Acórdão Arbitral
I – Relatório
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A contribuinte “A…– Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.”, com o NIPC … (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 29 de Abril de 2017, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").
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A Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo (doravante, “IS”) e juros compensatórios nº 2016…, referente ao exercício de 2015, com o valor global de €350.590,28. A Requerente pede a anulação de tais atos tributários e a indemnização, acrescida de juros, correspondente aos montantes indevidamente gastos com a constituição de uma garantia bancária no valor de €443.251,80 (e ainda a condenação em custas “e em procuradoria condigna”). Subsidiariamente, pede a anulação parcial da liquidação na parte referente a juros compensatórios no valor de €18.706,35.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16 de Maio de 2017.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 29 de Junho de 2017.
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O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 14 de Julho de 2017; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
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Nos termos dos nºs 1 e 2 do artº. 17º do RJAT, foi a AT notificada, em 14 de Julho de 2017, para apresentar resposta.
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A AT apresentou a sua Resposta em 29 de Setembro de 2017, juntamente com o Processo Administrativo.
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Nessa Resposta a AT alega, em síntese, a total improcedência do pedido da Requerente.
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Por despacho de 5 de outubro de 2017 foi dispensada a realização da reunião prevista no artº. 18º do RJAT e fixado prazo para alegações das Partes.
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O mesmo Despacho Arbitral de 5 de outubro de 2017 estabeleceu a data de 30 de Novembro de 2017 como limite para a prolação e notificação da decisão arbitral.
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A Requerida apresentou em 9 de outubro de 2017 um Requerimento em que comunicou dispensar alegações, reiterando o aduzido em sede de Resposta e reservando-se o direito de responder a qualquer questão nova suscitada pela Requerente em Alegações.
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A Requerente apresentou em 24 de Outubro de 2017 as suas alegações escritas.
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O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de exceção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.+
II – Fundamentação: a matéria de facto
II.A. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão
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Como Sociedade Gestora de Fundos de Pensões (doravante, “SGFP”), a Requerente é uma instituição que se dedica à constituição, administração, gestão e representação de Fundos de Pensões, nos termos dos arts. 32º segs. do Decreto-Lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro (alterado e republicado pela Lei nº 147/2015, de 9 de Setembro).
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A Requerente cobra, aos Fundos de Pensões que gere, comissões que remuneram os seus serviços de gestão e administração.
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A Requerente foi objeto de uma acção inspetiva por parte da Direção de Finanças de Lisboa (credenciada pela Ordem de Serviço OI2016…), concluída por Relatório Final da Inspecção Tributária (doravante, “RIT”), na sequência da qual foi decidida, após audição prévia da Requerente (solicitada por ofício nº…, de 21 de Novembro de 2016), uma correção em sede de IS, por se considerar que essas comissões de gestão respeitam a serviços financeiros sujeitos a IS nos termos da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo (doravante, “TGIS”).
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Em resultado dessa correção, a Requerente recebeu a nota de liquidação de IS e juros compensatórios nº 2016…, referente ao exercício de 2015, com o valor global de €350.590,28, com prazo de pagamento voluntário a terminar a 20 de Fevereiro de 2017.
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A Requerente não efetuou esse pagamento e para obstar à prossecução do respetivo processo executivo nº …2017…, constituiu, em 24 de Março de 2017, uma garantia bancária no valor de €443.251,80.
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A Requerente apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral em 29 de Abril de 2017.
II.B. Factos que se consideram não provados
Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar.
III – Fundamentação: a matéria de Direito
III.A. Posição da Requerente
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A Requerente sustenta que não era devido o montante de €350.590,28 de IS e juros compensatórios, liquidado em consequência da correção em sede de IS.
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Isto porque a Requerente contesta essa correção que resultou da ação inspetiva, e em particular o entendimento que lhe subjaz, o de que as comissões de gestão respeitam a serviços financeiros sujeitos a IS nos termos da Verba 17.3.4 da TGIS.
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Tal entendimento seria baseado na informação nº I2014… da DSIMT (Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais), de 10 de Novembro de 2014, e no parecer nº 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros.
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Mas, sustenta a Requerente, esse entendimento colide com a doutrina administrativa vigente no seio da AT relativamente ao tema em análise, vertida em Despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, de 17 de Março de 1999.
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Centrando-se em primeiro lugar no quadro legal, e especificamente na análise do art. 7º, 1, e) do Código do Imposto de Selo (doravante, “CIS”), a Requerente entende que, de todas as interpretações possíveis do preceito (na redação dada pela Lei nº 107-B/2003, de 31 de Dezembro), nenhuma apoia a restrição adicional que a AT pretende aplicar-lhe, que é a de considerar que a isenção só abrange comissões cobradas por operações de concessão de crédito, deixando de fora as comissões de gestão ou administração cobradas pelas entidades gestoras de fundos de pensões.
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Isto porque a referência às comissões está separada da referência à utilização de crédito pela expressão “e bem assim”, significando que o regime se aplica às comissões, mesmo quando não relacionadas com a utilização de crédito concedido por instituições de crédito.
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Analisando de seguida a verba 17 da TGIS, a Requerente lembra que nela aparecem elencadas as operações financeiras referidas no art. 7º, e) do CIS, e que no seu entender a evolução da norma de isenção (isto é, as sucessivas redações da verba 17 da TGIS) se tem adequado à evolução da norma de incidência (ou seja, as sucessivas redações do art. 7º, 1, e) do CIS), o que, infere, reforçaria a interpretação ampla que ela perfilha quanto ao âmbito de isenção.
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A Requerente alega que a informação e o parecer aos quais a decisão de correção da liquidação foi buscar os seus fundamentos não consideraram adequadamente a evolução normativa, pelo que assentam na pressuposição de que está em vigor um regime (o do anterior art. 6º, 2, do CIS, que excluía da isenção as operações apenas indiretamente destinadas à concessão de crédito por instituições financeiras, e que foi revogado há muito, nomeadamente pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, e pela Lei nº 107-B/2003, de 31 de Dezembro).
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A Requerente lembra que a redação inicial do art. 6º, do CIS (atual art. 7º) apontava para um regime amplo de isenções, não distinguindo entre operações direta e indiretamente relacionadas com a concessão de crédito por instituições financeiras; e que foi só temporariamente que se introduziu essa distinção, estabelecida pelo art. 37º, 2 da Lei nº 30-C/2000, de 29 de Dezembro, mas logo suprimida pelo art. 30º da Lei nº 32-B/2002, de 31 de Dezembro.
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Teria, pois, sido repristinada a isenção ampla no art. 7º, 1, e) do CIS, ou seja, a que se aplica a todas as comissões relativas a serviços financeiros, cobradas entre instituições financeiras, abrangendo, por isso, as comissões relativas a serviços financeiros cobradas ao Fundos de Pensões pelas SGFP. Isso implicaria igualmente a integração de tais operações no âmbito objetivo de incidência da verba 17.3.4 da TGIS.
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A Requerente sublinha ainda que a interpretação ampla decorre da equiparação, a instituições financeiras, das entidades gestoras de fundos de pensões, operada pela Diretiva 2003/41/CE, do Parlamento e do Conselho, de 3 de Junho de 2003 – um quadro normativo a que a lei fiscal portuguesa se tem adequado.
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A Requerente alega que a introdução de um novo nº 7 ao art. 7º do CIS (pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março) vem reforçar o seu entendimento sobre o regime aplicável, porque, ao estabelecer-se o “carácter interpretativo” dessa nova redação restritiva do art. 7º do CIS (por força do art. 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março), se violou o princípio da não-retroatividade (consagrado no art. 103º, 3 da Constituição) e se feriu o princípio da confiança e a segurança jurídica, o que torna inaceitável a tentativa de repristinação – com efeito retroativo – de uma norma que tinha deixado de vigorar em 1 de Janeiro de 2003.
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Depois de analisar o quadro legal, a Requerente faz incidir os seus argumentos sobre a orientação perfilhada no Despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, de 17 de Março de 1999, e que, no seu entender, estaria agora a ser violada, em contravenção do princípio, consagrado no art. 68º-A da LGT, da vinculação da AT às suas próprias orientações genéricas (a que a Requerente associa um sentido muito amplo, que extravasa do mero âmbito de circulares e regulamentos) – o que, sustenta, constituiria causa autónoma de ilegalidade do ato tributário em que se consumasse essa violação.
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Defendendo que as orientações genéricas publicitadas pela AT não caducam e se mantêm em vigor até à sua revogação, que só opera para o futuro, a Requerente infere que toda a interpretação que seja conforme a essas orientações genéricas, enquanto elas duram, tem a seu favor uma presunção de plausibilidade e boa-fé, não sendo exigível ao contribuinte, portanto, outra demonstração que não a dessa conformidade.
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Ora, alega a Requerente, o Despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, de 17 de Março de 1999, amplamente divulgado no sector financeiro, veiculava que as comissões de gestão cobradas pelas SGFP não estão abrangidas na incidência do IS – e essa orientação genérica, não tendo sido revogada, continua em vigor, sustentando a Requerente que nem mesmo a mudança de legislação veio alterar substantivamente a realidade a que se reportava aquela orientação genérica de 1999.
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A Requerente reconhece que a mera gestão de fundos de pensões não constitui materialmente qualquer serviço financeiro, mesmo quando o elemento subjetivo pudesse sugerir o contrário (pelo facto de a gestão ser eventualmente assegurada por uma instituição de crédito ou por uma sociedade financeira).
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Por maioria de razão, infere que a gestão de fundos de pensões não é um serviço financeiro, mesmo apesar de as SGFP serem qualificadas como instituições financeiras. Para a Requerente, as SGFP são sociedades financeiras porque representam os Fundos, mas não em função dos serviços que prestam, sendo que especificamente a gestão dos fundos de pensões não é considerada, nem sequer para efeitos estatísticos, um serviço financeiro.
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Isso, no entender da Requerente, torna menos sustentável ainda a inflexão operada pelo Parecer nº 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, que, contra a orientação genérica plasmada no Despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, de 17 de Março de 1999, pretende ampliar a incidência do IS aos serviços que, não sendo materialmente financeiros, mantêm contudo uma conexão com uma atividade financeira, como é o caso de atividades auxiliares como as de gestão dos fundos de pensões.
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Isso, sustenta a Requerente, só valerá para operações das SGFP que tenham correspondência com algum tipo de incidência nas verbas 17.3.1 a 17.3.4 da TGIS, como será o caso da concessão de crédito e correspondente cobrança de juros, ou a prestação de garantias e a correspondente cobrança de comissões.
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Não assim a cobrança de comissões por contrapartida da mera atividade de gestão, que a Requerente insiste não serem comissões relativas a serviços financeiros, como terá ficado estabelecido pelo Despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, de 17 de Março de 1999.
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Subsidiariamente, a Requerente lança mão de um outro argumento: o de que, mesmo que as referidas comissões fossem legitimamente consideradas como relativas a serviços financeiros, ainda assim deveriam considerar-se isentas por força do art. 7º, 1, e) do CIS, por serem praticadas e cobradas entre instituições financeiras – insistindo a Requerente que as SGFP são instituições financeiras, isto não obstante o art. 6º, 3 do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) estabelecer expressamente o contrário – porque, no entender da Requerente, essa exclusão é válida somente para efeitos de aplicação daquele específico diploma, tanto que ela é contrariada pela caracterização da SGFP como “instituições” pela Diretiva 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho de 2003, transposta pelo Decreto-Lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro.
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Por outro lado, a não-extensão às comissões de gestão das SGFP dos regimes de isenção previstos no Decreto-Lei nº 20/86, de 13 de Fevereiro, e no Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, permite à Requerente deduzir que essa aparente omissão se deve na verdade ao reconhecimento, pelo legislador, da natureza não-financeira dos serviços prestados na gestão dos Fundos de Pensões: não estando, por isso, esses serviços sujeitos a IS, não havia necessidade de consagrar expressamente a respectiva isenção.
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Aliás, acrescenta a Requerente, entender-se de outro modo seria atentar contra o princípio da neutralidade, porque, a serem tributadas em IS as comissões de gestão cobradas pelas SGFP, isso constituiria um incentivo à subcontratação das operações de gestão a entidades terceiras, em relação às quais deixaria de se colocar a hipótese de incidência do IS.
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A Requerente pondera ainda as implicações do quadro comunitário aplicável aos fundos de pensões e às suas sociedades gestoras, concluindo que nesse âmbito estas são consideradas como sociedades de capitais, aplicando-se-lhes as regras do mercado interno de capitais, e especificamente a proibição de qualquer tributação indireta sobre entradas de capital.
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A finalizar o seu Pedido, a Requerente reclama a indemnização dos montantes despendidos com a constituição da garantia bancária, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos e com os fundamentos dos arts. 43º e 55º da LGT e do art. 171º do CPPT (e ainda a condenação “em custas e em procuradoria condigna”).
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Subsidiariamente, e para o caso de se concluir que não há isenção, a Requerente reclama que não sejam exigidos juros compensatórios, por falta do elemento de culpa censurável que seja atribuível à sua conduta, anulando-se a liquidação do respectivo montante, de €18.706,35.
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Em Alegações, a Requerente retoma, no essencial, os argumentos já aduzidos no seu Pedido de Pronúncia Arbitral.
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Reitera que as pretensões da Requerida assentam em legislação expressamente revogada – especificamente o art. 37º, 3 da Lei do OE de 2001, revogado pela redação conferida ao art. 6º (actual 7º) do CIS pelo art. 30º da Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE de 2003); a qual, no entendimento da Requerente, teria reposto o regime anterior à Lei nº 30-C/2000.
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Reitera que entende inconstitucional, por violação do princípio da não-retroatividade da lei fiscal e por violação do princípio da confiança, os arts. 152º e 154º da Lei do OE de 2016, ao aditarem um novo nº 7 ao art. 7º do CIS, ao disporem que a redação desse nº 7 do art. 7º do CIS tem carácter interpretativo, e ao criarem por essa via um encargo fiscal que não se podia prever e com o qual não se podia contar.
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Reitera que existe uma contradição com a orientação genérica perfilhada no Despacho de 17 de Março de 1999, do Subdirector-Geral dos Impostos (que entendia não estarem abrangidas na incidência do IS as comissões de gestão cobradas pelas SGFP, e que a Requerente defende que ainda está em vigor, por não ter sido revogada e ser compatível com toda a legislação posterior), violando-se dessa forma o disposto no art. 68º-A da LGT.
III.B. Posição da Requerida
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Na sua resposta, a AT mantém o entendimento de que as liquidações controvertidas consubstanciam uma correta aplicação do Direito, não enfermando de qualquer vício, seja por violação da lei, seja do próprio direito da União Europeia.
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A Requerida começa por rebater o entendimento de que haja uma não sujeição das operações a IS por via da qualificação das operações em causa, ou que, havendo uma sujeição, se aplique a isenção constante do art. 7º do CIS.
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A Requerida remete para as conclusões do RIT, no qual se demonstrava já que, não estando as operações em apreço sujeitas a IVA [nos termos do art. 9º, 27, g) do Código do IVA], se lhes aplica o IS por mera interpretação dos nºs 1 e 2 do art. 1º do CIS (sendo sabido que o primeiro pressuposto da incidência objectiva de IS é a não-sujeição a IVA, dada a concorrência dos dois tributos).
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Será assim aplicável a taxa de 45% de IS prevista na verba 17.3.4 da TGIS.
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E não tem cabimento a aplicação ao caso das isenções previstas no art. 7º, 1, e) do CIS, sobretudo porque, para dissipar todas as dúvidas e controvérsias, o legislador inseriu um novo número, o nº 7, no art. 7º do CIS, com carácter interpretativo, e que, ao definir mais precisamente o âmbito das isenções, claramente exclui delas a situação em apreço.
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Por outro lado, a Requerida faz notar que, ao pretender discutir a caracterização das operações em causa como operações financeiras, a Requerente se enreda em contradições: porque por um lado aceita e invoca a sua qualificação como instituição financeira, mas não quer com isso preencher os requisitos de natureza objetiva e subjetiva que, com enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS, determinam a sujeição a IS, sem isenção.
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Ora, insiste a Requerida, a natureza de instituição financeira, que a Requerente não questiona, faz aplicar em pleno, ao caso, a conjugação do art. 1º do CIS com as verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS.
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Lembra a Requerida que o art. 3º, 1, f) da Lei nº 25/2008, de 5 de Junho [hoje o art. 3º, 1, j) da Lei nº 83/2017, de 18 de Agosto], estatuía que as SGFP eram entidades financeiras
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Lembra também a Requerida que, para efeitos do art. 2º-A, z), ii) do RGICSF (Decreto Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro), as SGFP são verdadeiras “sociedades financeiras”, tanto assim que o art. 6º, 3 do mesmo diploma se dá ao trabalho de afastá-las do regime estabelecido no próprio diploma (regime prudencial, supervisão do Banco de Portugal) – sem negar, contudo, a sua natureza, o que faz com que as SGFP sigam de perto o regime geral das instituições financeiras (o que, no entender da Requerida, é comprovável pela análise do regime estabelecido pelo Decreto-Lei nº 12/2006).
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A Requerida aduz um argumento suplementar para reafirmar essa natureza de “instituições financeiras” das SGFP: é que o Decreto-Lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro, prevê que a atividade das SGFP possa ser exercida também por empresas de seguros do ramo “vida” que possuam estabelecimento em Portugal; e, quanto a estas, não há dúvida de que são instituições financeiras, como resulta do art. 8º do Decreto-Lei nº 94-B/98, de 17 de Abril.
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A Requerida multiplica os exemplos de normas de Direito da União Europeia que qualificam como instituições financeiras as entidades que desempenham as funções entre nós assumidas pelas SGFP.
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Para lá de tentar dissipar dúvidas quanto à natureza financeira das SGFP, dos serviços prestados por elas e das comissões cobradas por esses serviços, a Requerida chama atenção para a amplitude da formulação da verba 17.3 da TGIS como norma de incidência.
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Passando à análise da pretensa violação de orientações genéricas da AT, a Requerida afirma que também nesse ponto a Requerente não tem qualquer razão.
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E isso, desde logo, seja porque o contexto normativo de natureza fiscal e financeira mudou radicalmente, desatualizando o Despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, de 17 de Março de 1999; seja porque, no entender da Requerida, tal Despacho não configura qualquer orientação genérica emanada da AT, merecendo essa qualificação somente as que atualmente se encontram elencadas no art. 68º-A da LGT, e que visam todas elas uniformizar interpretações legais.
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A Requerida sustenta que esse Despacho, longe de visar este objetivo, procurou somente dar resposta a uma situação em que o que estava em causa eram, não comissões cobradas pelo gestor e administrador de fundos de pensões (uma SGFP), mas somente comissões cobradas pelo depositário desses fundos (um Banco). A resposta constante do Despacho nem sequer foi convertida em Circular Administrativa, o que, nos termos do art. 68º-A, 3, da LGT, demonstra a falta de intenção de formular uma orientação genérica.
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Houve apenas, infere a Requerida, somente uma informação vinculativa, referente aliás a uma situação distinta daquela ora em apreço; e essa informação vinculativa caducou nos termos do art. 68º, 14, da LGT, especificamente no momento da alteração legislativa que fez entrar em vigor a atual TGIS.
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Passando à análise do argumento de que teriam sido violadas normas de isenção aplicáveis, também aqui a Requerida afirma que a Requerente não tem qualquer razão.
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A Requerida começa por sublinhar a insistência da Requerente no pedido arbitral (mas também, antes, na audiência em processo inspetivo) na aplicabilidade de normas de isenção – o que por si só já implica o reconhecimento de que as operações cabem nas normas de incidência, pois de outro modo nem sequer se colocaria o problema da eventual isenção.
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Especificamente, a invocação, por interpretação extensiva, da isenção prevista no art. 4º do Decreto-Lei nº 20/86, de 13 de Fevereiro, não tem cabimento, porque se trata aí somente de isentar os fundos mobiliários, realidade bem diferente que não consentiria a analogia – impedida pelo carácter excecional que revestem as isenções e os benefícios no quadro geral da tributação [art. 10º EBF].
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A Requerida objeta igualmente à ideia de que as comissões em apreço coubessem na norma de isenção contida no art. 7º, 1, e) do CIS, visto que o que se tem em vista nesse preceito são somente as operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, e não quaisquer outras (sendo que do quadro legal se retira que a isenção só abrange realidades – juros, comissões – em que está pressuposta a prévia concessão de um crédito).
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Por essa mesma razão, acrescenta a Requerida, jamais a AT emitiu qualquer orientação genérica sobre a interpretação do art. 7º, 1, e) do CIS.
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A Requerida enumera ainda diversa jurisprudência de tribunais superiores que converge com a sua própria interpretação, mormente no que respeita à restrição da isenção de IS às comissões cobradas exclusivamente em contrapartida de concessão de crédito.
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A Requerida acrescenta ainda, em reforço do seu entendimento, o aditamento, com carácter interpretativo, do nº 7 ao art. 7º do CIS (pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março), que esclarece essa restrição da isenção a operações diretamente conexas com a concessão de crédito – sendo que o “caráter interpretativo” (para efeitos do art. 13º do Código Civil) pretende estabelecer que foi sempre esse o sentido da norma.
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Significando isso, como realça a Requerida, que uma lei interpretativa não é retroativa, pois ela se limita a esclarecer o que já estava na norma interpretada, nada lhe acrescentando, pois que qualquer inovação extravasaria daquilo que pudesse aceitar-se ser meramente “interpretação”.
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Passando à análise do argumento de que teria sido violado o Direito da União Europeia, novamente a Requerida afirma que a Requerente não tem qualquer razão, mormente quando assevera que se violou uma pretensa proibição de impostos indiretos sobre as SGFP, que resultaria da conjugação do art. 5º, 1, a) da Diretiva 2008/7 CE com a Diretiva 2003/41/CE – pois não se vê qualquer paralelismo entre tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais (que é aquilo que é vedado por aquelas Diretivas) e tributação de comissões cobradas por gestão de fundos de pensões, que é a realidade ora em apreço.
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Não vê a Requerida que haja fundamento para se pedir indemnização por garantia indevida (mais juros indemnizatórios), na medida em que não ocorreu, no seu entender, qualquer erro ou vício que possa conduzir à anulação dos atos de liquidação controvertidos (sendo que, mesmo que tivesse ocorrido alguma dúvida sobre a inconstitucionalidade do novo nº 7 do art. 7º do CIS, a AT, como órgão da Administração Pública, não teria competência para deixar de aplicar, com esse argumento, aquela norma ou quaisquer outras normas pertinentes).
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Mais ainda, a Requerente nem sequer indicou qual o montante dos custos em que incorreu para contratar a garantia bancária.
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Menos ainda vê a Requerida que haja lugar a juros indemnizatórios, porque nos termos dos arts. 53º, 100º e 43º da LGT, e de acordo com jurisprudência firme no STA, a indemnização por encargos suportados com prestação de garantia indevida não comporta o pagamento de quaisquer outras quantias.
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Igualmente, a Requerida não vê fundamento para que proceda o pedido subsidiário formulado pela Requerente, no que respeita à anulação de juros compensatórios, porque se afigura implausível a interpretação em que a Requerente diz ter-se baseado para ter retardado a sua obrigação de liquidação (nomeadamente a interpretação que dava, como aplicável ao caso a título de orientação genérica, o Despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, de 17 de Março de 1999).
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A Requerida conclui a sua Resposta observando que não há qualquer suporte legal para a pretensão, formulada pela Requerente, de uma condenação, em processo arbitral, em custas de parte ou em procuradoria.
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Para lá da improcedência do pedido, subsidiariamente a Requerida pede que, no caso de vir a proceder o argumento de inconstitucionalidade por violação do princípio da não-retroatividade da lei fiscal e por violação do princípio da confiança, por não se aceitar que o aditamento do nº 7 ao art. 7º do CIS tenha natureza interpretativa, seja notificado o Ministério Público da Decisão Arbitral, nos termos e para os efeitos do art. 280º, 3 da Constituição e do art. 72º, 3 da Lei do Tribunal Constitucional (arts. 238 a 240 da Resposta da Requerida).
III.C. O Direito
Questões decidendas
Do Relatório resulta que a matéria de direito compreende as seguintes questões decidendas:
Em primeiro lugar, importa tornar claro o enquadramento fiscal das comissões cobradas pela gestão de fundos de pensões. Impõe-se a determinação, em sede hermenêutica, do conteúdo semântico da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, com o objetivo de esclarecer a natureza jurídica das sociedades gestoras de fundos de pensões e apurar se as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos respetivos fundos de pensões estão sujeitas a Imposto do Selo. Uma resposta positiva a este quesito remete para a segunda questão, que se prende com a saber se tais comissões beneficiam da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.
Uma terceira questão suscitada nos autos consiste em apurar o sentido e o alcance da norma do nº 7 aditado ao artigo 7.º do CIS pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE 2016). Em causa está a alegada natureza interpretativa que o artigo 154.º desta lei adscreve a esse nº 7º e a conformidade com a Constituição da República Portuguesa dos efeitos retroativos que dela supostamente resultariam. Também é trazida à colação a interrogação sobre se a tributação em sede de Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas SGFP aos Fundos de Pensões viola o disposto na Diretiva 3008/7/CE e Diretiva 2003/41/CE. Finalmente, coloca-se a questão de saber se a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.
Assinale-se o que tem sido o entendimento da Jurisprudência desde há muito de que os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr inter alia, Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Junho de 1995 - Recurso nº 5239, in DR/Apêndice de 31 de Março de 1997, pgs. 36-40 e Acórdão do STA, de 23 de Abril de 1997 in DR/Apêndice, de 9 de Out de 1997, p. 1094.
Apreciando as sobreditas questões:
1ª As sociedades gestoras de fundos de pensões e a Verba 17.3.
A primeira das questões decidendas remete para a interpretação da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), onde se consagra a incidência deste imposto (IS) sobre as “[o]perações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras […]”.De acordo com o disposto na Verba 17.3.4 da TGIS, sobre o valor cobrado a título de “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” incide o IS à taxa de 4%.
É neste contexto, de determinação da incidência do IS ao abrigo Verba 17.3 da TGIS, que é pertinente a discussão sobre a natureza jurídica das entidades gestoras de fundos de pensões. Dela depende a questão de saber se as mesmas se reconduzem à incidência subjetiva da Verba 17.3. . É incontornável, neste momento, a determinação do conteúdo semântico da formulação «instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras», da Verba 17.3. Para a realização dessa operação metódica, o artigo 11.º/2 da Lei Geral Tributária (LGT), oferece um importante ponto de apoio, ao prescrever que “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.”
Em face desta disposição, importa analisar o artigo 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). Aí são enumerados os tipos de sociedades financeiras, excluindo-se “para efeitos deste diploma”, as “sociedades financeiras as empresas de seguros, as sociedades gestoras de fundos de pensões e as sociedades de investimento mobiliário e imobiliário” (artigo 6.º/3 do RGICSF). Deste preceito resulta que o RGICSF não é aplicável às SGFP. Porém, isso só por si não impede que estas sejam consideradas “sociedades financeiras” para outros efeitos. O artigo 6º do RGICSF não tem uma preocupação doutrinal, de determinação exaustiva da conotação e denotação dos conceitos de sociedade financeira ou de instituição financeira, mas sim de demarcação do âmbito de aplicação do regime geral em causa. Com efeito, como tem sido salientado por jurisprudência arbitral anterior[1], podemos encontrar instituições financeiras ou sociedades financeiras para além do âmbito de aplicação do RGICSF. Isso mesmo pode ser confirmado através da análise de vários diplomas.
Dispõe o Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento) no artigo 4.º n. 1 § 26, que a instituição financeira é caracterizada como “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º , n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.
Por seu lado, o § 27, do mesmo artigo 4º n.º 1 deste Regulamento (UE) n.º 575/2013 considera “entidade do setor financeiro”: “a) Uma instituição; b) Uma instituição financeira; c) Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição; d) Uma empresa de seguros; e) Uma empresa de seguros de um país terceiro; f) Uma empresa de resseguros; g) Uma empresa de resseguros de um país terceiro; h) Uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros; […]”.
Nos termos deste Regulamento, uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros integra o conceito de “entidade do setor financeiro”.
Como resulta do artigo 13.º, nº 25, da Diretiva n.º 2009/138/CE, do Parlamento e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (reformulação), entende-se por “instituição financeira” qualquer das seguintes entidades: “a) Uma instituição de crédito, uma instituição financeira ou uma empresa de serviços bancários auxiliares, na aceção, respetivamente, dos pontos 1, 5 e 21 do artigo 4.º da Diretiva 2006/48/CE; b) Empresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na aceção da alínea f) do n.º 1 do artigo 212.º; c) Uma empresa de investimento ou uma instituição financeira, na aceção do ponto 1 do n.º 1 do artigo 4.º da Diretiva 2004/39/CE; d) Uma companhia financeira mista, na aceção do ponto 15 do artigo 2.º da Diretiva 2002/87/CE”.
Deste modo, ao abrigo da Diretiva n.º 2009/138/CE, as sociedades gestoras de participações no sector dos seguros são qualificadas de instituições financeiras.
Por sua vez, e este ponto reveste-se de especial relevância para a questão de direito em apreço, a Diretiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho de 2003, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, aponta para a qualificação destas entidades como instituições financeiras, em sentido amplo. Nesse sentido aponta, de forma clara, às referências preambulares (i) à criação de um “mercado interno dos serviços financeiros” tendo em vista permitir “às instituições financeiras desenvolver atividades noutros Estados-Membros e assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores de serviços financeiros” (Considerandos 1 e 2); (ii) à oportunidade da “elaboração de uma diretiva relativa à supervisão prudencial das instituições de realização de planos de pensões profissionais, já que estas importantes instituições financeiras, que têm um papel-chave a desempenhar na integração, eficácia e liquidez dos mercados financeiros, não estão sujeitas a um quadro legislativo comunitário coerente que lhes permita tirar pleno partido das vantagens do mercado único” (Considerando 4); (iii) às instituições de realização de planos de pensões profissionais como “prestadores de serviços financeiros” (Considerando 20).
O Decreto-Lei 12/2006, de 20 de janeiro (entretanto republicado pela Lei nº 147/2015, de 9 de setembro) procedeu à transposição desta Diretiva para o ordenamento jurídico português, tendo aprovado o regime de constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das respetivas sociedades gestoras. O artigo 32.º, n.º 1, deste diploma dispõe que “[o]s fundos de pensões podem ser geridos quer por sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, designadas no presente decreto-lei por sociedades gestoras, quer por empresas de seguros que explorem legalmente o ramo «Vida» e possuam estabelecimento em Portugal”.
Logo a seguir, o artigo 33.º do mesmo instrumento normativo, prevê que “[n]a qualidade de administradora e gestora do fundo e de sua legal representante, compete à entidade gestora a prática de todos os actos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão do fundo, nomeadamente: a) Proceder à avaliação das responsabilidades do fundo; b) Seleccionar e negociar os valores, mobiliários ou imobiliários, que devem constituir o fundo, de acordo com a política de investimento; c) Representar, independentemente de mandato, os associados, participantes, contribuintes e beneficiários do fundo no exercício dos direitos decorrentes das respectivas participações; d) Proceder à cobrança das contribuições previstas e garantir, directa ou indirectamente, os pagamentos devidos aos beneficiários; e) Proceder, com o acordo do beneficiário, ao pagamento directo dos encargos devidos por aquele e correspondentes aos referidos no n.º 4 do artigo 6.º, através da dedução do montante respectivo à pensão em pagamento; f) Inscrever no registo predial, em nome do fundo, os imóveis que o integrem; g) Manter em ordem a sua escrita e a dos fundos por ela geridos”.
Depreende-se dos artigos acima citados que as SGFP se aproximam, do ponto de vista dos requisitos formais e materiais da respetiva atividade, das sociedades gestoras que atuam no setor segurador e ressegurador[2]. As competências das SGFP apontam claramente, como tem sido entendido por jurisprudência arbitral anterior, para o exercício de uma atividade materialmente financeira, o que não pode deixar de ser tido como relevante, considerando os princípios da prevalência da substância sobre a forma e da igualdade material[3]. Tem razão , por isso, o Relatório da Inspeção Tributária quando caracterizou a A…, aqui Requerente, como uma sociedade gestora de fundos de pensões, regida pelo disposto no Decreto-Lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro, o qual regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões e transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais.
Importa lembrar, ainda a propósito, que o artigo 30.º, n.º 1, alínea e), do Código dos Valores Mobiliários (CVM) inclui no rol de investidores institucionais os “fundos de pensões e respetivas sociedades gestoras”, os quais, no âmbito das atividades relativas a instrumentos financeiros, estão sujeitos à supervisão da CMVM [artigo 359.º, n.º 1, alínea d), do CVM], sem prejuízo da sujeição das mesmas entidades à supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). São os elementos materiais recolhidos que devem ser tidos em consideração no momento da aplicação da Verba 17.3 da TGIS, em cujo teor literal se alude a “[…] sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras […]”.
Deve ter-se por boa, por conseguinte, a conclusão segundo a qual as comissões cobradas pelas SGFP aos respetivos fundos se subsumem à incidência do IS, tanto no plano objetivo como no subjetivo. Assim é, na medida em que a verba 17.3 da TGIS prevê a tributação das "operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras", determinando a sub-verba 17.3.4 que estão aí incluídas "outras comissões e contraprestações por serviços financeiros".» Em ambos os polos da relação jurídica encontramos sujeitos compreendidos no campo conceitual e semântico da sub-verba 17.3.2.
Em face do exposto, e acolhendo pelos seus méritos argumentativos, a orientação que já havia sido afirmada nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017 e n.º 667/2016-T, de 20 de junho de 2017, sustenta-se o entendimento de que as SGFP preenchem elemento subjetivo do tipo “quaisquer outras instituições financeiras”, previsto Verba 17.3 da TGIS.
2ª - A isenção do artigo 7º n.º 1 alínea e) do CIS
Impõe-se passar ao tratamento da segunda questão decidenda, respeitante à interpretação e aplicação da isenção contida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo. A redação pertinente, que se encontrava em vigor à data dos factos, foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro. Aí se dispõe: “1 - São também isentos do imposto: […] e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças; […]”
Acolhendo, pelos seus méritos substantivos, a orientação perfilhada pelos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017, n.º 667/2016-T, de 20 de junho de 2017 e, bem assim, nº 9/2017-T, de 30 de agosto, salienta-se que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS assume uma dupla dimensão, subjetiva e objetiva.
As considerações anteriormente desenvolvidas quanto à natureza jurídica das SGFP permitem fundamentar a aplicação da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS ao caso em apreço. Por um lado, as SGFP, como já ficou esclarecido, integram o conceito de “instituição financeira”, entendido este em sentido material. No que concerne aos fundos de pensões, a alínea c) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, na redação em vigor à data dos factos, dispunha que os mesmos consistem no “património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde”, podendo ser qualificados como “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras […]”.
Os fundos de pensões, tal como sucede com as respetivas sociedades gestoras, são considerados investidores institucionais pelo Código dos Valores Mobiliários [artigo 30.º, n.º 1 alíneas e) e f)]. A qualificação dos fundos de pensões como “instituições financeiras” resulta também do n.º 4 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 12/2016, que prevê que “[a]s entidades gestoras realizam todos os seus atos em nome e por conta comum dos associados, participantes, contribuintes e beneficiários e, na qualidade de administradoras dos fundos, podem negociar valores mobiliários ou imobiliários, fazer depósitos bancários na titularidade do fundo e exercer todos os direitos ou praticar todos os atos que direta ou indiretamente estejam relacionados com o património do fundo”. Conclui-se, assim, que os fundos de pensões integram o conceito amplo de “instituições financeiras”, à imagem do que sucede com as respetivas sociedades gestoras.
Já quanto ao âmbito objetivo da norma da alínea e) do nº1 do artigo 7º do CIS, as coisas afiguram-se menos lineares. Coloca-se aqui a questão de saber se o âmbito da norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS se cinge, ou não, a operações e serviços tipicamente bancários, donde ficariam excluídas as comissões cobradas por entidades gestoras de fundos de pensões aos respetivos fundos.
A hermenêutica jurídica, enquanto arte da compreensão, reconhece que a interpretação de uma norma jurídica não pode ser levada a cabo de forma acontextual. Pelo contrário, ela exige que o intérprete esteja na posse de múltiplas subinformações relevantes. Porque assim é, importa atentar com especial atenção para a sucessão de normas no tempo e para as específicas modificações que foram sendo introduzidas no respetivo teor literal.
Importa ter presente que a versão originária do artigo 6.º (atual 7.º) do CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, previa o seguinte:
“1 - Ficam também isentos do imposto:
e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;
f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997;”
Esta versão previa, ainda assim, uma limitação, nos seguintes termos: “2 - O disposto nas alíneas f) e g) não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional.”
O artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro (LOE 2001), introduziu um novo n.º 2 ao artigo 6.º (passando o então n.º 2 a n.º 3), onde se estabelecia que: “2 – O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas”.
Dois anos mais tarde, o artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro (LOE 2013), suprimiu o n.º 2 do artigo 6.º, fazendo cessar os efeitos da respetiva norma no ordenamento jurídico. Foi desse modo afastada a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas entidades referidas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º. Esta é, indiscutivelmente, uma informação hermenêuticamente relevante.
Na sequência da eliminação do n.º 2, os n.ºs 3 e 4 da redação foram renumerados, passando a 2 e 3. Por essa via, o legislador procedeu, por intermédio do artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro, à revogação do n.º 2 do artigo 6.º, que havia sido introduzido pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro. Mediante o artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro, o legislador fundiu as anteriores alíneas e) e f), que deram lugar a uma nova redação da alínea e).
Esta passou a isentar de IS “[o]s juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças”.
Em 2003 foi publicado o Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, no quadro da reforma da tributação do património, tendo o CIS sido alterado e republicado. A alínea e) manteve a redação conferida pelo artigo da 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro, integrando o artigo 7º nº 1 e não o artigo 6º. A redação vigente à data dos factos foi estabilizada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, como se referiu no início da presente epígrafe.
Assim, e conforme é referido nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017, n.º 667/2016-T, de 20 de junho de 2017 e, outrossim, nº 9/2017-T, de 30 de agosto, a sentido razão de ser da fusão das alíneas não teve a ver com a incorporação na nova alínea e) do n.º 1 do expressamente revogado n.º 2 do artigo 6.º, mas sim com a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras. É esse o sentido que imediatamente resulta das alterações introduzidas. As sucessivas alterações legislativas efetuadas parecem refletir uma intenção de diferimento da tributação da concessão de crédito e dos serviços financeiros para o momento da sua aquisição pelos consumidores finais, de acordo com uma lógica de tipo business to consumer (B2C). Independentemente de saber se esta leitura corresponde de facto à vontade autêntica do legislador, a verdade é que, como alega a Requerente (v. § 64 da petição inicial), a mesma não terá sido posta em causa em sucessivas inspeções entretanto realizadas às instituições de crédito. Este último aspeto não pode ser ignorado em sede interpretativa.
Acolhemos por meritória a orientação seguida nos referidos acórdãos quando neles se afirma que a evolução histórica do preceito aponta de forma clara no sentido de que apenas na versão originária e, posteriormente, entre o período em que vigorou a redação dada pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro (que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º), a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo. Ou seja, só aí se verificava uma relação de dependência entre a isenção e o crédito. No que se refere em particular às comissões cobradas a isenção apenas se podia aplicar àquelas que tivessem subjacentes operações destinadas à concessão de crédito, por força da restrição introduzida no mencionado n.º 2 do artigo 6.º.
É também este o sentido derivado da letra do preceito quando a mesma utiliza a expressão “e, bem assim”, a qual, sendo uma locução conjuntiva, significa, de acordo com os principais dicionários de língua portuguesa, “igualmente”, “assim como”, “mais”, “também”, “idem”, “outrossim”, “da mesma maneira”, “do mesmo modo”, apontando claramente, para além de qualquer dúvida razoável, para uma coexistência caracterizada pela autonomia e pela independência. Ou seja, a isenção dos juros e comissões cobradas reveste-se de autonomia e independência com a isenção da utilização de crédito e subordina-se a idêntico regime.
Não se afigura legítimo interpretar a expressão “e, bem assim”, como significando “quando diretamente destinado a”, ou “quando diretamente relacionado com”, na medida em que estas últimas expressões denotam uma relação de subordinação e dependência. Neste mesmo sentido milita o facto de que a expressão “quando diretamente destinado a” tinha sido deliberada e expressamente afastada pelo artigo 30.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro (LOE 2003), quando suprimiu o n.º 2 do artigo 6.
O teor literal e gramatical da alínea e) do artigo 7º é particularmente claro neste domínio, não havendo margem para falar, a respeito do segmento em análise, em polissemia da norma. O direito fiscal, pelos valores de confiança, segurança e certeza jurídicas a que se encontra constitucionalmente e legalmente adscrito, impõe exigências acrescidas no domínio da tipicidade, precisão, clareza e determinabilidade das leis[4]. O texto, com as suas inerentes propriedades linguísticas, continua a desempenhar uma função fundamental de produção e transmissão de sentido e na estabilização das espectativas.
Com efeito, tirando aqueles domínios em que existe uma orientação assumida de combater os abusos nos domínios do planeamento fiscal e da erosão da base tributária e o deslocamento de lucros, como sejam os que convocam as cláusulas gerais e especiais anti-abuso, o elemento literal e gramatical conserva uma relevância central no direito fiscal enquanto fator de criação de estabilidade, previsibilidade e calculabilidade. Por essa razão, o mesmo não é compatível com uma desconstrução hermenêutica dos textos normativos em termos que – desvalorizando os enunciados linguísticos e tornando igualmente admissíveis as mais díspares interpretações – acabem por obliterar a função linguística objetiva de codificação e mediação de sentidos deônticos.
Face ao exposto, conclui-se que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não se cingia, antes da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras.
3ª - A pretensa norma interpretativa introduzida pelo LOE 2016
A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE 2016), através do seu artigo 152.º, aditou ao CIS o n.º 7 do artigo 7.º, que prevê o seguinte: «O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.» O artigo 154.º da LOE 2016 prevê o caráter interpretativo do preceito citado. O legislador adotou, quanto a este ponto, uma técnica legislativa a que vem lançando mão com relativa frequência. Na verdade, a inclusão de “normas interpretativas”, aplicáveis a vários domínios da legislação fiscal constitui uma das notas caracterizadoras do OE 2016. Assim sucedeu, não apenas em sede de IS, mas também no âmbito dos Códigos de IRS, IRC, IMI e PPT.
A figura da lei interpretativa tem um relevo não despiciendo na hermenêutica jurídica, na medida em que, nos termos do artigo 13º n.º 1 do Código Civil, “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada”. Daqui resulta um regime geral de aplicação retroativa da lei interpretativa com efeitos ex tunc, ou seja, retroagindo ao momento da entrada em vigor da lei interpretada. No entanto, o próprio nº1 do artigo 13º deste diploma relativiza este regime geral em benefício da segurança jurídica e da proteção da confiança ao ressalvar “os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.”
Ou seja, o legislador não deixa de reconhecer que a lei interpretativa introduz inovações no ordenamento jurídico, na medida em que encurta o horizonte semântico de possibilidades interpretativas, em termos que, levados às últimas consequências, poderiam por em causa a certeza, a segurança e a paz jurídicas, o que o leva a ceder diante do efeito de res judicata e de outras modalidades de estabilização de espectativas (v.g. chose décidée).
Se isto é assim em sede de regime geral da lei interpretativa, não estão excluídas maiores cedências aos princípios da segurança jurídica e à proteção da confiança em domínio especiais do direito (v.g. restrições aos direitos liberdades e garantias, direito penal, direito fiscal) em que as exigências constitucionais de certeza e segurança adquirem uma especial intensidade, especialmente tendo em conta, no caso do direito fiscal, a consagração de uma proibição expressa de retroatividade no artigo 103º n.º 3 da CRP[5].
Este aspeto é particularmente importante na medida em que as leis interpretativas nunca são absolutamente neutras do ponto de vista semântico. Assim como na física quântica o simples ato de observar um objeto interfere com esse objeto observado, também no ordenamento jurídico a aprovação de uma lei interpretativa interfere com o significado da lei interpretada[6]. A medida de interferência produzida pela lei interpretativa tem que ser substantivamente analisada e valorada do ponto de vista das matérias sobre que incide, dos efeitos benéficos ou lesivos que produz sobre os seus destinatários e da perturbação que provoca nos princípios constitucionais que estruturam o sistema jurídico.
A isto acresce que na qualificação de uma lei como interpretativa o nomen iuris não é absolutamente decisivo. Pode haver leis autoqualificadas como interpretativas que afinal se perfilem como inovadoras, eventualmente propondo um sentido incompatível com a lei interpretada. Do mesmo modo, é igualmente verdade que nem todas as leis interpretativas podem ser tratadas de forma igual. Há sentidos propostos pelas leis interpretativas que se representam mais ou menos próximos do teor literal do texto interpretado e outros que dificilmente serão compatíveis com ele. Do mesmo modo, uns são mais lesivos ou mais benéficos na sua interferência dos direitos ou interesses dos seus destinatários. Tudo isso deve ser avaliado e ponderado em concreto, de acordo com uma abordagem contextual.
Ora, no domínio do CIS, o legislador não se limitou a clarificar o sentido interpretativo de uma norma vigente. Diferentemente, como resulta das considerações anteriormente desenvolvidas, a norma interpretativa contida no n.º 7 do artigo 7.º do CIS reveste-se de caráter inovatório face ao regime jurídico anteriormente em vigor. Com a agravante de essa norma interpretativa ter exumado um sentido que, tendo interrompido um período de não sujeição a imposto de selo das comissões cobradas pela gestão de fundos de pensões[7], havia tido como suporte unicamente a curta vigência no nº2º do artigo 6º do CIS (ex vi artigo 37º/2 Lei nº 30-C/2000), até à sua eliminação pelo artigo 30º da Lei nº 32/2002, cerca de 13 anos antes da aprovação do artigo 154º da LOE 2016. Também aqui diante de uma subinformação relevante em sede hermenêutica, com significado do ponto de vista da regularidade da atuação estadual e da estabilização de expectativas lastradas em investimentos (investment backed expectations).
No domínio do direito fiscal, não se admite que o espírito das leis revogadas possa vir assombrar a interpretação e aplicação do regime jurídico tributário introduzido a par das normas revogatórias durante o período da respetiva vigência – ainda que através da convocação mediúnica por parte de alguns tribunais – e acabar por reencarnar, uns anos depois, no corpo de uma pretensa lei interpretativa. O recurso a essa técnica legislativa poria inevitavelmente em causa a transparência e a acessibilidade que devem caracterizar as normas jurídicas que orientam a conduta dos operadores económicos, ferindo a legalidade tributária e a segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos, que se apresentam como subprincípios do princípio do Estado de direito.
Para se perceber o que realmente está em causa no caso concreto, importa sublinhar, ao jeito de resultado intermédio (Zwischenergebnis), que se está aqui diante de uma suposta lei interpretativa que a) reintroduz no ordenamento jurídico um sentido normativo desprovido qualquer suporte literal e gramatical na lei interpretada; b) esse sentido correspondera expressa e inequivocamente ao teor literal de um preceito já eliminado; c) essa eliminação ocorreu cerca de 13 anos antes da aprovação da suposta lei interpretativa; d) durante esse tempo as comissões de gestão cobradas pelas SGFP’s estiveram isentas de IS em que isso tivesse sido questionado pela AT; e) a lei interpretativa introduziu uma sentido normativo manifestamente desfavorável ao contribuinte e f) procurou dar a esse sentido um efeito retroativo ao abrigo do artigo 13º/3 do Código Civil.
De um modo geral, as regras da hermenêutica jurídica postulam que o resultado interpretativo não pode deixar de ter um mínimo de correspondência na letra da lei (artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil). Ora, como então se observou, não há qualquer fundamento literal na redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS que permita ao intérprete concluir pela limitação da isenção aí prevista às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas na mesma alínea. Com efeito, a expressão conjuntiva e aditiva “e, bem assim”, que veicula um sentido de autonomia e independência, em caso algum pode ser interpretado como significando “quando diretamente ligado a”, ou “quando diretamente relacionado com” em termos que sugiram uma relação de subordinação e dependência.
Não se afigura relevante mencionar, a propósito, o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no processo n.º 02754/08, de 21-09-2010, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0770/15, de 06/17/2016, e, bem assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01630/15, de 06/29/2016, para sustentar a interpretação do preceito em causa. Com efeito, a jurisprudência mencionada não se refere às comissões de gestão cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras e, em geral, as comissões ou outras contraprestações pela prestação de serviços financeiros.
Como se salienta na jurisprudência do CAAD já mencionada, as comissões a que se refere aquela jurisprudência são as comissões cobradas pelo exercício da atividade de mediação de seguros, tributada pela Verba 22.2, distinta da prestação de serviços financeiros abrangidos pela Verba 17.3.4, ambas da TGIS. Deste modo, essa jurisprudência não é relevante para a discussão em causa no presente processo, não podendo ser usada como dicta probandi para corroborar qualquer alegada divergência interpretativa na mediação do conteúdo semântico da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.
Tratando-se de uma alteração legislativa de conteúdo inovatório e de sentido manifestamente desfavorável ao contribuinte, a mesma não pode ter efeito retroativo, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, ínsito no princípio do Estado de direito, conforme resulta do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP[8]. Considera-se, portanto, que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE 2016) veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, de forma inovadora e retroativa, e, como tal, inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade das normas fiscais, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, ínsito no princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos. Mas ainda que se tratasse de uma verdadeira norma interpretativa, não pode ser desconsiderada a proteção constitucional que é garantida ao contribuinte no artigo 103.º, n.º 3, ao proibir-se a retroatividade (autêntica) da lei fiscal. As leis interpretativas podem ser admissíveis e integradas nas leis interpretadas, como se diz no artigo 13º do Código Civil. Mas isso não se alarga necessária e ilimitadamente a domínios como os do direito penal ou do direito fiscal, ou mesmo de restrição de direitos, liberdades e garantias, onde as exigências de legalidade, tipicidade, certeza, segurança jurídica, se afiguram especialmente exigentes.
Estes princípios podem determinar que também no caso das leis interpretativas de leis tributárias a proibição da retroatividade seja particularmente pertinente. A ponderação do elemento literal e gramatical em presença, do sentido proposto pela lei interpretativa, da maior ou menor adequação desse sentido àquele elemento literal e do lapso de tempo ocorrido entre a lei interpretada a lei interpretativa, pode sustentar a conclusão de que a suposta lei interpretativa em causa não em aqui apenas uma natureza declarativa, produzindo ao invés efeitos inovatórios e constitutivos.
Na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstrato possíveis e já acolhidas por outros tribunais, elas implicam, inevitavelmente, uma aplicação retroativa da lei interpretada. Através das normas interpretativas, o Estado vem impedir, a posteriori, que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, alterando o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, em termos que colidem com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos e com a proibição da retroatividade das leis fiscais consagrada no artigo 103º, nº 3, da CRP». Daí que se deva entender que a presente lei fiscal interpretativa com conteúdo inovatório desfavorável ao contribuinte só possa produzir efeitos prospetivos, devendo ser interpretada em conformidade com a Constituição, na linha da orientação recentemente preconizada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n. 267/17 de 31 de maio de 2017. A não ser assim, haveria o risco real e sistémico da proliferação de leis fiscais retroativas disfarçadas de leis interpretativas[9].
Em face do exposto, entendemos que assiste razão à Requerente ao considerar as comissões por si cobradas como isentas de Imposto do Selo, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7º do CIS.
Termos em que procederá o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios objeto do pedido arbitral, por erro de direito quanto ao sentido e alcance dos mencionados preceitos, com a consequente anulação das mesmas.
Ficam, assim, prejudicados o conhecimento dos outros vícios imputados pela Requerente aos atos tributários em causa e demais questões suscitadas para além da seguinte.
4ª A prestação (indevida) de garantia bancária. Indemnização. Juros indemnizatórios
A Requerente prestou garantia bancária no valor de €443.251.80 para suspender o processo executivo fiscal instaurado por falta de pagamento voluntário das liquidações de imposto de selo e juros compensatórios objeto destes autos.
Nos termos do artigo 43º n.º 1 da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Por seu lado, os nºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT, dispõem que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.”, não se aplicando o prazo de três anos “quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
No caso dos autos ocorre a prática pela AT dos atos controvertidos em resultado de erro na interpretação das normas jurídicas em causa, erro esse que apenas é imputável aos respetivos serviços, pelo que não é aplicável no presente processo o prazo de três anos.
O n.º 1 do artigo 171.º do CPPT determina, por sua vez, que “[a] indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”. Prevê o n.º 2 do mesmo artigo que “[a] indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”
Sendo público e notório que pelo serviço de prestação de garantia bancária são pagos encargos/comissões aos Bancos em função, designadamente, do risco, valor e prazo da garantia, há que concluir que, pese embora não ter sido expressamente alegado, a requerente suportou [e certamente continua a suportar] encargos pela manutenção da garantia.
Tendo prestado a garantia pelo valor total das liquidações objeto desta impugnação, custas e demais acréscimos (Cfr artigo 199º-6, do CPPT) e obtendo vencimento nesta ação, estão reunidos os pressupostos que conferem à Requerente direito a indemnização nos termos do citado artigo 53º, da LGT.
Assim, concluindo-se que assiste razão à Requerente no presente processo, esta deverá ser ressarcida dos prejuízos resultantes da prestação indevida de tal garantia.
Certo que não foi concretizado, in casu, o quantum indemnizatório.
Tal, porém, não teria obrigatoriamente de ser alegado porquanto quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata dos danos – Cfr artigo 569º, do C. Civil.
A liquidação da indemnização terá assim de se processar em sede de execução de julgado.
Relativamente ao pedido de juros indemnizatórios, não estão reunidos os pressupostos legais para a formulação de um tal pedido além de que a condenação em indemnização pela prestação de garantia indevida não comporta a cumulação com outros pedidos indemnizatórios, maxime, juros (Cfr artigos 43º-1, 44º e 102º, da LGT e, v. g., Acórdão Arbitral proferido no processo nº 409/2014-T e Acórdãos do STA proferidos nos processos nºs 0215/07 e 013/011).
IV. DECISÃO
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral principal, anulando os atos de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios impugnados;
b) Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada;
c) Condenar a Requerida no pagamento dessa indemnização que a Requerente liquidará em sede de execução de julgador e
d) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 350.590,28.
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
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Notifique-se.
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Notifique-se esta decisão ao Ministério Público enviando cópia da mesma à Procuradoria Geral da República nos termos do disposto no artigo 280º-3, da Constituição e 72º-3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 10 de novembro de 2017
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Presidente)
Jónatas Machado
Fernando Araújo
(vota vencido nos termos da declaração anexa)
Declaração de Voto
SUMÁRIO
1. A Natureza de Instituição Financeira
2. A “Orientação Genérica” de 1999
3. O Conectivo “E, Bem Assim,” do Art. 7º, 1, e) do CIS
4. A Revogação do Regime Instituído na LOE de 2001 pela LOE de 2003
5. O Carácter Interpretativo do nº 7 do Art. 7º do CIS
6. Sobre o Princípio da Confiança
7. Sobre a Retroactividade
8. Devem as Leis Interpretativas Ser Proibidas em Direito Fiscal?
9. O “Loophole” Perfeito?
10. Repristinação e Retroactividade
11. Incidências do Direito da União Europeia?
12. Conclusão
Votei vencido pelas razões em seguida expostas.
Nem todas correspondem a pontos de discordância, e apenas as explicito porque servem de base a outros pontos de discordância efectiva.
1. A NATUREZA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
Afigura-se pacífica a qualificação da sociedade Requerente como Instituição Financeira, o que implica que as comissões por ela cobradas preenchem os requisitos subjectivos e objectivos de sujeição ao IS.
Enquadrando-se na verba 17.3.4 da TGIS, essa sujeição decorre do art. 1º, 1 do CIS.
2. A “ORIENTAÇÃO GENÉRICA” DE 1999
A invocação do Despacho de 1999, do Subdirector-Geral dos Impostos, é totalmente descabida: o Despacho conclui, não pela isenção, como a Requerente pretende sustentar quando invoca a continuidade dessa “orientação genérica”, mas pela não-incidência “tout court”.
É que à data do Despacho (17 de Março de 1999) as Instituições Financeiras ainda não constavam da TGIS (Decreto nº 21916, de 28 de Novembro de 1932, sucessivamente alterado), o que só veio a acontecer mais tarde nesse ano, com a Lei nº 150/99, de 11 de Setembro.
A anterior Verba 120-A da TGIS referia-se exclusivamente a operações financeiras realizadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras, ou com intermediação delas (Lei nº 75/93, art. 31º, 4, e Decreto-Lei nº 162/94, de 4 de Junho), e as “comissões” a que se referiam as als. c), d) e e) dessa Verba 120-A eram exclusivamente as relativas a garantias prestadas ou a financiamentos concedidos – nada equiparável à referência, na nova Verba 17.3.4 introduzida pela Lei nº 150/99, às “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”.
O Despacho (que aliás se referia ao sector bancário, não às SGFP) reporta-se, portanto, a um quadro legal que mudou logo nesse mesmo ano em que foi emitido, caducando os seus efeitos. No anterior quadro, aquele em que foi emitido o Despacho, não havia sequer sujeição a IS, pelo que obviamente não se colocava a questão da isenção. Com a entrada em vigor da Lei nº 150/99 não é mais de não-incidência que se trata, mas sim de incidência – com a eventual isenção (ou não).
Tudo isto é aliás reconhecido, a pp. 26-27, pelo parecer da Doutora Maria Angelina Tibúrcio da Silva, junto pela própria Requerente.
Logo, desmorona-se toda a argumentação que se estriba numa persistência de uma “orientação genérica” que não teria sido revogada desde 1999. O Despacho reporta-se a uma realidade diversa, como aliás transparece de cada vez que ele é invocado, seja nos autos, seja nos dois pareceres a eles juntos.
Não há, portanto, e ao contrário do que alega a Requerente, qualquer violação do disposto no art. 68º-A da LGT.
3. O CONECTIVO “E, BEM ASSIM,” DO ART. 7º, 1, E) DO CIS
Toda a exegese da expressão “e, bem assim,” do art. 7º, 1, e) se ilumina perante o cotejo das normas relevantes no CIS de 1999 e na Lei de OE de 2003, fazendo ruir muita da argumentação que gravitou em torno dela:
Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, Anexo I: “Artigo 6.º
1 - e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária (…);
f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária (…)”
Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (LOE de 2003): Artigo 30.º (Imposto do selo) “O artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 6.º
1 - e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária (…)”. (sublinhados nossos)
O que é que sucedeu? As alíneas e) e f) do art. 6º do CIS fundiram-se numa só, a alínea e), reconhecendo-se a redundância de regime nas alíneas separadas.
Os juros cobrados (al. e)) e as comissões cobradas (al. f)) fundiram-se numa única expressão, por serem ambos cobrados; faltava a referência ao terceiro termo, a utilização de crédito concedido, e o conectivo “e, bem assim” fica a ligar o que é cobrado com o que é utilizado.
Posteriormente, o art. 36º da Lei nº 107-B/2003, de 31 de Dezembro, aditaria ao art. 7º (na nova redacção do CIS introduzida pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro) a expressão “as garantias prestadas”, resultando na redacção ainda hoje em vigor:
“Artigo 7.º
1 - e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária (…)”.
As diversas imputações de sentido ao conectivo soam, portanto, rebuscadas, quando nos apercebemos do modo como ele surgiu: por simples vontade de fusão de duas alíneas próximas, podendo admitir-se, quando muito, que o expediente do uso do conectivo gerou uma desnecessária ambiguidade.
O que o actual art. 7º, 1, e) do CIS pretende veicular é apenas que é idêntico o regime de isenção de várias operações que começaram por ser previstas em alíneas separadas.
Em termos de determinabilidade e de clareza, valores especialmente relevantes no Direito Fiscal, não pode nem deve dizer-se mais sobre a “semântica” (ou até a “polissemia”) deste conectivo dentro daquela norma.
4. A REVOGAÇÃO DO REGIME INSTITUÍDO NA LOE DE 2001 PELA LOE DE 2003
O art. 37º, 2 da Lei nº 30-C/2000, de 29 de Dezembro (LOE de 2001), aditou um nº 2 ao art. 6º do CIS:
“Os artigos 4.º, n.º 2, 6.º, n.os 1, alíneas e) e f), 2 e 3, 8.º, 13.º, alínea g), 14.º, alíneas a), f) e i), 15.º, 17.º, 18.º, 20.º, 22.º, 25.º, 27.º, n.º 1, 30.º, n.os 8 e 9, 32.º e 34.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção:
(…)
Artigo 6.º
(…)
2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas.”
Por sua vez, o art. 30º da Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, revogou essa redacção do nº 2 do art. 6º do CIS:
“O artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 6.º
(…)
2 - (Anterior n.º 3.)”
Dado o que se passou subsequentemente, mormente em termos de controvérsia entretanto gerada e em termos de posição veiculada pelas mais recentes alterações legislativas, poderíamos admitir que tenha havido um lapso do legislador, que, na fusão das 2 alíneas numa só, se esqueceu de manter a especificação formulada na LOE de 2001 – mas isso é irrelevante, porque devemos presumir que ele soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, 3 do Código Civil).
Houve, portanto, uma revogação tácita (no sentido de que não houve uma enumeração em que constasse o preceito revogado).
Note-se, desde logo, que, no momento em que é eliminado, pela LOE de 2003, o nº 2 do art. 6º do CIS que fora introduzido pela LOE de 2001, o regime se aplicava somente a instituições de crédito e a sociedades financeiras.
O regime não se aplicava ainda a “instituições financeiras” (que só foram aditadas ao preceito pela redacção da Lei nº 107-B/2003, de 31 de Dezembro).
Podemos admitir que o legislador, confrontado com a realidade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, mas não confrontado ainda com a realidade mais ampla das instituições financeiras, tenha presumido que aquelas estariam necessariamente dedicadas, em grau apreciável e directo, a operações de concessão de crédito, tornando-se desnecessária a restrição explícita introduzida pelo nº 2 do art. 6º do CIS; e que plausivelmente se tenha esquecido de reponderar quando a alínea e) do nº 1 do art. 6º passou a abarcar as “instituições financeiras”, uma realidade mais ampla (que passa a abarcar as SGFP) na qual a conexão directa a operações de concessão de crédito não seria tão necessária ou evidente, reclamando de novo uma restrição explícita do âmbito das isenções.
Mas subsistia com a revogação, muito claramente, uma outra questão em aberto – a questão que conduziu ao adensar da controvérsia que se plasma nos presentes autos.
E essa questão era: revogada a referência específica à restrição do âmbito de aplicação da isenção (o anterior “apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas”), não foi criada nenhuma nova disposição incompatível com a regra precedente (para usarmos a expressão do art. 7º, 2 do Código Civil).
Isso permitia pelo menos quatro leituras:
-
a de que, a contrario, qualquer operação financeira passava a estar isenta de IS, por mais remotamente conexa que ela fosse com a concessão de crédito, ferindo a “ratio legis” do actual art. 7º, 1, e) do CIS, que se afigura ser a de isentar excepcionalmente de IS operações já isentas de IVA mas que, pelas suas características, poderão ser ainda tributadas a jusante (junto do “consumidor final” dos produtos financeiros, tributando-o directamente em vez de fazê-lo através de repercussão de impostos lançados a montante);
-
a de que, no silêncio quanto à restrição do âmbito da isenção, entrava a operar o princípio geral que se aplica às isenções como benefícios fiscais: o de que as isenções são medidas de carácter excepcional (art. 1º, 1 e 2 do EBF), a serem, por definição, sujeitas a uma ponderação restritiva quanto ao seu âmbito de vigência;
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a de que estava inadvertidamente criada uma lacuna, adensada pelo facto de em nenhum recanto do CIS, do EBF ou da legislação sobre fundos de pensões (Decreto-Lei nº 323/85, de 6 de Agosto, e Decreto nº 12/2006, de 20 de Janeiro) surgir a mais ténue indicação de uma intenção legislativa de privilegiar tributariamente as comissões de gestão pagas pelos Fundos às SGFP, e pelo facto de a revogação tácita não indiciar que o legislador pretendia dispor em sentido oposto (o de alargamento do âmbito de isenção de IS), ou num qualquer outro sentido explícito;
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a de que, preenchendo as SGFP o tipo de “quaisquer outras instituições financeiras” previsto na verba 17.3 da TGIS à data dos factos relevantes nos presentes autos, a norma revogada era inútil para o enquadramento das comissões de gestão pagas às SGFP na verba 17.3.4 da TGIS, “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, estando a incidência preservada pela conjugação daquela verba 17.3.4 com o art. 1º do CIS.
Nada, no articulado da LOE de 2003, ou nos respectivos trabalhos preparatórios, permitia concluir que houvera uma intenção revogatória relativa ao anterior nº 2 do art. 6º do CIS, e menos ainda permitia vislumbrar uma “mens legislatoris” quanto ao que sucederia a esse momento de revogação tácita.
É a esta luz que tem que entender-se a controvérsia que se foi adensando progressivamente, e que acabou por ditar a solução adoptada pelos arts. 152º e 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março.
5. O CARÁCTER INTERPRETATIVO DO Nº 7 DO ART. 7º DO CIS
Transcrevamos, na parte relevante, os arts. 152º e 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março:
Artigo 152.º (Alteração ao Código do Imposto do Selo):
“Os artigos 2.º, 4.º e 7.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, passam a ter a seguinte redação:
(…)
Artigo 7.º
(…)
7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”
Artigo 154.º (Disposição interpretativa no âmbito do Código do Imposto do Selo)
“As redações dadas ao n.º 1, n.º 3 e alínea b) do n.º 5, todos do artigo 2.º, ao n.º 8 do artigo 4.º e ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo e à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo têm carácter interpretativo.”
Uma lei interpretativa, como aquela que é genericamente prevista no art. 13º do Código Civil, visa estabelecer um entendimento apoiado na autoridade da lei e no dever de obediência à lei, dirimindo controvérsias exegéticas e hermenêuticas cuja subsistência possa atentar contra a segurança das relações jurídicas ou contra a proeminência do interesse público.
A lei interpretativa pretende esclarecer um sentido “correcto” de um direito preexistente, conferindo a esse direito preexistente uma “autenticidade” reforçada, visto que a competência interpretativa cabe ainda ao autor da própria norma preexistente, e é por ele exercida.
Pese embora se possa admitir, no debate doutrinário, que causa estranheza o recurso muito frequente a leis interpretativas, não cabe ao intérprete e aplicador do Direito desobedecer-lhes (art. 8º, 2 do Código Civil), nem qualificá-las de “inautênticas”, ou “pretensas”, ou “meramente formais”, sob pena de violação do já citado art. 9º, 3 do Código Civil (em ambos os casos, por aplicação dos arts. 2º, d) e 11º, 1 da LGT).
Por um outro prisma, sublinhemos que o direito aplicável é o direito constituído – como estabelece o art. 2º, 2 do RJAT.
No caso, e ainda apoiados no mesmo art. 9º, 3 do Código Civil, devemos presumir que o legislador, ao atribuir carácter interpretativo ao nº 7 do art. 7º do CIS, “consagrou a solução mais acertada” – uma presunção que, mesmo que seja meramente “iuris tantum”, ainda assim reclamará a demonstração de que, não havendo qualquer controvérsia antecedente, não havendo qualquer conflito de interpretações, não havendo qualquer lesão possível à proeminência do interesse público, ela é uma criação espúria, destinada somente a mascarar um intuito repristinatório e retroactivo.
Ora essa demonstração não se fez.
Bem pelo contrário, ficou demonstrado, pelo Parecer nº 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, pela informação nº I2014… da DSIMT (Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais), de 10 de Novembro de 2014, pelas tomadas de posição do sector das SGFP documentadas nos pareceres juntos aos autos, pelo próprio teor e sofisticação desses pareceres, e pela multiplicação de litígios arbitrais sobre o tema, que havia uma real, genuína, viva controvérsia, que havia um conflito de interpretações, e que, nesse conflito, se abrigava a possibilidade de prevalecer um entendimento desfavorável à proeminência do interesse público – a recomendar, portanto, um remate legislativo, e não uma mera orientação genérica (que, essa, teria menor eficácia na superação de situações de divergência interpretativa irresolúvel entre a administração tributária e o contribuinte – como resulta do disposto no art. 68º-A, 2, da LGT).
Ao contrário do entendimento veiculado por anteriores decisões arbitrais, e pela própria Resposta da Requerente nos presentes autos, em parte alguma está estabelecido que a existência de uma controvérsia, de um conflito de interpretações, apenas fica comprovada através de um determinado número de decisões judiciais ou arbitrais (caso em que caberia perguntar: a partir de que número de decisões se considera feita a comprovação?).
6. SOBRE O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Não apenas o conflito de interpretações foi comprovado, como ficou demonstrada, nessa controvérsia, a inexistência de uma legítima expectativa relativa à prevalência de uma interpretação única entre as várias interpretações possíveis e conflituantes.
Havia várias leituras possíveis em resultado da revogação operada pela LOE de 2003, sem que pudesse dizer-se, com plausibilidade e boa-fé:
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que só uma era necessariamente a legítima e inevitavelmente prevaleceria (uma certeza que o Direito humano não fornece); ou
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que estava consolidada a confiança na prevalência de um regime, como se não houvesse controvérsia (pois nesse caso a tutela da confiança redundaria em denegação de justiça).
Não se vislumbra, assim, em que pode consistir a violação do princípio da confiança que resulta da solução do conflito de interpretações através de uma lei interpretativa, a menos que se pretenda sustentar asserções bizarras, como a de que existe um direito do sujeito passivo a vencer todas as controvérsias jurídicas que o opõem ao fisco, ou a de que a lei interpretativa só vale se for favorável ao sujeito passivo, ou ainda a de que só há genuíno conflito de interpretações se o desfecho acabar por ser favorável ao sujeito passivo.
Como bem se observa no Voto de Vencido formulado no Acórdão 267/2017 do TC, “não se pode dizer que a confiança dos contribuintes no sentido da norma interpretada gera expectativas legítimas da sua continuidade no ordenamento jurídico. Se a norma é controversa, a única expectativa que existe é que o legislador a solucione.”
Insistamos num ponto: a controvérsia foi resolvida, na Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, com a adopção de uma interpretação do art. 7º do CIS que era sobejamente conhecida de todos os operadores do sector, tanto que ficara explicitamente plasmada no CIS no período que decorre entre as LOE de 2001 e de 2003; e tanto que já se contestava essa interpretação vários anos antes de ela vir a ser adoptada na Lei nº 7-A/2016.
Logo, não há aqui a adopção de uma interpretação inovadora, surpreendente ou dissonante com as interpretações envolvidas em controvérsia: a solução encontrada na Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março é a de uma genuína “lei interpretativa”.
7. SOBRE A RETROACTIVIDADE
Claro que uma lei interpretativa tem, nos termos do art. 13º do Código Civil, efeitos mitigadamente, ou formalmente, retroactivos, salvaguardando-se, da nova declaração autêntica acerca do que o direito já era, todas aquelas situações nas quais a controvérsia não impediu o cumprimento ou outras formas de extinção de obrigações, ou situações em que a controvérsia já foi resolvida por uma decisão – o que novamente esclarece que a lei interpretativa tem a especial vocação de desfazer o nó górdio dos conflitos interpretativos que, subsistindo ou até eternizando-se, fazem perigar outros valores que o Direito igualmente tutela (mais do que têm as orientações genéricas, por força do já citado nº 2 do art. 68º-A da LGT).
Devendo lembrar-se que a interpretação autêntica é a que é efectuada no exercício da função legislativa – sendo uma prerrogativa necessária para que a proeminência do interesse público (art. 4º do CPA), que o legislador representa, possa sanar controvérsias.
Não é indiferente à lei interpretativa o tempo decorrido entre ela e a lei interpretada em que ela se integra; mas, ao contrário do que é alegado nos autos, isso não invalida a lei interpretativa, não a converte numa ilegítima “exumação” de uma interpretação que tivesse caducado algures no tempo, nem gera – nem pode gerar – a presunção de que o afastamento temporal converte a lei interpretativa numa verdadeira “lei inovatória”.
A passagem do tempo, pelo contrário, apenas faz aumentar a probabilidade de ocorrência daquelas situações de cumprimento, de extinção das obrigações ou de adjudicação definitiva de interesses que o art. 13º do Código Civil manda ressalvar dos efeitos mitigadamente retroactivos que a lei interpretativa provoca; e evidentemente faz ocorrer os efeitos gerais da caducidade do imposto (arts. 45º segs. da LGT).
Dir-se-á que esses efeitos são de especial melindre nos domínios do Direito Fiscal, dada a expressa vedação de retroactividade que consta do art. 103º, 3 da Constituição. Mas uma leitura do preceito constitucional ajudará a não perdermos de vista o que está em causa:
“Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.” (sublinhado nosso)
Outro tanto se dirá da proibição constante do art. 12º, 1 da LGT, porque manifestamente, no caso, não foi criado qualquer imposto retroactivo.
Não se trata aqui de obrigar alguém a pagar um imposto de natureza retroactiva: trata-se de esclarecer os termos precisos em que é devido um tributo cujos contornos – mormente quanto ao âmbito preciso de uma isenção, dada a respectiva “ratio legis” – estavam nebulosos e permitiam leituras conflituantes, como era perceptível para todos os envolvidos, sendo igualmente compreensível que essa indefinição não poderia perpetuar-se.
Quando entra em vigor a lei interpretativa, é incorporado na lei interpretada um entendimento possível, um dos entendimentos em presença no conflito das interpretações.
Como são respeitadas as situações já encerradas, as decisões adjudicatórias consolidadas, os acordos firmados (descontados os casos ressalvados no nº 2 do art. 13º do Código Civil), é evidente que a única relevância efectiva da lei interpretativa se verifica relativamente às situações pendentes nas quais perdura o litígio assente no conflito de interpretações, as únicas situações em que há que cortar o nó górdio da controvérsia em nome da justiça e da segurança.
Pode o sujeito passivo, insista-se, alimentar a ilusão de que só o seu entendimento é justo e de que nenhum outro entendimento é possível; e pode o mesmo sujeito passivo preferir que se eternize a controvérsia quando se sinta inseguro quanto à prevalência do seu próprio entendimento: mas não pode de boa fé invocar que, quando a lei interpretativa não favoreça o seu entendimento por ter “encurtado o horizonte semântico de possibilidades interpretativas”, isso corresponde a uma situação imprevisível que colide com a tutela da sua confiança.
Como bem observava João Baptista Machado, “a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado” (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 246).
8. DEVEM AS LEIS INTERPRETATIVAS SER PROIBIDAS EM DIREITO FISCAL?
Entendamo-nos: se pudéssemos concluir que todas as leis interpretativas são ipso facto meros expedientes oblíquos de retroacção de regimes inovatórios, com lesão de expectativas juridicamente tuteladas dos seus destinatários, elas deveriam ser pura e simplesmente proibidas, genericamente, nos domínios do Direito Penal e do Direito Fiscal – pelo menos esses dois –.
Podemos admitir, com toda a naturalidade, que uma revisão constitucional o estabeleça futuramente, ou que uma alteração do Código Civil o explicite, ou que um outro dispositivo legal o faça, fechando as portas às leis interpretativas no Direito Fiscal.
Só que:
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Isso não sucedeu (ainda);
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Até que esse momento chegue, o intérprete e aplicador do Direito deve obediência às leis interpretativas (art. 8º, 2 do Código Civil);
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Até que esse momento chegue, o intérprete e aplicador do Direito deve presumir que as leis interpretativas constituem as soluções mais acertadas (art. 9º, 3 do Código Civil);
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Logo, até que esse momento chegue o intérprete e aplicador do Direito não pode presumir, ou alegar, que as leis interpretativas são meros expedientes oblíquos de retroacção de regimes inovatórios;
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Ou seja, até que esse momento chegue o intérprete não pode presumir, ou alegar, que existem leis interpretativas “autênticas”, “inautênticas”, “mais autênticas” ou “menos autênticas”, mais “materiais” ou mais “formais”, para daí retirar consequências práticas na aplicação do Direito;
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A única coisa que, quando muito, o intérprete poderá fazer é invocar o valor de “inconstitucionalidade” de uma lei interpretativa, e é por esse caminho que poderá prosseguir (nos termos e para os efeitos dos arts. 204º e 280º da Constituição e dos arts. 69º e segs. da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), se não quiser violar os seus deveres de intérprete e aplicador do Direito.
Não pode, nem deve, desobedecer à lei, ou desaplicá-la, por menos do que isso, ou por caminhos divergentes desse.
9. O “LOOPHOLE” PERFEITO?
Sob uma outra perspectiva, admitir-se-á que o sujeito passivo pode dedicar-se ao “planeamento fiscal” que quiser, aproveitando todas as “nuances” da letra da lei, explorando e maximizando todos os “loopholes” que a lei inadvertidamente tenha gerado, nas suas incessantes mudanças.
O planeamento fiscal não é, em suma, ilícito; mas ele não é, em si mesmo, constitutivo de direitos nem de expectativas que devam ser juridicamente tuteladas – e menos ainda em sede de Direito Constitucional.
O Estado tem o dever de ir aperfeiçoando o quadro jurídico dos impostos, e por essa via ir constantemente reduzindo a área do planeamento fiscal, mesmo o não-ilícito, evitando por essa via distorções e desigualdades entre contribuintes – ou, no caso da tributação das empresas, evitando que o planeamento fiscal subverta o princípio da tributação do rendimento real (art. 104º, 2 da Constituição).
Que as SGFP tenham vislumbrado, na revogação operada pela LOE de 2003, um “loophole” que lhes permitia, nalgumas operações, uma isenção ao mesmo tempo de IVA (art. 9º, 27, g) do CIVA) e de IS, sem qualquer contrapartida aparente a jusante, é uma coisa; outra, completamente diferente, é reclamarem a eternização desse “loophole”, ou invocarem o direito de impedirem o Estado de colmatar essa brecha da qual ele presumivelmente (pelo que agora resulta da lei interpretativa) se apercebeu de forma deficiente, dada a ambiguidade de regime que, como se viu e vê, resultou daquela revogação.
Mas, ao menos enquanto o Direito não soçobra perante a simples lógica maximizadora e empresarial do “planeamento fiscal”, há que reconhecer que a lei não pode ficar refém de simples expectativas económicas estribadas na exploração de um “loophole”, nem pode deixar-se capturar pelo falso argumento de que lapsos passados, ou pretéritas lacunas inadvertidas, devem ser eternizadas e são incorrigíveis, a proveito de quem – não tendo que preocupar-se com o equilíbrio de valores que deve presidir aos regimes jurídicos – explora as vantagens não-ilícitas nascidas dessa deficiência normativa.
10. REPRISTINAÇÃO E RETROACTIVIDADE
E isto, note-se bem, sem quaisquer caducidades ou prescrições extintivas ou aquisitivas, que evidentemente não se aplicam aos regimes legais: se se alega nos autos o facto de a solução encontrada na Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março não ser válida por ter sido “exumada” da interpretação que vigorou expressamente entre 2001 e 2003, então que diríamos nós de soluções legais e jurisprudenciais que revigoram interpretações encontradas na Lei Geral Tributária, na Constituição ou no Código Civil – isto para não recuarmos para mais provectas referências jurídicas, políticas, morais ou culturais?
Reconheça-se que o especial melindre da retroactividade nos domínios tributários tem que ser acompanhado de cuidados muito particulares – mas não ao ponto de vedarem retrospectividades e retroactividades mitigadas, seja na lei em geral, seja na lei interpretativa em particular.
Pensemos, aliás, que os mesmos melindres poderiam vedar a própria actuação da justiça tributária, na medida em que ela, ao dirimir litígios, tem consequências não despiciendas sobre os efeitos temporais das situações jurídicas atingidas. Como bem observava Baptista Machado, “se porventura se pode dizer que as variações e mudanças jurisprudenciais no que respeita à interpretação de uma regra de direito, pelo menos na medida em que esta regra nunca foi considerada certa, não têm efeito retroactivo, então também a lei interpretativa nos termos atrás definidos não será substancialmente retroactiva” (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 247)
E isso conduz-nos a uma advertência: se porventura queremos afastar efeitos retroactivos de uma lei interpretativa pondo em xeque a sua “autenticidade”, a sua “legitimidade”, chamando-lhe “pretensa lei interpretativa”, ou “lei interpretativa inautêntica”, como poderemos nós então sustentar que a mesma lei interpretativa pode ao menos dispor para o futuro e vigorar “ex nunc”?
Atacarmos a lei interpretativa é legitimarmos a perpetuação para futuro da controvérsia que essa mesma lei visou resolver – ou no caso, a manutenção do “loophole” a ser explorado pelo “planeamento fiscal”.
Por que razão estranha haveria de se ter por resolvido ex nunc um conflito de interpretações que aproveita ao planeamento fiscal, se a jurisprudência ilegitima, a pretexto da retroactividade, o próprio instrumento legal utilizado para esse efeito?
11. INCIDÊNCIAS DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA?
Também foi colocada, nos autos, a questão de se saber se a tributação em sede de IS das comissões de gestão cobradas pelas SGFP viola, ou não, o disposto na Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro, e na Directiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho de 2003, alegadamente por ambas vedarem a repercussão do imposto a jusante, sobre os fundos de pensões – o que no entender da Requerente vedaria a tributação em IS das comissões de gestão cobradas pelas SGFP, ou, por outra via, tornaria necessária a respectiva isenção.
Sem embargo de a resposta a esta questão estar já prejudicada pelo entendimento geral que perfilhámos, e sem embargo de poder ser uma questão que legitimamente se colocaria perante o TJUE, a verdade é que cremos que essa seria uma forma demasiado oblíqua e distante de chegarmos à definição de um regime que, dados os valores de legalidade e de (mitigada) tipicidade que presidem ao Direito Fiscal, teria que resultar mais directa e seguramente de norma explícita no direito interno.
Aliás, o argumento que a Requerente utiliza para inferir que deveria haver isenção de IS sobre as comissões cobradas pelas SGFP (o argumento de que, nos termos do art. 11º do Decreto-Lei nº 12/2006, de 20 de Janeiro, o património dos fundos de pensões tem uma afectação que exclui o suporte de quaisquer impostos), na verdade não justificaria a isenção, e apenas impediria a repercussão a jusante do IS que viesse a recair sobre essas comissões, implicando o suporte pleno do imposto pelo contribuinte de direito, ou seja as próprias SGFP.
Mais decisivo, contudo, para se afastar esta invocação de possíveis incidências do direito da União Europeia no caso vertente, é que se procura extrapolar, ilegitimamente, do regime de tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais para a tributação de comissões de gestão cobradas pelas SGFP – duas realidades obviamente muito distintas.
12. CONCLUSÃO
Recapitulando, no nosso entendimento:
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Estão preenchidos, no caso, os requisitos para se qualificar uma lei como interpretativa.
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O legislador consagrou uma solução interpretativa que resolve a incerteza a que chegavam o intérprete e o julgador com base no quadro anterior à alteração legislativa.
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A solução que resultava do teor literal do art. 7º, 1, e) do CIS era controvertida e a solução encontrada pela lei interpretativa situa-se dentro dos limites da controvérsia – no sentido de que as regras de interpretação e aplicação abarcavam a possibilidade de uma solução restritiva mais conforme com o pensamento legislativo, afigurando-se contestável, mas não aberrante ou absurda, essa interpretação restritiva.
Não entendemos, assim, que sejam inconstitucionais, por violação do princípio da não-retroactividade da lei fiscal ou por violação do princípio da confiança, os arts. 152º e 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, ao aditarem um novo nº 7 ao art. 7º do CIS, e ao disporem que a redacção desse nº 7 do art. 7º do CIS tem carácter interpretativo.
Logo, o pedido de pronúncia arbitral devia ter sido julgado improcedente, e absolvida a Requerida.
Em especial quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, com ou sem juros indemnizatórios, assente na alegação de erro dos serviços, a sua procedência afigura-se gritantemente injusta porque, se o fundamento da procedência do pedido for o da inconstitucionalidade, isso desconsidera o facto de a Requerida estar vinculada ao princípio da legalidade, não podendo furtar-se a aplicar as normas com alegações de inconstitucionalidade (art. 266º, 2 da Constituição, art. 8º da LGT e art. 3º, 1 do CPA). Ad impossibilia nemo tenetur…
Não desconhecemos, por fim, o valor autónomo de uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (art. 8º, 3 do Código Civil), e não desconhecemos que este nosso voto é dissonante, não somente do entendimento maioritário nos presentes autos, mas também da orientação plasmada nas decisões dos processos arbitrais n.º 348/2016-T, de 2 de Maio de 2017, n.º 633/2016-T, de 19 de Maio de 2017, n.º 667/2016-T, de 20 de Junho de 2017 e nº 9/2017-T, de 30 de Agosto de 2017.
Mas a uniformidade não é um valor absoluto e incondicionado, que dispense o julgador de seguir, com plena independência, a sua consciência e os seus valores jurídicos – no pleno respeito dos dos outros intérpretes e aplicadores do Direito.
(Fernando Araújo)
[1] Veja-se o Processo n.º 667/2016-T, de 20 de junho de 2017.
[2] Conforme sustentado nas decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, e n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017; n.º 667/2016-T, de 20 de junho de 2017.
[3] Vid. Processo n.º 667/2016-T, de 20 de junho de 2017.
[4] Cfr., José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 10ª ed., Coimbra, 2017, 149 ss.
[5] Neste sentido, J. L. Saldanha Sanches, “Lei interpretativa e retroatividade em matéria fiscal”, Fiscalidade, 1, 2000, 77 ss.
[6] Cfr. Laurence H. Tribe, “The Curvature of Constitutional Space: What Lawyers Can Learn from Modern Physics”, 103, Harvard Law Review”, 1989 ss.
[7] Cfr. Art. 17º do CIS Lei 150º/99, de 11 de setembro, e Despacho de 17 de março de 1999 que afirmava a não sujeição das comissões cobradas por SGFP’s a imposto de selo. A Circular 15/2000 de 5 de julho não afastou este regime.
[8] Cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 10ª ed., Coimbra, 2017, 219 ss.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2003, 259 ss.;
[9] Esse risco já era apontado por J. L. Saldanha Sanches, “Lei interpretativa e retroatividade em matéria fiscal”, Fiscalidade, 1, 2000, 77 ss.