esfera daquelas entidades e sem sujeição a quaisquer acertos posteriores.

 

Ademais, não deixamos de reconhecer nas TAs o objectivo do legislador de desincentivar práticas menos verdadeiras de redução do lucro tributável por recurso a despesas que potencialmente se relacionam com outros fins que não os da actividade da empresa. Ou, visto por outro prisma, um objectivo de penalização, com o mesmo enquadramento. Como facilmente se depreende atentando no regime das TAs desde a sua criação. Constatação esta que nos leva também, por outro lado, a não ver senão como próprio do respectivo regime que o montante das TAs não possa vir depois a ser utilizado para (por essa outra via, e “à custa” das mesmas despesas) reduzir o lucro tributável. Ou seja, que não possam elas ser consideradas para dedução na determinação do lucro tributável, cfr. expressamente consagrado pelo legislador em 2014 (LOE para 2014) no art.º 23.º-A, e a nosso ver já decorrente (até 1 de Janeiro de 2014) do anterior artigo 45.º, n.º 1 al. a), em conjugação com o art.º 23.º, n.º 1, al. f), todos do CIRC.

 

Não acompanhamos pois, sempre com todo o devido respeito, o segmento da fundamentação em que se interpreta o art.º 23.º-A do CIRC noutro sentido que não o de que o legislador sentiu necessidade de expressamente referir as TAs como não sendo dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável precisamente por elas terem uma natureza distinta do IRC.

 

Se quiséssemos usar as premissas a que a Requerente recorreu na sua argumentação, concluiríamos dizendo que TA não é IRC, logo PEC não é dedutível à colecta de TA.

 

É este o nosso entendimento.

 

Em conformidade com tudo o que ficou exposto, não vemos na alteração legislativa operada pela Lei n.º 7-A/2016 uma possível questão de inconstitucionalidade. Isto é, a nosso ver, o novo n.º 21 do art.º 88.º não veio senão consagrar expressamente aquilo que já derivava da interpretação sistemática das normas em vigor até então.

 

No mesmo sentido que defendemos, da diferente natureza das TAs em face do IRC, veja-se, na Doutrina e entre outros, Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, 3.ª Ed., Almedina, 2016, pp. 170-172 e “Apontamentos ao IRC”, Almedina, 2007, pp. 202-205; Casalta Nabais “Direito Fiscal”, 8.ª edição, Almedina, 2015, pp. 541-542 e “Introdução ao Direito Fiscal das Empresas”, 2.ª Ed., Almedina, 2015. pp. 175-176; Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal”, Almedina, 2015, pp. 228 e ss.

 

Por fim, não desconhecemos haver mais recentemente numerosa jurisprudência arbitral no sentido oposto àquele que seguimos. Contudo há também vasta jurisprudência, quer arbitral, quer dos demais Tribunais, no sentido do entendimento que defendemos. Vejam-se, a título de exemplo, os seguintes Acórdãos: (i) no CAAD nos processos n.º 785/2015-T, n.º 722/2015-T (e o voto de vencido no n.º 5/2016-T, Conselheira Fernanda Maçãs), n.º 697/2014-T, n.º 113/2015-T e n.º 670/2015-T (relativamente à questão da dedutibilidade dos PECs à colecta das TAs); (ii) do STA, Acórdão de 27.09.2017, no processo n.º 146/16, Acórdão de 31.03.2016, no processo n.º 505/15, Acórdão de 17.04.2013, no processo n.º 166/13, Acórdão de 21.03.2012, no processo n.º 830/11; Acórdão de 12.04.2012, no processo n.º 77/12; (iii) do Tribunal Constitucional, Acórdão n.º 197/2016 de 13.04.2016, no processo n.º 465/15; Acórdão de de 19.12.2012 no processo n.º 617/2012, Acórdão n.º 18/2011 (e o voto de vencido no Acórdão n.º 18/2011, Conselheiro Vítor Gomes).

 

 

 

Sofia Ricardo Borges

 

 

 

 

 

 



[1]              Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[2]              BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

[3]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

[4]                             Acórdão n.º 177/2016, de 29-3-2016, processo n.º 126/15.

[5]              O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[6]              Com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedução das quantias pagas a título de pagamento especial por conta podem ser deduzidas até ao até ao 6.º período de tributação seguinte.

[7]              Alínea d) desde 1 de Janeiro de 2014 (cfr. Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro).

[8]              Neste sentido, pode ver-se CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009, processo n.º 0926/08, e de 13-5-2009, processo n.º 0927/08.

                No mesmo sentido, FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, 3.ª edição, página 45.

[9]              Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».

[10]            À face do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, se não houvesse colecta de IRC suficiente para deduzir os pagamentos especiais por conta até ao quarto período de tributação subsequente, o reembolso apenas poderia ocorrer se se verificassem as condições previstas nesse n.º 3 do artigo 93.º do CIRC: não haver afastamento, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10 %, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças e a situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação.

[11]                           A situação é, assim, absolutamente diferente da dedução de benefícios fiscais à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, pois neste caso, as finalidades extrafiscais visadas com os benefícios fiscais estão em dissonância e prevalecem sobre as finalidades das tributações autónomas.